Temos de estar preparados para estas missões, que serão crescentes e que exigirão uma resposta essencialmente conjunta e integrada das Forças Armadas. […] Será, assim, fundamental continuar a reavaliar a Estratégia Militar Terrestre e o dispositivo de forças do Exército […], considerando a crescente tendência de participação deste Ramo em missões de apoio civil, nacionais e internacionais. (Governo de Portugal, 2021)1
Antes de se iniciar uma reflexão acerca do planeamento e emprego de forças e/ou meios do Sistema de Forças (SF) do Exército, num “novo” quadro de priorização da tipologia de missões e operações militares que contribuam para a Gestão Civil de Crises no domínio externo, convirá revisitar-se a panóplia de conhecimento proveniente de estudos prospetivos do Ramo, orientadores da direção e racionais estratégicos a seguir na edificação da Força Terrestre futura. Para esse conhecimento, tem-se procurado confrontar as ideias prévias exaradas da Agenda NATO 2030 e da Bússola Estratégica (BE), respetivamente, os processos de reflexão estratégica da NATO (em curso) e da União Europeia (UE). Adicionalmente, foram, também, considerados os conteúdos existentes em recursos disponibilizados em fonte aberta, que incluíram as recentes visões estratégicas de comandantes de Exércitos2 aliados. Sem aprofundar os conceitos, por remeter para um âmbito “menos convencional” do espetro do conflito, dir-se-á que sobressaem pontos de toque entre a Gestão Civil de Crises em cenários de: i) Apoio Civil às populações, em articulação com as Forças e Serviços de Segurança, em Território Nacional (TN); e de ii) Assistência Militar3. Assim, considerando-se que o objetivo desta análise se prende com o apoio ao planeamento de Forças Nacionais Destacadas (FND), logo, emprego externo de forças e/ou meios, apenas se considerará o segundo, por ser o único (destes dois cenários) a ter enquadramento no Espaço Estratégico de Interesse Nacional Conjuntural (EEINC)4. Posto isto, de acordo com estratos consolidados de estudos em curso, este cenário de Assistência Militar prevê a possibilidade de emprego das forças terrestres: i) “perante riscos naturais, tecnológicos e mistos, catalisadores de flagelos e catástrofes, dos quais resultem danos socioeconómicos severos, em prevenção ou em contenção de danos; assim como ii) “em apoio das populações, para melhoria do seu bem-estar, ou pelo contributo para o desenvolvimento económico”, i.e., será caracterizado pelo emprego da Força Terrestre em missões e tarefas de “cooperação e assistência militar de natureza bilateral e multilateral para apoio no âmbito da reforma do sector de segurança e defesa de países amigos”, assim como na projeção de meios específicos de apoio em emergências civis, para dar “resposta a catástrofes e flagelos ou calamidades (origem ambiental ou humana), ocorridas em território de países amigos”.
Atento o expectável incremento da presença e do emprego desta “nova” tipologia de forças no contexto de FND, deverá procurar-se desmistificar e clarificar o conceito de Gestão Civil de Crises e salvaguardar a natureza e o carácter militar da Força Terrestre e do seu emprego à luz das suas missões e tarefas (táticas).
Doutrinariamente, o Exército ainda não tem aprofundado um conceito enquadrador para a Gestão Civil de Crises, que possa apoiar a resposta às atuais solicitações neste âmbito5. Eventualmente, poderia considerar-se o preconizado para as Operações de Apoio Civil, porém, sem aplicação ao nível do planeamento de FND, pelo facto de aquelas estarem doutrinariamente circunscritas ao TN, embora possam incluir “tarefas de apoio civil às autoridades civis, de colaboração (…) em funções de proteção civil, no âmbito da segurança interna ou, simplesmente, a colaboração com entidades civis” (Exército, 2012).
Face ao condicionalismo, socorramo-nos do conceito de Gestão Civil de Crises, apresentado pelo Intendente da Polícia de Segurança Pública, Luís Elias (2011), que teve como pressupostos os aspetos da globalização do século XXI e da “desterritorialização” de algumas das questões da segurança e da ameaça terrorista transnacional, que levou à “descoincidência entre as fronteiras geopolítica e da segurança” e, por sua vez, conduzido a uma “indissociável ligação e interpenetração entre a segurança externa e interna”. Por outras palavras, a segurança interna deixou de ser um fenómeno delimitado geograficamente e passado a ser encarado de forma transnacional, tendo o seu vetor internacional (ou externo) passado a “constituir uma dimensão construtiva e explicativa da dimensão interna da segurança”. De acordo com o(s) pressuposto(s) utilizados, o mesmo autor concorda que uma crise incluirá sempre uma ameaça ou risco associado a mudanças na informação, saber e valores adotados por uma sociedade. Assim, Gestão Civil de Crises poderá ser encarada como a “intervenção de pessoal não militar numa crise violenta ou não, com intenção de prevenir a sua escalada e de contribuir para a sua resolução”. Inserem-se, neste tipo de intervenções, as iniciativas de construção de paz (peace building) em cenários pós-conflito, para as quais contribui, também, a ação militar, inferindo-se, desta forma, que os limites entre a Gestão Civil e a Gestão Militar de Crises poderão ser difusos.
Para o mesmo conceito, Albrecht et al. (2004) refere que a Gestão Civil de Crises estará subjacente à utilização de políticas e meios não militares (…), sendo própria e exclusiva da UE, sem paralelismo ao nível estratégico ou doutrinário com as Nações Unidas (ONU), com a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) ou com organizações regionais não europeias, como é o caso da NATO. Em termos práticos, poderá dizer-se que a Gestão Civil de Crises típica da UE, contempla as capacidades operacionais civis dos Estados-membros (EM) que se têm desenvolvido, paralelamente, com os aspetos militares da gestão de crises no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa (CSDP) (Nowac, 2006 cit. por Elias, 2011, p. 151). Em resumo, segundo Elias (2011), doutrinariamente, para a UE, a Gestão Civil de Crises refere-se às operações que não são de carácter militar, mas, antes, as que utilizam recursos civis, como os meios policiais, o reforço do Estado de Direito, o reforço da administração civil e instrumentos e capacidades de proteção civil, que fazem a monitorização do desenvolvimento e de apoio aos gabinetes dos Representantes Especiais da UE, sendo esta a entidade que lidera a missão ou as missões coexistentes neste âmbito, para um mesmo território.
De acordo com o conceito apresentado e tendo em consideração os referidos processos de revisão estratégica em curso de ambas as organizações supranacionais de que Portugal faz parte, a terminologia Gestão Civil de Crises poderá entender-se como exclusiva da UE. No entanto, na estratégia atual da NATO, é possível enquadrar esta dimensão no conceito de “comprehensive approach to crisis”, resultante da combinação e emprego de instrumentos políticos, civis e militares, através da coordenação com outros atores, como sejam as nações em crise e as intervenientes, em conjunto com outras Organizações Internacionais e Organizações Não Governamentais, num esforço concertado. O conceito de comprehensive approach é parte integrante de muitas das ações correntes da Aliança, tais como as contribuições para a luta da comunidade internacional contra o terrorismo e os esforços para promover a estabilidade e o seu papel, na resposta a ameaças híbridas (2021a).
Num trabalho iniciado em 2017, a NATO tem estado a rever as linhas do seu plano de ação para a Agenda NATO 2030, com foco na coerência das decisões, da interação civil-militar e da cooperação com outros atores, abarcando 4 áreas principais:
– Planeamento e condução de operações militares;
– Lições aprendidas, treino, educação e exercícios;
– Cooperação com outros atores;
– Comunicação estratégica.
Independentemente das tendências atuais do quadro geopolítico global, entre as principais ameaças declaradas pela NATO no seu atual processo de revisão estratégica estão as que decorrem do ressurgimento e de uma cada vez mais assertiva Federação Russa e da proliferação de formas cada vez mais brutais de terrorismo transnacional (NATO, 2021b), devendo os mecanismos de resposta às mesmas ser “desenhados” na senda, quer do robustecimento das capacidades de dissuasão convencional e nuclear como da luta antiterrorista.
No quadro da crescente ameaça da Federação Russa, um paper relativamente recente sugere alguns princípios que deverão ser considerados para exercer uma deterrence eficiente por parte da Aliança Atlântica, destacando-se neste nexo o de “apoio oportuno” aos membros, na medida em que “nada deverá substituir a existência de um apoio militar aos aliados”, que seja, ao mesmo tempo, dissuasor, credível e, principalmente, adequado, i.e. garantido uma prontidão de forças (in-place forces), antes de uma crise eclodir. No mesmo estudo é apresentado um conjunto de recomendações políticas, relevando-se em duas delas a necessidade de: i) avaliar as ações da Federação Russa em todas as gamas do espectro do conflito; e ii) planear (forças) para eventuais contingências (para o pior), tendo como referência as tendências da atual ação política e as estratégias de intimidação e mesmo de agressão sobre a vizinhança ocidental, levadas a cabo por este ator. Sobre estas tendências e ações, refere-se que é uma questão de “quando”, e não “se vai” (ou não) ocorrer um incidente grave que envolva os “dois lados”. Por existir esta última certeza – não se sabe é “quando” nem “onde”6, para efeitos de gestão da escalada do conflito, torna-se essencial assegurar o planeamento de uma resposta, que seja proporcional (Giles, 2021).
4.1. Estruturas e mecanismos
Como forma de garantir a autonomia plena da UE ao nível da gestão de crises, os EM decidiram estabelecer estruturas políticas, militares e civis permanentes, assim como alguns mecanismos, que contribuem atualmente para a CSDP. Este conjunto de estruturas é encabeçado pelo Comité Político e de Segurança (PSC), que reúne ao nível de Embaixadores e atua como órgão preparatório do Conselho da UE. As suas principais funções são acompanhar a situação internacional e ajudar a definir políticas no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), que inclui a CSDP. Para além das estruturas e organismos de cariz militar, integrados no quadro da CSDP, como o Comité Militar da UE (EUMC), o Estado-Maior da UE (EUMS) ou a estrutura do Military Planning and Conduct Capability (MPCC)7, destacam-se os seguintes organismos de natureza não militar:
– Comité para os Aspetos Civis da Gestão de Crises (CIVCOM) – organismo que fornece informação, propostas e recomendações acerca dos assuntos civis da Gestão de Crises ao PSC;
– Civilian Planning and Conduct Capability (CPCC) – estrutura do Serviço Europeu de Ação Externa (EEAS), sob o controlo político e direção estratégica do PSC e sob a autoridade geral do Alto Representante e Vice-presidente de Comissão Europeia (HR/VP), que garante o planeamento e a condução autónoma das operações civis de gestão de crises da CSDP, bem como a implementação adequada de todas as tarefas relacionadas com a missão.
Atualmente, a estrutura do CPCC conduz operações e missões civis na Europa, no Médio Oriente e em África, todas elas de natureza verdadeiramente civil, relacionadas com a reforma do setor de segurança e com o state building de estados parceiros [e.g. EU Rule of Law Mission (EULEX), Kosovo; EU Coordinating Office for Palestinian Police Support (EUPOL COPPS, Palestina; EU Capacity Building Mission (EUCAP) Sahel Niger – entre outras finalidades, destinadas a apoiar as Forças de Segurança destes estados; EUCAP Somalia, cujo mandato prevê o estabelecimento e edificação da capacidade civil marítima de law enforcement na Somália (inclui a Somaliland )].
4.2. Financiamento das missões: distinção Civil-Militar
Segundo Cruz (2017), um aspeto que distinguia inicialmente os Modelos de Gestão de Crises da UE prendia-se com os regimes de financiamento das diferentes operações: no caso do emprego de forças e/ou meios militares – entenda-se, missões militares, o financiamento destas seria assegurado quase na totalidade pelas nações contribuintes, subtraído o assegurado pelo mecanismo ATHENA, que apenas cobria uma pequena parte dos custos. Por outro lado, as missões civis seriam (e assim se mantêm) integralmente suportadas pelo orçamento comunitário.
Recentemente, foi criado o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz (European Peace Facility) que substituiu o mecanismo ATHENA, porém manteve o método de repartição e gestão dos common costs, no tocante às operações militares. No entanto, este acaba por ser um instrumento mais flexível, na medida em que poderá servir de recurso para a capacitação de países parceiros com meios militares (letais e não letais), assim como de apoio a ações militares dentro do território da UE, mantendo-se o financiamento integral das missões civis da CSDP a ser feito com base no orçamento geral da UE (Immenkamp, 2021; Ribeiro, Seabra, & Vieira, 2021). Em todo o caso, ainda que contribuindo para fins civis (assistência militar), o emprego de forças e meios (capacidades) militares em operações da MPCC, deverá ser enquadrado no regime de cofinanciamento, através do referido Mecanismo de Apoio à Paz, logo, com os respetivos EM a financiar o “grosso” dos custos das respetivas missões.
4.3. Civilian CSDP Compact – desenvolvimento de capacidades civis?8
Até ao momento, este compromisso (Compact) consistiu num acordo firmado em novembro de 2018, segundo o qual os EM se comprometeram a “desenvolver as capacidades necessárias e a aumentar a sua disponibilidade para as missões civis da CSDP”. Decorrente das conclusões e das orientações previstas na BE, apresentada em março de 2022, o planeamento de capacidades civis deverá considerar um ciclo similar ou, eventualmente, integrado no processo de planeamento de capacidades militares da UE, o Headline Goal Process (HLGP)9. Atualmente, ainda não existe uma resposta ou definição quanto à utilização da metodologia de planeamento de capacidades civis baseada em cenários de crise, assim como um entendimento acerca da adequabilidade desta ferramenta de planeamento. Para tal, a definição de cenários para o planeamento de capacidades civis, para emprego em missões da CSDP, deverá passar pela existência de um compromisso político dos EM perante a UE, com prioridade nos conflitos, crises e desafios atuais, assim como no alinhamento unânime dentro da União, ao nível do entendimento (ou nexo) entre a segurança interna e a externa. Acredita-se que só a partir desse alinhamento será possível avançar do nível político-estratégico para o operacional e, sucessivamente, para o tático e técnico, através da implementação da EU Integrated Approach, a verter na próxima revisão do Civilian CSDP Compact 2.0.
4.4. Way ahead do planeamento de capacidades militares e civis
Com a harmonização final e a recente apresentação da BE10 aos EM, de acordo com especialistas, espera-se a materialização de “uma visão a das necessidades a satisfazer” – entenda-se, uma orientação para a definição das capacidades militares e civis que possam dar resposta a um novo ambiente ou contexto estratégico, assim como “a forma de lá chegar” (desenvolvimento e disponibilização das mesmas), i.e. linhas de ação concretas para o cumprimento da nova estratégia e inerente redefinição do nível de ambição (LoA) militar da UE. Neste contexto, foram reunidos contributos iniciais dos EM que apoiaram os estudos de intelligence para a avaliação global das ameaças. Ao contrário do verificado na elaboração da Estratégia Global (2016), esta avaliação foi conduzida de forma restrita (classificada) pelo Intelligence and Situation Centre (EU INTCEN) do EUMS, não tendo sido aberta a (habitual) possibilidade de aprovação pelos EM. Este produto serviu de base ao desenvolvimento das linhas de ação e respetivas orientações organizadas em quatro pilares fundamentais (baskets):
– Gestão de Crises;
– Capacidades;
– Resiliência;
– Parcerias.
Os dois primeiros vocacionados para a definição do LoA militar da UE, as finalidades e as tipologias de operações e missões (militares e civis) que deverão ser conduzidas, no âmbito da CSDP. A Gestão de Crises é o fulcro desta common policy, pelo que deverão ser utilizados todos os meios julgados necessários, quando esteja em causa a Segurança e a Defesa da Europa, desde os meios civis, em apoio de estados parceiros, até ao uso da força militar – Integrated Approach. Já ao nível da Resiliência, foram ponderadas as necessidades (civis ou militares) com vista à sua satisfação, quer ao nível da prestação de apoio direto a autoridades civis em território europeu, no respeito das Cláusulas de Solidariedade e Defesa Mútua11, como do apoio a parceiros da chamada vizinhança a sul (Latici & Lazarou, 2021; Ungureanu, 2021).
Em publicações mais recentes, concretamente num prefácio do HR/VP ao draft Compass divulgado antes da apresentação da BE – A Strategic Compass to make Europe a Security Provider, a BE foi apresentada como um “guia de preparação, decisão e ação assente na orientação dos líderes da UE, propondo ideias concretas em quatro vertentes”, que poderão ser uma designação alternativa para os domínios (baskets), anteriormente referidos, designadamente:
– Atuar (Act) mais rápida e decisivamente perante crises;
– Proteger (Secure) os cidadãos europeus contra as novas e voláteis ameaças (fast-changing threats);
– Investimento (Invest) nas capacidades e tecnologias necessárias;
– Parcerias (Partner) com outros atores que tenham objetivos comuns (EEAS, 2021).
Com a divulgação e adoção da BE, será facilitada a próxima Political Guidance, que se constituirá como input para o próximo HLGP, esperando-se a apresentação da (re)orientação política do processo de planeamento de capacidades da UE, até ao final do ano de 2022 ou no início de 2023 (EEAS, 2020, 2021). No contexto deste novo ciclo, tal irá permitir a Revision of Requirements (em 2023), previsivelmente, em paralelo com o Civilian Compact 2.0, devendo o próximo Progress Catalogue de 2024, já refletir as necessidades (shortfalls) em termos de conjunto – capacidades militares e civis, que deverão ser desenvolvidas no contexto europeu, para cumprimento do LoA militar, alinhado com a futura estratégia europeia.
Face ao apresentado até ao momento, espera-se que no quadro europeu se evolua no sentido de atribuir mais enfoque ao desenvolvimento de capacidades civis, justificado, essencialmente, pela falta de mecanismos e processos existentes para a sua definição e desenvolvimento, e não porque estas deverão, tendencialmente, “substituir” as capacidades militares, conforme previsto nas conclusões da BE, assim como transmitido nas últimas mensagens políticas do HR/VP. Assim, revisitando novamente os estudos prospetivos, identificados anteriormente, e o possível contributo da Força Terrestre para a Gestão Civil de Crises, considera-se que o cenário de Assistência Militar é, de facto, o mais enquadrável neste contexto, até porque já contempla a tendência crescente de “missões de apoio civil e sanitárias”. Porém, e principalmente em contexto de FND, não se considera prudente dissociar desta tipologia de cenários um conjunto difuso de outras ameaças, que deverão ser considerados para além dos riscos e efeitos das alterações climáticas, e consequentes “emergências sanitárias”, ameaças estas para as quais também deverá ser dada uma resposta adequada, designadamente:
– Ameaça Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (CBRN);
– Ameaça Irregular e Terrorismo;
– Subversão;
– Crime organizado e ameaça cibernética.
Face ao apresentado, e sem pretender priorizar uma ou outra tipologia de força e/ou meios, no tocante ao planeamento de curto prazo (FND) e de acordo com os cenários efetivos – entendam-se, Teatros de Operações (TO) plausíveis e/ou existentes, o Exército deverá apostar na preparação para emprego externo de:
– Forças Especiais e/ou Ligeiras – ações e tarefas de mentoria, de peace building, proteção das outras forças/meios empenhados e de apoio ao capacity and state building;
– Guarnições (efetivos) das Forças Pesadas, Médias e Ligeiras, incluindo as forças e meios das Zonas Militares (Batalhões de Infantaria);
– Unidade(s) e meios CIMIC – essencialmente nas funções Ligação Civil – Militar e de Apoio à Estrutura Civil;
– Enablers de apoio diversos (forças e meios):
• Reabastecimento – Classes I, I-W, VIII (víveres, água potável e artigos sanitários);
• Transporte – pessoal e carga, incluindo matérias perigosas;
• Energia – armazenamento de combustíveis, geradores e pequena distribuição;
• Captação e purificação de água;
• Alojamento e instalações provisórias de emergência;
• Apoio Geral de Engenharia, incluindo pontes (logísticas e flutuantes) e outras capacidades de Apoio Militar de Emergência (AME);
• Apoio médico-sanitário – doenças infeciosas, resposta a trauma físico e psicológico.
– Forças e meios ISTAR, designadamente:
• Meios de ciberdefesa para resposta à ameaça híbrida e cibernética (Companhia de Guerra Eletrónica);
• Sistemas UAS12 para observação e reconhecimento aéreo em apoio a operações de apoio civil – e.g. resgate e salvamento em zonas afetadas por calamidades naturais (Companhia de Sistemas de Vigilância);
• Meios para recolha, processamento e partilha de dados biométricos, debriefing consentido a vítimas civis e recolha de informação sobre ameaça terrorista, quando aplicável [PelHUMINT e Weapons Intelligence Teams (WIT)].
– Elemento(s) de Defesa Nuclear, Biológica, Química e Radiológica (NBQR);
– Força(s)/Elemento(s) de apoio de Operações Psicológicas;
– Meios (homens e binómios) para ações de busca, salvamento e resgate13, e deteção de explosivos, quando aplicável.
No contexto do futuro LoA para a CSDP e do contributo nacional para o mesmo, espera-se que a clarificação acerca da preponderância e ênfase das capacidades civis sobre as militares fique inequivocamente esclarecida com a implementação da BE. Embora nunca assumido diretamente pelas partes, nem ter sido encontrado qualquer conteúdo que suporte este entendimento, não será descabido considerar que o anunciado aumento da parceria, de parte a parte, entre a NATO e a UE, prevista nos respetivos processos de reflexão – NATO 2030 e da BE, possa evoluir no sentido de manter a Aliança Atlântica como o “braço armado”, para fazer face à ameaça convencional e terrorista sobre a Europa, cabendo à UE a primazia no tocante às missões do foro civil. A partir desta ideia, poderão colocar-se as seguintes questões: Que papel e objetivos renovados para as EUTM? Que futuro para o EUBG?
Convirá também recordar que estes compromissos entre a NATO e a UE têm vindo a ser discutidos (apenas) politicamente, desconhecendo-se o seu resultado prático em termos de acordos e medidas concretas, a implementar ao nível da Gestão de Crises, bem como as verdadeiras consequências e o impacto na garantia de segurança da Europa, do acordo AUKUS14, consequência do afastamento (à partida, conjuntural) do foco da principal potência da NATO (os Estados Unidos da América), para o Indo-Pacífico, desconhecendo-se o seu verdadeiro grau de compromisso securitário, para com os aliados europeus (Teixeira, 2021).
Independentemente das tendências e dos conteúdos apresentados, e de forma a melhor salvaguardar o Exército e Portugal, no médio e no longo prazo, não deverão ser relegados os esforços de edificação dos objetivos de força (targets) atribuídos a Portugal e ao Exército, identificados como prioridade no atual quadro do planeamento de defesa do NATO Defence Planning Process (NDPP), nem confundir esta estratégia, que contribui para o desenvolvimento do SF nacional, com o planeamento de curto prazo ou, se quisermos, dos compromissos imediatos ou das FND.
Convirá ter presente que, tanto a estratégia como o LoA militar da Aliança Atlântica não se centram nesta “nova” tipologia de missões/operações nem têm por base cenários de Gestão Civil de Crises, sendo antes, regidos pelos artigos do Tratado de Washington. E sobre estes não deverá haver apenas o foco no Art.º 5.º, sobejamente conhecido como o “direito de legítima defesa” individual e, principalmente, coletiva, assente numa “crença permanente”, porém, errada, da proteção dos aliados de maior relevo. Talvez mais importante para Portugal (por inerência, para o Exército), sejam as obrigações de consulta e de edificação sustentada das capacidades e meios de cada aliado, previstas nos Art.os 3.º e 4.º15. Esta noção foi enfatizada pelo (à data) Comandante do NATO/Allied Rapid Reaction Corps (NATO ARRC), Tenente-general Sir Edward Smyth-Osbourne (2021), na sua comunicação inserida na edição de 2021 da Land Warfare Conference, promovida pelo Royal United Services Institute (RUSI) do Reino Unido. Neste evento ficou, ainda, patente a ideia de que os esforços de programação ao nível do Instrumento Militar Terrestre deverão passar pela “recuperação” e “revitalização” das capacidades convencionais e pela consolidação dos processos de digitalização, devendo ser afastadas e/ou invertidas as intenções de priorizar, em excesso, caminhos contrários a essa direção, ao nível da programação e do desenvolvimento de capacidades militares.
Desta forma, não descurando a cadeia de valor e o produto operacional que se deverá esperar do Exército, e acautelando, portanto, a necessária edificação e regeneração do SF em vigor, o foco das FND deverá manter um racional de emprego “dual”, podendo, todavia, alargar o seu espetro às forças e meios mencionadas no capítulo anterior.
A persistência da ameaça da Federação Russa perante o ocidente, apesar de cíclica na sua intensidade, tem sido uma constante neste balanço de poder, desde o desmembramento da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Neste contexto, poderá dizer-se que os patamares intermédios da sua materialização coincidiram com as ações sobre a Geórgia, em 2008, e a anexação da Crimeia, em março de 2014, atingindo agora o pináculo, com a ofensiva sobre a quase totalidade do território ucraniano, em fevereiro de 2022. Na verdade, a atualidade geopolítica tem sido marcada por uma crescente aversão deste ator à presença da NATO junto às suas fronteiras com a Europa, evidenciando-se cada vez mais os indícios da tentativa de recuperação do status-quo (e deste não se podem excluir os territórios) que vigorou durante a segunda metade do século passado, evidenciando o recrudescimento e a consumação da ameaça convencional terrestre, em detrimento dos meios e métodos híbridos, que têm caracterizado a sua ação durante as primeiras duas décadas deste século.
Pelos motivos e evidências apresentados, não se vislumbra outra forma que não seja a de edificar e manter um SF do Exército coeso e, em ultima ratio, decisivo na defesa militar de Portugal, sendo subsidiariamente credível e útil no quadro da cooperação supranacional envolvente (compromissos). Para tal, julga-se essencial a prossecução das trajetórias do robustecimento das capacidades militares distintivas e a implementação do(s) processo(s) de digitalização da Força Terrestre, num esforço idêntico ao levado a cabo por exércitos aliados congéneres. Ao nível do investimento, usando para o efeito o seu principal instrumento – a Lei de Programação Militar –, tendo em conta o seu emprego em proveito das Forças Armadas (que inclui as FND), a tónica do Exército não deverá ser afastada dos argumentos anteriormente sustentados.
A prudência a isso obriga…
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___________________________________________
1 Extrato da intervenção de S. Ex.ª o Ministro da Defesa Nacional, por ocasião das comemorações do Dia do Exército, em 24 de outubro de 2021, numa referência ao contributo do Ramo, no esforço nacional de combate à pandemia de Covid-19.
2 São exemplos o documento Fuerza 35, visão prospetiva do Comandante do Ejército de Tierra do Reino de Espanha (2019), acessível em https://ejercito.defensa.gob.es/Galerias/Descarga_pdf/EjercitoTierra/Publicaciones/fuerza_35.pdf, ou o 2030 Operational Superiority do Comandante homólogo do Armée de Terre francês (2020), igualmente acessível em https://franceintheus.org/IMG/pdf/french_army_strategic_vision_2020.pdf.
3 Ambos os cenários correspondem a hipóteses de emprego da Força Terrestre nos estudos prospetivos desenvolvidos pelo Estado-Maior do Exército.
4 O EEINC (…) “decorre da avaliação da conjuntura internacional e da definição da capacidade nacional (…). Podem considerar-se áreas de interesse relevante para a definição do espaço estratégico de interesse nacional conjuntural, quaisquer zonas do globo em que, em certo momento, os interesses nacionais estejam em causa ou tenham lugar acontecimentos que os possam afetar”. O EEINC pode incluir o EEIN Permanente (EEINP), que compreende o TN (…) “bem como o espaço interterritorial e os espaços aéreos e marítimos sob responsabilidade ou soberania nacional” (CCEM, 2014, pp. 12, 26).
5 Publicação Doutrinária do Exército (PDE) 3-55-00 TÁTICA DAS OPERAÇÕES DE APOIO CIVIL, “em elaboração”.
6 Sem prejuízo do conflito armado iniciado a 24 de fevereiro de 2022, no território da Ucrânia, entende-se sobre esta avaliação de Giles (2021) a possibilidade de confronto direto entre a Federação Russa e a NATO.
7 Estrutura criada, em 8 de junho de 2017, com a finalidade de assegurar uma resposta mais rápida, eficiente e eficaz como provedor de segurança fora das suas fronteiras. A MPCC é responsável pelo planeamento operacional e pela condução das missões militares não executivas da UE. Comanda as missões não executivas de formação da UE – European Union Training Missions (EUTM) em África –, tendo recentemente sido aprovado a possibilidade de planear e conduzir uma missão executiva até ao escalão European Union Battle Group (EUBG).
8 Os dados apresentados neste subcapítulo são um resumo do painel Capability Development and Planning – Capability Perspectives, inserido no CSDP Capability Planning and Development Course, organizado pelo European Security and Defence College (ESDC) e frequentado pelo autor em outubro de 2021.
9 Até à data, os EM ainda estão a discutir os próximos passos do desenvolvimento de capacidades civis no âmbito da BE e do próximo Civilian CSDP Compact 2.0, este último previsto apresentar em 2023.
10O texto integral da BE pode ser obtido da seguinte ligação: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-7371-2022-INIT/en/pdf.
11Cláusulas previstas no Artigo n.º 222 do Tratado de Fundação da UE (TFEU) e no Artigo 42(7) do Tratado da UE (TEU).
12UAS – Acrónimo de Unmanned Aircraft Systems.
13Para estes fins, poderá também incluir elementos e meios da Forças de Operações Especiais do Exército.
14Extrato do artigo: “AUKUS é uma nova parceria estratégica tripartida entre a Austrália, o Reino Unido e os EUA (…) materializando uma nova aliança político-militar, com a finalidade desenvolver tecnologia que permita à Austrália obter submarinos de propulsão nuclear, e extensível aos domínios da ciberdefesa e da inteligência artificial. Este acordo constitui um marco histórico e tem um triplo significado: global, regional e, embora do outro lado do mundo, também para a União Europeia”, (…) pois permite concretizar a nova estratégia pós-Brexit, a Global Britain, (…) acabando por lesar a França e os seus interesses no Pacífico (onde tem territórios), (…) arrastando a UE sob o argumento da “autonomia estratégica” (…) e pondo novamente “em causa a relação transatlântica e a confiança entre aliados” (Teixeira, 2021).
15Tratado de Washington – Art.º 3.º: “(…) as Partes, tanto individualmente como em conjunto, manterão e desenvolverão, de maneira contínua e efetiva, pelos seus próprios meios e mediante mútuo auxílio, a sua capacidade individual e coletiva para resistir a um ataque armado”; Art.º 4.º: “As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes”.
Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Militar, pela Academia Militar (Out2001 a Out2008). Habilitado com o Curso de Estado-Maior Conjunto (CEMC) 2019-2020 e com o Curso Avançado de Planeamento Militar Terrestre - 2019.