“SI VIS PACEM PARABELLUM”
Provérbio latino
No período que decorre entre meados do século XVII e o início do século XIX, a presença de militares estrangeiros nos exércitos europeus era uma situação bastante usual.
Na época, era comum unidades completas de militares profissionais oferecerem os seus serviços a troco de pagamento, algo que poderíamos com facilidade chamar hoje de mercenários, ou unidades que combatiam sob uma bandeira que não era a sua, por força de alianças ou tratados.
Por outro lado, os permanentes conflitos europeus e a profissionalização da guerra permitiram que houvesse um mercado de trabalho internacional para oficiais de elevada preparação e formação, complementada por experiência de combate. Esta época coincide também com a criação de inúmeras escolas militares, nas quais são preparados os filhos da nobreza e da alta burguesia na arte da engenharia, da artilharia e da tática.
No entanto, não deve haver nenhum caso como o do Exército Português. O reino de Portugal não usou apenas o subterfúgio de contratar ou fazer alianças para obter militares com elevado nível de formação para colmatar as deficientes unidades nacionais, como, por longos períodos, entregou o comando do seu Exército a oficiais estrangeiros. O tema tem sido desenvolvido por múltiplos estudiosos nas suas diversas vertentes, dos quais se destacam os estudos produzidos recentemente por ocasião do XXI Colóquio de História Militar (2012), organizado pela Comissão Portuguesa de História Militar, na comemoração dos 250 anos da chegada do conde de Lippe a Portugal, e onde se pretendeu analisar a necessidade, as reformas e consequências da presença de militares estrangeiros no Exército Português. Os trabalhos reproduzidos nas atas deste colóquio são matéria para quem pretenda aprofundar o tema ou ponto de partida para novas investigações.
Mas se houve uma presença assídua, quase permanente, e uma profunda influência no Exército Português de militares estrangeiros, não poderemos esquecer que, neste período, também portugueses combateram sob outras bandeiras. Podemos destacar como exemplos paradigmáticos os casos do infante D. Manuel de Bragança (1697-1766) no Exército Austríaco e de Pamplona Corte-Real (1760-1832) nos Exércitos Russo, Inglês e Francês.
O príncipe D. Manuel de Bragança, irmão mais novo do rei D. João V, fugiu de Portugal em conflito com o monarca de Portugal e veio a combater os Turcos integrado no Exército do Império Austríaco, vindo a ser nomeado marechal de campo dos exércitos imperiais e obtido o comando de um regimento de couraceiros (Soares, 1937).
Pamplona Corte-Real combateu, como jovem oficial, no Exército Russo de Catarina II, durante a guerra na Crimeia, contra o Exército do Império Otomano (1787-1791), acompanhou de forma pontual o Exército Inglês do duque de Iorque na tomada de Valenciennes ao Exército da França Revolucionária (1793) e, mais tarde, tendo partido para França, em 1808, como chefe de estado-maior da Legião Portuguesa ao serviço de Napoleão, participou na batalha de Wagram (1809) e na 3.ª Invasão de Portugal, comandada por Massena (1810-11), estando presente na batalha do Buçaco (1810), nas Linhas de Torres Vedras (1810-1811) e na subsequente retirada. Participou nas campanhas da Rússia e, depois de servir Napoleão no Grand Armée, renegou essa experiência e ofereceu os seus serviços a Luís XVIII (1814), terminando a sua carreira militar como general, barão e governador dos Departamentos de Loire e Cher e de Dijon, naturalizando-se francês. Condenado à morte em 1811, foi indultado em 1821, sendo eleito membro das Cortes Constituintes e, mais tarde, foi Ministro Assistente ao Despacho, Ministro da Guerra e Encarregado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Conselheiro de Estado, valido e confidente de D. João VI, e ainda elevado à condição de conde de Subserra (1823) (Moura, 2019, p. 252).
Relativamente à presença de militares estrangeiros em Portugal, no período em estudo, ou seja, entre a guerra da Restauração e o período napoleónico, poderemos encontrar, nos quase 175 anos que separam os anos de 1640 a 1815, três períodos distintos e muito característicos, pois todos ocorreram em épocas marcadas por conflitos armados travados dentro dos espaços territoriais portugueses, correspondentes aos períodos da guerra da Aclamação (1640-1668), da guerra Fantástica (1761-1763) e da guerra Peninsular (1807-1814). Isto não significa que durante os anos entre estes marcos importantes não tenham existido também oficiais estrangeiros em Portugal. Existiram de facto, quer contratados para serviços particulares, quer oficiais que permaneceram em Portugal de forma mais ou menos permanente após os referidos conflitos.
Nestes três períodos selecionados para caracterizar a presença estrangeira no Exército Português podemos distinguir três oficiais que assumiram funções de comando, de juris ou de facto e cuja intervenção foi significativa para a reestruturação dos exércitos que tinham sob o seu comando. Foram eles o conde de Schömberg, no período da guerra da Aclamação, o conde de Lippe, no período da guerra Fantástica, e o marechal Beresford, no período da guerra Peninsular. Os dois primeiros eram de origem germânica e o terceiro provinha de uma família inglesa com origem na Irlanda. Da análise da sua passagem por Portugal podemos aferir da extraordinária influência que tiveram no Exército Português.
“... ninguém sabe fazer a sua obrigação, por não haver,
nem disciplina, nem doutrina, nem escola; não sabemos
mandar, não sabemos obedecer...”
Cartas de José da Cunha Brochado
ao conde de Viana, D. José de Meneses (1705-1710)
Após um período, que decorre de 1580 a 1640, que corresponde à perda da nossa independência por questões dinásticas e a uma ocupação de facto por parte da coroa espanhola, com degradação da situação no nosso império colonial, principalmente no Brasil, território muito apetecido pelos holandeses, o Exército Português no território continental europeu era quase não existente e muito pouco eficaz.
Como refere Magalhães Sepúlveda, historiador militar do virar do século XX, “uma das feições características da guerra da Restauração em Portugal, principalmente no período a que este volume é consagrado, é a presença de numerosos officiaes e tropas estrangeiras que nos auxiliaram no bom êxito das nossas armas” (1902, 303). A sua importância é de tal modo significativa que lhes é dedicado um capítulo inteiro em cada um dos primeiros quatro volumes, com um total de mais de 1000 páginas, “Officiaes estrangeiros ao nosso serviço”. Estes oficiais, na casa das várias centenas, eram das mais diversas nacionalidades, sendo principalmente franceses que acompanharam Schömberg, vindo de França por influência de Turenne, mas também cidadãos holandeses, catalães, italianos, ingleses, irlandeses, alemães, suecos, suíços e até um espanhol.
Numa era em que os mercenários eram uma matriz comum nos exércitos europeus, e que após o término da guerra dos Trinta Anos, em 1648, estavam disponíveis para o serviço de quem pagasse, a necessidade de Portugal recorrer a estrangeiros não é de admirar, pois o Exército Português, após 60 anos de ocupação filipina, era uma débil organização repleta de problemas e vícios. João de Carriam1, um militar estrangeiro, que provavelmente esteve ao serviço de Portugal, regista, cerca de 1595, esta opinião: “os portugueses são agudos e de bom entendimento e hábeis, mas que pelo pouco exercício que usam na milícia são indómitos e feitos à sua vontade, não obedecendo a seus oficiais superiores” (apud Costa, 2003, 2: 98). E já no fim do século XVII, cerca de 1694, o Padre António Vieira afirmou que “… homens em Portugal que, sem terem gasto os anos nas escolas da Flandres, nem campeado nas fronteiras de África, por mais que os mandem ter armas, e exercitá-las, têm por afronta e por ociosidade este exercício, como se fora contra os foros da nobreza prevenir a defesa da Pátria” (Vieira; ALVES, ed. lit. 1959, vol. 3).
Um exército com soldados que não obedecem, comandado por chefes que não sabem mandar, não é propriamente um exército de sucesso. Não é pois de estranhar que houvesse necessidade de recorrer a oficiais e a forças estrangeiras para defender a independência recém-conquistada.
Logo após o golpe de estado de 1 de dezembro de 1640, Portugal foi apoiado na sua defesa contra Espanha por um contingente holandês, comandado pelo coronel Lambert Floris van Til (que veio a morrer em 1642). Este contingente permaneceu em Portugal nos anos de 1641 e 1642, e era constituído por um regimento de cavalaria e um regimento de dragões. A primeira unidade comandada pelo tenente-coronel Jan Willem van Til (irmão do coronel Lambert). Entre outros, destacaram-se o sargento-mor (major) Alexandre van Harten, que comandava um esquadrão, bem como os capitães Conrad Piper, Jacob de Cleer, Jacob van Wagen, Alexandre Bery, Mauricius Lamair, Henrique Schilt e Gaspar van Berg. O regimento de dragões era comandado pelo tenente-coronel Estacius Pick, e dele se destacaram os capitães Frederik van Plettemburg, Frederik Streecht, Joan Doecy, Pedro Behan, Sigismundus Finkeltous, Roomfort, e Joan de La Roche. É de salientar a contradição existente nesta situação, já que Portugal e Holanda estavam em conflito, no Nordeste brasileiro, mas no continente europeu os interesses comuns da luta contra Espanha falavam mais alto.
Felizmente, para Portugal, a dispersão de forças do império filipino permitiu que, no período inicial, a guerra da aclamação se tenha limitado a algumas escaramuças nas fronteiras do Minho, Beira e Alentejo; no entanto, a 26 de Maio de 1644, as forças portuguesas tiveram um importante sucesso na batalha de Montijo (Província de Badajoz, Espanha), graças ao comando de Matias de Albuquerque, 1.º conde de Alegrete, general com experiência obtida nos conflitos coloniais, no Brasil, contra os holandeses. Neste combate, as forças portuguesas contavam com alguns estrangeiros, designadamente 150 cavaleiros holandeses, comandados pelo capitão Piper. Reza a história que foi um estrangeiro, o capitão francês Henrique de Lamorlaye, que defendeu a vida do comandante-em-chefe, Matias de Albuquerque, após lhe terem morto o cavalo, “defendendo-lhe a vida às cutiladas e desprezando gloriosamente a sua, se desmontou e lhe deu o seu cavalo, cobrando depressa e galhardamente outro” (Ericeira; Dória, ed. lit., 1946, 67).
Quinze anos depois, em 1659, regista-se nova batalha campal, na qual as tropas portuguesas obtêm uma vitória esmagadora e humilhante para as forças de Filipe IV apesar de, mais uma vez, estar em inferioridade numérica. Neste confronto, que ficou conhecido como batalha das Linhas de Elvas, o exército português comandado por D. António Luís de Meneses, venceu o exército espanhol, que sitiava a praça de Elvas, causando-lhes pesadas baixas (Duarte, 2007).
Apesar desta retumbante vitória, que de certa forma apagou a lembrança do fracasso que tinha sido o cerco de Badajoz no ano de 1658, a iniciativa da guerra continuou a pertencer ao exército espanhol de Filipe IV. Só as derrotas espanholas nas batalhas campais da década seguinte (1663, Ameixial, e 1665, Montes Claros) levariam a uma inversão dos papéis, que vieram a conduzir à ratificação da paz, no início de 1668 (Espírito Santo, 2005). Nestas batalhas vitoriosas para os portugueses começava a sentir-se a influência da presença do conde de Schömberg e do grande número de militares estrangeiros, que deram uma ajuda importante na reorganização do Exército e na condução das operações.
Foi num contexto de defesa do território contra as investidas espanholas que Friedrich Hermann von Schömberg (1615-1690), marechal de campo de origem alemã, chegou a Portugal, no ano de 1660. Vindo “por indicação de Turenne e a aprovação dos monarcas francês e inglês, é contratado o marechal conde de Schömberg, então ao serviço do Exército Francês, com mais cerca de duas dezenas de oficiais, nomeadamente franceses, para servir no Exército Português com vista à continuação da preparação e à condução da guerra no nosso território contra os espanhóis. A contratação do marechal, como a de todos os oficiais que com ele vieram e estiveram depois sob as suas ordens, foi objecto de documento particular pessoal, mas que no seu caso abrangia também os filhos Frederick e Meinhard que o acompanhavam” (Alves, 2012).
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Figura 1 – Retrato do duque de Schömberg atribuido a Adriaen
van der Werff. Royal Academy mit Darstellungsbezeichnung.
Schömberg ocupou um lugar de destaque no Comando das forças do Exército Português e na assessoria aos oficiais generais portugueses, e apesar de nunca ter sido nomeado Comandante do Exército, por suspeições, ciúmes e invejas, teve ação decisiva, quer em campanha quer em tempo de paz. Em campanha, não podemos deixar de sublinhar o seu papel de relevo nas batalhas do Ameixial (1663) e de Montes Claros (1665), facto que tem sido por vezes menorizado por questões de orgulho nacional.
O conde de Schömberg, após uma visita de inspeção e reconhecimento ao Alentejo, escreve ao Conselho de Guerra uma carta em que regista, entre outras recomendações, os seguintes aspetos2:
1. ...digo que nas praças fortificadas são necessários governadores experimentados para a defesa delas, e tenentes que os ajudem e assistam dentro das praças todo o ano…
.../...
6. Como o inimigo vai atacando a Província de Alentejo com exército mais considerável, me parece que Vossa Majestade deve mandar levantar maior número de infantaria, e será conveniente fazer dois terços mais, cada um de oitocentos homens, dos quais se não acham efectivos na campanha seiscentos, e para os governar escolher oficiais vigilantes e experimentados, para dar uma melhor forma à disciplina militar.
7. Que o governador das armas tenha poder de castigar e tirar os postos aos oficiais que não fazem sua obrigação, e que não permitam que os mestres de campo façam capitães e alferes sem serem bem conhecidos por seus serviços na guerra, porque a experiência mostra que a maior parte destes são seus criados (…) E tem-me mostrado a experiência que alguns capitães têm pouco cuidado de suas companhias, deixando fugir os soldados, porque sabem que não recebem menos paga do que os que têm maior número de gente (…).
8. Tocante à cavalaria, não repito o que já na infantaria relatei. Os defeitos que se acham são: a disciplina militar muito alterada [da] parte dos capitães, acostumados a grande descanso; o seu maior cuidado é de se aproveitarem de suas companhias.
.../...
12. O meu parecer não é que se confiem os postos aos mais antigos, mas aos de que Vossa Majestade tiver informado que se tem achado nas ocasiões, por suceder nisto que um oficial em três ou quatro anos terá nisto mais que alguns outros capitães ou mestres de campo em quinze, os quais, por mais antigos pretendem ser mais experimentados, e talvez terão gastado a maior parte do tempo em suas casas, murmurando [criticando] com descanso o trabalho e acções dos outros. E como vemos que estes homens cada dia pretendem por antiguidade e recebem acrescentamentos em seus postos, não se fazendo distinção das pessoas que servem bem, se faz o serviço com pouco zelo e cuidado.
.../...
No Exército Português da época grassava uma falta de disciplina e de organização, uma falta de liderança e de treino, uma falta de efetivos e de armamento, uma falta de brio e de decoro, isto apesar do país se encontrar em conflito havia duas décadas. Todas estas falhas são notórias nos relatórios de Schömberg, que vem a ter um papel fulcral na reorganização e reestruturação do Exército.
Schömberg assinou, em 24 de agosto de 1660, o contrato para servir como mestre-de-campo general do Alentejo, e comandante das tropas estrangeiras em Portugal, tendo chegado a Lisboa no dia 13 de novembro seguinte. A sua demora deveu-se a ter regressado à Alemanha, para se despedir da mulher, e visitar Inglaterra para discutir o apoio militar deste país a Portugal, no âmbito das conversações que, um ano mais tarde, a 23 de junho de 1661, viriam a resultar na assinatura do tratado de paz e aliança entre Carlos II de Inglaterra e D. Afonso VI de Portugal. Schömberg esteve em Lisboa até janeiro de 1661, após o que se dirigiu para o Alentejo, em inspeção das praças de guerra da província.
Schömberg, apesar de ter participado em todas as campanhas e batalhas importantes que se realizaram no Alentejo, de 1661 a 1668, nunca exerceu de jure, o comando do exército no Alentejo, função para a qual tinha sido contratado. Segundo Kazner3, na sua obra sobre as campanhas de Schömberg em Portugal, traduzida do alemão pelo general Dumouriez (1807), o seu contributo para o desenvolvimento da arte da guerra em Portugal foi o de ensinar o Exército a acampar em formação de combate, ganhando flexibilidade e fazendo com que as saídas e entradas fossem muito mais rápidas. Introduziu também no Exército a organização regimental francesa, com efetivos mais reduzidos, isto levou ao desdobramento de antigos terços criados logo a seguir à Restauração. Tal reorganização era quase uma exigência para se obter uma compatibilização com a tática utilizada pelas forças militares aliadas de Portugal que reforçavam o Exército, vindas de Inglaterra e França.
Schömberg foi o paradigma do oficial mercenário do século XVII, titulado e condecorado pelas várias coroas que serviu: 1.º conde de Mértola, 1.º duque de Schömberg, marquês de Harwich, conde de Brentford e barão de Teyes, foi marechal de França e general dos exércitos de Portugal e Inglaterra. No entanto, é interessante notar que. após 8 anos de prestação de serviços excecionais à coroa portuguesa, fundamentais para a independência nacional, Schömberg regressa a França, com o título de conde de Mértola e uma pensão anual de 400 florins alemães, que nunca lhe foi paga (DUMOURIEZ, 1807, iii-iv).
Mas, nesta segunda fase da luta pela manutenção da independência face a Espanha, não foi apenas a presença de Schömberg e de um conjunto alargado de oficiais que caracterizou a presença estrangeira em Portugal. A coroa contratou, igualmente, diversas unidades estrangeiras para o seu serviço, designadamente holandesas, inglesas e francesas, que auxiliaram na guerra contra Espanha, mitigando as falhas endémicas do Exército.
Entre os anos de 1662 e de 1668, um contingente britânico, comandado sucessivamente por Murrough O’Brien, conde de Inchinquin (entre julho e novembro 1662), Christopher O’Brien (entre novembro de 1662 e janeiro de 1663) e, finalmente, pelo próprio conde de Schömberg (de 1663 a 1668). O contingente britânico de escalão brigada era constituído por dois regimentos de infantaria e um regimento de cavalaria4.
O 1.º Regimento de Infantaria teve inicialmente no seu comando o coronel James Apsley, mas a partir de 1665, o regimento passou para o comando pessoal do conde de Schömberg, apesar do seu comando efetivo ter sido delegado no tenente-coronel William Sheldon. Este último oficial liderou o regimento na batalha de Montes Claros, em 1665, tendo morrido em combate.
O 2.º Regimento de Infantaria foi comandado inicialmente pelo coronel Henry Pearson. No entanto, foi o tenente-coronel Thomas Hunt que o comandou na batalha do Ameixial, e que veio a morrer, mais tarde, em 1664, no ataque a Valência de Alcântara. O regimento esteve igualmente presente na batalha de Montes Claros, em 1665, tendo sido comandado pelo major John Rumpsey.
Por último, o contingente britânico tinha um regimento de cavalaria, inicialmente sob o comando do coronel Murrough O’Brien (de julho a novembro 1662), tendo o comando efetivo sido desempenhado posteriormente pelo tenente-coronel Michael Dongan, até à sua morte na batalha do Ameixial. Dongan foi substituído pelo major Lawrence Dempsey, que morreu em 1664. Finalmente, coube ao marquês de Schömberg, filho do conde de Schömberg, chefiar esta unidade até ao final da guerra.
Igualmente no mesmo período, esteve presente em Portugal um contingente francês, constituído por quatro regimentos de infantaria e sete regimentos de cavalaria. Os regimentos ficaram conhecidos pelos nomes dos seus comandantes, designadamente, os regimentos de infantaria de Viole d’Athis, de Orelio, de MacSuey e de Tirel. E ainda, cinco regimentos de cavalaria ligeira, de du Boucquoy, de Montjouant, de Graveline, de Chantereine e de Mahé, um regimento de carabineiros de Boisemont e, finalmente, um regimento de dragões de Mazeros.
Como se pode verificar, destaca-se nesta presença estrangeira a predominância de oficiais profissionais e experientes na arte da guerra, bem como de unidades de cavalaria, que eram escassas no Exército Português, devido ao facto de serem mais exigentes do ponto de vista de formação tática e técnica, bem como mais difíceis de obter e onerosas de sustentar.
Mas, tal como se criou do quase nada um exército para manter a independência recém reconquistada, com portugueses, mas também com estrangeiros mercenários, também rapidamente se desfez. Como questionava o marquês de Marialva nas consultas do Conselho de Guerra, em 1664: “que razão poderá haver para se desfazer um Exercito de doze mil infantes pagos e escolhidos em que entram perto de quatro mil estrangeiros que recebem os seus soldos todos os mezes, e perto de seis mil cavalos em que não considero nenhuma diminuição por não haver neles um tão só auxiliar” (Carta do Marquês de Marialva. Consultas ao Conselho de Guerra. Apud MAGALHÃES SEPULVEDA, 1902, 123).
“O Exército Português estava nessa época pouco menos que reduzido
a zero. Entorpecido por uma paz de muitos anos, a sua eficiência era
quase nula; além disso não tinha efetivo compatível com a sua missão
e o que havia não tinha armamento, vestuário, nem instrução…”
sales, Ernesto (1936), O Conde de Lippe em Portugal
O segundo período histórico em análise corresponde ao período da guerra Fantástica (1761-1763). A guerra Fantástica, também conhecida por guerra do Mirandum, foi a designação pela qual ficou conhecida a participação de Portugal na guerra dos Sete Anos (1756-1763). Portugal, assim como Espanha, tinha mantido a neutralidade durante os anos iniciais da guerra, mas com a morte do monarca espanhol, Fernando VI, o seu sucessor Carlos III optou por se aliar a França, combatendo Inglaterra e decidindo atacar Portugal.
Inicialmente, no período de 9 de maio a 24 de novembro de 1762, um exército franco-espanhol, com um efetivo de cerca de 42.000 homens, sob o comando do marquês de Sarriá, general Nicolás de Carvajal y Lancaster, invadiu Portugal pela fronteira de Trás-os-Montes, com o objetivo de ocupar a cidade do Porto. No seu percurso conquistou Miranda do Douro, Bragança e Chaves, mas foi derrotado por guerrilhas, vendo-se forçado a retirar para Espanha.
Perante esta derrota, seguiu-se uma segunda invasão pelas Beiras, conquistando Almeida e Castelo Branco, entre outras praças.
Em resposta, teve, mais uma vez, de se pedir ajuda ao estrangeiro e por indicação de Jorge III, rei de Inglaterra, D. José convida um oficial alemão nascido em Londres, Friedrich Wilhelm Ernst, conde-reinante do pequeno Estado alemão de Schaumburg-Lippe-Bückeburg para vir comandar o exército luso-britânico.
Friedrich Wilhelm Ernst, conde de Schaumburg-Lippe-Bückeburg (9 de janeiro de 1724 – 10 de setembro de 1777), tinha servido como jovem oficial do Exército Britânico, e posteriormente ao serviço da República das Sete Províncias Unidas, acompanhando o seu pai, distinguiu-se na batalha de Dettingen, travada a 27 de Julho de 1743. Esteve igualmente ao serviço do Império Austríaco e teve uma passagem efémera na Marinha Real Britânica, tomando parte na campanha de 1745 contra os otomanos. Durante a guerra dos Sete Anos, reuniu o seu próprio contingente, tomando o partido da Prússia e colocando-se ao serviço do rei de Hanôver, que o nomeou general mestre-de-campo das suas tropas. Participou em várias ações com grande distinção.
Lippe chegou a Portugal, em julho de 1762, com dois batalhões suíços e um corpo de tropas britânico, com cerca de 6500 homens. Formou-se, assim, um exército, com cerca 14 a 15.000 homens, sob o seu comando, que se posicionou para defender nas colinas a nordeste de Abrantes, onde foram construídas várias obras de defesa.
Por outro lado, o conde de Lippe, entretanto nomeado marechal-general do Exército Português, reuniu as tropas portuguesas ao seu contingente e, praticando uma ação defensiva, na Beira e no Alentejo, conseguiu conter as avançadas das forças espanholas e francesas. A chegada do inverno e a assinatura dum tratado de paz preliminar, em Fontainebleau, acabaram com a guerra que, por ter sido tão curta e sem batalhas, passou a ser conhecida por “guerra Fantástica”.
Apesar de uma estadia curta em Portugal, este inovador mestre da arte da guerra, que deixou seguidores até aos dias de hoje, teve um papel duradouro no Exército Português que continuava a padecer dos males do passado.
O ajudante de ordens de Lippe, o coronel Bohm5, escreveu no seu diário “… a desordem, a confusão, a pouca disciplina dos regimentos, a ignorância, a preguiça e a má vontade dos oficiais do exército português não se pode compreender”. E ainda que “… os senhores generais portugueses fazem sempre conselho com os Fidalgos que se encontram no mesmo corpo, e o sentimento destes vence sempre sobre o do general, que tem de tratar com muito respeito a alta nobreza, a qual não obedece senão quando julga conveniente…” (Apud SALES, 1937, 52).
A desorganização e indisciplina do Exército Português encontrada por Schömberg, um século antes, e contra a qual este tanto tinha lutado, havia regressado em força e tinha tomado todas as unidades. E não julguemos que esta opinião era exclusiva de estrangeiros, pois também o marquês de Pombal “… achara as instituições militares de Portugal no extremo abatimento; o exército quasi reduzido a uma escassa horda indisciplinada, miserável, com a apparência enganosa da força e disciplina, desdenhada e envilecida a profissão, havidaem pouco amor pelos officiaes, em grande parte ausentes dos seus regimentos” (Latino COELHO, 1885, 72).
Lippe, um inovador excecional, conseguiu fazer uma transformação abissal, num breve período de 15 anos, entre os anos de 1762 e 1777, dos quais apenas três anos com permanência em terras portuguesas. Essa transformação incidiu sobre quatro pilares: as pessoas, os processos, a organização e a tecnologia (Freire, 2005).
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Figura 2 – Wilhelm Friedrich Ernst Graf zu Schaumburg-Lippe. Óleo sobre tela, de Johann Georg Ziesenis. Pert. a Museumslandschaft Hessen Kassel.
Em relação às pessoas, Lippe, estabeleceu um conjunto de procedimentos que visavam a criação de um grupo de militares com uma sólida formação profissional e moral. Reformou, designadamente, o recrutamento regional para os regimentos, o código penal militar, o sistema de promoções, no qual se estabelecia o primado da antiguidade e do mérito, e o sistema de ensino de oficiais, estabelecendo o Colégio dos Nobres. Simultaneamente, lutou contra o marasmo e a indolência, criando metodologia de treino, através da realização de manobras militares.
Em relação aos processos, inovou a doutrina militar, através da publicação de regulamentos táticos, regulamentos técnicos e regulamentos administrativos, criando e normalizando procedimentos, procurando estabelecer regras que permitissem acabar com as arbitrariedades e os nepotismos.
Em relação à organização, estabeleceu as necessidades do Exército de 1.ª linha, que deveria contar com cerca de 30.000 homens, dispostos em 25 regimentos de infantaria, 10 regimentos de cavalaria, 4 regimentos de artilharia, um regimento da Armada, um regimento de voluntários reais e criou, ainda, um novo plano de uniformes.
Por último, em relação à tecnologia e inovação, Lippe destacou a sua ação nas áreas da fortificação permanente, da artilharia e da cartografia militar. A sua presença ainda hoje pode ser testemunhada na arquitetura militar portuguesa, como são exemplos o extraordinário forte de Lippe, ou forte da Graça, em Elvas, fortaleza que reforçou o valor defensivo da praça de Elvas, bem como os quartéis de Lippe, na Calçada da Ajuda e em Campo de Ourique, em Lisboa, obras notáveis de edificação castrense.
No período subsequente à estadia de Lippe em Portugal, coincidindo com o final do século XVIII e início do Século XIX, vários oficiais estrangeiros comandaram igualmente o Exército Português, quer em tempo de paz quer em campanha. Uns, tinham decidido fazer carreira em Portugal, outros foram contratados especificamente para o efeito. John Forbes, o príncipe de Waldeck e o conde de Goltz, são disso exemplos.
John Forbes (1733-1808), of Skelater, oficial de origem escocesa e de religião católica, foi voluntário para servir em Portugal, tendo vindo com o conde de Lippe. Entre outros elevados cargos, foi ajudante-general e comandante do corpo expedicionário português na guerra do Rossilhão (1793-95). Ainda comandou a retirada na guerra das Laranjas, com a provecta idade de 68 anos, tendo acompanhado a corte de D. João VI para o Rio de Janeiro, onde veio a morrer nas funções de governador militar.
Christian August (1744-1798), príncipe de Waldeck e Pyrmont, oficial austríaco, com vasta experiência de combate na Europa, foi convidado para assumir as funções de comandante do Exército (1797), tendo elaborado um plano de reorganização que, no entanto, foi contrariado por personalidades influentes, o que levou ao seu desencanto, tendo morrido em Sintra, em 1798.
Karl-Alexander von der Goltz (1739-1818), oficial de origem prussiana, conde de Goltz e barão de Wiederhold, foi igualmente convidado pela coroa portuguesa para assumir as funções de comandante do Exército (1801-1807), no entanto, retirou-se, em 1802, desiludido por ter perdido a confiança na Corte, tendo regressado ao seu país natal e nunca mais regressou a Portugal. No entanto, manteve o seu cargo por seis anos, tal como foi estabelecido no seu contrato, assinado em 1800.
“Com quem saiba conduzi-los, eles irão a toda a parte e combaterão
quem se quiser …; marcharão sujeitando-se às maiores fadigas,
sem um murmúrio, e vivendo apenas de pão e água com um
dente de alho como condimento…”
Diogo Ferrer, Oficial do Exército Britânico
(sobre os soldados portugueses, século XVIII),
citado por tenente-coronel Brandão Ferreira
Por último, abordemos o período da guerra Peninsular.
Como Lemos Pires afirma, “no ano de 1808 Portugal estava mais uma vez numa situação de grande dificuldade e, como tantas vezes na sua história, teve de recomeçar praticamente do nada com os aliados de sempre. Como uma constante também, tem sido a falta de meios humanos e materiais com que nos deparamos no início de cada campanha.” (LEMOS PIRES, 2005).
O Exército Português, durante o período da 1.ª invasão francesa (1807-1808), tinha ficado privado de muitos dos seus oficiais mais graduados e competentes, consequência da partida da corte para o Brasil, em novembro de 1807, do licenciamento de grande parte do Exército Português pelo general Junot e da constituição da Legião Portuguesa enviada para França (Moura, 2010).
É a partir de março de 1809, com a chegada do general britânico William Carr Beresford para assumir as funções de comandante do Exército, que havia sido promovido a tenente-general do Exército Britânico e nomeado para um “particular service in Portugal” (London GazeTte, N. 16.231 (25/02/1809), 239), sendo acompanhado numa primeiríssima fase por doze oficiais, que se começa a reconstruir um Exército a partir do nada. Sem soldados, sem armas, sem uniformes, sem comandantes, sem treino, foi necessário fazer renascer uma organização que, baseada no espírito secular das unidades de milícias e de ordenanças, veio a constituir um elemento fundamental da estratégia do comandante aliado, o duque de Wellington, que assim conseguiu uma força complementar para garantir a defesa de Portugal (1809-1811), preparar a libertação de Espanha (1811-1813) e invadir de forma vitoriosa o território francês (1813-1814).
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Figura 3 – Retrato de William Beresford, 1.º visconde de Beresford. Óleo sobre tela de William Beechey. Pert. a National Portrait Gallery, London.
A partir de 21 março de 1809, Beresford assume o comando do Exército e, com o seu espírito organizador, inicia a publicação das “Ordens do Dia”, a partir do seu quartel general, nas quais “Sua Excellencia o Senhor Marechal Commandante em Chefe do Exercito Portuguez” exprime as suas orientações para organizar e disciplinar o Exército. É muito interessante verificar como na primeira ordem do dia, para difundir a todo o Exército, Beresford se assume como oficial português: “Por tanto, Portuguezes, ninguem desenvolve melhores disposições para serdes a melhor tropa; e convencido desta verdade, o Marechal Commandante em Chefe se vê com o maior prazer identificado com a Nação Portugueza. Elle he hum Oficial Portuguez.” (Beresford, 1809, 21 de março).
Entre 1809 e 1814, mais de 300 súbditos de sua majestade britânica (ingleses, escoceses, hanoverianos e irlandeses) prestaram serviço no Exército Português como oficiais. Alguns, apenas uns poucos meses, outros, todo o período da guerra (1809-1814), e destes houve quem permanecesse ao serviço de Portugal até 1820. Por investigação posterior confirmei que apenas um oficial de origem inglesa permaneceu no Exército Português após a revolução de 1820, mas este tinha entrado ao serviço no ano de 1800. Os oficiais britânicos revelaram-se fundamentais na fase de preparação e aprontamento do Exército, introduzindo novas armas, novas táticas, novos regulamentos, muito treino e muita disciplina.
Podemos analisar a transformação realizada por Beresford pelos pontos de vista dos quatros parâmetros referidas por Freire (2005), e já utilizados na análise do conde de Lippe: pessoas, processos, organização e tecnologia.
Beresford organizou um verdadeiro estado-maior de campanha muito apoiado na parte respeitante aos recursos humanos pelo seu ajudante-general, major-general Manoel de Brito Mozinho (1763-ca.1824), e na parte respeitante à logística e movimentos pelo seu quartel-mestre-general, brigadeiro-general Benjamin D’Urban (1777-1849). Para além das já referidas ordens do dia, que, de certa forma, ainda perduram nos dias de hoje sob a forma de ordens de serviço, iniciou-se a publicação periódica de listas de antiguidade, elaboração de fichas biográficas dos oficiais, de diplomas de promoção e de fichas semestrais de avaliação destes militares. Para além disso, Beresford utilizou as promoções baseadas num primado do mérito, destacando as ações de bravura em combate, mas também a avaliação já referida, que visava apurar e valorizar aqueles dignos de louvor.
De uma forma disciplinadora, e à imagem do Exército Britânico, instituiu o treino de formações e de tiro, algo que permitiu que os batalhões de caçadores e os regimentos de linha portugueses se integrassem de forma harmoniosa com o Exército de Wellington, desde as primeiras batalhas com as forças napoleónicas. Esta rápida evolução foi de tal forma que espantou observadores ingleses, conforme podemos recolher das declarações do inspector geral dos hospitais militares em Portugal, que esteve no nosso país durante a presença de Wellington, Andrew Halliday, mais tarde publicadas na excelente monografia intitulada The present state of Portugal, and of the Portuguese army: “we cannot but be surprised, that in the short period of eighteen months, and during a state of actual warfare, he could bring this army to such perfection; for certainly not more than eighteen months had elapsed between the formation of this army and their gallant conduct at Busaco.” (Halliday, 1812, 149).
Após um recrutamento inicial feito diretamente para os diversos regimentos e batalhões, baseado num alistamento regional para as praças de pré, veio a estabelecer o Depósito de Recrutas de Peniche, para a infantaria e artilharia, no qual era dada a instrução base da sua arma, e que servia para preenchimento das perdas e das baixas dos regimentos, devido a deserção, doença, ferimento ou morte. Por ordem do dia de 21 de julho do ano de 1811, este Depósito transferiu-se para Mafra, passando a designar-se Depósito Geral de Recrutas de Infantaria.
Beresford veio revolucionar os procedimentos de gestão e comunicação das informações, estabelecendo uma rede organizada de contacto com, e entre, as unidades através de cartas, de despachos e de ordens, solicitando, igualmente, relatórios periódicos às unidades sobre a sua situação em pessoal e material. Por outro lado, mandou traduzir os regulamentos táticos do duque de Iorque, por forma a servir de base doutrinária para o combate das unidades de infantaria e de caçadores do Exército Português e, sendo semelhante à doutrina das unidades inglesas, facilitasse a organização para o combate de unidades conjuntas. Mandou ainda publicar regulamentos técnicos e administrativos que muito melhoraram a administração e logística das unidades em combate.
Relativamente à organização, o marechal Beresford baseou a estrutura do Exército Português em estudos já existentes, mas nunca antes levados à prática na sua plenitude, organizando 24 regimentos de infantaria de linha, 12 de cavalaria e 4 de artilharia, para além de unidades de infantaria ligeira, designadas por batalhões de caçadores. Aprovou ainda um novo regulamento de uniformes.
Quanto à tecnologia, pode confundir-se a sua influência com a relativa à presença do Exército Britânico sob o comando de Wellington em Portugal, com o qual Beresford estava perfeitamente coordenado, mas não pode ser ignorado o seu papel na utilização da artilharia e das armas de cano estriado pelos caçadores, no desenvolvimento e apoio da cartografia militar e também na utilização do telégrafo de sinais.
Os resultados desta transformação são conhecidos e reconhecidos, verificando-se a participação do Exército Português em todas as batalhas e cercos contra os exércitos napoleónicos, em Portugal, Espanha e França, a par do Exército Britânico, de uma forma brilhante, durante os seis anos da guerra Peninsular. O nível de interoperabilidade atingido foi de tal forma avançado que o comandante dos Exércitos Aliados, o marechal Lord Wellington, não prescindia da presença de forças portuguesas em nenhuma ação.
Partindo do quase zero e de uma fase de recrutamento, equipamento e treino, que corresponde ao ano de 1809, data da libertação da cidade do Porto e da perseguição ao Exército de Soult até à sua expulsão pela fronteira de Portugal com a Galiza. Nesta operação apenas algumas unidades portuguesas participaram integradas em brigadas britânicas, mas a presença do Exército Português, no campo de batalha, passou a ser importante logo no ano de 1810, quando entrou em operações defensivas a par do Exército Britânico na batalha do Buçaco. Nesta batalha estavam presentes tantos efetivos portugueses quanto britânicos e as baixas foram em tudo semelhantes revelando uma paridade no esforço de defesa aos assaltos do Exército de Massena.
Nesse mesmo ano, as unidades recolhem-se às linhas de Torres Vedras e, no ano seguinte, em 1811, inicia-se uma campanha ofensiva com a perseguição ao invasor até à sua retirada do território português após a batalha do Sabugal. Posteriormente, ocorrem as batalhas da Barrosa, de Fuentes de Oñoro e de Albuera, e os 1.º e 2.º cercos de Badajoz, levando o combate do território português para o território espanhol e dando início às campanhas da libertação de Espanha.
Este modo ofensivo do Exército aliado não foi mais abandonado, vindo a ter resultados decisivos no ano de 1812, com a libertação de Ciudad Rodrigo e de Badajoz e a grande batalha de Salamanca, para terminar na grande ofensiva de 1813 com o ataque às formações napoleónicas no País Basco, verificado nas batalhas de Vitória e Pirenéus, e na libertação da praça forte de São Sebastião (Donostia) na Baía da Biscaia. Vindo, finalmente, no mesmo ano, a ser feita a passagem do Rio Bidassoa, na fronteira entre Espanha e França, que transportou o combate para o território francês, nas batalhas de Nivelles e do Nive e, já no ano de 1814, nas batalhas de Ourthes e Toulouse, as batalhas finais da guerra Peninsular, que culminaram com a rendição do Exército Imperial de Napoleão.
Nunca o Exército Português teve tantos efetivos fora do território nacional, combatendo uma força tão poderosa, durante tanto tempo, com resultados militares tão positivos.
“Si vis pacem parabellum”
Provérbio latino
A formação do “Estado moderno”, no século XVI, conduziu à constituição de exércitos que se pretendia que fossem nacionais, permanentes e profissionais. Mas, numa fase inicial quase sempre existiu um forte recurso a mercenários ou a corpos de tropas de países aliados, pelo que a presença de militares estrangeiros nos exércitos era bastante comum em toda a Europa.
A presença de militares estrangeiros nos exércitos nacionais verificava-se através da contratação de oficiais profissionais, muitas vezes de oficiais generais experimentados, com provas dadas em guerras e batalhas, que assumiam funções de comando, de organização e de treino, mas também da contratação de soldados profissionais, resultando na utilização de unidades completas.
O Exército Português caiu sempre num estado de desorganização e desinvestimento à medida que o tempo ditava uma diminuição da percepção da sua necessidade efetiva. A carência de efetivos em quantidade e qualidade, não apenas de tropas, mas principalmente de generais e de oficiais superiores, foi sempre uma constante ao longo dos tempos, por desinteresse das classes dominantes pelo mister da guerra. Por outro lado, o desinvestimento atávico na defesa do País, a crença que as ameaças à independência poderiam ser sempre apaziguadas por casamentos de conveniência e a esperança de que os aliados garantiriam sempre um auxílio salvador, de última da hora, foram métodos renovados ao longo da nossa história.
Entre 1640 e 1815, contrataram-se para organizar, treinar e comandar o Exército Português, em períodos históricos distintos, o duque de Schömberg (entre 1660 e 1668), o conde de Lippe (entre 1762 e 1777) e o marechal Beresford (entre 1809 e 1820), bem como outros oficiais generais e oficiais superiores contratados para organizar, instruir, treinar e comandar unidades portuguesas. Nalguns casos, foram efetuados tratados que envolveram a presença de unidades militares estrangeiras para participar em campanhas militares em território português. E nas colónias, como, por exemplo, no Brasil, Angola, Moçambique e Índia, foi feito recurso ao recrutamento local para suprir as carências em soldados nas unidades militares.
A presença militar estrangeira, no Exército Português, verificada entre a guerra da Restauração (1640) e o período napoleónico (1815), foi uma constante. Parece ser facto que nenhum outro país europeu fez recurso de modo tão permanente e persistente a oficiais estrangeiros, principalmente oficiais generais, para reorganizar e comandar o seu exército, e que estes, por sua vez, tivessem tido um impacto tão grande na cultura e identidade de um Exército, como em Portugal.
A verdade é que, sob o comando de generais estrangeiros, o Exército Português com unidades compostas quase exclusivamente de soldados portugueses, cujas qualidades de obediência, disciplina, abnegação e espírito combativo sempre foram elogiadas por quem os comandou, obteve vitórias militares, garantiu a manutenção da independência e permitiu que a política e a diplomacia portuguesa discutissem após os conflitos em posição favorável.
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1Sobre este autor, Barbosa de Machado escreveu: «João de Carriam, cuja pátria se ignora. Escreveo Arte Militar, Lisboa, 1595» (BARBOSA DE MACHADO, 1759, 4 : 176)
2ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, maço 21-A, carta anexa à consulta de 26 de outubro de 1661.
3Johann Friedrich August Kazner publicou, em 1789, a obra, em alemão, Leben Friedrichs von Schomberg oder Schönburg, isto é, “A vida de Frederico von Schomberg, ou Schönburg” (Gräf. DegenfeldSchönburgischer Hofrath. Mannheim, 1789).
4A história deste contingente pode ser estudada no artigo de John Childs “The British Brigade in Portugal, 1661-1668”, publicada no Journal of the Society for Army Historical Research, vol. LIII, 1975, pp. 135-147.
5Johann Heinrich Böhm (1708-1783) foi um oficial alemão. Em 1762, o conde de Lippe conseguiu que Böhm o acompanhasse como ajudante de ordens a Portugal para reformar o exército português. A 22 de junho de 1767, o D. José nomeou-o tenente-geral e deu-lhe o comando de todas as tropas e armas no Brasil, que estava constantemente ameaçada pelas tropas espanholas, para reorganizar o exército nesta colónia, aplicando o modelo do conde de Lippe.
Sócio Efetivo da Revista Militar. Administrador de empresas.