A situação na Ucrânia continua sem alterações significativas, mantendo-se o clima de guerra, a caminho do terceiro mês, não se vislumbrando qualquer aproximação no sentido da paz, seja entre os dois antagonistas seja em termos internacionais, por parte dos EUA ou da China, os quais muito recentemente reconheceram que lhes cabia especiais responsabilidades na preservação da Paz internacional.
A dimensão comunicacional do conflito trouxe a realidade da guerra para o direto dos telejornais e o cidadão é, em tempo real, confrontado com a imagem do acontecimento, transformado em realidade objetiva de todo o fenómeno político militar e levado a tomar posição, seja de aprovação ou condenação imediata, em relação a qualquer um dos contendores. É necessário ter consciência de que a realidade da guerra na Ucrânia não pode ser reduzida a alguns segundos de imagem, apresentada na TV, embora não devam existir dúvidas quanto a quem cabe a responsabilidade da invasão e o que isso representa em termos de violação do Direito Internacional e da Carta das Nações Unidas.
No teatro de operações da Ucrânia não há alterações quanto ao desenho estratégico da manobra militar anunciada pela Rússia e aos objetivos a atingir. A discussão a que se vai assistindo nos “media” prende-se com a maior ou menor rapidez com que os mesmos são ou deveriam ser atingidos e com o grau de resistência das Forças Ucranianas; se conseguem opor-se e se têm ou não capacidade para fazerem contra-ataques.
Nestes domínios as informações são contraditórias; com o Reino Unido a sugerir a possibilidade de vitória da Ucrânia; os EUA a referirem que os avanços russos “são anémicos”, fruto da resistência ucraniana, e os russos a declararem que estão a ser atingidos os objetivos a que se propuseram.
Do lado europeu, no Parlamento Ucraniano, Boris Jonhson reforçou a disponibilidade do Reino Unido para continuar o apoio militar e expressou a sua convicção numa vitória da Ucrânia sobre a Rússia. Pode dizer-se que o discurso proferido vem na linha das afirmações dos líderes europeus e americanos (Polónia, EUA, Canadá, Secretário-geral da OTAN e Volodymyr Zelenski), que têm posto o ênfase das suas declarações políticas no reforço das capacidades de defesa ucraniana, em simultâneo com o agravamento das sanções à Rússia e do seu enfraquecimento estrutural, económico e militar, a par do isolamento político.
Mas existe outro discurso europeu que, sem descurar o apoio militar à Ucrânia para que se defenda e possa minorar as consequências de um maior poder militar russo, advoga o fim da guerra tão rápido quanto possível; refiro-me a Emmanuel Macron e a Olaf Scholtz que têm alertado para os perigos de uma escalada, que leve a uma III GM.
Perante este clima de informação e contra-informação, a análise do dia-a-dia é errónea e necessita de maior espaço de avaliação, que permita verificar, objetivamente, onde houve sucessos e retrocessos e onde existem forças e posições consolidadas para cada um dos lados. Só assim será possível ter uma noção correcta dos acontecimentos.
Esta situação, influenciada por uma menor objetividade, aceitação acrítica da informação tornada disponível por fontes diversas, “alinhamentos”, maior compreensão ou condenação, por vezes emocional, de determinados acontecimentos, tem levado a uma avaliação numa perspetiva dicotómica entre aqueles que chamam a atenção para que o conflito deve ser resolvido de forma negociada, e os que entendem essa atitude como uma forma injusta de favorecimento da Rússia, que assim obteria ganhos territoriais, decorrentes de uma agressão ilegal e inaceitável em termos do Direito Internacional.
Importa reconhecer que a não aceitação de negociações parece apontar para uma solução resultante de “uma vitória militar”, em que alguns admitem que, fruto do apoio militar ocidental, um enfraquecimento estrutural progressivo da Rússia e do seu isolamento político internacional, como já foi referido, conduzirá à vitória da Ucrânia e à retirada russa dos territórios atualmente ocupados, incluindo a Crimeia.
Esta posição parece ignorar que o prolongar da guerra tem como consequências imediatas e objetivas, mais baixas, maiores destruições no interior da Ucrânia, maior sofrimento para as populações (quase cinco milhões de refugiados e cerca de dez milhões de deslocados no interior do país) e que a vitória, sempre incerta, poderá pender para o lado russo e, nessas condições, com um maior poder negocial desta, para ditar um cessar fogo e um acordo para o fim do conflito.
Este discurso, algo extremado, tende a levar a opinião pública a optar entre os esforços pela paz (a paragem das hostilidades, o mais cedo possível, mesmo com custos territoriais para a Ucrânia) e os que insistem na retirada da Rússia de território ucraniano, mesmo que isso signifique o prolongar da guerra, ou mesmo um envolvimento directo europeu (OTAN ou UE no interior da Ucrânia).
Relativamente a esta última opção, as suas consequências têm estado omissas na sua formulação, parecendo desconhecer que a guerra e a paz constituem decisões político-estratégicas, marcadas pela “realpolitik” e que, neste caso concreto, mais do que a solução da guerra no interior da Ucrânia, a posição expressa prende-se com a relação futura com Vladimir Putin e com a Rússia.
Na verdade, o processo negocial está parado, os contactos diplomáticos são técnicos e a ação desenvolvida pelo Secretário-geral da ONU nesta fase visou o estabelecimento de corredores humanitários, os quais têm vindo com sucesso a retirar civis do complexo AzovStal, nesta data havendo a informação de que terão sido retirados todos. A confirmar-se esta situação, é de admitir que a intensidade das ações militares por parte da Rússia assumam maior intensidade.
Esta ausência de contactos diplomáticos formais e de nível mais elevado, é também a indicação de que a manobra militar não está perto do fim, e de que há ainda objetivos em aberto para ambas as partes, independentemente de serem realistas ou não, mas isso determina também declarações políticas extremadas, quer do lado russo, que afirma que “todos os objectivos políticos declarados em 24 de fevereiro continuam em cima da mesa”, e do lado ucraniano, de que “não haverá negociações enquanto as forças russas estiverem na Ucrânia”.
Por último, referir que também o Papa fez o apelo no sentido de chamar a atenção, mais uma vez, para a necessidade de se pôr fim à guerra, apostando mais na via do diálogo e da negociação do que apenas no reforço das armas. Paralelamente, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, por unanimidade, pela primeira vez, uma Declaração sobre a situação Ucrânia e a necessidade da sua resolução, e reforçando a confiança no Secretário-geral António Guterres, nos seus esforços em busca de uma solução pacífica para o conflito.
Oxalá possam estar nestas declarações os primeiros passos para o reconhecimento de um interlocutor que possa vir a mediar o conflito, acelerar um cessar fogo e conduzir posteriormente um processo de mediação que ultrapasse a crise atual e favoreça a paz na região.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.