1.1 Apresentação do Projeto de Investigação que acomoda as três jornadas científicas
As três jornadas científicas que serão retratadas e sistematizadas nesta publicação constituíram o ponto de partida para o projeto de investigação (PI) designado de Poder Aeroespacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português, tendo sido delineadas de forma que, no seu conjunto, constituíssem uma trilogia, numa abordagem top-down, do global para o mais específico.
Sendo relevante para o leitor a disponibilização de uma Lista de Acrónimos, face à diversidade e número dos mesmos, esta encontra-se no Apêndice A.
Estes três simpósios, realizados em 18 de maio, 15 de junho e 8 de julho de 2021, subordinaram-se, respetivamente, aos temas:
– “Geopoder e inserção internacional do Atlântico Português”,
– “Dimensões do Poder Militar aplicadas ao Atlântico Português”, e
– “Capacidades do Poder Aeroespacial no contexto do Atlântico Português”, inserindo-se numa iniciativa mais abrangente e ambiciosa, que agrupa uma equipa de sete investigadores em redor do projeto de investigação em apreço.
Este projeto encontra-se devidamente aprovado pelo Tenente-general Comandante do Instituto Universitário Militar (IUM), sendo tutelado no âmbito do Centro de Investigação e Desenvolvimento do IUM (CIDIUM).
Procura-se com este processo, em conformidade com as regras e a metodologia de investigação científica, produzir e sistematizar conhecimento, colocando o mesmo à disposição das Forças Armadas, da Academia, das Instituições Públicas, das Comunidades Epistémicas e de outros Investigadores relevantes para o contexto do Atlântico e do emprego do poder aeroespacial naquele espaço disputado, assumindo a relação com todas estas entidades e indivíduos a forma de reciprocidade, pois todos se revelam cruciais, simultaneamente, como fonte de informação e de crítica construtiva.
“Geography has always been a prison of sorts – one that defines what a nation can be, and one from which our world leaders have often struggled to break free” (Marshall, 2016).
Esta temática remete-nos efetivamente para as questões da geografia, geografia política, geopolítica, geoestratégia, geoeconomia, e mesmo do geoambiente, num emaranhado de receitas das relações internacionais, onde o realismo, liberalismo, construtivismo e cosmopolitismo, todos procuram marcar posição e explicar os fenómenos ocorridos, em curso ou perspetivados.
Naturalmente a investigação a prosseguir comporta um objeto de estudo, o Poder Aeroespacial, enquanto que o tema identificado acomoda a sua própria delimitação, que são os objetivos nacionais de alto nível, dir-se-ia mesmo os interesses nacionais permanentes, apontados para o Atlântico Português1, concretamente a soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento.
Mais do que numa visão geoestratégica ou geopolítica, este espaço, os atores que ali atuam e as relações que estabelecem remetem-nos para uma perspetiva de geopoder, do desenvolvimento histórico do conhecimento geográfico, integrado com o poder do Estado e os seus imperativos de governo (Ó Tuathail, 1996), onde se abandonaram o constrangimento geográfico e a delimitação regional, empregando-se todo o tipo de recursos de influência e propagando-se à escala global os efeitos gerados pelos fenómenos ocorridos.
Sendo certo que nas relações internacionais, onde esta abordagem se insere, as agendas se sucedem e acomodam em nexos de conflito, competição ou cooperação, identificámos como problema fundamentador para este projeto a tese de que o poder aeroespacial nacional ainda não responde cabalmente ao que deve ser a sua missão, no sentido de contribuir para aqueles objetivos estratégicos nacionais acima apontados.
Apresentando este projeto de investigação a finalidade de criar e disseminar conhecimento, propondo modalidades de ação numa perspetiva estratégica, o mesmo não poderia ser dissociado da realidade em que é desenvolvido, inserindo-se no âmbito das ciências militares, concluindo-se mesmo, pela sua abrangência, que abarca todas as cinco áreas de investigação que integram os elementos nucleares das ciências militares.
Pormenorizando um pouco mais, o Projeto de Investigação (PI) “Poder Aeroespacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português” integra seis módulos distintos e complementares, cada um coordenado por um investigador principal, especialista na temática.
Assim, o módulo 1 procederá à caraterização do Atlântico Português em termos de geopoder e de inserção internacional. Os módulos 2, 3 e 4 procurarão focar as quatro dimensões do poder militar que são centrais para este PI, ou seja, os domínios marítimo, aéreo, espacial e ciberespaço. Por sua vez, os módulos 5 e 6 debruçar-se-ão sobre a edificação, implementação e emprego de capacidades militares.
Finalmente, refira-se que o presente PI apresenta um tema de investigação transversal a todos os módulos de investigação, identificado como uma área crucial das operações em todos os domínios do poder militar, concretamente as informações, vigilância e reconhecimento.
Os módulos de investigação referidos encontram-se identificados em pormenor no Apêndice C.
A equipa que integra o projeto de investigação é constituída pelos seguintes investigadores, cujo perfil resumido se encontra no Apêndice B:
– Professora Doutora Sandra Maria Rodrigues Balão
– Capitão-de-mar-e-guerra António Manuel Gonçalves Alexandre
– Capitão-de-mar-e-guerra Hélder Manuel Fialho de Jesus
– Coronel Francisco José de Carvalho Cosme
– Tenente-coronel Carlos Alberto Lopes Ramos Batalha, Mestre
– Tenente-coronel Pedro Miguel da Silva Costa, Mestre
– Major Luís Filipe de Jesus Fernandes, Mestre
1.2 Relevância conferida ao Projeto de Investigação
A iniciativa que ora se apresenta é considerada como relevante, uma vez que se ambiciona contribuir para um corpo teórico individualizado, designado de ciências militares. Almejamos, assim, compreender o enquadramento doutrinário e emprego da componente aeroespacial, identificando os seus contributos, distinguindo e explicando as suas capacidades militares, entendendo como se articula com as demais componentes das Forças Armadas (FFAA) e Forças e Serviços de Segurança (FFSS), identificando oportunidades cooperativas, antevendo riscos, relevando a integração nas operações militares multidimensionais, e enfatizando a sua natureza transversal aos quatro níveis da guerra.
– Neste Projeto, numa abordagem instrumental, consideramos o Atlântico Português como correspondendo ao Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente, tal como consagrado no Conceito Estratégico Militar de 2014, excluído da parcela do território continental inserido na Península Ibérica.
Sobre este espaço incidem ambições, interesses e objetivos nacionais, que o país apenas pode almejar atingir se incluir na sua vertente marítima um conjunto alargado, integrado e harmonioso de atividades de edificação, estruturação e emprego das várias facetas do poder nacional, assim intentando uma abordagem estratégica ao Oceano Atlântico, nas vertentes de soberania, jurisdição, segurança humana, desenvolvimento sustentado e proteção ambiental. Sendo certo que as relações internacionais decorrem sempre em ambiente de cooperação, competição ou conflito, não deixa de ser menos verídico que a estratégia apenas faz sentido em ambiente de desacordo, populado por atores com agendas próprias e interesses conflituantes.
Neste contexto, convirá recordar que o Atlântico Português ocupa boa parte da bacia do Midland Ocean, que inspirou a formulação geopolítica e a geoestratégia da North Atlantic Treaty Organization (NATO). Em boa verdade, as potências que desenharam à época o sistema mundial continuam presentes na região, com interesses vitais e objetivos nacionais não forçosamente alinhados com os de Portugal. Em pleno Século XXI, adicionam-se a esta equação vários atores em ascensão, como a UE, China, Índia, Alemanha, ou Brasil, sendo que todos eles apresentam hoje poder, influência e agendas que abarcam os vários níveis, do território submerso, da coluna de água e das camadas da atmosfera sobre os quais a República Portuguesa apresenta algum grau de soberania, jurisdição, ambição ou objetivos.
1.3 Contextualização
Portugal apresenta objetivos nacionais de soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento para o Atlântico Português, que requerem a capacidade de identificar, compreender, correlacionar e influenciar os acontecimentos, bem como o comportamento dos atores que ali atuam, em ambiente de relações internacionais, comportando relações de cooperação, competição ou conflito.
Numa abordagem quadrimensional, que inclui forçosamente o fator Tempo, partindo das caraterísticas geopolíticas e geoestratégicas do Midland Ocean de Halford Mackinder, adicionado da complexidade, interdependência, multitude e caráter transnacional dos atores contemporâneos, onde o Atlântico Português corresponde a uma parte a Leste daquela dimensão geopolítica, com contornos geoeconómicos, geoambientais e de geopoder bem evidentes, assume especial relevo face ao binómio aeronaval a complementaridade geoestratégica do poder aeroespacial, ancorada nos domínios aéreo, espacial e do ciberespaço.
Este PI acomodará seis módulos de investigação autónomos, concomitantes e complementares, com objetivos de investigação distintos que visam produzir outputs específicos, mas concorrendo para um mesmo outcome, a atingir numa perspetiva instrumental subordinada à temática central, que é o poder aeroespacial e onde surge como delimitação de investigação o contributo da dimensão aeroespacial, enquanto parcela crucial do poder militar para os objetivos nacionais no Atlântico Português.
Revelam-se centrais para aqueles objetivos, para o tema central e para a delimitação contextual conceitos emergentes, como as operações multidomínio, a dimensão Espaço e o domínio ciberespaço, sendo de todo impossível cumprir a finalidade a que este projeto se propõe sem a avaliação dos conceitos orientadores, da estratégia de segurança e da abordagem aeronaval empregues no Atlântico pelo Estado Português, a que se adiciona forçosamente o contexto em que o EEINP se insere, em termos de agendas internacionais geopolíticas, geoestratégicas, geoeconómicas e geoambientais.
Não de somenos relevância, e mantendo a ambição na entrega de modalidades de ação aceitáveis, adequadas e exequíveis, procuraremos identificar lacunas, potencialidades e soluções ao nível da edificação de competências e capacidades militares aplicáveis no âmbito aeroespacial, orientadas para o seu contributo efetivo face aos objetivos nacionais de Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento no Atlântico Português.
As iniciativas a desenvolver enquadram-se na tese, ou problema identificado, de que o Poder Aeroespacial Nacional não assegura cabalmente os objetivos nacionais de soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento em toda a extensão do Atlântico Português, não controlando de forma plena os acontecimentos que aí ocorrem, nem influenciando decisivamente o comportamento dos atores que ali atuam e com quem interessa estabelecer relações ou a quem importa controlar.
1.4 Objetivo da Atividade Científica
Toda a atividade científica deve apresentar uma finalidade, que orbita em torno de um objeto de estudo, desenvolvendo-se forçosamente a atividade no âmbito de áreas científicas formais bem demarcadas, neste caso no âmbito das Ciências Militares.
Como objeto de estudo foi identificado o Poder Aeroespacial, no contexto dos quatro objetivos nacionais de alto nível definidos para o Atlântico Português acima elencados.
O Projeto de Investigação apresenta como finalidade criar e disseminar conhecimento, propondo modalidades de ação, numa perspetiva estratégica, de contexto, processo e conteúdo, conducentes a uma efetiva contribuição do Poder Aeroespacial Nacional para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português.
No âmbito das Ciências Militares, em conformidade com o Decreto-Lei 249/2015 e respeitando o determinado por Despacho do Comandante do IUM aposto na Informação nº 09/2017/DE-AEA, de 26 de maio de 2017, este projeto enquadra-se no domínio “Elementos Nucleares”. Presentes os seus seis módulos de investigação, considera-se que o Projeto recai em todas as 5 áreas científicas principais, concretamente nas áreas de Estudo das Crises e dos Conflitos Armados, Operações Militares, Técnicas e Tecnologias Militares, Comportamento Humano em Contexto Militar, e ainda Estudos de Segurança Interna e dos Fenómenos Criminais.
1.5 Produção Científica e Disponibilização de Conhecimento
Este Projeto de Investigação é visto como coerente, oportuno, abarcando temas distintos, abrangentes, convergentes, suscetíveis de produção de conhecimento crítico, e recomendações para a ação. Assim, forçosamente procurará adicionar conhecimento ao campo epistemológico em apreço, ou ainda sistematizar produção científica já existente, mas que se encontre dispersa. De forma a colocar à disposição das diversas comunidades de interesses o conhecimento e produção atingidos, planeia-se uma série de iniciativas, que se detalham no Apêndice D.
1.6 Objetivos Gerais da Investigação
Em conformidade com os seis módulos de investigação definidos, apontam-se abaixo os respetivos objetivos gerais, os quais foram já abrangidos pelas três jornadas científicas que se reproduzem na presente publicação.
1.6.1 Objetivo Geral 1
Caraterizar o Atlântico Português em termos Geopolíticos, Geoestratégicos, Geoeconómicos e Geoambientais, identificando os Atores que apresentam agendas para aquele espaço, designadamente nos domínios do Poder espacial e aeroespacial;
1.6.2 Objetivo Geral 2
Caraterizar a Estratégia Nacional de segurança para o Atlântico Português, ilustrando a importância do Binómio estratégico aeronaval;
1.6.3 Objetivo Geral 3
Caraterizar as Operações Multidomínio e a dimensão Espaço, focando a aplicabilidade do Poder Aeroespacial no Atlântico Português;
1.6.4 Objetivo Geral 4
Caraterizar as principais capacidades requeridas no domínio ciberespaço para o contributo do poder aeroespacial face aos objetivos nacionais para o Atlântico Português;
1.6.5 Objetivo Geral 5
Caraterizar as dinâmicas e potencialidades ao nível da edificação de Capacidades Militares no âmbito Aeroespacial, orientadas para o Atlântico Português;
1.6.6 Objetivo Geral 6
Caraterizar o conceito orientador e as capacidades requeridas ao Poder Aeroespacial, para o seu contributo efetivo face aos objetivos nacionais de Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento no Atlântico Português.
1.7 Apresentação das três jornadas científicas realizadas
Apresentam-se os cartazes relativos às três jornadas científicas realizadas, que fundamentam esta publicação, divulgados previamente à realização dos simpósios que irão ser reproduzidos ao longo da presente publicação, das quais, a primeira decorreu em 18 de maio de 2021 (figura 1).
Figura 1 – Jornadas Científicas nº 1.
Segue-se, na figura 2, o cartaz alusivo às segundas jornadas, que ocorreram em 15 de junho de 2021.
Figura 2 – Jornadas Científicas nº 2.
Finalmente, apresenta-se o cartaz alusivo às terceiras e derradeiras jornadas, realizadas em 8 de julho de 2021 (figura 3).
Figura 3 – Jornadas Científicas nº 3.
Estas primeiras jornadas científicas tiveram lugar no dia 18 de maio de 2021, pelas 14h30, tendo decorrido sobre a plataforma digital zoom. Apresenta-se abaixo, na figura 4, o cartaz complementar divulgado publicamente, indicando o detalhe acerca dos conferencistas.
Figura 4 – Jornadas Científicas nº 1 (Conferencistas).
Foi feita uma apresentação sumária do projeto de investigação, pelo Diretor de Projeto, Coronel Francisco Cosme, tendo em seguida o Exmo. Comandante do IUM, Tenente-general José Barros Ferreira, proferido as notas de abertura relativas à série de três jornadas científicas programadas.
A sessão inaugural foi subordinada ao tema “Geopoder, inserção internacional do Atlântico Português e o poder funcional do Atlântico no Poder Militar Nacional” e o keynote speaker foi o Professor Doutor Heitor Barras Romana, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e Presidente do Conselho Científico da mesma instituição.
Seguiu-se um painel com quatro apresentações, que foi moderado pela Professora Doutora Sandra Rodrigues Balão, a qual integra a equipa de investigação, como responsável pelo Módulo 1.
A primeira sessão esteve a cargo da Mestre Isabel Botelho Leal, Responsável (Mission Head) da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), que subordinou a sua intervenção ao tema “Inserção internacional do Atlântico Português e oportunidades para Portugal”.
A Mestre Maria da Conceição Santos, Subdiretora-Geral da Direcção-Geral de Política do Mar (DGPM), apresentou a segunda comunicação, subordinada ao tema “Abordagem Geopolítica, Geoestratégica, Geoeconómica e Geoambiental ao Atlântico Português”.
O Tenente-coronel Pedro Silva Costa, Coordenador da Pós-Graduação em Globalização, Diplomacia e Segurança, fez a terceira apresentação que versou sobre a temática do “Poder militar nacional orientado para o Atlântico Português e a importância da dimensão espaço como novo domínio estruturante do poder”.
Por fim, o Professor Doutor Pedro Vidal de Seabra, assessor no Instituto da Defesa Nacional (IDN), fez a quarta apresentação subordinada ao tema “Poder funcional do Atlântico Português e requisitos de capacitação para a Defesa Nacional”.
2.1 Notas de Abertura
As notas de abertura, fazendo a ponte entre as três jornadas científicas consecutivas em apreço nesta publicação, foram proferidas pelo Exmo. Tenente-general Comandante do Instituto Universitário Militar:
As jornadas científicas que hoje se iniciam, com este primeiro simpósio de um total de três, estão inseridas no Projeto de Investigação “Poder Aeroespacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português” e concorrem para a Missão do Instituto, enquanto atividade de investigação, pelo dinamismo da iniciativa, como também pela contribuição para o reconhecimento das ciências militares enquanto campo específico do conhecimento. O Poder Aeroespacial integra-se no contexto dos objetivos nacionais definidos para o Atlântico Português, abarcando de forma explícita duas das cinco dimensões universalmente consagradas como domínios do poder militar.
Este projeto de investigação envolve investigadores deste Instituto, da Marinha, da Força Aérea e da Universidade de Lisboa, que irão analisar em detalhe temas atuais e centrais para o Poder Aeroespacial, face os Objetivos estratégicos nacionais para o espaço que convencionámos designar por Atlântico Português, que mais não é senão o Espaço Estratégico Nacional de Interesse Permanente, deduzido da parcela correspondente ao Território Continental inserido na Península Ibérica. Assim, ao longo desta série de simpósios serão abordadas temáticas complementares, parte de um mesmo contexto, como sejam: o Geopoder Marítimo do Atlântico Português, a Segurança no Atlântico Português, o Poder Aeroespacial Nacional, a emergência do domínio Ciberespaço, a Investigação e Desenvolvimento de Capacidades Militares, a edificação do Poder Aeroespacial no Atlântico Português e as Informações, Vigilância e Reconhecimento.
Portugal tem objetivos estratégicos de soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento sustentável para o Atlântico Português. Esta delimitação para este estudo assume a forma de um desiderato nacional, que requer a capacidade de identificar, compreender, correlacionar e influenciar os acontecimentos que ali ocorrem, bem como o comportamento dos atores que ali atuam, resultando claro que este é um ambiente de relações internacionais, comportando relações de cooperação, competição ou conflito.
O simpósio “Geopoder e inserção internacional do Atlântico Português”, a que teremos hoje oportunidade de assistir, constitui o primeiro de uma trilogia acomodando a temática do projeto, seguindo-se as jornadas científicas “Dimensões do poder militar aplicadas ao Atlântico Português”, em 15 de junho e “Capacidades do Poder Aeroespacial no contexto do Atlântico Português”, em 8 de julho.
Esta sequência de iniciativas, surge com a ambição de envolver a sociedade civil, a comunidade militar e a academia nacionais interessadas nesta temática, contribuindo para alguns dos objetivos definidos no projeto de investigação, nomeadamente a construção de uma comunidade epistémica, criação de networking, atualização do estado da arte e disseminação de conhecimento.
Vemos, assim, este projeto de investigação e estas jornadas científicas como oportunos, abarcando temas abrangentes suscetíveis de produção de conhecimento e de recomendações para melhorar as formas de ação.
Assim, através da iniciativa que hoje nos reúne, pretendem-se rever modalidades de ação, numa perspetiva estratégica, de contexto, processo e conteúdo, conducentes a uma efetiva contribuição do Poder Aeroespacial Nacional para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português. Antes de mais, impera caraterizar o Atlântico Português em termos Geopolíticos, Geoestratégicos, Económicos e Ambientais, identificando os Atores que apresentam agendas para aquele espaço, designadamente no domínio Aeroespacial.
A realização deste simpósio não teria sido possível sem o entusiasmo, disponibilidade e prestimosa colaboração das Senhoras e dos Senhores Conferencistas que connosco irão partilhar o seu conhecimento e as suas perceções. A todos vós e às Instituições onde vos inseris, o meu muito obrigado. Trabalhando em conjunto, as nobres tarefas de pesquisa serão mais proficientes, na investigação científica, na sistematização do conhecimento, na colmatação de lacunas epistemológicas, e, obviamente, na divulgação do saber.
Com o vosso apoio e partilha, com o interesse e empenho das comunidades política, militar e académica, será possível ambicionar o identificar de modalidades de ação, identificar lacunas, apontar potencialidades e soluções ao nível da edificação de competências e capacidades militares aplicáveis no âmbito aeroespacial, orientadas para o seu contributo efetivo face aos objetivos nacionais de Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento no Atlântico Português.
Desejo que este primeiro simpósio sobre o Poder Aeroespacial constitua uma relevante oportunidade de enriquecimento e debate, e que contribua para a resolução das questões da Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português.
2.2 Sessão inaugural: “Geopoder, inserção internacional do Atlântico Português e o poder funcional do Atlântico no Poder Militar Nacional”
O Professor Catedrático Heitor Romana principiou a sua intervenção referindo a oportunidade do projeto científico – Poder Aerospacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português – que está na génese do Ciclo de Simpósios e a importância extraordinária que a problemática em apreço representa em sede da atividade de investigação no quadro da especificidade do Instituto Universitário Militar (IUM) mas, também, num quadro mais alargado, que é o de percecionar as questões estratégicas de uma forma sistémica e num quadro de um enorme desafio que é colocado à Comunidade Epistémica, à Comunidade de Investigação e, fundamentalmente, à Comunidade Militar nas suas diferentes circunstâncias e dimensões.
A seu ver, tal afirmação resulta do facto de o século XXI (tal como o século XX e, até, anteriormente) ser profundamente marcado não por uma revolution in military affairs mas por várias nos assuntos militares, que conduzem a constantes ajustamentos, quer na definição dos interesses estratégicos do Estado, quer na definição do que são as ameaças e riscos que estão associados a esses interesses estratégicos quer, também, na perceção estratégica quanto ao aparecimento de novos atores, institucionalizados e não institucionalizados, que vêm introduzir alterações e ajustamentos no processo homeostático de acordo com o qual a ordem internacional deveria funcionar, num quadro de constantes ajustamentos geopolíticos, geoeconómicos, geoculturais e, fundamentalmente, de natureza geoestratégica.
Por essa razão, destacou o facto de considerar ser de uma enorme oportunidade o debate, a reflexão, sobre as questões do poder aeroespacial e, em concreto – tendo como objeto de estudo –, a realidade portuguesa na sua dimensão atlântica.
O keynote speaker prosseguiu a sua análise afirmando que há questões do ambiente estratégico do século XXI que podem condicionar ou determinar a perceção estratégica que todos nós temos dos interesses dos Estados. Em concreto, a posição e os interesses estratégicos de Portugal, através do recurso àquilo que podemos designar “análise estratégica”.
Assim, interessa fazer a análise estratégica macro-contextual de Portugal e do sistema onde está inserido de forma a melhor perceber o objetivo científico deste projeto porque estamos a falar, no essencial, do desenvolvimento de operações de multidomínio, que é uma expressão cada vez mais relevante no âmbito das operações militares, no quadro de uma interpretação dos sistemas de defesa e no quadro da salvaguarda e projeção dos interesses estratégicos dos Estados.
Neste contexto, é interessante perceber que as operações multidomínio, estão trabalhadas no âmbito do Conceito Estratégico da NATO, são referidas no âmbito do conceito de Poder Militar português (2014), estão também de certa forma referidas quanto aos interesses marítimos portugueses no Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) de 2013, todos estes elementos considerados de forma agregada permitem compreender a efetiva importância que hoje as questões relacionadas com as operações multidomínio assumem na afirmação dos interesses estratégicos do Estado.
A este propósito, invocou o exemplo da China, realidade onde estas operações fazem parte de um novo conceito operacional. No entanto, e antes de detalhar mais esta questão, o keynote speaker deteve-se sobre o ambiente estratégico com que usualmente nos confrontamos. Neste contexto, considerou relevante destacar que há dois aspetos fundamentais na ordem internacional do século XXI. Primeiro, a lógica das consequências, isto é, o modelo do ator racional como quadro de referência na perceção da dinâmica das Relações Internacionais, das dinâmicas de Conflito e de Cooperação e que se mantém, tem vindo a sofrer algum impacto, algum desgaste por parte daquilo que designa como a ‘lógica das contingências’. Isto é, vivemos num quadro de quase permanente gestão de crises de dimensão baixa-média-elevada ou de baixo-médio-elevado input, vivemos num ambiente associado à gestão de crises, a um quadro de surpresa estratégica. Este constitui, em termos estratégicos, o mais importante aspeto caracterizador destas duas primeiras décadas do século XXI, vivendo-se, assim, num cenário de permanentes ajustamentos do comportamento geoestratégicos dos atores envolvidos na ordem internacional.
Este statu quo torna estimulante, por um lado, estudar toda esta problemática da segurança e da defesa num quadro global mas, ao mesmo tempo, é sempre um exercício tentativo na medida em que a velocidade a que a conjuntura se altera e que a volatilidade dos quadros de referência se modificam torna muito difícil encontrar um modelo de análise que nos dê, no tempo, alguma coerência que nos permita fazer a prospetiva em relação à evolução dos fenómenos de natureza estratégica com que nos debatemos.
As agendas dos conflitos internacionais vão, também, sofrendo ajustamentos. O Atlântico, naturalmente, não é imune aos ajustamentos das agendas, dos interesses, de vários atores. O Atlântico tem sido estudado a propósito dos interesses de vários atores pela Geopolítica – aliás, o Projeto Poder Aeroespacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português destaca, em particular, a Teoria do Midland Ocean de Mackinder mas, o Professor Romana chamou igualmente a atenção para o contributo de Saul Cohen na medida em que este considera o Atlântico como um dos geostrategic realm mais importantes na geopolítica do século XX e, também, do século XXI.
De facto, o Atlântico, nas suas duas margens comporta hoje novos atores, novas ‘roupagens’ estratégicas que tornam ainda mais complexa a perceção referente a qual é o quadro de segurança com que lidamos quando nos referimos ao Atlântico e, também, à dimensão atlântica dos interesses estratégicos nacionais portugueses. A este propósito, destacou a emergência de novos poderes que vêm alterar o quadro da hierarquia do Poder internacional, se assim o podemos dizer.
Em termos clássicos são conhecidas as diferentes fórmulas passíveis de serem utilizadas para concretizar estes cálculos, sendo possível destacar no caso português, o Professor Políbio Valente de Almeida que, tal como outros autores, se dedicou ao desenvolvimento daquelas.
Mas a hierarquia dos Poderes, mantendo um hegemon, dá hoje lugar ao aparecimento daquilo que pode ser designado como ‘contra-poder’: atores que não têm poder para substituir o hegemon dos Estados Unidos, mas têm poder suficiente para desgastar o exercício desse Poder. Dentro desse ‘contra-poder’ vamos encontrar a China. De facto, não podemos esquecer que a grande revolução geopolítica de finais do século XX e do início do século XXI – e não se sabe se haverá um opositor para competir com ela ou não nas próximas décadas – é a transformação da China de um poder continental num poder anfíbio, e o alargamento da sua capacidade de projeção naval para espaços de influência geoestratégica que são ‘externos’ à sua área original de inserção.
Situa-se atualmente nesse processo de expansão o Índico, mas o Atlântico passa a ser, também, um dos corredores – uma espécie de sea motorway do comércio marítimo para a China, mas, também, um sea motorway – a partir do Índico e entrando pelo Atlântico – para a afirmação dos seus interesses estratégicos navais.
O Atlântico pode ser analisado e estudado sob o insight da Estratégia a partir das questões da sustentabilidade, da política, do território marítimo, dos problemas de segurança marítima global, das ameaças e riscos permanentes, que estão associados, nomeadamente, ao terrorismo e à pirataria. Por isso, debate-se hoje o Atlântico, também, com o aparecimento e com a inserção de um novo major player, que deixa de ser apenas uma potência continental – preservando uma cultura estratégica eminentemente continental – e passa a adotar uma atitude de inserção no sistema internacional que é de natureza anfíbia.
Por isso, mais uma razão, acrescida, para que se faça uma reflexão multivetorial sobre o Atlântico, mas, sobretudo, sobre o Atlântico Português e, designadamente, qual é a posição relativa, qual é a relevância geopolítica de Portugal a partir do reforço da sua contextualização enquanto Estado, e no quadro da hierarquia a que atrás nos referimos, enquanto poder geohistórico. Ou seja, qual é o papel do Atlântico em Portugal enquanto país detentor de um Poder geohistórico? Isto é: a sua capacidade de projeção geopolítica está para além dos fatores matriciais do presente, dos indicadores que possam informar sobre o seu posicionamento económico nos respetivos rankings regional e global, ou sobre o seu posicionamento militar.
Há um Poder geohistórico atribuído a Portugal, que é um ativo estratégico fundamental, que é determinado pelo Atlântico. Mais: é determinado – mais do que pela Geografia – pela maximização política que se possa fazer da geografia. Ou seja, e na linha de análise proposta pela Escola Crítica da Geopolítica, a importância estratégica de Portugal não resulta, obviamente, da sua dimensão física, do seu peso económico relativo na economia da União Europeia nem na Economia global, mas de uma interpretação geohistórica que se mantém, referente à sua qualidade de Estado atlântico, e a que se associa uma geopolítica imaginada e uma cultura geopolítica que é, também ela (ainda que muitas vezes nos esqueçamos disso), uma cultura geopolítica de natureza marítima e anfíbia. Por isso, cabe à comunidade epistémica fazer esse exercício.
Ainda a propósito da posição de Portugal, o Sistema Internacional é balizado pela competição de major players, pela emergência de novos atores e a pergunta que se pode fazer é, precisamente: qual é a posição de Portugal nesse quadro enquanto poder geohistórico de base marítima? No contexto da análise estratégica macro-contextual considero que o século XXI nos traz uma leitura da dinâmica do poder nas Relações Internacionais que assenta numa conceção sistémica que ultrapassa a vontade de muitos atores.
Para Portugal este facto terá relevância numa realidade em que os Estados tendem a contribuir para o equilíbrio do sistema internacional como o conhecemos considerando como quadro de referência as teses realistas – quer do realismo ofensivo quer defensivo –, que colocam a enfase na vontade intrínseca dos Estados em ganhar vantagens competitivas (muitas vezes a todo o custo).
De facto, mais do que essa perspetiva realista temos que ter uma perspetiva sistémica, do sistema das relações internacionais, que assenta no facto de ser impossível ao sistema internacional funcionar de forma equilibrada, sem anomias estruturais, se não se contar com o peso relativo das unidades que, na avaliação do seu potencial económico, militar, científico e tecnológico não estão num primeiro plano. Ou seja: o sistema internacional é cada vez menos o somatório das unidades que o compõem, e cada vez mais a interdependência dessas unidades na procura do equilíbrio do todo.
Assim, poderes geohistóricos como Portugal acabam por ser fundamentais nessa dinâmica de equilíbrio. Sem essas unidades, o equilíbrio do sistema internacional não é realizável e a entropia do próprio sistema, mais tarde ou mais cedo vai emergir. E é neste novo paradigma, onde o sistema é mais importante do que a estrutura, que os interesses estratégicos de Portugal – onde, naturalmente, estão os interesses de salvaguarda e projeção de natureza atlântica – se devem evidenciar. Esta posição é merecedora de evidência porque somos muitas vezes confrontados com um certo ‘fatalismo’ em relação à nossa posição relativa no mundo e, ainda mais, em relação à nossa inserção no espaço europeu.
Parece assim ser uma inevitabilidade que as dinâmicas organizacionais e, também, da cultura estratégica e informação da União Europeia impõem a sua vontade de tal modo que a questão que está a ser debatida e que é axial para o presente projeto de investigação – o poder aeroespacial e o seu contributo para a soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento do Atlântico português – quase pareça que não faz sentido. De facto, parece verificar-se um desvio do centro de gravidade do país para um novo centro de gravidade e de decisão estratégica que é a União Europeia e onde, incontornavelmente, nos situamos.
O projeto de investigação em torno do qual nos encontramos reunidos e que hoje formalmente se inicia com esta discussão alargada – e sem querer antecipar resultados –, irá evidenciar, de facto, a importância das questões da soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento do Atlântico português, que não se esgota apenas na questão também axial e certamente incontornável que é a da Plataforma territorial. Mas vai além disso. Nesta nossa condição de ‘peça’ no sistema internacional, uma peça que independentemente da sua dimensão contribui para o equilíbrio do todo, a variável da condição atlântica de Portugal deve ser maximizada e otimizada. Esta maximização e otimização possuem uma dimensão político-diplomática, (geo)económica e (geo)cultural, incontornável.
O Atlântico é, também, um espaço de afirmação da língua portuguesa que é, também ela, atlântica. Mas, obviamente, há que considerar também a dimensão que se destaca no âmbito deste projeto – a dimensão militar e, equacionando-a numa perspetiva conceptualmente mais alargada, de defesa –, e que busca demonstrar que a existência da articulação entre a capacidade operacional aérea e naval, numa perspetiva multinível e multidomínio, é fulcral para a afirmação dos interesses estratégicos nacionais. Tal resulta do facto de assistirmos a várias revolutions in military affairs como anteriormente já houve oportunidade de destacar.
De facto, o século XXI caracteriza-se precisamente pelos grandes desafios que se colocam no domínio dos assuntos militares, muito embora estes comecem ainda no século XX com a Guerra do Iraque (1991) e que constitui para muitos estrategos o ponto de partida para a grande revolução nos assuntos militares, constituindo a introdução dos fatores da Guerra Eletrónica e da Guerra Cibernética o ponto mais evidente de transformação imposta por tal processo revolucionário, e com o qual nos deparamos. A China constitui, também neste contexto, o exemplo mais paradigmático da utilização da Inteligência Artificial, das Novas Tecnologias e do quadro da revolução digital na preparação para uma guerra convencional, mas, também, para uma Guerra não-convencional que pode situar-se no ciberespaço, no espaço aéreo e, no fundo, em todos aqueles espaços que constituem os vetores equacionados, de resto, no âmbito deste projeto de investigação.
Esta revolution in military affairs ocorre quer nos Estados Unidos da América, quer na Europa em vários períodos e, muito embora este não seja o foco quer do projeto de investigação que ‘anima’ este Simpósio (Poder Aeroespacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português), quer do próprio Simpósio (Jornadas Científicas nº 1 – Geopoder e Inserção Internacional do Atlântico Português), o facto é que será certamente um importante apport para a discussão e reflexão daquele que será o contributo de Portugal nesse contexto para o domínio da estratégia, da defesa e da segurança.
Neste sentido, será relevante equacionar os contributos de uma outra Teoria das Relações Internacionais e num novo quadro, igualmente desenvolvido ainda durante o século XX e em que numa perspetiva mais construtivista somos levados a considerar o conceito de Segurança numa perspetiva alargada. Assim, passa a fazer sentido falar de Segurança sistémica, estrutural, o que torna também mais relevante uma outra dimensão do estudo e reflexão, que incida sobre uma Grande Estratégia Nacional.
A discussão sobre a nova ‘revolução’ nos assuntos militares, sobre um novo conceito alargado de Segurança, o que é hoje o Sistema Internacional e como é que se formam os seus equilíbrios; a questão do recurso a novas tecnologias no quadro dos conflitos, a existência de novas formas de guerra e de ameaças assimétricas e do aparecimento de atores, designadamente dos non-state actors levanta mais uma vez a necessidade de também se discutir em sede do IUM e da Academia em geral a questão do que é uma Grande Estratégia Nacional.
Considerou que esse é um ponto de partida que este projeto levanta porque falar no poder aeroespacial, contributos para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português é, incontornavelmente, falar de uma Grande Estratégia Nacional que inclua a Cultura Estratégica no sentido mais militar, a Cultura Geopolítica, e que inclua a perceção nacional sobre o que é o Atlântico na componente geohistórica a que atrás nos referimos e que na sua perspetiva é um ativo extraordinário que não podemos deixar de valorizar.
Numa clara matriz de interdisciplinaridade, e depois de termos passado pela Ciência Política, Estratégia e Relações Internacionais, cabe agora à Antropologia ajudar-nos a construir, a perceber e a refletir, com o seu contributo, sobre o que é uma Grande Estratégia Nacional para a afirmação dos interesses estratégicos do Estado, em concreto de Portugal.
Neste contexto, vale a pena mencionar os estudos de Bernardo Bernardi, que refere que os indivíduos, enquanto portadores de valores, representam os povos num determinado momento histórico, e que marcam a sua existência assim como a forma como o mundo os vê. O mesmo autor refere-se aos antropemas (indivíduo = símbolo de uma determinada cultura/aspetos individuais da cultura/memória individual) e em etnemas (que corresponderiam aos símbolos coletivos, a uma identidade coletiva). No caso Português, será interessante equacionar um exercício que nos permita ter uma perceção relativamente à forma como os outros, como é que o mundo, como é que os atores geopolíticos olham para nós e que importância atribuem, por exemplo, à dimensão marítima da nossa existência. Poder-se-ia argumentar que tal exercício não teria qualquer relevância, uma vez que a componente oceânica, marítima, o mar, faz parte intrinsecamente da nossa Cultura, dos nossos valores e da nossa identidade. Mas, tal verifica-se no plano da construção teórica, de facto. Mas será que na realidade do século XXI isso é verdade?
O Professor Heitor Romana manifestou algumas dúvidas a esse propósito, designadamente que a identidade nacional esteja tão imbuída da sua maritimidade ao ponto de ser o elemento marcante do nosso carácter nacional – se é que se pode utilizar este conceito, que era tão “querido”, também, ao antropólogo Jorge Dias, que foi Professor no ISCSP. O tal “carácter” de que também Mahan falava a propósito das características dos povos marítimos ou de incidência marítima. E isto levanta uma questão que é: ‘como é que se identifica Portugal?’
Considera o keynote speaker que Portugal foi, é e continuará a ser associado ao Atlântico, ao mar. E é esse o seu ativo verdadeiramente estratégico. Que, cada vez mais importa – não por exceção, mas por agregação – valorizar, quer do ponto de vista da salvaguarda, quer da projeção dos nossos interesses estratégicos. O nosso posicionamento geográfico é muito particular e, mais uma vez, o aproveitamento da Geografia é que irá ditar a nossa importância geopolítica. Para se perceber tudo isso e para não se perder de vista a salvaguarda dos nossos interesses, o presente projeto vem na hora certa porque a conjugação de capacidades e de forças operativas de natureza naval e de natureza aérea é, hoje, fundamental na credibilização da qualidade de Portugal enquanto Estado marítimo e enquanto Estado anfíbio.
Uma última nota para a importância da componente da intelligence, na sua dimensão tática, operacional e estratégica. Mas, as questões da surpresa estratégica são, hoje, incontornáveis, pelo que a equação da ativação de um early warning system. Dada a conjuntura de surpresa estratégica, e a volatilidade que caracteriza aquela, considerando a existência de um projeto desta natureza, desta dimensão e profundidade, a existência do tratamento e da reflexão sobre as questões relacionadas com a importância de ativação de early warning systems de diferentes dimensões é um aspeto que merece ser salientado, sendo certo que no projeto ele está presente.
2.3 Primeira apresentação do Simpósio: “Inserção internacional do Atlântico Português e oportunidades para Portugal”
A Mestre Isabel Botelho Leal fez a primeira intervenção do painel. A sua apresentação centrou-se no processo conducente ao reconhecimento das pretensões de Portugal no âmbito do projeto de extensão da sua plataforma continental, com particular incidência na interação que está em curso junto da Organização das Nações Unidas desde 2017. No entanto, e considerando o tema da sua intervenção, o referido processo foi considerado e equacionado sob o duplo ponto de vista do conhecimento científico e da geopolítica.
O projeto de extensão da plataforma continental de Portugal (PEPC) tem como objetivo último o alargamento dos direitos de soberania ao leito e subsolo das áreas submarinas que se estendem para além das 200 milhas marítimas. Trata-se de um processo fundamentalmente científico, envolvendo disciplinas tão diversas como a Geologia, Hidrografia, a Geofísica ou o Direito Internacional.
Quando em agosto de 2017 se iniciou a análise do projeto português nas Nações Unidas, as notícias referiram, essencialmente, a possibilidade de o nosso país alargar os direitos de Soberania a uma área no Atlântico Norte superior a quatro milhões de quilómetros quadrados (4.000.000 km2) – uma área equivalente à ocupada pela Índia e Bangladesh. O tema determinante era o potencial económico das riquezas eventualmente existentes no solo e subsolo marinho desta área. No entanto, poucos deram a devida importância ao conhecimento científico gerado desde o início deste projeto e aos primeiros passos percorridos na área da proteção ambiental com a criação de áreas marinhas protegidas para além das 200 milhas marítimas, ou seja, já na área da extensão da plataforma continental.
O conhecimento será, de facto, a primeira e talvez a mais importante valia de todo este projeto pois só ele poderá alavancar, como tem acontecido, os interesses de Portugal na nossa interação com a Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas e, assim, promover o reconhecimento internacional dos nossos direitos.
Atualmente, o projeto português da extensão da plataforma continental está em avaliação por uma subcomissão composta por sete (7) peritos internacionais – nomeada no seio da Comissão de Limites das Nações Unidas, que tem 21 Comissários –, sendo esta apenas uma fase, um passo neste processo que se iniciou há já quinze (15) anos.
Sendo este projeto de inquestionável interesse estratégico, vem merecendo o mais amplo consenso nacional. De facto, desde o início, os órgãos de soberania, os vários governos, as forças armadas, a comunidade científica, as universidades e o sector privado têm contribuído de forma decisiva, discreta e eficaz para que as nossas posições estejam bem sustentadas por um vasto conjunto de dados que nos têm vindo a permitir apresentar uma sólida argumentação técnica. Este know-how acumulado ao longo de 15 anos é a verdadeira mais-valia deste projeto, contendo em si mesmo um enorme potencial de crescimento.
Embora a avaliação que decorre nas Nações Unidas possua um carácter reservado, sempre poderemos sem receio afirmar que a solidez técnica e científica do projeto português vem merecendo acolhimento. É importante, no entanto, sublinhar que muito há ainda a fazer num processo que se antevê longo, quer pela sua complexidade, quer pelo que tem sido a regra em anteriores casos. Mas, importa salientar que o ‘tempo está a nosso favor’ uma vez que esta é uma questão que será decidida para ‘todo o sempre’ pelo que a ‘pressa’ não nos interessa, de todo.
A proposta portuguesa na área da extensão da plataforma continental é a segunda maior apresentada na ONU, de entre oitenta e oito (88) submissões, sendo a maior a apresentada pela Austrália. Trata-se de um trabalho a longo prazo, que requer foco estratégico, conhecimento, capacidade técnica, persistência e um investimento significativo, nomeadamente ao nível de recolha de dados em mar profundo. E tudo isto se deve à dimensão geográfica ímpar de Portugal no contexto atlântico e às características da nossa proposta da extensão da plataforma continental.
Os elevados custos associados às diferentes plataformas e aos equipamentos de investigação necessários à aquisição de dados e desenvolvimento das ciências marinhas, apontam no sentido da convergência, assim como da colaboração interinstitucional e multidisciplinar. De facto, a plataforma continental de Portugal é caracterizada por vários domínios do mar profundo, cujo alcance e capacidade para o conhecer acarreta vários desafios, designadamente o desafio tecnológico – associado à formação de recursos humanos altamente qualificados –, que reforce a aposta que a EMEPC tem vindo a fazer desde 2008. O mais visível foi a aquisição do ROV LUSO, o robot submarino com capacidade para alcançar uma profundidade de seis mil metros (6.000 m) e a formação da respetiva equipa operacional. Esta aposta foi estruturante para aumentar o conhecimento sobre a natureza do mundo marinho e da biodiversidade existente na nossa plataforma continental (PC).
Também sabemos que existem recursos geológicos cujo potencial é ainda desconhecido. Alguns destes recursos encerram metais considerados críticos para que a Europa atinja os seus objetivos em termos de descarbonização da economia. Só o aumento do conhecimento científico sobre estes recursos e os vários ecossistemas marinhos poderá conduzir à definição de políticas efetivas, capazes de promover o desenvolvimento de uma economia azul.
Relativamente à conclusão do PEPC, importa referir que, quando as primeiras recomendações da Comissão de Limites forem emitidas, caberá exclusivamente a Portugal definir a sua estratégia, que poderá passar pela decisão de as aceitar ou, como já sucedeu com outros Estados, de apresentar uma proposta revista, com novos dados científicos, continuando assim o procedimento de avaliação (o Brasil, por exemplo, já foi três vezes “a jogo”). Será uma decisão essencialmente política. Reforçando: a Comissão de Limites emite recomendações e não decisões.
O Estado costeiro – neste caso, Portugal – tem total liberdade para aceitar ou rejeitar as recomendações apresentando, neste último caso, uma proposta revista. De um ponto de vista político, diplomático e estratégico, este é um fator que importa realçar: a decisão final será sempre nossa.
O processo técnico-científico, legal e político, apenas estará terminado quando Portugal, enquanto Estado soberano, estabelecer os limites exteriores da sua plataforma continental de acordo com as recomendações. Nessa altura, teremos o reconhecimento internacional de fronteiras finais e definitivas, e de direitos de soberania sobre o solo e o subsolo de uma vasta área no Atlântico Norte para além das 200 milhas marítimas. Será a primeira vez, desde o período dos Descobrimentos, que Portugal poderá alargar novamente o seu território, numa área cuja extensão tornará o território de Portugal constituído por 97% de área submersa e 3% de área emersa.
Será a partir dessa fase que Portugal exercerá direitos plenos de soberania sobre a plataforma continental, para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais vivos e não vivos. Estes direitos são exclusivos e não dependem da ocupação efetiva da área referente à plataforma continental alargada. Este é um aspeto muito importante porque muitas vezes fala-se de não termos a capacidade para controlar uma área tão grande.
No entanto, de facto, esses direitos não dependem da ocupação efetiva. São de Portugal. São nossos.
Dito isto, não posso deixar de assinalar que embora exista o direito a explorar também existe o dever de preservar e proteger a área referente à extensão da plataforma continental. Do ponto de vista da Geografia e das implicações estratégicas que daí advêm, Portugal é particularmente privilegiado. A nossa proposta de extensão beneficia do facto de não termos concorrentes diretos no Oceano Atlântico (compare-se com a realidade do mar da China – qualquer proposta que ali seja apresentada é automaticamente bloqueada pelos atores vizinhos).
Ao contrário do que por muitas vezes é referido, não existe nenhum tipo de conflito com Espanha nomeadamente por causa das ilhas Selvagens. Dos 2,4 milhões de quilómetros quadrados (2,4 000 000 km2) da proposta portuguesa, existe apenas uma pequena área de cerca de vinte mil quilómetros quadrados (20 000 km2) de sobreposição com a proposta de Espanha (situada entre os arquipélagos da Madeira e das Canárias). Os 2 países concordaram que, depois de finalizados os respetivos processos referentes aos projetos de extensão existirá, então, uma negociação bilateral para delimitação dessa área. Espanha apresenta a sua proposta, nós apresentamos a nossa e quando tivermos as recomendações finais então aí os países negoceiam entre eles.
Em jeito de conclusão, a primeira speaker do painel considerou que muito embora este desígnio nacional tenha sido por diversas vezes associado a novos descobrimentos, e embora esta seja uma ideia romântica que associa a ideia da grandeza à dimensão territorial, será preferível apostar num novo paradigma onde a ideia de descobrimento é o sinónimo de conhecimento, investigação científica, cooperação institucional, desenvolvimento sustentável e responsabilidade ambiental. Será este paradigma, mais do que a dimensão territorial, o verdadeiro legado do projeto português da extensão da plataforma continental.
2.4 Segunda apresentação: “Abordagem Geopolítica, Geoestratégica, Geoeconómica e Geoambiental ao Atlântico Português”
Coube à Mestre Maria da Conceição Santos a segunda intervenção do painel. Considerando a abrangência da temática proposta, começou por esclarecer a audiência sobre a necessidade de efetuar opções relativamente à abordagem, procurando ir ao encontro da preocupação a que o keynote speaker começou por se referir em matéria de ‘afinação do tom’.
Por isso, depois de se interrogar sobre qual seria o ‘tom’ da sessão, dos destinatários e das expectativas da equipa de investigação relativamente ao convite que lhe foi endereçado, decidiu assumir que, vindo da Direcção-Geral de Política do Mar (DGPM), a abordagem que adota assenta numa perspetiva marinha e marítima, muito embora outras fossem possíveis – mais abrangentes e ou de outra natureza.
Uma outra opção que fez foi entre uma abordagem mais setorial ou mais global, numa lógica talvez mais de diplomacia e de atores do que outra coisa. É frequente vermos apresentações desta natureza que se focam na geoestratégia da energia, da segurança energética, da segurança alimentar ou de outras desse âmbito. Considerou a Mestre Maria da Conceição Santos que existirão pessoas e organismos mais habilitados e com mais enquadramento institucional para tal, assumiu a opção de olhar para estas dimensões numa abordagem transversal e integrada como é usual dizer na União Europeia (UE), holística talvez (como se diria nas Nações Unidas), e, portanto, foi essa a abordagem que adotou.
Começou por enquadrar a sua comunicação numa perspetiva macro na medida em que, obviamente, o Atlântico é sempre um ponto de partida para uma Geografia mais abrangente para, em seguida, nela centrar aquilo que de facto é Portugal, a sua Geografia marítima e o seu modelo de governação como ponto para a sua afirmação, daquilo que sente, que é e como é percecionado pelos ‘outros’: país marítimo. Depois, passa a focar-se na cooperação bilateral e multilateral no Atlântico deixando numa posição secundária aquelas que são as perspetivas setoriais.
Assim, estando Portugal no Atlântico, a speaker salientou a importância de olhar para a agenda global porque ela acaba por influenciar os atores a título individual, assim como a cooperação multilateral e, no fundo, a própria dinâmica dos atores como um todo. Acrescentou, ainda, que neste contexto é fundamental olhar para a componente marinha enquanto ‘face visível’ daquilo que se conhece do oceano e da sua qualidade sem nos prendermos com valores muito exatos – uma vez que não era esse o objetivo da sua comunicação.
Ao ser consultado o Ocean Health Index, é possível ficar com uma visão global de como é que a qualidade do oceano se apresenta. Assim, apesar de não ter como objetivo estar a discorrer sobre uma zona em particular, a figura 5 permite percecionar o statu quo do oceano, tendo por base a escala de cores e a respetiva legenda.
Figura 5 – Statu Quo global dos Oceanos.
Fonte: Santos (2021)
Isto mostra-nos que há muitas zonas em que já estamos mais no amarelo e no laranja, pelo que se torna evidente que há aqui temáticas que vão formatar a nossa agenda global e a nossa agenda individual. Por outro lado, quando se fala de mar, além desta agenda virada para o oceano em si mesmo, temos a componente dos atores que falam da economia do mar, e por muitas razões: uns porque dizem que não há espaço em Terra, outros porque não há recursos suficientes, outros, enfim, pelas razões mais diversas.
Mas há uma coisa que é relevante: é que hoje a economia do mar tem um papel determinante nos modelos de desenvolvimento de muitos países e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no relatório que publicou em 2016 e no qual Portugal participou ativamente, estimava que, até 2030, havia perspetivas para haver uma duplicação da importância da economia do mar. Ora, isto leva-nos a pensar que, se por um lado há que considerar a riqueza e bem-estar que pode ser obtidos do oceano, por outro lado, tem que haver atenção à deterioração da qualidade do ambiente marinho a que hoje já se assiste. Isto, obviamente, também se reflete no Atlântico e nas entidades do Atlântico.
Centremo-nos, agora, na perspetiva de Portugal. Como a Mestre Isabel leal já muito bem nos explicou, e se retrata na figura 6, o projeto de extensão da plataforma continental no fundo dá ainda mais corpo à nossa identidade enquanto Geografia, conforme se pode observar.
Figura 6 – Projeto nacional de extensão da plataforma continental.
Fonte: Santos (2021)
Não nos vamos aqui centrar na discussão sobre se o mapa é exatamente este ou se hoje já temos uma outra proposta com ajustes nestes limites. Não é esse o objetivo. O que queremos é mostrar, de facto, a dimensão daquilo a que nos estamos a referir, ou, colocando a questão noutros termos, de encontrar uma equivalência métrica para a parte europeia.
A Mestre Isabel Leal deu-nos uma perspetiva de equivalência em termos de dimensão da área de que estamos a falar remetendo-nos para a Índia (em conjunto com o Bangladesh) – que representa um grande espaço –, e esta máxima de que Portugal pode ser 97% mar, no fundo dá-nos aqui uma matriz também identitária e de como é que os outros nos veem ou nos podem ver, relevância que se torna bem evidente olhando para o mapa global dos projetos de expansão, abaixo na figura 7.
Esta imagem, e mais uma vez não nos centrando nos pormenores, é relevante para nos mostrar o Atlântico e os nossos vizinhos, e também para identificar os países que tem maior enfoque naquilo que são as extensões da plataforma. Mas, se olharmos, por exemplo, para o Atlântico norte, podemos começar a ver, também, quais são os nossos vizinhos mais próximos. Isto é relevante em termos da nossa Geografia e da nossa identidade.
Figura 7 – Projetos de expansão das plataformas continentais.
Fonte: Santos (2021)
A figura 8 está publicada num outro organismo do Ministério do Mar, mostrando, por um lado, quanto é que Portugal tem de metros quadrados ou quilómetros quadrados de Zona Económica Exclusiva (ZEE), por habitante, qual o valor dos países da União Europeia e qual a média da União.
Figura 8 – Espaços marítimos soberanos europeus.
Fonte: Santos (2021)
Nela pode observar-se que Portugal não só tem uma área grande (e se pensarmos na extensão da plataforma somos a segunda a seguir à Austrália) mas, do ponto de vista da proporção por habitante, se quisermos aqui considerar uma dimensão para nos dar uma lógica da identidade, de facto Portugal está muito, muito à frente. Segundo os dados apurados, Portugal tem cerca de 40% da totalidade do espaço marítimo do universo dos países da União Europeia. Ou seja, é quase metade daquela que é a totalidade do espaço dos países da União Europeia.
No que se refere ao modelo de governação – porque é no fundo nele que Portugal também espelha a sua identidade –, não estou aqui a falar de estratégias sectoriais, mas da sua estratégia enquanto nação que se apresenta como mar. E apresenta-se com uma identidade de uma estratégia marítima integrada, ou seja, uma visão integradora, dotada de vários planos multinível e multidimensional, que procura equilibrar no modelo de governação interno, assente numa comissão interministerial para os assuntos do mar em que se procura, de facto, ter leituras integradas e, obviamente, o Ministério do Mar – que constitui um elemento identitário em termos do modelo de governação que definimos e que, além disso, nos diferencia face à maioria dos Estados-Membros da UE.
Em Portugal, a Estratégia Nacional para o Mar foi revista durante o ano de 2020 e início de 2021, tendo passado por um processo de consulta pública e sido já aprovada em Conselho de Ministros, estando a sua publicação prevista para breve2. No contexto desta análise o que se considera relevante é o facto de ser uma inspiração. É uma identidade nacional, mas amplamente alinhada naquilo que são os interesses também regionais/globais, por assim dizer. Alguns são-no do ponto de vista da União Europeia, onde nos inserimos e onde temos a nossa identidade, como o European Green Deal mas, também, na Política Marítima Integrada da UE. Outros surgem no contexto das Nações Unidas, os problemas do oceano evidenciados com o Global Assessment e toda uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável baseado, nomeadamente, no goal 14 e na sua interligação com os outros objetivos de desenvolvimento sustentável.
A Visão que temos enquanto estratégia é, de facto, promover um oceano saudável, que é a base para tudo o resto, no sentido de potenciar o desenvolvimento de uma economia azul sustentável e o bem-estar dos portugueses e, também, afirmar Portugal como líder na governação do oceano, e isto apoiado no conhecimento científico, que a Mestre Isabel Leal mencionou anteriormente como sendo de facto uma matriz fundamental.
Vão encontrar na figura 9 quais os 10 objetivos estratégicos que foram delineados na Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, que incorporam o contributo da visão marítima e marinha em Portugal para estas preocupações mais transversais.
Figura 9 – Objetivos Estratégicos ENM 2030.
Fonte: Santos (2021)
Não é objetivo aqui fazer uma abordagem a cada um destes objetivos estratégicos, mas, de facto, centrar naquilo que é o Atlântico e na Visão de Portugal no Atlântico, naquilo que é a cooperação bilateral e multilateral.
Se olharmos para os slides que eu acabei de mostrar, em que Portugal se apresenta como um exemplo em termos de modelo de governação, assente numa política e estratégia marítima integrada, de visão integrada para os assuntos do mar, começamos a olhar para os nossos parceiros no Atlântico e para a forma como eles se apresentam também em termos de governação e em termos de modelo de governação. Alguns começam a ter estratégias mais integradas, outras estratégias mais sectoriais, que acabam por confluir mais ao nível dos instrumentos, como o ordenamento do espaço marítimo ou em visões de estratégias de investigação científica que apoiam a decisão, que é muito relevante como já vou mostrar de seguida. E este é o statu quo no plano bilateral.
Mas, em seguida, todas estas questões acabam por ter repercussões nos palcos multilaterais. Desde logo o da UE, que para nós é fundamental, como vamos ver a seguir, mas, também, na relação com os países da European Free Trade Association (EFTA), um espaço europeu mais alargado, ou na componente ambiental ao nível da Convention for the Protection of the Marine Environment of the North-East Atlantic (the “OSPAR Convention”), que enquanto convenção regional apresenta-se como fundamental para Portugal, assim como ao nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da língua como já aqui se falou.
Eu equacionei ainda, aqui, a OCDE, as Nações Unidas e o High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy como sendo palcos mais alargados onde acaba por se verificar um ‘derramar’ destes conceitos e desta multilateralidade pelo resto do mundo.
No que se refere a Estratégias de Bacia a UE possui uma para a região do Atlântico, que foi publicada em 2011 e vai na segunda versão de plano de ação. Portugal está aqui incluído, de facto, e reconhecem-nos como um ator marítimo de relevo.
Em 2011, esta estratégia da UE foi apresentada em Lisboa, a segunda conferência do Atlântico em 2013 foi em Lisboa e muito contribuiu para a elaboração do plano de ação. Por seu lado, a primeira presidência do Atlantic Strategy Group foi portuguesa e a revisão do primeiro plano de ação ocorreu em 2019, mais uma vez, sob presidência portuguesa. No início não ficou contemplado, mas Portugal já defendia que esta estratégia devia ter um alargamento a Sul. No entanto, à data só ficou Portugal, a Irlanda, o Reino Unido (que, por força do Brexit saiu), a França e a Espanha. Mas é interessante constatar que, nesta revisão do plano de ação, no modelo de operacionalização ficou prevista a figura de ‘Observadores’, que podem incluir outros Estados.
Se olharmos, abaixo na figura 10, por exemplo, para o financiamento através do ‘Portugal 2020’, constata-se que a maior parte do financiamento na área do mar – cerca de 85% a 88% – está muito alinhado com os objetivos da Estratégia da UE para o Atlântico e são fundos geridos a nível nacional, embora em gestão partilhada com a Comissão Europeia.
Figura 10 – Contributos para o Plano de Ação da UE.
Fonte: Santos (2021)
O único programa operacional de cooperação territorial da UE especificamente dedicado ao Atlântico, o Interreg Atlantic Area, está sediado em Portugal e é o único do Interreg que, de facto, está em Portugal. Esta opção está, também, diretamente relacionada com a forma como nos reconhecem como espaço Atlântico, se assim podemos dizer. E se olharmos para o mapa na figura 11, os outros países que estão abrangidos por este programa só participam com algumas regiões, mas Portugal está integralmente dentro desta área para a cooperação territorial da União Europeia.
Figura 11 – Cooperação territorial da UE para o Atlântico.
Fonte: Santos (2021)
Se considerarmos os pilares da Política Marítima Integrada da UE podemos, também, observar a sua articulação com as grandes áreas de trabalho identificadas na figura 12.
Figura 12 – Instrumentos da Política Marítima integrada.
Fonte: Santos (2021)
De entre elas, é possível destacar algumas áreas fundamentais. Assim, em termos económicos, na UE, os 5 países que correspondem a grandes economias e que mais contribuem para a economia do mar são o Reino Unido (que agora já não está na UE), Espanha, Alemanha, França e Itália, conforme figura 13. Destes, três são atlânticos.
Figura 13 – Contribuição nacional para a Economia Azul.
Fonte: Santos (2021)
Outro aspeto interessante diz respeito à Alemanha, que era um país visto, sobretudo, como continental, mas que na verdade se assume cada vez mais como anfíbio, se assim se pode dizer.
Mas, no que se refere à importância da economia azul para a economia de cada um dos países, retratada na figura 14, a situação é diferente. De facto, nesse sentido, Portugal destaca-se de entre os países do Atlântico como aquele onde a economia do mar tem mais importância. A Grécia está no Mediterrâneo, aliás a maioria é ali que se situa: Malta e Chipre também ali estão situados e, além disso, são países insulares. Portugal, compara-se neste contexto a países arquipelágicos, facto que é relevante.
A média da UE em termos de emprego é 1,8% enquanto em Portugal é 4%, em termos de valor acrescentado bruto, a média da UE é 1,3% e em Portugal é 2,4%, conforme se pode constatar na figura seguinte.
Estes dados constituem uma afirmação de que, apesar de um contributo moderado, a defesa da economia do mar é relevante em Portugal.
Em termos das exportações, o caso de Portugal no âmbito do Atlântico é muito interessante.
Figura 14 – Relevância da economia azul para a Economia nacional.
Fonte: Santos (2021)
Na figura 15, a verde, estão os países com os quais nós estabelecemos relações comerciais no quadro da economia do mar. Note-se que estas trocas comerciais se estendem por quase todo o Atlântico, e representam 74% das exportações da economia do mar.
Figura 15 – Mapa de relações comerciais.
Fonte: Santos (2021)
Em termos de países, na figura 16, denota-se que a Espanha e a França são muito importantes, mas também o Brasil, os Estados Unidos, a Noruega e o Reino Unido, o que é relevante para a nossa afirmação neste âmbito.
Figura 16 – Mercados mais relevantes.
Fonte: Santos (2021)
Na figura 17, estão identificados os principais produtos exportados.
Figura 17 – Produtos exportados.
Fonte: Santos (2021).
Além disso, neste contexto, também é importante destacar a colaboração com os países da EFTA. Portugal tem um programa de financiamento European Economic Area (EEA) Grants designado de Crescimento Azul, gerido pela DGPM, com forte colaboração com os países doadores – Noruega, Islândia e Liechtenstein. Portugal é, de todos os países que têm programas EEA Grants dedicados à Economia do Mar (abaixo identificados com cor verde), aquele que tem o maior programa, e aquele que de todos os fundos que recebe do European Economic Area (EEA) Agreement (EEA Grants) o que aloca uma maior verba ao apoio da Economia do Mar, o que é particularmente elucidativo.
No passado, Portugal já havia dedicado um outro Programa à qualidade ambiental das águas marinhas portuguesas e hoje detém alguns projetos estruturantes que nos alinham com parceiros no Atlântico, como o projeto do navio de investigação Mário Ruivo, do IPMA, e o Observatório do Atlântico, que também é um projeto de grande dimensão e que tem os parceiros que podemos identificar na imagem abaixo e que estão ‘alinhados’ com aquilo que são os pressupostos das relações com a Noruega e com a Islândia. Na figura 18 encontram-se elencados os diversos programas seguidos a nível nacional.
Figura 18 – Parceios nacionais para o Atlântico.
Fonte: Santos (2021)
E coloca-se a questão referente à proteção do ambiente marinho. Portugal está vinculado à Diretiva Quadro de Estratégia Marinha, no contexto da UE, mas esta Diretiva estabelece a necessidade de cooperação regional que, por sua vez, se faz ao nível da OSPAR no caso do Atlântico Nordeste.
E Portugal possui 24% do espaço marítimo das partes contratantes da OSPAR que, como se sabe, vai muito para além da UE pelo que, mais uma vez, o Reino Unido, a Noruega e a Islândia aparecem no nosso plano estratégico mais alargado. Portugal tem sido um parceiro relevante nos trabalhos da OSPAR em particular nas áreas de trabalho dedicadas às áreas marinhas protegidas, lixo marinho mas, também, mas também na análise dos aspetos socioeconómicos da região. Portanto, se pensarmos nas grandes áreas das áreas marinhas protegidas, incluindo na plataforma continental estendida, Portugal foi pioneiro e é um ator de relevo.
Um aspeto fundamental é a Agenda para a Ciência. A internacionalização da Estratégia do Atlântico teve um diálogo Norte-Norte, com a Declaração de Galway, e um diálogo Sul-Sul, com a África do Sul e com o Brasil, e que acabou por levar à Declaração de Belém e a esta iniciativa All Atlantic Ocean Research Alliance, que é fundamental.
No seu âmbito, verifica-se a existência de uma série de projetos financiados pela UE através do Horizonte 2020, mas o projeto cuja liderança é de Portugal – o All AtlaNtic Cooperation for Ocean Research and innovation Coordination and Support Action (AANChOR CSA) – está alinhado com aquilo que é a agenda do Atlântico Sul, e foi a Portugal que foi reconhecida a liderança deste grupo. Na figura 19, é possível constatar, ao nível da cooperação, o volume de projetos a nível europeu.
Figura 19 – Projetos nacionais para o Atlântico.
Fonte: Santos (2021)
Portugal, apesar de liderar apenas um, como visível na figura 20, colabora com muitos outros – 24 projetos. Em termos de contribuição nós conseguimos apurar cerca de 4,6 a 5% para Portugal, o que é bastante significativo neste quadro alargado do Atlântico.
Figura 20 – Agenda nacional para o Atlântico.
Fonte: Santos (2021)
Este statu quo conduz-nos, obviamente, à língua portuguesa. A articulação entre o AANChOR CSA e a CPLP – espaço de língua portuguesa justifica-se pelo facto de aquele projeto ter como foco, precisamente, a cooperação na Ciência da UE para o Atlântico Sul. E, de facto, são muitos os atores que, no Atlântico, falam português. Em particular, no Atlântico Sul, sendo que o Diálogo Sul-Sul teve início com o Brasil e com a África do Sul.
O facto é que a extensão ocupada pelas zonas económicas exclusivas e, sobretudo, aquela que é a área de busca e salvamento – que vai muito para além das primeiras –, é particularmente demonstrativa da ligação de todos os Estados-membros da CPLP no Atlântico como um todo. E na verdade, a própria CPLP também tem uma estratégia que foi lançada em Lisboa.
A título conclusivo, a Mestre Maria da Conceição Santos destacou que Portugal está muito envolvido nas redes de cooperação do Atlântico e tem tido um papel relevante em várias opções e dinâmicas neste espaço e, designadamente, nos processos anteriormente referidos. Em termos geográficos, o país tem uma dimensão marítima que o torna relevante, sendo de destacar a agenda ambiental, a agenda de ID e as redes regionais e globais de observação do oceano, incluindo na componente socioeconómica.
De facto, Portugal é um parceiro que tem que ser considerado relevante nas dinâmicas de cooperação Norte-Sul, vê-se alguma europeização de Portugal no Atlântico, mas, em matéria de mar, é muito relevante esta relação com os países de língua portuguesa, e também com aqueles que fazem parte da nossa antiga relação enquanto EFTA, hoje com a Noruega, com a Islândia, menos com o Liechtenstein, Suíça, mas, sobretudo, com aqueles países francamente atlânticos. Finalmente, mas não menos importante: o oceano é um único e o Atlântico tem que ser visto – assim como as parcerias no Atlântico – como uma ponte para parcerias com outras geografias e com uma agenda mais global.
A finalizar, apresenta-se, na figura 21, o quadro de síntese da Mestre Maria da Conceição Silva, onde esta enfatizou os aspetos mais relevantes da sua apresentação.
Figura 21 – Quadro de síntese.
Fonte: Santos (2021)
2.5 Terceira apresentação: “Poder militar nacional orientado para o Atlântico Português e a importância da dimensão espaço como novo domínio estruturante do poder”
A terceira comunicação do painel pertenceu ao Tenente-coronel Pedro Silva Costa que, mantendo o foco no Atlântico, orientou o seu olhar para o domínio da segurança e defesa, concretamente para a dimensão espacial. Além disso, olhando para aquela que é a importância da dimensão espaço para o cumprimento das responsabilidades inerentes às forças armadas clarificou, que a área e a região de análise serão o Atlântico.
O percurso da sua comunicação teve início com uma viagem muito rápida pela tecnologia espacial – quase à velocidade dos satélites (25000 km/hora, pelo menos aqueles que estão em órbita baixa), como teve oportunidade de esclarecer. Convidou a audiência a olhar, sobretudo, para aquela que é a importância estratégica do Atlântico, assim como a considerar a perspetiva dos documentos estruturantes, olhando e fazendo a triangulação com a tecnologia espacial. Depois, avançou para a integração do espaço no domínio da segurança e defesa e, antes das conclusões orientou a atenção de todos os presentes para o relevante papel de apoio que o espaço assume para o poder militar nacional, em concreto.
O speaker começou por destacar que já muito foi dito sobre o Atlântico e que, para além de já ter sido referido que é uma vasta área geográfica com um interesse significativo e estratégico para Portugal, é realmente um triângulo que nos permite criar e estabelecer as ligações entre os atores e projetar, sobretudo, a política externa nacional. Já foi assim no passado: Portugal projetou-se pelo Atlântico e, de algum modo, projetou a sua influência em busca também dos seus recursos. Hoje, também, esta poderá ser uma perspetiva a considerar, sobretudo para garantir algumas posições relevantes no que diz respeito ao próprio Sistema Internacional e aos recursos que existem no Atlântico.
Para além da relevância geoestratégica que já foi mencionada nas comunicações anteriores, salienta-se a importância do Atlântico (em particular, dentro das áreas sob responsabilidade nacional) no que diz respeito a todo o tráfego de comércio. A figura 22, pretende, sobretudo, representar a elevada importância do Atlântico como artéria da globalização.
Figura 22 – Relevância Geoestratégica Global do Atlântico Português.
Fonte: Costa (2021)
Por outro lado, mais uma vez faria referência àqueles que são os recursos existentes nestas áreas sob a responsabilidade nacional. Muitos números são passíveis de ser apresentados num exercício de demonstração da relevância da questão em apreço, mas, reitera-se, que o interesse nestas áreas é, sobretudo, estratégico para a afirmação de Portugal, em particular do ponto de vista da economia e da segurança.
Contudo, poderão ser identificados todo um conjunto de desafios dentro destas matérias: políticos, económicos, ambientais, culturais e securitários. Na verdade, podem ser identificadas vantagens associadas a estas valências. Mas a elas estão associadas, igualmente, desafios que se colocam à nação: do ponto de vista da segurança e defesa estão devidamente identificados naqueles que são os documentos estruturantes da defesa, estão devidamente identificados no seio das orientações políticas que permitem identificar todo um conjunto de capacidades, de valências para dar apoio a essas responsabilidades nestas áreas atrás referidas.
Apesar de a missão ser cumprida, a verdade é que poderão ser identificados alguns gaps, sobretudo no que diz respeito ao alcance e permanência da nossa presença. A verdade é que para o exercício pleno da soberania poderão ser identificados aqui alguns elementos que não respondem completamente às necessidades e ou exigências identificadas nos documentos estruturantes.
Vejamos, por exemplo, a dificuldade que é dar cobertura à área da responsabilidade pelos meios aéreos ou pelos meios navais. A verdade é que há dificuldades de projeção e de permanência desses meios, o que constitui um gap no que diz respeito às responsabilidades no seio do exercício de Soberania. E isto é, efetivamente, reconhecido no domínio político.
Nesse sentido, considere-se como exemplo o Despacho nº 2.388 de 2018, que se refere ao estabelecimento de protocolos com a Espanha no que diz respeito a comunicações satélite, mas que, no preâmbulo, acaba por identificar: “a defesa dos interesses nacionais e o conhecimento situacional espacial dos espaços estratégicos de interesse nacional são exercícios somente possíveis através do uso de tecnologias espaciais.”. Está aqui identificada uma dependência da tecnologia espacial para o cumprimento pleno daquelas que são as responsabilidades no seio do domínio da segurança e defesa.
O facto é que desde 2018 a questão do espaço tem sido objeto de uma atenção considerável, materializada sobretudo na Estratégia Portugal Espaço 2030, que implementa no nosso país uma dinâmica orientada para o domínio espacial. Tal já se encontra refletido na base dos documentos estruturantes, concretamente na diretiva ministerial de planeamento de defesa militar. Estamos a falar das orientações políticas para o planeamento de defesa militar para o quadriénio 2019-2022 onde é claramente identificada a necessidade, e é estabelecida como prioridade aumentar a capacidade de atuar no espaço. Há uma interligação entre estes documentos e, sobretudo, será a base para os estudos de documentos estruturantes e para a edificação de capacidades neste domínio.
Quando falamos em tecnologias espaciais, e tendo por base aquele que é um dos manuais doutrinários da North Atlantic Treaty Organization (NATO) – a Allied Joint Publications (AJP-3.3(B)) –, estaremos a falar concretamente em valências que se encaixam na área multiplicadora de Força. Estamos a falar de comunicações satélite, posição, navegação e tempo, monitorização ambiental e, concretamente, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance (ISR). Estamos a falar de valências que servem, sobretudo, para o apoio às operações internas, multiplicadora de força. As outras áreas de missão espacial serão conhecimento situacional – sobretudo para o espaço –, e controlo espacial – em que estaremos a falar de operações ofensivas e defensivas. Mas, concretamente dentro daquilo que são as missões para já estabelecidas para as forças armadas, gostaria de salientar que a nossa atenção será sobretudo dentro da área multiplicadora de força no apoio às operações em Terra.
A verdade é que estamos a falar de tecnologia que está já integrada, diria mais, perfeitamente integrada, no domínio da segurança e defesa, sobretudo a partir de 1991, após aquela que foi a primeira guerra que empenhou claramente a tecnologia espacial – a operação desenvolvida no Iraque.
Esta tecnologia tem, com o tempo, demonstrado aquelas que são as suas valências, aquele que é o seu valor sobretudo assimétrico para o ator capacitado. Vemos que ao longo deste período do tempo tem aumentado a presença de satélites de comunicações (SATCOM), por exemplo. Mas, quem fala em SATCOM e em comunicações via satélite também pode refletir sobre aquela que é a valência no seio da posição, navegação e tempo.
Muitas vezes nós acabamos por nos referir ao Global Positioning System (GPS) – sendo este apenas um dos sistemas atualmente em operação. Mas, a verdade é que no domínio da segurança e defesa verificamos, por exemplo, que desde 1991 e até à operação desenvolvida na Líbia se verificou um incremento significativo de armamento que utiliza estes tipos de sistemas de guiamento, aumentando a eficiência e eficácia do armamento. No entanto, quem faz referência ao armamento faz referência também, e concretamente, ao movimento de tropas no solo, por exemplo.
Dentro da área multiplicadora de força e, mais concretamente, considerando a questão central do Atlântico, poderemos assumir que estas valências serão igualmente importantes, em concreto o SR e monitorização ambiental. Estamos a falar de permitir ter todo um conjunto de informações sobre a área, alheia àquelas que são as condições físicas que, por vezes, impedem por exemplo o movimento de embarcações e meios aéreos.
Deve salientar-se efetivamente é que, no seio da tecnologia espacial, ela patrocina superioridade informacional, integração de sistemas e, sobretudo, patrocina a eficácia e eficiência de recursos. Todos estes valores são passíveis de ser identificados em prol do desenvolvimento de operações militares.
Concretamente para a região de análise – o Atlântico –, a tecnologia espacial pode ser um elemento facilitador, sobretudo no que diz respeito ao alcance, movimentação, SATCOM, posição de navegação e tempo, mas, também, permanência. Sobretudo pelas imagens que é possível retirar a partir de satélites ou seja, no fundo, estaremos a falar de uma monitorização quase permanente se assim fosse possível. Mas é possível, efetivamente, monitorizar sem ter o meio aéreo ou embarcação no local.
Olhando concretamente para Portugal, a verdade é que o país não possuía tecnologia espacial própria. Teve o PoSAT 1, lançado em 1993 (que está atualmente já inoperacional), permitiu desenvolver algumas ações no domínio da segurança e defesa – mas não para o Atlântico, e em 2000, Portugal integra aquela que é a ação cooperativa no que diz respeito à aquisição de valências da tecnologia espacial, a Agência Espacial Europeia.
A partir do ano de 2018 e a par com a projeção da Estratégia Portugal Espaço 2030 é, efetivamente, identificada uma dinâmica neste domínio. Permitiu edificar a agência Portugal Space que, no fundo, acaba por gerir todo um conjunto de valências e o percurso para Portugal nesta matéria, incluindo alguma dinamização no próprio domínio da defesa, concretamente no que diz respeito a valências de Space Surveillance and Tracking (SST) – estamos a falar de monitorização para o espaço, mas, também, alguns acordos sobretudo de um ponto de vista bilateral e aqui salientaria o desenvolvido com Espanha, que nos dá acesso a comunicações satélite.
Esta dinâmica é de tal ordem que Portugal adquiriu, através da empresa GEO SAT, a propriedade de dois satélites de observação, monitorização: o Demos 1 e o Demos 2. Pode parecer apenas simbólico, mas este facto representa um valor estratégico, particularmente para a região do Atlântico. Portugal passará a ter alguma autonomia nestas valências, ou seja: não estaremos dependentes de terceiros porque aquelas estarão ao dispor, sobretudo, das necessidades de Portugal. No seio da Agência Portugal Space este é apenas um dos exemplos da dinâmica que se procura incutir no domínio do espaço. Neste contexto, é relevante salientar a vontade declarada de edificar uma constelação, para além da permanente aposta em valências com o centro no Atlântico.
De facto, do ponto de vista daquilo que tem sido o percurso no domínio do espacial em Portugal, sobretudo desde 2018, procura-se centrar a atenção no Atlântico. Estamos a falar em tecnologias que poderão ser, de algum modo, enquadradas naquela que é a atividade da sociedade civil, mas a tecnologia espacial é uma tecnologia de emprego dual. Tanto pode ser aplicada ao mundo civil, como também terá valor para o mundo castrense.
Por fim, é importante salientar que dentro da Agência Portugal Space, um dos membros fundadores é a própria Defesa Nacional. E este facto está claramente associado àquele que é o emprego dual da tecnologia. Por pouco ou muito que represente a aquisição dos satélites Demos (apenas 2 de uma imensidão já muito significativa existente no espaço), a verdade é que confere a Portugal autonomia; por outro lado, alimenta a evolução tecnológica e, de algum modo, impede que avancemos em direção a um fosso tecnológico perante aquela que é a atividade internacional, particularmente alimentada dentro do conceito de new space – democratização do acesso ao espaço, miniaturização daquela que é a tecnologia espacial.
No fundo, os dois satélites anteriormente referidos acabam por conduzir Portugal para um patamar que podemos considerar ser de equilíbrio face àquilo que está a acontecer na dinâmica internacional em curso neste domínio. O reconhecimento desse statu quo é público, assim como o do seu valor para a economia e para as ações no domínio da segurança e defesa.
Efetivamente, no âmbito daquelas que são as orientações políticas, é reconhecida a importância do espaço sobretudo para as responsabilidades inerentes à defesa na região do Atlântico. Nesse sentido, merece destaque o alcance e permanência possíveis pelo emprego da tecnologia espacial, a autonomia e aqueles que são os outcomes que lhe estão associados para o exercício da soberania.
2.6 Quarta apresentação: “Poder funcional do Atlântico Português e requisitos de capacitação para a Defesa Nacional”
A quarta e última comunicação do painel deste primeiro Simpósio esteve a cargo do Professor Doutor Pedro Seabra que se centrou sobre a questão do Poder enquanto garante de estabilidade. Tendo como ponto de partida o título proposto para esta intervenção – Poder Funcional do Atlântico Português e requisitos de capacitação para a Defesa Nacional –, o primeiro aspeto que o orador considerou relevante acautelar foi o de se referir à questão do Poder funcional mais enquanto um garante ou um integrante de estabilidade do que necessariamente a imposição de qualquer autoridade que se pretenda para um espaço em particular.
Nesse sentido, o ponto de partida adotado – no seguimento daquela que foi a abordagem inicialmente apresentada pelo senhor Professor Heitor Romana no início da sua conferência – foi explorar como Portugal pode ou não promover o curso de certos desenvolvimentos neste âmbito. O objetivo da comunicação consistiu assim em tentar apresentar uma panorâmica sobre o tema, aplicado concretamente a questões securitárias marítimas no âmbito do Atlântico e procurando, igualmente, gerar alguns contributos concretos.
Desta forma, buscou-se não só caracterizar o contexto securitário marítimo no âmbito do Atlântico, mas também identificar formas de capacitação da própria Defesa Nacional, que poderão vir a estar ao dispor de Portugal nesse âmbito. Em termos de conclusão, procurou-se identificar alguns possíveis desafios prospetivos.
No entanto, foi necessário estabelecer uma ressalva inicial, sobretudo quando atendendo aos limites do espaço em apreço. Com efeito, o Atlântico português em discussão, encontra-se longe de ser exclusivamente português, ou sequer de poder ser apenas interpretado de acordo com essas lentes linguísticas-culturais de análise. Naturalmente, existem especificidades próprias, que atraem o interesse e prioridade de Portugal para aquilo que passa no seu seio. Mas muito embora este tipo de recortes analíticos possa parecer útil à partida, também pode forçar a pensar em determinados elementos ou componentes como inseridas num determinado vácuo – algo que se encontra bastante longe da realidade. Como tal, é possível questionar até que ponto este Atlântico português permanece de facto apenas e exclusivamente português.
Por outro lado, pensar no Atlântico como um todo também pode ofuscar determinadas dinâmicas regionais que poderão merecer mais ou menos atenção, maior ou menor envolvimento por parte do Estado português e que poderão atrair maior ou menor preocupação e/ou interesse dos decisores nacionais. O caso específico do Golfo da Guiné é disso um excelente exemplo, uma vez que tem atraído as principais atenções, os principais investimentos e as principais preocupações do ponto de vista securitário, com enfoque específico em dinâmicas marítimas.
Ultrapassadas estas ressalvas iniciais, o orador caracterizou o espaço do Atlântico, tão difuso quanto complexo, destacando 3 características em particular. A primeira consiste no claro enfoque no multilateralismo; tal resulta diretamente da quantidade de entidades estatais e soberanas que importa atender neste espaço, sobretudo quando considerando o Atlântico como um todo, mas, igualmente, quando considerando dinâmicas específicas sub-regionais, como aquelas existentes no Golfo da Guiné.
Uma análise das soluções propostas a esse nível nos últimos anos confirma essa opção declarada por procurar coletivamente desenhar e formular mecanismos em comum para problemas que invariavelmente se reconhecem também como comuns, desde pirataria, assalto à mão armada em alto-mar, questões de poluição, questões de desenvolvimento nas orlas costeiras, e todo o tipo de diferentes tráficos que possam afetar as comunicações ou o comércio regional, internacional. Estas ameaças têm sido sobejamente consideradas como comuns, necessitando invariavelmente de plataformas multilaterais onde todas as partes afetadas possam sentar-se à mesma mesa. Essa ‘marca’ multilateral do Atlântico parece ser muitas vezes tomada como garantida, mas continua a ser merecedora de destaque.
Uma segunda característica consiste na informalidade crescente dos contactos multilaterais perante as debilidades do próprio multilateralismo e da sua parca ou difícil institucionalização. Quando analisando o espaço do Atlântico nos últimos 10, 15 anos, e sobretudo no contexto do Golfo da Guiné, aquilo a que se tem assistido é uma proliferação de fora ad hoc e plataformas multilaterais que visam coletivizar respostas, mas que evitam a todo o custo qualquer tipo de formalização e/ou institucionalização. Com efeito, a necessidade de formalizar disposições, garantias, e mecanismos implica por si só uma temporalidade, por vezes excessiva, que não se coaduna com a rapidez e fluidez das ameaças identificadas. Torna-se por isso necessário olhar com mais cautela para o contexto marítimo do ponto de vista securitário, onde é possível identificar uma tendência de proliferação deste tipo de soluções mais ‘informais’.
Em terceiro lugar, é visível uma sobreposição e competição crescente entre soluções avançadas nos últimos anos, quer elas sejam multilaterais ou unilaterais. Isto, por si só, gera invariavelmente várias questões em termos de se saber quem deve proporcionar a liderança necessária, qual a opção multilateral ou institucional que agrega mais interesse, como dirimir eventuais problemas que advenham dessa mesma competição e como assegurar que, no fim de contas, o enfoque e as atenções não se dispersem daquilo que verdadeiramente interessa: conseguir proporcionar uma solução holística para lidar com o contexto securitário marítimo da melhor forma.
Atendendo a estas três características do espaço do Atlântico, o orador equacionou diferentes formas de capacitação para a própria Defesa Nacional, sobre como melhor lidar com estes desafios e com o próprio contexto multifacetado que o Atlântico proporciona a Portugal do ponto de vista securitário. Esta equação pode ser constituída por 4 pontos, em termos das diferentes medidas que poderiam ser adotadas com o objetivo de reforçar o perfil nacional, mas, também de elementos específicos que o projeto de investigação em discussão poderá vir a querer considerar.
O primeiro ponto prende-se com a ideia anteriormente avançada de se dever procurar ir além do Atlântico português, sendo necessário começar a pensar na melhor forma de jogar com geometrias e geografias variáveis. Frequentemente, quando são analisados os parceiros, os fora, as plataformas e as organizações que Portugal tem privilegiado, é visível como o contexto é cada vez mais propício a uma maior variabilidade perante determinados problemas e perante determinadas ameaças. Verifica-se por isso a necessidade de ultrapassar um certo ‘colete de forças operacional’, que muitas vezes é atribuído à Defesa Nacional, no sentido de privilegiar apenas determinados parceiros ou geografias e não considerar outras possibilidades nesse mesmo âmbito.
Em todo o caso, é também relativamente consensual almejar-se uma melhor utilização daquilo que o país faz em termos da cooperação de defesa, atendendo ao ‘lastro’ de experiência e resultados que foram obtidos até à data. Tal não significa que não se deva reajustar esse mesmo lastro perante o contexto marítimo securitário e os interesses de Portugal. Não é por mero acaso que se tem assistido ao ajuste ‘temático’ de alguns dos Programas-Quadro com parceiros lusófonos em África, no sentido de privilegiar questões de segurança marítima e de tentar trazer o know-how de Portugal nesse domínio para a linha da frente.
Mas é também possível pensar em melhores formas de rentabilizar, por exemplo, a rede de adidos existentes e identificar novas oportunidades ao nível do cluster de Defesa Nacional, sobretudo do ponto de vista aeronaval e aeroespacial, onde continua a existir um espaço considerável de expansão e de crescimento para a Cooperação no Domínio da Defesa (CDD).
Por outro lado, não é possível ter expectativas desmesuradas face àquilo que Portugal pode e deve fazer, inclusive do ponto de vista securitário. Como tal, não parece totalmente descabido antecipar, no curto ou médio prazo, uma maior aposta em oportunidades de cooperação triangular e cooperação delegada como forma de mitigar a eventual falta de recursos para conseguir responder a todos os problemas e ameaças em igual medida.
No primeiro caso, da cooperação triangular, existe uma experiência muito bem-sucedida até à data, que continua em curso, com o Luxemburgo, no sentido de proporcionar equipamento prioritário à guarda costeira de Cabo Verde e que demonstra como é possível estabelecer esse tipo de parcerias nas quais Portugal desempenha um papel crucial, abrindo ao mesmo tempo o espaço para que outros atores com interesses iguais ou semelhantes possam também dar o seu contributo.
Em termos de cooperação delegada, destaca-se o exemplo do projeto SWAIMS3 liderado pela delegação da UE em Abuja em conjunto com o escritório das Nações Unidas para o combate às drogas e crime, e no qual o Instituto Camões tem assumido o papel ativo a nível nacional, contado também com uma forte capacitação do lado da Marinha portuguesa e da Defesa Nacional. Sem incorrer em avaliações dos resultados desse projeto – uma vez que se encontra ainda em curso – salienta-se a sua possível replicação com outros novos projetos no futuro a curto ou médio prazo.
O último ponto a destacar prende-se com a necessidade de edificar plataformas e mecanismos agregadores que permitam congregar diferentes atores e agendas com vista à capacitação dos parceiros que Portugal continuará a querer reforçar. Neste âmbito, o caso do Atlantic Centre, oficialmente lançado em 14 de maio de 2021 poderá constituir um exemplo particularmente ajustado a esse propósito, uma vez que reconhece quer o contexto regional do Atlântico onde se insere, quer as dificuldades de agregar determinados países, parceiros, e organizações, à mesma mesa, proporcionando precisamente a mesa comum que se encontrava em falta até hoje.
Por último, o orador destacou ainda alguns desafios prospetivos: em primeiro lugar, é previsível um aumento da necessidade de uma maior gestão de crises complexas no âmbito do Atlântico, abrangendo não apenas casos de pandemias, mas, também, casos derivados de alterações climáticas ou desastres naturais que afetarão quer o domínio marítimo, quer as zonas costeiras circundantes, podendo vir a suscitar problemas securitários adicionais que não estejam a ser necessariamente considerados. Neste âmbito, será possível aprender com outras experiências de outros espaços regionais marítimos, mas o próprio espaço do Atlântico terá ainda que evoluir bastante a esse nível.
Em segundo lugar, foi destacada a mais que provável sobreposição, e não concertação, da capacitação que está a ser proporcionada a diferentes parceiros neste espaço. Existe uma multiplicidade de atores neste momento e essa mesma multiplicidade está a gerar uma multiplicidade de diferentes tipos de capacitação, não sendo expectável ou legítimo esperar que todos as partes intervenientes consigam de repente acomodar, gerir e conciliar todas essas diferentes tipologias de capacitação. Esta situação poderá gerar problemas em termos da sua utilidade, rentabilidade e efetividade perante os ditos problemas de segurança marítima com os quais esses países se deparam.
Por último, será relevante acautelar de forma mais regular a revisão e ajuste de programas e estratégias que possam ser geradas para este espaço. É frequente assistir-se à ‘reivindicação’ de estratégias, mas não se verifica a existência de uma preocupação equivalente em termos de garantir o respetivo acompanhamento, sobretudo no que se refere a assegurar que a par da publicação, desenho, formulação de estratégias sejam apresentados, também, mecanismos permanentes para assegurar o seu acompanhamento e revisão. O contexto do Atlântico demonstra que dinâmicas securitárias marítimas podem evoluir consideravelmente no espaço de poucos anos, inutilizando alguns dos pressupostos de base que estiveram na génese de documentos com 5, 6, ou 7 anos, e tornando-os, assim, quase que inconsequentes.
Para concluir, o orador reconheceu que muitas das ferramentas necessárias para lidar com estes desafios já se encontram neste momento disponíveis, sendo necessário apenas maior criatividade adicional para lidar com estes desafios do século XXI.
As segundas jornadas científicas tiveram lugar no dia 15 de junho de 2021, pelas 13h45, tendo decorrido sobre a plataforma digital zoom. Apresenta-se na figura 23 o cartaz complementar divulgado publicamente, indicando o detalhe acerca dos conferencistas.
Figura 23 – Jornadas Científicas nº 2 (Conferencistas).
A sessão inaugural foi subordinada ao tema “Dimensões do poder militar e a centralidade da abordagem multidomínio na soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento do Atlântico Português” e o keynote speaker foi o Vice-almirante, na situação de reforma, António Rebelo Duarte, Membro Emérito da Academia de Marinha, Presidente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e Professor Convidado da Universidade Católica.
Seguiu-se um painel com quatro apresentações, moderado pelo Capitão-de-mar-e-guerra António Gonçalves Alexandre, que integra a equipa de investigação, como responsável pelo Módulo 2.
O Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires, Coordenador do Atlantic Centre e Subdiretor da Direção-Geral de Política de Defesa Nacional fez a primeira apresentação, cujo tema foi “Oceano Atlântico: desafios, abordagem holística, capacitação multidomínio, oportunidades e iniciativas cooperativas multinacionais”.
O Capitão-de-fragata João Lourenço da Piedade, do Estado-Maior da Armada, fez a segunda apresentação subordinada ao tema “Domínio marítimo: Vulnerabilidades, Ameaças, Riscos, Soberania, Segurança, Jurisdição e Desenvolvimento na Vertente Atlântica”.
O Coronel Piloto-aviador Carlos Serrano Paulino, Coordenador da Área de Ensino Específica da Força Aérea, no IUM, fez a terceira apresentação cujo tema foi “Domínio aéreo e Domínio espacial: a Dimensão aeroespacial e seus contributos para a soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento no Atlântico Português”.
Por fim, o Capitão-de-mar-e-guerra Hélder Fialho de Jesus, Coordenador da Área de Ensino Específica da Marinha, também no IUM, fez a quarta apresentação subordinada ao tema “O Ciberespaço no contexto da soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento no Atlântico Português”.
3.1 Sessão inaugural: “Dimensões do poder militar e a centralidade da abordagem multidomínio na soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento do Atlântico Português”
O Vice-almirante António Rebelo Duarte começou por referir que o tema que lhe foi proposto tinha tanto de aliciante quanto de exigente, especialmente num momento em que o país se vê a braços com uma crise pandémica, com sérias repercussões económicas e sociais e acumulados impactos e vicissitudes ao nível da defesa e respetiva componente militar, relativamente a recursos, capacidades e meios do seu sistema de forças.
Decidiu seguir uma abordagem do tema no sentido “do mar para terra”, projetando na Europa e em Portugal os desafios e oportunidades que o Atlântico pode representar, no que concerne, à prospeção e exploração dos seus ativos, proteção ambiental e biodiversidade das espécies, cuja concretização não prescinde do controlo, vigilância e fiscalização, em nome do exercício da autoridade do Estado no mar.
Para Portugal, prosseguiu, essas potencialidades económicas e exigências ecológicas não eram de somenos importância, num tempo de adversas circunstâncias, que, de resto, já se arrastavam desde o início do século, com a perda de posição no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) dos 27 Estados-membros, devido à baixa produtividade e competitividade a nível da sua performance económica, incluindo o forte abanão provocado pela bancarrota de 2011.
Não será, pois, despiciendo, o aproveitamento dos recursos de uma economia azul suscetível de proporcionar, no quadro da transição verde do plano de recuperação e resiliência (PRR), uma nova e revitalizadora vaga de realização produtiva, clamando pela satisfação das necessidades de segurança, impostas pelo ambiente agónico e inerentes desafios, como já o nosso grande estratego, Padre Fernando de Oliveira, na sua “Arte da Guerra” evocava:
[…] Porque o mar é muito devasso, e os homens não podem escusar de nele negociar suas fazendas, uns mercadejando, outros pescando, e outros como lhes vem bem, […] cumpre que nele se ponha muito recato […] com medo ou com severo castigo. Por todas estas razões é necessário haver armadas no mar que guardem as nossas costas e paragens […].
A segurança marítima em geral, e, em particular, no oceano português, tem sido e continuará a ser central para o nosso país, como também para a NATO e UE, isto num tempo em que a manutenção da superioridade aeronaval dos Estados Unidos da América (EUA) no Pacífico, Índico, Golfo Pérsico e Atlântico será cada vez mais difícil de preservar, devido aos crescentes custos financeiros e, mais do que isso, à forte concorrência de outros grandes poderes.
Desde muito cedo, o Estado português tem apostado na sua dimensão marítima e atlântica, afinal, um traço da singularidade de Portugal, fruto da combinação única da sua natureza com a geografia e a história, ou seja, o gene da sua matriz identitária, derivada precisamente do cruzamento dessa geografia com o património historicamente edificado.
Foi esse, de resto, o “húmus” identitário e de afirmação de Portugal como entidade nacional especial, porque, após o início térreo e contra Espanha, se fez no mar, ou o mar fez Portugal (como terá dito Unamuno), mar esse que obrigou a uma nova vocação e destino, espelhados na ideia de António Barreto (apresentada em conferência na Academia de Marinha): “Tal como o montado alentejano ou os socalcos durienses, o mar passou a fazer parte da identidade do país” (Barreto, 2019).
Só que não basta proclamar. As Forças Armadas portuguesas (FFAA) estão a defrontar sérias dificuldades que põem em causa a sua operabilidade e modernização, agravadas pelo facto de se tratar de um país arquipelágico como o nosso, que, ainda por cima, apostou na extensão da sua plataforma continental (PC), o que faz aumentar a perplexidade e a angústia. Sentimentos que trespassam num artigo recente do referido sociólogo, que afirmou:
“[...] está em curso uma miniaturização das FA, tudo isto num quadro de maior incerteza, até por causa do afastamento dos EUA e da crescente indeterminação da UE quanto ao futuro da sua defesa coletiva e da NATO [...]” (Barreto, 2021).
Neste plano, o Vice-almirante António Rebelo Duarte afirmou juntar-se aos vários autores que consideram que a segurança do mar deve ser encarada principalmente como um subsistema da segurança nacional, já que se trata de um dos seus principais pilares, especialmente para os países marítimos, com características específicas.
Avançou, logo de seguida, para o binómio Europa-mar, espaço português e poder nacional na sua componente militar e vertente marítima e naval, com uma breve referência à envolvente geopolítica e variância estratégica.
3.1.1 Envolvente geopolítica e variáveis estratégicas
Nos últimos anos, a Europa tem vindo a tornar-se menos relevante, ativa e unida, em contraponto a uma China mais assertiva, uma Rússia a retomar papel intervencionista global e aos EUA, até há pouco transformados numa espécie de força disruptiva da ordem internacional, que, por ora, vai dando esperançosos sinais de reversão.
Sem esquecer a possível perda de um aliado estável como foi a Turquia pré-era Erdogan, a Rússia e China são aqui trazidas à colação, porque ambas vão obrigar o eixo euro-atlântico a importantes reflexões estratégicas, no que importa à estabilidade e segurança das democracias ocidentais, assim como às respetivas prioridades estratégicas, nomeadamente nos domínios da defesa cooperativa e, obviamente, da sua envolvente oceânica, chamando à razão e reforço a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) na sua complementaridade com a Aliança Atlântica.
Este é um caminho cada vez mais inevitável perante uma conjuntura atual preocupante, perante a crescente tensão entre os dois lados da Europa que a retórica de Moscovo tem alimentado, a partir da acusação ao desígnio da NATO de se estender até ao longo das suas fronteiras, e que serve de alibi para a criação, até finais do corrente ano, de cerca de 20 novas formações e unidades militares espalhadas pelo distrito militar ocidental (Shoigu, 2021). Entretanto, também foi aumentando o seu poder naval de modo a manter uma presença importante no Atlântico Norte, após largos anos de ausência. O movimento crescente dos seus submarinos e a possibilidade de haver algumas visitas chinesas, serão motivo suficiente para atitude de precaução.
Descendo ao Sul do Atlântico, as atuais ameaças transnacionais em África constituem um enorme desafio para tempos vindouros. Na outra margem, dá-se conta, desde 1986, da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS)4, que integra 24 países, em estado praticamente adormecido e só estimulado a partir de 2007, pelo Brasil. Todavia, não se trata de uma aliança militar, até porque as presenças navais da China e Rússia no Atlântico Sul são, por enquanto5, modestas e esporádicas, também porque, ainda mais a Sul, vai vingando o Direito Internacional Público (DIP) e os tratados que consagram a utilização pacífica da Antártida para efeitos de investigação científica e cooperação internacional, proibindo expressamente a militarização de uma região tida como zona livre de armas nucleares.
Uma ameaça, todavia, que alguns autores, como Daryl Kimball6, não excluem, em função do número de potenciais focos de conflito nuclear, chegando a classificá-lo de risco superior ao que apresentou durante a Guerra Fria (Kimball, 2021, cit. por Carvalho, 2021).
É neste cenário que o Vice-almirante António Rebelo Duarte julga importante enquadrar o atual momento da UE, bem como o projeto de reflexão acerca do seu devir previsto para a Conferência sobre o Futuro da Europa, já lançada em cerimónia oficial, em Estrasburgo (9 de maio de 2021), para durar um ano.
E muito terá para debater, dadas as divisões interpares, mas também nas próprias sociedades nacionais, acerca do caminho que a integração deve prosseguir, ao mesmo tempo que o mundo envolvente está em mudança acelerada, obrigando-a a um esforço de adaptação constante e por vezes extremamente difícil, como o passado tem demonstrado.
No final se verá se os europeus foram, de facto, capazes de ter encontrado respostas consensuais para questões tão importantes, como é o caso das opções em alternativa: comunidade de princípios e valores versus espaço meramente económico; e reforçada conciliação desses valores comuns no respeito pelas diversidades e identidades nacionais versus uma arena de afirmação de egoísmos soberanistas.
Como alertou o Presidente francês Macron, a UE precisa de um novo fôlego democrático, indispensável perante uma globalização que foi excelente em muitos países e a Ásia o seu grande ganhador, ao permitir, entre os finais do século XX e início do XXI, uma migração maciça para a China, de tecnologias, investimentos e capitais, da Europa, EUA e Japão.
O Vice-almirante António Rebelo Duarte abordou, de seguida, com maior detalhe, o que tem sido feito e como tem reagido a Europa (e os seus Estados-membros) perante aquele conjunto de desafios.
3.1.2 A Europa, Portugal e o Atlântico
Em primeira instância, a Europa tem vindo a lutar contra uma crise existencial interna, em consequência da crise financeira e do euro, ainda não resolvida, e, mais recentemente, da Covid-19, que acicataram divisões e feridas Norte/Sul e Leste/Oeste, além dos efeitos mútuos ainda não contabilizados com o pós-Brexit e de um persistente arrefecimento da sua economia, com todas as sequelas de pobreza e desigualdades, diversamente sentidas pelo conjunto dos parceiros.
Nestas circunstâncias, a Europa depara-se com um cenário que desaconselha qualquer espécie de desalinhamento euro-atlântico, que o próprio presidente Biden já terá assimilado, e é em função desse desígnio que Portugal e os demais parceiros, terão de encontrar os caminhos da revitalização política e económica, naturalmente com a prestimosa ajuda do seu aliado natural – o Mar.
Prova-o a economia azul dos Estados-membros, ao abranger uma vasta gama de sectores, tradicionais e emergentes. Os mais recentes dados, disponibilizados no relatório sobre a economia azul dos Estados-membros da União Europeia (Directorate-General for Maritime Affairs and Fisheries, 2020), revelam que o cluster europeu assegura emprego direto a mais de 4 milhões de pessoas, gerando um volume de negócios superior a 650.000 milhões € e, pelo menos, 180.000 milhões de valor acrescentado bruto (VAB)7.
Neste cluster, importa realçar, ainda, o transporte marítimo, hoje responsável pela realização de mais de 90% de todo o comércio externo europeu, abrangendo, a nível mundial, mais de 180 bandeiras de diversos Estados, cerca de 50.000 navios, 1,2 milhões de empregos e um fluxo comercial de 9.600 milhões de toneladas de carga (Faria, 2021)8.
Neste âmbito, realçou o Vice-almirante António Rebelo Duarte a orientação do Conselho da UE, de 25 de maio de 2021, visando a sustentabilidade da economia azul com base no quádruplo pilar: saúde dos oceanos, conhecimento, prosperidade e equidade social, deixando sublinhada a necessidade de uma eficiente governança do oceano indispensável a uma economia azul sustentável, com um papel importante na agenda do Green Deal europeu.
Mas para que a economia possa fluir, em esmagadora medida veiculada pelos corredores oceânicos, há que cuidar da segurança marítima e também do seu ambiente, a convocar a atenção da Europa, principalmente dos parceiros marítimos, como Portugal.
Essa foi a finalidade da Estratégia de Segurança Marítima da UE (de 2014 e revista em 2018), ao cobrir o domínio marítimo global para salvaguarda dos inerentes interesses próximos e distantes, procurando, ainda, identificar ameaças, riscos e as consequentes respostas, sem afetar as competências próprias dos Estados-membros.
Diferente objeto teve a Estratégia Marítima para a Região Atlântica (2011) e o respetivo plano de ação, aprovado pela comissão europeia (CE) em 13 de maio de 2013, incidindo especialmente no desenvolvimento sustentável.
Nestas circunstâncias, o Vice-almirante António Rebelo Duarte considerou justificar-se uma análise sucinta à geopolítica dos oceanos e ao posicionamento relativo do Atlântico nesse xadrez, numa perspetiva instrumental do ambiente securitário e de defesa.
3.1.3 Defesa como esteio do ambiente securitário e da economia azul
Numa breve caracterização geopolítica9 dos oceanos, é percetível a existência de palcos muito problemáticos e instáveis, caso do Pacífico (com disputas territoriais sobre ilhas do Mar do Sul da China), do Golfo Pérsico e Mediterrâneo (com confrontações de natureza religiosa e civilizacional e disputas entre as superpotências pela consolidação de influências regionais, bem evidenciada pela intromissão turca no Mediterrâneo Oriental e a renovada tensão EUA-Irão).
O Atlântico tem uma enorme extensão e comunica com os outros 4 oceanos, banhando 65 países (30 na América, 11 na Europa e 24 em África), sendo dos mais pacíficos no que respeita a conflitos entre Estados. No entanto, a centralidade atlântica típica do séc. XX vem perdendo proeminência neste início de século, depois do duplo e telúrico efeito da globalização e da implosão do império soviético, com transladação da importância para um novo palco, o Hemisfério Sul e a Bacia Indo-Asiática.
Ainda que se compreenda a lógica ascensional desta nova região, referiu o Vice-almirante Rebelo Duarte que jamais o ouviriam passar a certidão obituária para o nosso oceano, contrapondo-lhe alguns argumentos em favor do seu ressurgimento, nomeadamente: o chapéu do Ártico10 e o degelo que lhe prognosticam11, a par da “animosidade” dos EUA, Canadá e Noruega12 em relação a apetites russos; a ligação América-Europa para a exportação do gás natural liquefeito (GNL) americano por via marítima; o alargamento do Canal do Panamá; e o projeto de um canal transoceânico na Nicarágua, com investimento chinês13.
O que antecede permite, segundo o Vice-almirante António Rebelo Duarte, constatar que o Atlântico não está isolado, mas antes em interação global, como o reclamam as exigências da segurança marítima, derivadas do défice de controlo das águas de jurisdição dos países costeiros do Sul, com destaque para os problemas existentes, como é o caso da pirataria do Golfo da Guiné (ex., Nigéria e S. Tomé e Príncipe); do tráfico de drogas e imigração clandestina (ex., Guiné-Bissau); e das disputas sobre a delimitação das águas de jurisdição (ex., Gana/Costa do Marfim, Guiné Equatorial/Gabão, Angola/R. D. Congo, etc.).
Esse é mais um argumento para a necessidade de uma visão integrada para as duas metades do Atlântico, como, de resto, o exigem as modernas conceções da segurança marítima e de que a Europa não se pode alhear, movida por vários parceiros europeus, costeiros e marítimos, que vêm equacionando, aos níveis estratégico e operacional, a forma de melhor equilibrar as diferentes visões do mar como espaço militar de defesa e de projeção de poder e de desenvolvimento económico, influenciadas pelos plausíveis alargamentos das suas PC.
É, pois, neste quadro, que se insere a aposta no Mar, Atlântico à cabeça, incluindo o seu Mar Moreno, como o Prof. Adriano Moreira batizou a parte Sul (no conjunto, 24% dos espaços oceânicos), mar esse que irá continuar, seguramente, a conquistar importância durante o desenrolar do século XXI. Daí que seja hoje ainda mais evidente a necessidade de mobilizar o nosso país, com vista à clara identificação e adoção dos objetivos marítimos nacionais e consequente edificação, organização e emprego das suas capacidades materiais e humanas, em moldes que permitam saltar do habitual campo das proclamações, para o fértil terreno das concretizações.
Portugal tem todo o interesse em contribuir para a segurança marítima no Atlântico, porque aí residem os seus interesses permanentes e, por outro lado, será sempre um espaço geopolítico onde o país poderá desfrutar de mais alguma margem de manobra na política internacional e na preservação do ecossistema atlântico. Uma ideia a que parece dar corpo à recente criação do Centro para a Defesa do Atlântico (CeDA), agora rebatizado de Atlantic Center (AC)14, na Ilha Terceira dos Açores, candidato ao estatuto de Organismo Internacional, em função do seu objeto de espaço de diálogo orientado para soluções cooperativas entre o Norte e o Sul, ou seja, os países que partilham a fachada atlântica e a mesma diversidade de problemas.
Esta iniciativa visa permitir um inédito diálogo político, envolvendo todas as partes do Atlântico, mas também a partilha de conhecimento entre universidades, centros de investigação e FFAA dos diferentes países, além da capacitação e formação. Na prática, trata-se de mitigar os efeitos da redução da presença militar norte-americana na base das Lajes, iniciada em 2015, num claro propósito instrumental de afirmação de Portugal, através da promoção da segurança cooperativa no conjunto do Atlântico, desde a África do Sul ao Canadá e da Argentina à Noruega.
À semelhança de outras novas abordagens, como uma futura constelação de satélites, este novo centro poderá viabilizar o reforço da capacidade e a credibilidade do país na segurança e defesa do vasto espaço atlântico sobre o qual lhe incumbem dilatadas responsabilidades.
Esse tem sido, no papel, o propósito dos conceitos estratégicos de Defesa Nacional (CEDN), datando o último de 2013, com uma referência ao Atlântico, “... O Atlântico Norte e o Atlântico no seu todo são a segunda e a terceira áreas de importância estratégica para Portugal, sendo a Europa a primeira ...” (RCM, 2013), no que será, todavia, uma definição equívoca, sugerindo quase que a Europa, na sua versão continental, pode ser considerada sem o mar ou sem o Atlântico, o que se afigura, para o Vice-almirante António Rebelo Duarte, desajustado. Nestas circunstâncias, julga que estará na hora da sua revisão, a fim de dar resposta a um conjunto de razoáveis questões, nomeadamente: o que tem Portugal realmente de estratégico? O que deve Portugal proteger e promover como ativos e realidades originais, pensando, simultaneamente, no mar, Atlântico, ZEE e PC? E neste conjunto, que atividades devemos apadrinhar? Todas ou parte das relacionadas com recursos e potencialidades disponíveis, desde as económicas às biológicas, passando pelas energéticas, as educativas, as de circulação e transporte, as de controlo de navegação, as de construção e reparação naval, as de formação, as de investigação oceanográfica, as de lazer e desporto?
Ora, considera o Vice-almirante António Rebelo Duarte que é precisamente pela qualificação de ativo estratégico que o mar deve estar integrado numa perspetiva ampla de segurança e Defesa Nacional, o que passa pela manutenção e modernização de uma capacidade adequada de vigilância e controlo do espaço marítimo sob responsabilidade nacional e do espaço marítimo interterritorial, onde a marinha e a força aérea portuguesa devem ser contribuintes líquidos, e, também, ao serviço (e em prol) do suporte e fomento da economia azul que as políticas públicas devem promover.
A crescente importância das novas ameaças que tiram partido do mar torna hoje nítida a necessidade de uma nova conceptualização sobre a preparação e o emprego do poder naval, que contemple, quer ações de cariz essencialmente militar, ligadas à condução da política externa, quer de natureza predominantemente jurisdicional, direcionadas para a imposição da autoridade do Estado nas áreas marítimas da sua competência.
É aqui que, em termos doutrinários, ganha pertinência o conceito do duplo uso, que assenta ainda melhor em países com menores capacidades de investimento, como é o nosso caso, que, por essa via, conseguem garantir a preparação e o emprego da força naval suficiente para preservar os interesses nacionais num mar reclamante de uma visão holística.
É uma abordagem desta natureza de transversalidade que, por sua vez, impõe a elaboração da tal estratégia marítima nacional, habilitante da satisfação daqueles interesses relacionados com o desenvolvimento e a segurança, vetores fundamentais que, por sua vez, derivam do CEDN e que muitos advogam, como mais congruente, dedutíveis de uma integrada e total Estratégia Nacional.
Aqui chegados, sublinha o Vice-almirante António Rebelo Duarte que, entre nós, os governos e programas políticos vão-se sucedendo, sem que se consiga resposta satisfatoriamente robusta para os problemas do desenvolvimento15 e, através deste, para o que aspiramos ser na Europa e no mundo neste século XXI. As nossas taxas de crescimento, de desenvolvimento, de enquadramento e de coesão nacional vêm enfraquecendo desde 2000, a produtividade em queda e a competitividade com mais períodos de divergência do que de convergência.
Está provado que as estratégias de navegar à vista não vão chegar para nos retirar de rumos desfavoráveis, o que será, segundo o Vice-almirante António Rebelo Duarte, mais do que justificativo para a necessidade de um grande debate nacional sobre o seu modelo de desenvolvimento futuro, assim como a urgência de várias e profundas reformas transformadoras, como são os casos da matriz económica, da justiça, qualificação dos recursos, ensino e formação, administração pública, sem esquecer o imperioso reforço da defesa.
Este é, aliás, um domínio em que tem havido alguma marginalização (da Defesa Nacional e das FFAA), facto incontroverso que alguns (adeptos do Estado sem militares) tomam por positivo e muitos outros o julgam nefasto (preocupados com prejuízos para a independência, autonomia estratégica, segurança e credibilidade junto dos aliados).
Para o Vice-almirante António Rebelo Duarte, é nesta última vertente que residirá alguma esperança, trazida por um Mar devidamente protegido e fiscalizado na perspetiva da sua exploração económica, acreditando na produtividade e eficácia da nova Estratégia Nacional para o Mar (ENM) 2021-3016, (Direção-Geral de Política do Mar, 2021), prestes a entrar em vigor, caso venha a confirmar-se como mais produtiva e eficaz nas suas ambições e metas, e não mais do mesmo, ou seja, meras proclamações de boas intenções, mas sim um roteiro para prosseguir com engenho e dinheiro, oriundo, nomeadamente, dos apoios financeiros do PRR e verbas do quadro financeiro plurianual (QFP) 2021-2717.
Só que essa estratégia para o mar carece de algo a montante, para lhe dar coerência e eficácia, trazendo de novo à colação a questão da elaboração de uma estratégia de segurança marítima suscetível de contribuir, em boa medida, para uma melhor utilização dos recursos disponíveis e uma gestão integrada na procura de uma maior eficiência daquele emprego. Porém, e enquanto pequena potência, interrogamo-nos se devemos limitarmo-nos a adotar a estratégia da UE, ou, pelo contrário, se devemos não prescindir da autonomia de explicitarmos, em documentação própria, os nossos interesses vitais e visão, dentro da margem de manobra preservada.
As escolhas e prioridades defrontam-se, contudo, com uma circunstância económico-financeira adversa. Fruto da crise pandémica, não será de descartar uma forte pressão sobre os orçamentos de defesa dos países europeus (e não só), isto num momento em que as suas FFAA podem vir a ser chamadas a um maior grau de intervenção ao nível da segurança, proteção e controlo, como, aliás, aconteceu após a crise financeira de 2008, com os governos europeus a reduzirem os orçamentos de defesa entre 8%, nos maiores países, e 30%, nos menores, sendo que só em 2014 é que esses orçamentos começaram a recuperar, devido à manifesta degradação do ambiente de segurança.
Mas há também que ter a consciência de que prolongar a situação de cuidados intensivos em que se encontram a Defesa Nacional e as suas FFAA, mesmo que ventiladas por reformas controversas, remete-nos para o desabafo, pela falta de soldo aos seus soldados, dirigido ao Rei pelo pregador Padre António Vieira, perante a iminência de cerco holandês à Baía: “... quando deles precisardes, podereis não os ter ...” (Vieira, 1640).
3.1.4 Notas conclusivas
O Vice-almirante António Rebelo Duarte concluiu a sessão com algumas notas de conveniência:
– Imposto pela geografia triangular do seu território, Portugal tem que refletir, em permanência, acerca da ideia sobre que papel, função e espaço pretende atribuir ao Oceano Atlântico no quadro da sua estratégia nacional total;
– O Atlântico vem sendo palco de disputas não muito visíveis, mas que podem vir a transformar-se em crises com intervenção do poder naval, como o sugere a presença de submarinos russos no Atlântico Norte (e sem descartar desta equação a China);
– Alguns analistas, como Gordon Chang18 (2021), chegam mesmo a sugerir o interesse de Pequim, depois do Djibuti, noutras bases navais na costa ocidental de África, entre a Mauritânia e a Namíbia, e, mais recentemente, com os seus planificadores a piscarem o olho a ilhas mais a norte, em especial nos Açores (Ilha Terceira), entretanto desocupada pelos americanos, assunto a que os portugueses terão de estar particularmente atentos, inevitavelmente sob a mira de Washington. São os próprios líderes chineses a declararem o seu objetivo de regulação do mundo, passando pelo degrau intermédio de intervirem no controlo do Atlântico, Caraíbas e águas da costa leste dos EUA, que certamente não abrirão as comportas a tal desígnio;
– Uma boa razão para os aliados corresponderem à proposta do secretário-geral da NATO, de fevereiro de 2021, de contribuição de 16.000 milhões € a acrescentar aos orçamentos comuns, no espaço de 10 anos, é a necessidade da Aliança enfrentar ameaças militares externas, como a emergência climática e a ascensão precisamente da China, em alternativa ao sistema atual, em que cada governo paga as suas próprias operações militares, uma ideia que, contudo, está hoje a esbarrar na resistência de Emmanuel Macron, por sinal o mesmo que em 2019 diagnosticou a NATO em “morte cerebral” e, portanto, sem capacidade de resposta à ameaça militar da Rússia;
– A resposta ocidental implicará mais investimento em capacidades e meios, exigência essa que já transparece no novo conceito estratégico da Aliança apresentado, em primeira mão, na reunião das suas cúpulas com os MDN dos Estados-membros (em 27 de maio de 2021), e discutido em 14 de junho, em Bruxelas, na primeira cimeira de líderes com a participação do novo Presidente dos EUA, Joe Biden;
– A UE deverá prestar maior atenção à defesa e segurança do Atlântico, eventualmente através de um plano estruturado de colaboração com a NATO, recentemente sinalizada com o projeto19 de desenvolvimento da nova geração de drones e aeronaves de combate destinados a substituir os Rafale franceses e caças europeus alemães e espanhóis;
– Portugal não pode descurar responsabilidades e capacidades de forças, em ordem a corresponder aos compromissos aliados e internacionais e à defesa dos seus interesses nacionais, nomeadamente no ambiente marítimo e aeroespacial, onde se inclui a segurança no mar, cada vez mais inseparável da economia azul baseada na exploração dos recursos do mar.
– Numa palavra, o mar não é apenas um traço essencial da identidade portuguesa e europeia, é uma nova e vasta oportunidade para o seu futuro coletivo;
– Manter o Atlântico como espaço de paz, diálogo e cooperação é um desígnio ambicioso, mas urgente e vital, para os interesses europeus e nacionais, daí que a “segurança nacional” deva respeitar uma visão associada à Defesa Nacional, interagindo, naturalmente, com opções políticas e estratégicas a montante da própria “segurança no mar”, que continua a ter uma vertente transnacional, qualquer que seja o Estado em causa;
– Dados os recursos, vivos e não vivos, presentes na enorme área de jurisdição marítima de que o país dispõe, urge que a sua marinha esteja capacitada em ordem a assegurar um controlo e proteção eficientes do respetivo espaço e ao seu pleno uso;
– Daí que não seja despropositado sublinhar que esses espaços de jurisdição só verdadeiramente nos pertencerão, se conseguirmos conhecê-los e saber extrair o melhor benefício de todas as suas potencialidades, mediante o acompanhamento das atividades que aí se desenvolvem e dispondo da capacidade de atuar, em tempo real, caso aconteça algo contrário aos respetivos interesses. É isto que enforma e exercita a soberania e não apenas (e superficialmente) o reconhecimento do direito legal do exercício jurisdicional;
– Também por isto será consensual a ideia de que, para “cumprir o Mar”, se torna necessária uma marinha com recursos, capaz de projetar força efetiva e de se impor num ambiente marítimo crescentemente predatório, ainda por cima numa das maiores ZEE do Mundo e com uma enorme PC, que, em parceria com a Força Aérea Portuguesa (FAP), garanta a patrulha, os controlos migratórios, a fiscalização económica, a luta contra a pirataria e tráficos vários e a busca e salvamento. Esta é uma das vias para deixar um legado mais palpável e promissor às novas gerações, assim haja o “talant de bien faire”!
3.2 Primeira apresentação do Simpósio: “Oceano Atlântico: desafios, abordagem holística, capacitação multidomínio, oportunidades e iniciativas cooperativas multinacionais”
O Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires foi o primeiro a intervir. A sua apresentação foi muito centrada nas problemáticas associadas ao Atlantic Centre (AC), ou Centro do Atlântico.
Assim, começou por referir que o AC congregava a vasta comunidade atlântica de Estados ribeirinhos, organizações regionais e internacionais e a sociedade civil em geral, comprometidos em conservar o Atlântico enquanto espaço de paz e cooperação, unidos num entendimento comum dos desafios e das oportunidades e nas formas de desenvolvimento da capacitação de defesa.
Discorreu depois sobre a ideia de como seria possível congregar os 65 países que são banhados pelo Oceano Atlântico em volta de um projeto comum e de uma forma igualitária. O pressuposto foi olhar para o Atlântico como uma entidade que é, por sua vez, feita de outras entidades que têm exatamente o mesmo valor e a mesma voz para poderem falar sobre assuntos que, de facto, dizem respeito a todos.
Olhando para as ameaças e riscos que existem no domínio marítimo, considerou o Brigadeiro-general Lemos Pires que o Atlântico não é diferente relativamente ao que se passa em outros oceanos, até porque todos eles estão interligados. Abordou, logo depois, as ameaças mais convencionais, como sejam potenciais sabotagens de cabos submarinos, presenças hostis de determinados Estados (em particular a China e a Rússia em espaços de interesse de outras potências), até às áreas que são transversais, como a poluição ou a pirataria, sendo que esta última está em crescendo no Golfo da Guiné e mais contida em outros espaços – como o Golfo de Áden –, ou até a questão dos recursos que necessitam de adequada proteção.
Referiu, em concreto, que se não soubermos tirar partido da imensidão de recursos que existem no oceano, ou não os soubermos explorar de forma sustentável e organizada ou, finalmente, se a aquisição e a distribuição desses recursos não forem feitas de forma equilibrada, estamos irremediavelmente a comprometer não apenas o futuro dos 65 países em causa, mas também do resto da comunidade em que estamos inseridos.
Os global commons, como o oceano profundo, o Ártico e o Antártico, assumem-se, no presente, quase como uma questão existencial para o futuro próximo da Humanidade. Nesse sentido, considerou que nos próximos anos teremos necessariamente todo o tipo de atividades criminosas que se irão desenvolver no domínio marítimo bem como o aumento das emergências complexas – por exemplo ao nível do clima e da demografia – uma vez que eventos extremos estão a ocorrer e cada vez com mais frequência.
Nestas circunstâncias, propõe o Brigadeiro-general Lemos Pires que se observe este cenário como uma imagem a três dimensões, começando a olhar do espaço para os oceanos profundos. É este olhar que, em sua opinião, é preciso trazer para o Atlântico. Neste espaço, não devem existir questões que sejam apenas da Marinha, ou da Força Aérea, ou até mesmo de qualquer ministério (como por exemplo o do mar).
O Atlântico não é, enfatiza, uma questão de comunidades ribeirinhas, mas antes um espaço que une os tais 65 países – de terra para o mar e do mar para a terra, do espaço para os oceanos profundos – e urge começar a olhar sempre nesta múltipla dimensão porque se não o fizermos corremos o risco de ter estratégias ad hoc e separadas (uma marítima, outra aeroespacial, uma outra terrestre, ou costeira, ou até incoerências nas estratégias de defesa dos Estados. E isto não faz, em sua opinião, qualquer sentido. A abordagem holística é, no seu entender, a única passível de ser adotada.
Referiu o Brigadeiro-general Lemos Pires, de seguida, que o novo conceito de resiliência da NATO e as aproximações estratégicas da UE têm que estar perfeitamente alinhadas, sendo relevante que se olhe para os oceanos como se olha para o Outer space, já que se a Humanidade se está a organizar para resolver problemas para lá do Espaço, para lá da atmosfera, podia aplicar-se a mesma fórmula para a nossa realidade oceânica.
Por outro lado, importa ter presente que existe neste momento uma enorme crise de água potável em África. O Lago Chade, por exemplo, está apenas com cerca de 8% de água. E relativamente ao Rio Nilo, 92% da água da nascente já não chega sequer à foz. Há imensos cursos de água que atualmente não têm caudal para alimentar os espaços que banham.
Este facto provoca a rarefação da água que tem implicações diretas no rareamento de alimentos, tornando a vida no centro de África muito difícil. É natural, nestas circunstâncias, que haja uma deslocação em massa das pessoas para o litoral. Mas o aumento das populações junto a costa irá provocar maior poluição nos oceanos. Urge, pois, proteger este common que é o Oceano Atlântico.
Olhando para uma região específica como o Golfo da Guiné, por exemplo, entende o Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires que é possível descortinar ali uma aproximação à tentativa de resolução dos desafios com que se confronta que não é apenas funcional, mas antes regional e até local – país a país –, ou seja os diferentes atores devem ter a humildade de ouvir cada um per se e depois construir uma estratégia com uma roupagem regional. Entender isto é um desafio global porque o que está em causa é verdadeiramente o comércio marítimo e a sustentabilidade dos recursos.
Considera, assim, que não se pode olhar para o mar e para a terra de forma separada, ou seja, “sem azul não há verde”. Por isso entende que tem que haver um continuum “mar – terra – mar” e olhar para os problemas do continente africano desde o Golfo da Guiné até ao Golfo de Áden, tendo pelo meio aquela cintura imensa de terra inóspita que atravessa o Mali até à Somália, desembocando no Golfo de Áden e continuando para o Iémen.
Entende ainda o Brigadeiro-general Lemos Pires que é perfeitamente natural que haja concorrência (entre os diferentes atores), mas ao mesmo tempo é necessário saber cooperar. Nestas circunstâncias, o AC procura olhar para o Atlântico de forma integrada. Torna-se, por conseguinte, fundamental congregar a vasta comunidade atlântica, criando uma organização que, ao contrário de todas as outras, olhe para este oceano como um todo e todos os atores são bem-vindos, desde Estados a organização regionais e internacionais. E olhar o Atlântico de forma diferente significa não termos que nos prender a algo que só olha para Norte ou para Leste, por exemplo. Interessa, no seu entender, “juntar ou alargar” os participantes e “ir além daquilo que são as novas doutrinas em termos de poder militar”, centrada numa dimensão ampla, designada por Multi-Domain – terra, mar, ar, espaço e ciberespaço.
Emergiu depois uma nova designação que passou a incluir o espectro eletromagnético e o domínio cognitivo. Mas entende o Brigadeiro-general Lemos Pires que ainda se pode ir mais longe, se forem adicionadas as ameaças híbridas, e chamar-lhe Hybrid All Domain Operations, o que significa, na prática, que passamos a falar de 13 domínios, que além dos 5 militares – terra, ar, mar, espaço e ciberespaço –, passa a incluir as infraestruturas, a economia, a cultura, parte social da administração pública, as informações, a política, a diplomacia e a área das informações. Estes 13 domínios são, talvez, no seu entender, os que mais contribuem para o nexo segurança versus desenvolvimento.
O Brigadeiro-general Lemos Pires referiu-se, de seguida, aos três principais níveis do AC. O primeiro consiste em assumir-se como um think tank vocacionado para o espaço atlântico comum, para produção de conhecimento inovador, disseminação e formulação de políticas sólidas. O segundo constitui-se como uma plataforma de diálogo entre os seus membros, com o intuito de constituir uma comunidade atlântica mais ampla, com melhores práticas, desafios comuns e prioridades políticas chave. O terceiro patamar consiste em incrementar a capacitação de defesa, através da doutrina, educação e treino, com o propósito de melhorar a capacidade de os Estados exercerem uma soberania responsável, de modo a manter o Atlântico como espaço de paz, segurança e liberdade.
O AC procura discutir todos os assuntos que possam ter a ver com a dimensão Atlântica mas pretende mais, designadamente proporcionar um diálogo de nível político onde seja viável sentar à mesma mesa representantes de diversos Estados para debaterem problemas que dividem as nações, desde áreas de soberania, regras sobre as pescas, problemas da poluição, acesso aos recursos, questões de monitorização dos espaços – a tal ligação terra mar –, como é que se garante que existe de facto uma jurisprudência que seja aplicável às duas dimensões (quando são separadas e têm autoridades distintas uma da outra), e, finalmente, o nível da capacitação que queremos alcançar – em termos das marinhas, das guardas costeiras e dos instrumentos legais e de supervisão.
O Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires prosseguiu a sua intervenção passando em revista as ações realizadas pelo AC desde 2019 e a perspetiva do que será feito até final de 2021. Salientam-se os dois seminários efetuados em 2019, em que no primeiro foi possível reunir mais de 30 especialistas de todo o mundo, previamente escolhidos (não tendo sido necessário pedir aos países para procederem à sua nomeação), sendo que o critério se baseou em juntar personalidades com opiniões divergentes a quem foi pedido que respondessem à questão sobre para que era preciso um Atlantic Centre.
Foram obtidas conclusões interessantes, designadamente que a ponte Norte-Sul não existia – havia pontes Leste – Oeste e regionais, mas não havia uma entidade que estivesse dedicada à ligação Norte-Sul do Atlântico – e isso constituiu-se como uma chamada de atenção que fez com que no segundo seminário fossem já abordadas respostas práticas a emergências complexas.
Nas Lajes, Ilha Terceira, foi ministrado um curso de segurança marítima com enorme sucesso, tendo estado presentes formandos – militares e civis – de mais de 15 países e sido possível abordar problemas específicos de segurança marítima no Golfo da Guiné. Os militares eram oriundos maioritariamente de marinhas, entre as quais dos EUA e da Costa do Marfim.
Concluiu o Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires referindo que era um motivo de orgulho para Portugal que tivesse sido possível assinar uma declaração conjunta que contava já com 17 países que representavam os quatro cantos do Atlântico. Juntar os EUA, o Brasil e o Uruguai do continente americano, com sete países africanos (incluindo Marrocos) e vários países europeus (incluindo Espanha, França, Países Baixos e o Reino Unido) constituía-se como motivo de regozijo pois era sinal de ter sido possível reunir identidades diversas que de outro modo provavelmente não se juntariam. A ideia era prosseguir os esforços para que o número de países pudesse no futuro próximo aumentar.
3.3 Segunda apresentação: “Domínio marítimo: Vulnerabilidades, Ameaças, Riscos, Soberania, Segurança, Jurisdição e Desenvolvimento na Vertente Atlântica”
O Capitão-de-fragata João Lourenço da Piedade foi o segundo speaker a intervir. Começou por referir que o desafio que lhe havia sido lançado era de relativa complexidade, uma vez que abordar o domínio marítimo em termos de vulnerabilidades, ameaças, riscos, segurança, jurisdição e desenvolvimento, na vertente Atlântica, acabava por ser praticamente tudo o que importava sobre o mar e, por outro lado, que já havia sido, de alguma forma, abordado pelo interveniente anterior. Assim, decidiu organizar a apresentação em três partes: a primeira centrada no domínio marítimo; a segunda focada nas vulnerabilidades, ameaças e riscos; e a terceira dedicada às questões da soberania, segurança e jurisdição.
Começando pelo domínio marítimo, julgou conveniente salientar alguns indicadores de relevo: o mar como veículo da globalização por excelência, pois 70% do globo é coberto por mar; 64% da superfície terrestre é alto mar; 40% da população mundial vive junto a costa; 90% do comércio mundial circula por via marítima; 75% do tráfego marítimo passa por pontos focais, que são sempre áreas de elevado risco; e 95% do tráfego cibernético passa por cabos submarinos – sendo relevante referir que Portugal é o único país do mundo onde estão amarrados cabos submarinos com ligação a todos os continentes. Relativamente apenas ao espaço europeu, o Comandante João Piedade adicionou mais alguns indicadores: 50% da população europeia vive junto a costa; 90% do comércio externo da União Europeia circula por via marítima; e 40% do comércio interno europeu também circula por via marítima.
Em relação à dependência energética (ainda a nível europeu), acrescentou mais alguns elementos de informação: 90% dos hidrocarbonetos circulam por mar; 80 a 85% por cento do gás natural é proveniente de pipelines; e entre 15 a 20% circula na forma de gás liquefeito, transportado a bordo de navios. No que diz respeito a Portugal, referiu que: 60% das trocas comerciais com o exterior são feitas por via marítima; 70% das importações chegam por mar; e 90% dos turistas procuram (e frequentam) a faixa costeira.
A discussão acerca da relevância do mar abarcava, em síntese, em sua opinião, quatro vertentes: a ambiental, relacionada com o ambiente marinho, para a qual importava a maritime safety; a económica, relativa ao desenvolvimento económico, ligada à economia azul; a que diz respeito à segurança nacional, relacionada com a defesa (do Estado), fortemente ligada ao poder naval; e, finalmente, a que concerne à segurança humana, com ligações à política e à área social, para a qual relevava a resiliência.
Em seguida, o Comandante João Piedade focou-se nas vulnerabilidades, ameaças e riscos que podiam estar relacionados com cada uma das vertentes que antes havia nomeado. Identificou um continuum que começa com os riscos não intencionais (relacionados com a maritime safety), num extremo, até ameaças intencionais (evoluindo aqui desde a maritime security até ao conflito armado), no extremo oposto (figura 24).
Figura 24 – Continuum de riscos e ameaças.
Fonte: Piedade (2021)
Referiu-se, logo depois, à poluição que acabava por ser também um dos grandes vetores das vulnerabilidades (em particular relacionadas com riscos), causada por incidentes com navios de transporte de hidrocarbonetos no mar.
Focou depois a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada e referiu, em particular, que acabava por ser uma vertente das ameaças que antes tinha falado, uma vez que atingia cerca de 19% da pesca global, o que se traduzia em perdas muito significativas (da ordem dos 10000 milhões de euros/ano).
Estas práticas de pesca ilegal tinham reflexo na vertente económica (devido aquelas acentuadas perdas), mas também na vertente da poluição (por via de redes e artes de pesca colocadas no fundo do mar), na parte política ou social (em particular quando se olha para o tráfico de pessoas e de produtos proibidos), uma vez que estão identificadas diversas rotas em direção à Europa, sendo certo, no entanto, que as chegadas anuais entre 2015 e 2021 têm vindo a decrescer. No entanto, estas travessias de pessoas têm associada a necessidade de garantir um serviço de busca e salvamento eficaz para evitar um número elevado de fatalidades que podem ocorrer por via destas migrações irregulares (e até, por vezes, descontroladas) e de tráfico de pessoas. Existem ainda rotas conhecidas que atravessam o Atlântico ligadas à cocaína e que têm, de alguma forma, tradução em termos de insegurança marítima.
Já relativamente à pirataria, estão ativos diversos focos na atualidade. A nível mundial, todavia, o Golfo da Guiné assume-se, de momento, como o maior foco de instabilidade relacionado com a pirataria em todo o mundo. Os números até dezembro de 2020 mostram um decréscimo efetivo na África oriental, em particular no Golfo de Áden e na Bacia da Somália. No entanto, no Estreito de Malaca e na África Ocidental (Golfo da Guiné) os números continuam a subir. Podem, finalmente, identificar-se mais ameaças à segurança marítima, entre as quais o terrorismo marítimo e a proliferação de armas.
Concluiu o Comandante João Piedade, referindo então que existem várias formas de olhar para a segurança marítima e todas elas dependem do modo como é percecionado pelas organizações, entidades ou Estados.
A figura 25 mostra as quatro vertentes antes elencadas, as diferentes dimensões e a forma como podem ser relacionadas.
Figura 25 – Matriz da segurança marítima.
Fonte: Piedade (2021)
Ainda em relação à segurança marítima, a UE apresenta uma definição relativamente alargada em que identifica um conjunto substantivo de ameaças. Todavia, se olharmos para a definição das Nações Unidas o conjunto de ameaças acaba por ser mais limitado e a definição da NATO é ainda mais estreita. Isto serve tão só para afirmar que todas estas definições são, naturalmente, legítimas, mas que não existe uma única e aceite por todas as partes, antes havendo diversos significados que evidenciam os interesses de quem os apresenta.
A figura 26 elenca as três formulações referidas anteriormente.
Figura 26 – Segurança marítima (NATO, UN, EU).
Fonte: Piedade (2021)
Olhando para os estudos clássicos de segurança e para os estudos contemporâneos, considera o Comandante Lourenço da Piedade que há uma diferença na sua abordagem:
Os estudos clássicos estão focados na segurança do Estado e na garantia da não interrupção das linhas de comunicação marítimas;
Hoje em dia, porém, a responsabilidade pela segurança estende-se a muitos outros atores além dos Estados, designadamente, organizações internacionais, instituições, empresas e até indivíduos. As ameaças de hoje são muito mais abrangentes.
Ainda no âmbito da segurança marítima, referiu o Comandante João Piedade que é no Atlântico Sul que estão identificados mais riscos, sendo que o foco principal é o Golfo da Guiné.
Mas também praticamente toda a área do Oceano Índico está identificada como de elevado risco, o que leva a que possa associar-se, de alguma forma, o risco à instabilidade política. Atenta a definição apresentada pela UE, a liberdade de navegação, a proteção dos cidadãos, das estruturas dos transportes, do ambiente e dos recursos marinhos, está diretamente relacionada com a estabilidade e o desenvolvimento, com a boa governança, mas, também, com a capacidade de aplicação da lei.
Relativamente aos espaços de soberania, identificam-se o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental (com a eventual extensão) que inclui também parte do alto mar (e um outro espaço, designado por área), como ilustrado na figura 27.
Figura 27 – Caraterização legal dos Espaços Marítimos.
Fonte: Piedade (2021)
Em termos de soberania, o Estado pode exercê-la no mar territorial, na zona económica exclusiva (na qual tem direitos sobre o fundo do mar) e na plataforma continental.
No caso português, o mar territorial e a zona económica exclusiva representam 18 vezes o território continental. A proposta de extensão da plataforma continental portuguesa, ainda em análise e a aguardar decisão, é cerca de 41 vezes o território continental.
O Comandante João Piedade concluiu a sua intervenção referindo o modo como Portugal está internamente organizado para garantir a autoridade do Estado no mar, envolvendo oito ministérios e 15 entidades diferentes.
3.4 Terceira apresentação: “Domínio aéreo e Domínio espacial: a Dimensão aeroespacial e seus contributos para a soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento no Atlântico Português”
O Coronel Piloto-Aviador Carlos José Serrano Paulino foi o terceiro speaker que, face à dimensão do tema proposto, no âmbito das responsabilidades nacionais atribuídas para o Atlântico Português, baseou a sua apresentação na atuação da Força Aérea, particularmente na Busca e Salvamento. As características inerentes a este domínio – altura, velocidade e alcance – tornam objetivamente o poder aeroespacial algo diferente dos outros domínios, através das quais é possível alcançar objetivos que contribuem sobremaneira para as demais componentes. No entanto, existem limitações a considerar, tais como: a impermanência no ar, pese embora o reabastecimento aéreo permita minimizar esta significativa limitação em áreas muito vastas, como a que estamos a falar; a capacidade de carga limitada; o fator humano; a tecnologia e os fatores ambientais.
A área de responsabilidade portuguesa (AOR) é pouco conhecida, na sua plenitude. A sua vastidão levou o Coronel Paulino a assumir que Portugal não é apenas vizinho de Espanha, mas também de outros países elencados na figura 28.
Figura 28 – Área de responsabilidade portuguesa.
Fonte: Esquadra 751 (2021), cit. por Paulino (2021)
Por forma a melhor se entender a dimensão dessa área sob nossa responsabilidade, sobrepõe-se a AOR de Portugal em cima do continente europeu e facilmente concluímos que estamos a falar de uma área de responsabilidade praticamente do tamanho de toda a Europa, conforme atesta a figura 29.
Figura 29 – Área de responsabilidade portuguesa sobreposta ao Continente Europeu.
Fonte: Esquadra 751 (2021), cit. por Paulino (2021)
Considerando as rotas intercontinentais de tráfego marítimo e de tráfego aéreo, percebemos a enorme quantidade quer de navios quer de aeronaves que cruzam a todo o instante a nossa AOR (figuras 30 e 31).
Figura 30 – Tráfego marítimo.
Fonte: Comando Aéreo (2021), cit. por Paulino (2021)
Figura 31 – Tráfego aéreo.
Fonte: Comando Aéreo (2021), cit. por Paulino (2021)
Por forma a fazer face a tão grande exigência são necessários requisitos que consigam corresponder aos desafios frequentes com que o país é confrontado: meios adequados para garantir operações sustentáveis; grande coordenação, quer de comunicações quer de links com capacidade para trocar informação, imagem, vídeo ou comunicações de voz, tão rápido quanto possível; interoperabilidade para melhorar os vários níveis de coordenação; imagem, georreferenciação e sincronismo de tempo; e prontidão dos meios, mas também dos tripulantes e operadores que devem ser dotados de um elevado grau de treino, manterem-se permanentemente qualificados e serem o mais experientes possível.
Naturalmente que um nível tão relevante de requisitos é extremamente oneroso de alcançar e principalmente manter. Adicionalmente, os tripulantes e operadores envolvidos têm de ser possuidores de um situational awareness muito relevante para operarem all weather num espaço imenso como é a referida área sob a nossa responsabilidade, onde a meteorologia muitas vezes é desfavorável e as atuações não são, por conseguinte, lineares, o que significa que as condições de exposição em determinado momento podem ser completamente diferentes das que se podem encontrar mais adiante ou mais tarde.
A bem da segurança e sobrevivência das plataformas e seus tripulantes, consideram-se como primordiais necessidades as qualificações, a experiência e o treino adequados a esta tipologia de missão, assumindo-se como um grande esforço para a Força Aérea e o próprio país.
Relativamente aos contributos do poder aeroespacial nos espaços de soberania sob responsabilidade e jurisdição nacional, o Coronel Paulino começou por referir que estes passam pela vigilância, deteção e controlo do espaço aéreo, através de radares, plataformas ou sistemas não tripulados.
No que concerne à defesa e policiamento do espaço aéreo a Força Aérea dispõe de um alerta permanente, constituído por duas aeronaves F16, baseado em Monte Real, em prontidão 24 horas por dia, 365 dias por ano. As tarefas atribuídas neste âmbito abrangem um espectro que vai desde a identificação e seguimento de aeronaves até uma possível intervenção. O comando e controlo centralizado é fundamental, mas com uma execução descentralizada.
A mobilidade é mais um importante requisito que permite, por exemplo, o transporte entre ilhas ou de e para o Continente de pessoas e bens, de órgãos, evacuações médicas, etc. Existem ainda outras missões, de cariz militar, relacionadas com a luta anti-superfície e anti-submarina.
É usual, prosseguiu o Coronel Paulino, a coordenação com a Marinha Portuguesa para a execução de tarefas de vigilância, fiscalização e controlo das atividades de pesca, assim como com outras entidades no combate ao crime organizado, migrações e tráfico de estupefacientes. Existe também uma intervenção direta de meios da Força Aérea no controlo da poluição marinha e na busca e salvamento. As tarefas supramencionadas são potenciadas através das capacidades de Intelligence, Surveillance and Reconnaissance (ISR) e da interoperabilidade e coordenação com diversas entidades e organismos como Ministério da Administração Interna (MAI), Ministério da Saúde (MS), Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Polícia Judiciária (PJ), Polícia Segurança Pública (PSP), Guarda Nacional Republicana (GNR), entre outros.
Relativamente à busca e salvamento, especificamente, há uma ligação muito próxima entre os Centros de Coordenação existentes em território nacional, os Maritime Rescue Coordination Centre (MRCC) da Marinha e os Rescue Coordination Centre (RCC) da Força Aérea, identificados na figura 32.
Figura 32 – MRCC e RCC nacionais.
Fonte: Esquadra 751 (2021), cit. por Paulino (2021)
Quando da existência de um pedido de socorro vindo do mar, o MRCC que recebe o alerta analisa a informação e aciona os meios navais necessários, entrando de imediato em contacto com o respetivo RCC que através da cadeia de comando ativa, em caso de necessidade, o meio aéreo mais adequado à situação reportada. É um processo que exige grande coordenação e rapidez pois trata-se de salvar vidas humanas em perigo. Os meios aéreos de busca e salvamento que a Força Aérea tem disponíveis 24 horas por dia e 365 dias por ano são os que constam na figura 33.
Figura 33 – Meios aéreos de busca e salvamento em permanência.
Fonte: Esquadra 751 (2021), cit. por Paulino (2021)
O Coronel Carlos Paulino apresentou, de seguida, dois exemplos práticos da atuação de meios aéreos em ações de busca e salvamento realizadas dentro da nossa AOR no Oceano Atlântico.
O primeiro relacionado com o veleiro Colibri que, navegando na região dos Açores, lançou um alerta tendo o RCC Lages sido solicitado a intervir. Atendendo à distância que o veleiro se encontrava de terra (346 milhas marítimas a Sudoeste da Ilha das Flores) decidiu-se empenhar o Helicóptero EH101 e o Avião C295M de alerta na Base das Lages (BA4), na Ilha Terceira. O planeamento da missão revelou a necessidade do EH101 fazer escala na Ilha das Flores para reabastecer de combustível, utilizando 1 hora e 30 minutos de voo. As condições meteorológicas estavam francamente adversas e o helicóptero, depois do reabastecimento nas Flores, efetuou mais 3 horas de voo para percorrer as 346 milhas náuticas até ao veleiro. Esta perna do percurso demorou mais tempo do que inicialmente previsto em virtude da componente de vento forte de frente, o que, no entanto, seria benéfico para a viagem de regresso já com os tripulantes resgatados da embarcação a bordo.
Chegados ao veleiro, as severas condições de vento (50 nós) e agitação marítima (cerca de 10 metros de vaga) que se faziam sentir no local levaram a que o helicóptero tivesse que permanecer 40 minutos no local para retirar as 4 pessoas em perigo no veleiro. No percurso de regresso as condições meteorológicas que faziam prever vento favorável de cauda não se verificaram pois, entretanto, tudo havia mudado e o vento continuava a ser forte, mas de novo de frente. Houve um momento, ao longo do regresso, em que os sistemas de navegação a bordo mostravam indicações de que o helicóptero não conseguiria alcançar a Ilha das Flores, o que, na prática, significava deixarem de existir quatro pessoas em apuros (os tripulantes do veleiro) para passarem a existir, além dessas, mais cinco nessa situação (os tripulantes do EH101) e perder um helicóptero em pleno Oceano Atlântico.
Aqui chegados, o Coronel Paulino referiu terem sido absolutamente decisivas as qualificações, a experiência e o treino, a que antes tinha aludido, bem como a situational awareness da tripulação que avaliando o modo como o vento estava a rodar e de que forma era previsível que o helicóptero se movimentasse em função dessas mudanças, efetuaram novos cálculos que levaram à tomada da decisão de não seguirem pelo trajeto mais curto para a Ilha das Flores, alternando, ao invés, para a Ilha do Faial que embora o percurso fosse mais longo proporcionava maior garantia de sucesso para o helicóptero chegar a terra. O EH101 voou 3 horas e 45 minutos após o resgate, sendo que no total, a missão teve a duração de 9 horas de voo, das quais, aproximadamente, 7 horas e meia foram executadas com esta aeronave de asa rotativa em voo.
Este foi, no entender do Coronel Paulino, um mero exemplo, embora muito significativo, do produto de excelência que a esquadra 751 tem vindo a evidenciar desde há longos anos e que contribuiu para o reconhecimento e atribuição, por parte da Helicopter Association International, do prémio de excelência Sikorsky Humanitarian Service Award.
O segundo exemplo evidenciado pelo Coronel Paulino, na sua apresentação, esteve relacionado com as ligações e cooperação internacional a que antes se havia referido. Nesta segunda situação, o navio mercante Tamar navegava dos EUA para a Europa quando ocorreu uma explosão a bordo numa altura em que se encontrava a 1300 milhas marítimas a Leste de Cape Cod (Sudeste de Massachusetts, EUA). Após contactos entre as autoridades norte-americanas e portuguesas e ativada a cooperação internacional existente, foi concertado um plano de resgate.
Como o navio se encontrava fora do alcance das aeronaves de resgate dos dois países, os EUA começaram por infiltrar no navio, através de um salto noturno em paraquedas, uma força que está preparada para trabalhar em quaisquer condições, incluindo combate, denominada por New York Air National Guard Airmen from the 103rd Rescue Squadron, e solicitaram a colaboração do Helicóptero EH101 baseado na BA4 para ir ao encontro dos mesmos. A execução do plano decorreu na perfeição, tendo sido mostrado um vídeo com o processo de resgate das pessoas feridas a bordo com o empenhamento da força norte-americana e do EH101 português anteriormente referidos, bem demonstrativo do nível de cooperação internacional, experiência e profissionalismo necessários para levar a cabo tão delicada e exigente missão.
O Coronel Paulino terminou a apresentação deixando dois números muito relevantes: a Força Aérea só para a defesa aérea, busca e salvamento e evacuações médicas tem permanentemente disponíveis 600 militares e 12 aeronaves.
3.5 Quarta apresentação: “O Ciberespaço no contexto da soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento no Atlântico Português”
O Capitão-de-mar-e-guerra Hélder Fialho de Jesus foi o último speaker do painel. Começou por referir que na abertura da “Pan-Arab Regional Conference for the World Summit on the Information Society”, que decorreu no Cairo, entre 16 e 18 de junho de 2003, Yoshio Utsumi, secretário-geral da União Internacional das Telecomunicações, sublinhou de forma clara, que “cada país tem suas próprias leis e tradições que se aplicam ao seu território geográfico, mas o ciberespaço não tem fronteiras” (Utsumi, 2003). Entre as características mais preciosas da internet está, sem dúvida, a sua arquitetura técnica padrão, a qual facilita o anonimato on line, ou a ocultação das verdadeiras identidades por trás de nomes fictícios (pseudónimos) (Nawang, 2017).
É devido a esta caraterística, a imputação (attribution em inglês), que pode ser definido como “Atribuir a alguém a responsabilidade de qualquer ato” (Priberam, 2021), que atos hostis ou maliciosos no ciberespaço são geralmente difíceis de determinar.
De acordo com um estudo da Rand (cit. por Davis et al., 2017), a imputação no ciberespaço é um processo complexo e difícil, pois envolve indicadores técnicos, políticos e fontes (que se constituem como ferramentas para determinar a imputação), sendo geralmente combinados com informação dos serviços de informações. A não imputação, por seu lado, também abre a porta para que os atores usem o ciberespaço com impunidade em benefício dos seus objetivos geopolíticos, conforme refere Diogo Arreola no seu artigo “Cyberspace: The Wild West?” (Arreola, 2021).
Por outro lado, o ciberespaço constitui-se como uma ampla plataforma para a ação de organizações terroristas e não-estatais e permite-lhes ocultar a origem de um ataque assimétrico (Siboni, 2015), assim como consente que lobos solitários sejam capazes de explorar vulnerabilidades nos sistemas de grandes empresas multinacionais e até mesmo de países (Latici, 2020).
Toda esta evolução verificada nos últimos 30 anos, criou na sociedade uma dependência do ciberespaço, conforme foi realçado na “Charter of Trust”, apresentada na Munich Security Conference 2018 (MarketScreener, 2019).
Tendo por base as características inerentes de tempo, velocidade e alcance, o fator surpresa é verdadeiramente espantoso, referiu o Comandante Fialho de Jesus. E os incidentes são, por isso, difíceis de prever, de detetar e de rastrear. Como tal, os tempos de aviso antecipado são significativamente reduzidos ou mesmo quase inexistentes (UK Ministry of Defense, 2020).
E isto leva-nos, referiu, a uma designação hoje muito em voga, mas que remonta aos finais dos anos 80 do século XX – VUCA – então empregue pelo Comandante do Army War College, MGen James Thompson20. E tendo em conta a evolução tecnológica entretanto verificada, tal é cada vez mais premente e global.
Quando se fala em “Global Commons” vem-nos à memória Elinor Ostrom, que em 2009 foi a primeira (e única) mulher a ganhar o Prémio Nobel da Economia. São várias as abordagens aos Commons e a que foi apresentada pelo Comandante Fialho de Jesus contemplava no contexto do atual simpósio duas dimensões: o Ar e o Espaço exterior.
No entanto, a tão falada evolução tecnológica inclui mais uma dimensão – o ciberespaço –, conforme assumido por diversas entidades reconhecidas, como o governo do Reino Unido (UK Ministry of Defence, 2018), ou a própria NATO. De referir que esta dimensão é a única que tem a criação do homem e que cada vez faz mais sentido o seu reconhecimento, atendendo ao impacto que tem na nossa sociedade. E naturalmente que também tem de ser protegido para garantir a sua preservação.
Concluiu o Comandante Fialho de Jesus, referindo que, em linha com o que havia exposto, o Ciberespaço e a sua segurança eram hoje parte integral das agendas da maioria das organizações internacionais que têm a segurança no seu âmago.
3.5.1 Atlântico Português
O Comandante Fialho de Jesus prosseguiu a sua intervenção abordando de seguida o Atlântico Português. Referiu que tendo por base o tema do atual projeto de investigação, que é focado no Atlântico, e que é o 2.º maior oceano (National Ocean Service, 2021) do planeta, é banhado por mais de 60 países.
A ZEE portuguesa é a 20.ª maior do mundo e corresponde a 1,36% da área mundial de ZEE, mas se a lente de análise for a União Europeia e for limitada a análise ao território continental, Portugal lidera a ordenação das áreas de ZEE com uma cobertura correspondente a 31%, conforme expõe o Comandante Bessa Pacheco (Pacheco, 2014).
De acordo a nova Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 (Direção-Geral de Política do Mar, 2021), Portugal tem jurisdição sobre cerca de metade das águas da União Europeia e este facto constitui-se como fator de responsabilidade acrescida que o país deve assumir nas questões ligadas à governação do oceano, incluindo a sua conservação, conhecimento e defesa.
E como refere o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Resolução do Conselho de Ministros, 2013), com o objetivo de maximizar as capacidades nacionais, importa explorar o mar e a centralidade no espaço atlântico. Cremos que na revisão deste documento, em curso, o ciberespaço será aspeto a ser considerado.
3.5.2 Soberania e Jurisdição
O Comandante Fialho de Jesus referiu-se de seguida à soberania, tendo afirmado que é facilmente associada ao conceito de fronteiras. E isto leva a recuar no tempo, ao período pós-guerra dos 30 anos na Europa, em 1648, e à assinatura do tratado de Vestefália, que alguns historiadores consideram como o início do sistema internacional moderno (Almeida, s.d.). Outros preferem referir o congresso de Viena, em 1815, indicando que “a reconstrução da Europa pelo Congresso de Viena foi provavelmente o episódio mais seminal da história moderna” (Bueno & Oliveira, 2019). Politicamente, o mundo de hoje é, porém, bem diferente e mais complexo com o advento do ciberespaço, onde não há fronteiras.
Por outro lado, quando se fala em jurisdição, pensa-se também em regulação. Considerando a realidade do ciberespaço (que não tem fronteiras), a atividade de regulação torna-se mais complicada. Mas aqui o Comandante Fialho de Jesus realçou o trabalho desenvolvido pela ONU, através do Internet Governance Forum (IGF), que foi criado no âmbito dos resultados da 2ª fase da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação (World Summit on Information Society-WSIS) em 2005, como uma plataforma de discussão multistakeholder de um bem que se tornou mundial, a internet (Fórum da Governação da Internet, 2020).
A ONU estabeleceu, desde 2004, seis Groups of Governmental Experts (GGE) no contexto das Tecnologias de Informação e Comunicação e a respetiva segurança de sistema, sendo mais recente o “Group of Governmental Experts on Advancing responsible State behaviour in cyberspace in the context of international security”. Estes grupos têm tentado encontrar um compromisso para a responsabilidade dos países no ciberespaço, nem sempre com o sucesso desejado, como comprova a existência recente de dois grupos com fim semelhante: o Group of Governmental Experts (GGE) e o Open-Ended Working Group (OEWG) (Geneva Internet Platform (2021).
3.5.3 Segurança e desenvolvimento
Aqui chegados, o Comandante Fialho de Jesus centrou a sua intervenção nas questões relativas à segurança e desenvolvimento. Referiu que quando falamos de segurança a associamos facilmente à proteção e defesa. Já relativamente ao desenvolvimento a sua relação com progresso é natural.
No atual contexto de transformação digital, o ciberespaço é o elemento privilegiado para se garantir a tão desejada sustentação nos três grandes pilares dos dias de hoje: diretamente nas componentes social e económica (Commonwealth, 2018) e, indiretamente, na ambiental. Assim, apresentou um modelo de segurança no ciberespaço, nas diversas componentes com responsabilidades na sociedade, de forma ativa, que a figura 34 mostra.
Figura 34 – Segurança no Ciberespaço. Uma visão holística.
Fonte: Jesus (2021)
3.5.4 Poder Aeroespacial
No âmbito do Poder Aeroespacial, objeto de estudo do projeto de investigação, referiu o Comandante Fialho de Jesus que esta dimensão tem na sua composição as plataformas de foguetes, as aeronaves e os satélites, às quais se acrescentam as infraestruturas e o espectro eletromagnético. Mas pela interdisciplinaridade do campo de batalha, dificilmente hoje apenas um domínio é envolvido, daí o conceito de Joint All Domain Operations (JADO) (JAPCC, 2021), onde o ciberespaço se constitui como um enabler.
Mas quanto maior a conexão, maiores são as vulnerabilidades daqui resultantes, como refere Simran Maker no seu relato “New frontier in defense: cyberspace and U.S. foreign policy” (Maker, 2017).
Complementando esta abordagem, e porque o ciberespaço está a transformar a segurança internacional, refere Leslie Helmuth no site da Harvard Extension School (Helmuth, 2016) que os EUA são dos que maiores vulnerabilidades apresentam, notando uma preocupação com a utilização do ciberespaço, pois
[…] geographically the US has been pretty lucky and immune from conflict, unlike other parts of the world. Cyberspace changes that — especially because the US is one of the most connected countries. And we increasingly put more of ourselves in this domain.
Conforme refere o Professor Joseph Nye, no seu livro “The Future of Power”, o ciberdomínio deverá assistir a um aumento da difusão de poder para intervenientes não estatais e à centralidade da rede como sendo uma dimensão chave do poder no século XXI.
Ao longo de séculos pode dizer-se que as operações militares foram caraterizadas por dois domínios, o terrestre e o marítimo. No século XX, com o advento das aeronaves e da criação das forças aéreas, surgiu um terceiro domínio, o aéreo. Já no século XXI assomaram novos domínios – o espacial e o ciberespaço –, sendo que este tem uma característica distintiva dos restantes, pois é uma criação do homem (como refere o Professor Martin Libicki no seu livro “Cyberspace in Peace and War”), sendo transversal aos restantes.
As operações militares servem para a realização de missões com base nas capacidades existentes e têm diferentes níveis de comando: o tático, o operacional e o estratégico (North Atlantic Treaty Organization, 2019). No que ao ciberespaço diz respeito e à sua utilização como um domínio das operações, sendo considerado um domínio próprio, com doutrina estabelecida, é colaborativo com os restantes, mas pode atuar de forma independente.
E é devido a essa independência, a par dos efeitos que pode causar, que o seu planeamento e execução é considerado ao nível estratégico, ao contrário dos restantes domínios que ficam nos níveis tático e operacional (Allied Command Operations, 2021).
3.5.5 Interdisciplinaridade
Prosseguiu o Comandante Fialho de Jesus referindo-se a Nayef Al-Rodhan, que no seu livro Meta-Geopolitics of Outer Space: An Analysis of Space Power, Security and Governance, alertou para o surgimento de novas ameaças globais nas sociedades modernas, como incidentes no ciberespaço, escassez de energia, aquecimento global, tráfico humano, terrorismo e perturbação económica. E estas cresceram em importância em função dos níveis crescentes de interconexão e interdependência da nossa sociedade globalizada. Além disso, essas ameaças podem vir de atores não estatais e muitas vezes surgem dentro das fronteiras soberanas de um Estado.
O ciberespaço desempenha um papel excecional e altamente específico em relação às ameaças híbridas hoje, conforme estabelecido no “The landscape of Hybrid Threats: A conceptual model” (Giannopoulos, Smith, & Theocharidou, 2021), publicado em conjunto pela Comissão Europeia e o Centro de Excelência de Combate às Ameaças Híbridas, da Finlândia. Isto porque qualquer atividade significativa que aconteça no mundo real, incluindo todos os conflitos políticos e militares, também ocorrerão nesta dimensão. A natureza das ameaças à segurança nacional não mudou, mas o ciberespaço fornece um novo mecanismo que pode aumentar a velocidade, difusão e poder de um ataque e garantir o anonimato e a sua não deteção.
Um relatório recente do Atlantic Council (Handler et al, 2021) de junho do corrente ano, aborda a Mission Resilience, tendo em vista a adaptação dos sistemas de defesa aeroespacial face aos desafios recentes de cibersegurança. E aqui a Mission Resilience, definida como a capacidade de um sistema de prevenir, responder e/ou se adaptar a interrupções, é um atributo crítico para sistemas aeroespaciais de defesa. De referir que nenhum sistema com uso intensivo de software, mesmo no espaço, é imune a interrupções, cujas consequências de falhas abruptas e inesperadas, causadas por erro ou ação do oponente, podem ser generalizadas e significativas.
Face à pouca evidência empírica de dissuasão no ciberespaço em situações reais de guerra, pelo facto de não se ter verificado até aos dias de hoje um conflito neste domínio em grande escala, Joseph S. Nye foca-se principalmente na dissuasão de ataques no ciberespaço em tempos de paz por parte de Estados e atores não-estatais. Referiu num estudo (Nye, 2016) que os limites são mal compreendidos e podem ser percebidos de maneira distinta em diferentes países e culturas, aludindo que “os sistemas de comando, controlo e comunicação costumam ser frágeis e com efeitos incertos”.
3.5.6 Conclusões
O Comandante Fialho de Jesus terminou a sua intervenção com a apresentação de algumas conclusões:
– No que à Soberania e Jurisdição diz respeito, pode dizer-se que a ausência de fronteiras no ciberespaço cria complexidade e dificuldade na regulamentação internacional, com impacto direto na atual conceção de soberania vigente no mundo físico, pois tudo – de bom e de mau – está à distância de um clique, o que dificulta a sua jurisdição;
– Relativamente à Segurança e Desenvolvimento, a cooperação é um fator preponderante para assegurar este desígnio entre os diversos atores com responsabilidade ativa na proteção e segurança do ciberespaço, tanto a nível nacional como internacional;
– Sobre o Poder Aeroespacial, que assenta em sistemas complexos e dispendiosos, em permanente evolução e onde o ciberespaço se constitui como um elemento integrante, o conhecimento das vulnerabilidades torna-se um fator fundamental para fazer face a eventuais ameaças que ocorram neste domínio. Mas cada vez mais as operações militares são desenvolvidas com base no conceito JADO, onde o ciberespaço tem uma palavra, pois já é assumido como um domínio das operações – transversal aos outros quatro domínios – e é mesmo o único que tem na sua génese a ação humana.
As terceiras jornadas científicas tiveram lugar no dia 8 de julho, pelas 14h30, via plataforma zoom. Na figura 35, reproduz-se o cartaz complementar, com o detalhe alusivo aos conferencistas, elaborado para o efeito.
A sessão inaugural foi subordinada ao tema “Capacidades do Poder Aeroespacial no contexto do Atlântico Português” e o keynote speaker foi o Major-General José Passos Morgado, que fez a sua intervenção centrada no tema “Edificação, implementação e emprego de capacidades do Poder Aeroespacial no contexto dos objetivos nacionais para o Atlântico português”.
Seguiu-se um painel com quatro apresentações, moderado pelo Tenente-coronel Pedro Silva Costa, que integra a equipa de investigação, como responsável pelo Módulo 3.
O Professor Marco Capitão Ferreira, Presidente da Agência IdD Portugal Defence, procedeu à primeira lição, cujo tema foi “A Base Tecnológica Industrial de Defesa, face à dimensão atlântica nacional: potencial contributo para a soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento”.
O Engenheiro Ricardo Conde, Presidente da Agência Portugal Space, fez a segunda apresentação subordinada ao tema, cujo tema foi “Iniciativas, oportunidades e desafios para a dimensão espacial sobrejacente ao Atlântico Português”.
Figura 35 – Jornadas Científicas nº 3 (Conferencistas).
O Capitão-de-mar-e-guerra Fernando Ribeiro Correia, Chefe da Repartição de Doutrina Militar, da Divisão de Planeamento Estratégico (DIPLAEM) do Estado Maior General das Forças Armadas (EMGFA), fez a terceira apresentação subordinada ao tema “Doutrina de segurança e defesa e Planeamento estratégico militar multidomínio para o Atlântico Português”.
Por fim, o Coronel Piloto-aviador José Diniz, Comandante da Base Aérea n.º 6, fez a sua intervenção subordinada ao tema “Operacionalização de capacidades aeroespaciais focadas nos objetivos nacionais, no contexto da Camada aérea e espacial sobrejacente ao Atlântico Português”.
As notas de encerramento para as três jornadas científicas, que ocorreram no final deste derradeiro simpósio, estiveram a cargo do Capitão-de-mar-e-guerra, João Coelho Gil, Subdiretor do CIDIUM e Coordenador da Unidade de Investigação e Desenvolvimento.
4.1 Sessão inaugural: “Edificação, implementação e emprego de capacidades do Poder Aeroespacial no contexto dos objetivos nacionais para o Atlântico português”
O Major-general José Passos Morgado, fez a sua intervenção, subordinada ao tema “Edificação, implementação e emprego de capacidades do Poder Aeroespacial no contexto dos objetivos nacionais para o Atlântico português”. A sua intervenção foi centrada na sua experiência profissional, colhida no âmbito do programa tecnológico operacional da Força Aérea, na área dos sistemas aéreos autónomos não tripulados, apresentando uma proposta de criação, em Portugal, de um espaço de testes nacional para sistemas aéreos autónomos não tripulados, aberto à Europa.
Iniciou a sua intervenção com as bases de terminologia para o tema, concretamente a sigla UAV ou Unmanned Aerial Vehicle, para designar o veículo aéreo autónomos não tripulados e UAS ou Unmmanned Aircraft System, que, para além do veículo aéreo não tripulado, inclui o segmento de terra, em apoio e usufruto das valências.
Foi também apresentada a taxonomia da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) para o tema, sendo comum dividir os UAS em três classes: classe 1, os sistemas até um peso máximo na decolagem até 150; classe 2, correspondente aos sistemas com peso máximo na descolagem entre 150 e 600 kg; e classe 3, correspondente aos sistemas com peso máximo de viagem superiores a 600 kg.
A pertinência do tema, para Portugal, da criação de um espaço de testes nacional para sistemas aéreos autónomos não tripulados, particularmente de classes 2 e 3, aberto à Europa, surgiu, segundo o Major-General José Passos Morgado, na sequência de uma reunião em Madrid realizada em 2009, para discutir a problemática associada a estes sistemas e ao facto de, no contexto europeu e em particular no centro da Europa, as condições mitigadoras para testar e treinar equipas de operação dos UAS.
Neste contexto, Portugal reúne condições únicas, porque de facto reúne simultaneamente, como em nenhum outro país: espaço aéreo não congestionado; condições meteorológicas únicas; tem a possibilidade de ter um conjunto de pontos de operação em que é possível englobar operação no Continente, mas também nos Açores e na Madeira entre os quais é relativamente fácil segregar corredores, e finalmente há muito mar.
Nessa reunião em Madrid, o Major-General José Passos Morgado foi interpelado por vários representantes de outros países, nomeadamente Bélgica e Alemanha tendo em vista a possibilidade de virem a Portugal para operar, testar e treinar a operação de UAV, particularmente de classe 2.
Assim, na sequência desses pedidos tornou-se possível realizar anualmente, desde 2011, na Base Aérea n.º 11, em Beja, destacamentos de UAS, da Força Aérea belga, para treino e teste de tecnologia, bem como treino de equipas de operação.
Relativamente à Força Aérea alemã, só posteriormente à data da realização daquela reunião em Madrid foi possível iniciar negociações. De facto, a Força Aérea alemã, desde 2006 tinha como objetivo incrementar as suas capacidades no âmbito da vigilância marítima e para isso, o governo alemão fez uma parceria com a EADS Defence & Security e a Northrop Grumman, este último o fabricante do UAV classe III Global Hawk, que adaptado corresponderia às necessidades particulares da Força Aérea alemã no âmbito das atividades de vigilância. As adaptações mencionadas eram muito particulares, pelo que conduziram a um novo nome da plataforma, passando a designar-se de EuroHawk e carecia de ser certificado.
Para a necessária certificação, em julho de 2013, foi realizado um pedido formal do parlamento alemão ao parlamento português, que depois foi direcionado para a Força Aérea portuguesa, no sentido de avaliar a possibilidade de realizar os testes de certificação em Portugal, na Base Aérea n.º 11, em Beja. Contudo, embora tenha havido estas diligências o projeto EuroHawk acabou por ser cancelado.
Os contactos realizados em 2009, na reunião em Madrid, foram o indício das dificuldades percecionadas, a nível europeu, para a realização de voos dos UAS, de testes, treinos e certificação deste tipo de tecnologia.
Outro elemento de elevada relevância para o presente tema foi o facto de no âmbito do Conselho Europeu, de dezembro de 2013, ter sido considerado necessário vir a desenvolver um UAS do tipo classe III de 2.ª geração, com forte impulso particular para a Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID) europeia. De facto, a Europa perdeu a corrida dos sistemas de classe 3 na primeira geração para os Estados Unidos da América e Israel, não querendo nesta fase perder a corrida para uma segunda geração, pelo que esta decisão em avançar, também na sequência do cancelamento em torno do EuroHawk, foi liderada precisamente pela Alemanha e que engloba países como a França, Itália, Espanha e República Checa, representando um projeto exclusivamente europeu.
Os requisitos foram definidos em 2016, estão previstos os primeiros voos testes para 2025 e a primeira capacidade operacional para 2028. É previsível, neste contexto, que muito em breve este consórcio pretenda levar a efeito, à semelhança do que foi feito em 2013, contactos com Portugal, para a realização de testes de certificação deste sistema.
Esta posição que Portugal poderá ocupar no desenvolvimento do sistema é sobretudo uma oportunidade, pelo reconhecimento dos seus próprios méritos de atendimento, bem como às condições únicas que pode apresentar relativamente à concretização dos voos de certificação daquele sistema. Portugal, por esta via, poderá vir a complementar os seus atuais sistemas, no âmbito da vigilância do seu enorme espaço marítimo.
Estes testes de certificação poderão inclusivamente incluir operação no continente e nos Arquipélagos dos Açores e na Madeira, constituindo assim uma oportunidade única para apoiar a vigilância marítima. Contudo, poder-se-á ir mais longe na ambição e porque não vislumbrar a possibilidade de Portugal poder vir a integrar o consórcio e ter a possibilidade de operar, no contexto das suas Forças Armadas ou da sua Força Aérea, um sistema tecnologicamente atualizado, em complemento aos meios atuais.
Esta oportunidade poderá ser extensível à BTID portuguesa, que passaria a integrar um consórcio na vanguarda desta tecnologia, constituía assim uma montra daquilo que melhor se faz na Europa nesta matéria, dos sistemas autónomos, extensível também sistemas de superfície e submarinos.
Esta possibilidade poderá ser extensível ao desenvolvimento inclusive de um Centro de Desenvolvimento Integrado de Sistemas Autónomos, no seio da NATO. Trata-se de uma vontade da NATO, desde 2016, em edificar um centro de excelência na área dos sistemas autónomos que englobe três domínios: aéreo e marítimo-submarinos e marítimo-superfície.
Portugal, pelas características já evidenciadas assume-se numa posição de destaque para dar resposta a esta iniciativa. As possibilidades referidas para o teste e certificação da aeronave de classe III europeia, poderiam ser extensíveis para a iniciativa da NATO e assim concentrar-se-ia recursos, pois trata-se de tecnologias semelhantes.
Ainda há aqui uma terceira vertente, esta associada às alterações climáticas, que são percecionadas como uma emergência para a sociedade atual, estamos neste momento absolutamente no limiar de catástrofes para a Humanidade.
Neste desiderato e com base no acordo de Paris, que visa patrocinar o objetivo de atingir a neutralidade carbónica em 2050, prevê até 2030, que se reduzam para metade a emissão de gases do efeito estufa, para assim em 2050 atingir a neutralidade. Os transportes são responsáveis por um quarto de emissão de gases com efeito de estufa, onde estão englobados os transportes terrestres marítimos, onde é mais acessível resolver esta questão, mas também estão os transportes aeronáutico, pelo que este tema dos veículos autónomos é fundamental. Nesta temática a Comissão Europeia traçou dois objetivos, a definição do Céu Único Europeu e o emprego de Combustíveis Verdes para a aviação.
A AIRBUS prevê que o primeiro avião comercial a operar com o referido combustível verde seja lançado em 2035. Os primeiros testes a aeronaves com combustíveis verdes serão efetuados com aeronaves não tripuladas de classe II e III, assim pelas características únicas do espaço aéreo nacional, conforme mencionado anteriormente, podem também vir a colocar Portugal associado ao desenvolvimento tecnológico de aeronaves menos poluidoras.
Como notas finais o Major-General José Passos Morgado destacou sobretudo uma reflexão em torno da edificação de valor numa perspetiva transversal à sociedade, não apenas para a economia, mas para a sociedade no seu todo. Operacionalizar tecnologia vai muito para além do desenvolvimento da própria tecnologia. Não basta desenvolver tecnologia, não basta ter a tecnologia, é preciso mais e edificar estruturas de apoio à sociedade.
O exemplo do acidente de Fukushima, ocorrido em 2011, é um exemplo. Na sequência daquele acidente houve derrame radioativo, pelo que foi necessário ter no ar, no mar e em Terra meios não tripulados que permitiu monitorizar a 100% estes domínios, contudo, o Japão, país da robótica, dentro dessa tecnologia não tinha à época capacidades de a pôr no terreno em ações concretas de apoio a esta necessidade. Este exemplo do Japão poderá ser replicado para Portugal, onde as estruturas nomeadamente no âmbito do desenvolvimento tecnológico são mais frágeis e, portanto, é fundamental articular neste processo de edificação de tecnologia uma relação com as universidades, centros de investigação, indústria, Forças Armadas, entre outros, para de facto, levarmos o valor tecnológico para a sociedade.
4.2 Primeira apresentação do Simpósio: “A Base Tecnológica Industrial de Defesa, face à dimensão atlântica nacional: potencial contributo para a soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento”
O Professor Marco Capitão Ferreira, Presidente da Agência IdD Portugal Defence iniciou a sua intervenção caracterizando a base tecnológica e industrial de defesa, que tem vindo a ser caracterizada como Economia de Defesa, que é um conceito mais abrangente.
Trata-se de um conjunto de entidades empresariais que suportam ou pretendem suportar a Defesa Nacional de uma lógica industrial. É uma economia digitalizada com forte presença de engenharia e assume-se como uma economia de sistemas de cooperação, pelo conjunto de relações que se estabelecem entre as entidades.
Este ecossistema da Defesa Nacional possui mais de trezentas entidades empresariais, a esmagadora maioria das quais empresas, mas também centros de investigação, unidades de ensino e formação e laboratórios colaborativos, que na base tem efetivamente uma estrutura que procura a valorização do conhecimento.
Esta estrutura procura fazer a ponte entre o conhecimento, que é das universidades, o saber, que está retido nas instituições académicas, com a estrutura empresarial, o tecido empresarial. Este tecido industrial, contudo, é muito específico, pois permite suportar a atividade das Forças Armadas. Por outro lado, a referida ponte terá dois sentidos pois há conhecimento residente nas FFAA, que se tem procurado refluir de volta às empresas da economia de defesa.
As empresas de economia de defesa procuram apoiar no produto operacional das Forças Armadas, contudo, a sua maioria não trabalha exclusivamente ou maioritariamente para a área da defesa, perspetivando essa área como uma atividade que é qualificadora e diferenciadora. Esta economia, de Defesa, representa um volume de negócios na ordem dos 4000 milhões de euros, no somatório das mais de trezentas entidades empresariais, sendo essencialmente na exportação que este setor da economia se sustenta.
Este facto permite identificar três consequências interessantes para a Defesa Nacional: primeiro permite diluir com vendas ao estrangeiro os custos de investigação e desenvolvimento; segundo, permite desmistificar na sociedade portuguesa que as aquisições e os investimentos em matéria militar são despesa, por vezes percecionada como despesa inútil, contudo constitui na realidade um investimento, que tem um retorno para a economia portuguesa; terceiro, estas empresas investem o triplo da média da economia portuguesa na investigação e desenvolvimento e, portanto, enquanto economia de defesa não só apoia as Forças Armadas, como permite um retorno ao ecossistema económico do país, pelo que terá que ser valorizado.
Neste desiderato e para sustentar a posição, na área da Defesa, por cada euro investido tem havido um retorno para a criação de riqueza, para o PIB, num valor acima dos três euros, dependendo do tipo de investimento e programa, com particular relevância para áreas nas novas tecnologias e nos novos domínios operacionais, como sejam o ciberespaço e o espaço. Estes dados terão de ser do conhecimento público e proporcionar uma mudança de consciência no que respeita ao longo ciclo de desinvestimento nas FFAA, pois poderá ser esse investimento uma alavanca para a economia nacional.
De acordo com dados da execução orçamental desde o ano 2000 até ao ano de 2019, se a Defesa Nacional fosse um paciente ligado a uma máquina cardíaca estava morta, porque a linha está completamente horizontal, na perspetiva que a despesa pública não aumentou. Em parte, esta situação é transversal na sociedade portuguesa, pois fruto das dificuldades económicas do país, os investimentos estão sobretudo estagnados, mas a Defesa é claramente menorizada, por exemplo face à área de segurança interna, onde praticamente duplicou o orçamento em relação ao ano de 2000 enquanto a defesa se manteve entre os 1700 e os 2000 milhões de euros por ano ao longo destes últimos 20 anos.
O ano 2020 poderá apresentar uma tendência de recuperação de investimento nesta área, resultado de se ter um ecossistema da economia de defesa devidamente organizado. Será esse o terceiro eixo de atividade da IdD Portugal Defence, não só para gerir diretamente as participações que o Estado tem na Defesa, por exemplo as OGMA e o Arsenal do Alfeite mas, também, no papel de promotor de desenvolvimento da economia de defesa, tendo uma atenção particular nas oportunidades proporcionadas com os fundos europeus, nomeadamente o fundo europeu de defesa, com os novos projetos da Permanent Structured Cooperation (PESCO), mas também a nível da NATO.
Para o sucesso de todas as partes será necessário interagir com as próprias Forças Armadas, do ponto de vista de que são elas as conhecedoras das necessidades e requisitos operacionais, fundamentais para a edificação dos projetos que estão em curso e que devem ser relevados os de projeção Atlântica. Do ponto de vista da dimensão Atlântica, estão em causa os elementos essenciais para o exercício de soberania e também os valores da proteção de direitos económicos, sendo que para este último está em causa os direitos e responsabilidades da zona económica exclusiva e da extensão da plataforma continental.
Nesta vertente Atlântica está também em causa as responsabilidades internacionais do Estado Português em matéria de busca e salvamento, em que a área nacional tem como fronteira, o Canadá e os Estados Unidos, o que permite ilustrar a dimensão e com quem deveremos estar a operar em interoperabilidade.
Neste sentido, as Forças Armadas terão de ter os recursos necessários e implica que haja um tecido industrial capaz de assegurar esta soberania nacional, na disponibilização de recursos e meios, bem como de conhecimento para a execução da manutenção dos mesmos, para não se deixar cair numa situação de dependência. Trata-se, portanto, de garantir alguma autonomia, própria ou partilhada no contexto do projeto europeu ou das parcerias como a NATO.
Embora com recursos limitados e conhecedores da nossa dimensão temos, contudo que ambicionar mais do que aquilo que temos adicionado no passado, pois temos empresas muito boas, a engenharia portuguesa é absolutamente de excelência quando comparada com a generalidade dos nossos parceiros das organizações referidas. O feedback da integração das nossas empresas em projetos europeus ou da NATO, tem sido muito positivo, estando integradas junto de grupos empresariais de grande relevo na área da Defesa, como a italiana Leonardo, francesa THALES, ou a inglesa BAE, que apesar de já não fazer parte da união europeia continua a ser um parceiro importante e com quem se partilham projetos e responsabilidades na criação soluções completas e não só apenas de componentes e subsistemas, em áreas de grande complexidade e importância operacional, como é o caso por exemplo da área das comunicações.
O futuro deverá ser de acompanhar esta tendência e evoluir para a inclusão de novas tecnologias e de ações nos novos domínios operacionais naquilo que é a forma de cumprimento das missões que estão atribuídas às Forças Armadas. Significa mais digital, significa seguramente integrar ações em veículos autónomos de várias tipologias, e alcançar o novo domínio, o espaço, que tem uma imensidade de valências que interessam ao nosso país, que por outro lado possui vantagem geoestratégica face a outros. O produto do espaço poderá permitir respostas na Defesa, para as alterações climáticas, para a agricultura, entre outras ações transversais à sociedade. Assume-se assim como um domínio com um valor estratégico para a área da defesa e obviamente para a economia.
Um elemento muito importante para alguns passos enquadrados com o referido serão as chamadas zonas livres tecnológicas que poderão permitir não só fazer uso das vantagens do lado aéreo, mas também fazer o uso de uma série de derrogações que se podem conseguir e de autorizações excecionais para testar novas tecnologias.
Aqui as Forças Armadas e a Defesa Nacional podem liderar ou pelo menos estar na linha da frente do que a economia portuguesa possa vir a fazer com as chamadas zonas livres tecnológicas, que não são mais do que “campos de ensaios” para tecnologias disruptivas, para tecnologias emergentes.
Será importante assumir que Portugal pode ter onde o fazer, dado haver boas condições para o fazer em todos os cinco domínios em que necessitamos de estar em condições de atuar (mar, ar, terra, ciber e espaço).
Um outro tema que merece ser destacado é a transição para o digital, que também já levou à aprovação a nível nacional do primeiro digital innovation hub, o Defence4Tech, centrado na economia de defesa, onde marcam presença os centros de investigação dos ramos das Forças Armadas, várias universidades portuguesas e várias empresas da indústria nacional. Trata-se de um polo de inovação digital, que já tem aprovação a nível nacional e é candidato à rede europeia da inovação digital. Neste campo seremos pioneiros porque não há nenhum organismo semelhante para a economia de defesa na Europa.
Poder-se-á assumir que Portugal é pequeno em dimensão, mas temos ambição, temos massa crítica, dever-se-á continuar a colaborar, a partilhar informação e sobretudo manter a organização e procurar a internacionalização das empresas nacionais, sempre procurando garantir às FFAA o suporte dos equipamentos existentes e garantir também o acompanhamento tecnológico com o qual a NATO e a União Europeia estão preocupados pois pode vir a ser um elemento disruptivo e criar um fosso tecnológico entre parceiros.
Para Portugal, para o exercício da sua soberania nacional também pode e deve ambicionar ter essa tecnologia. Para tal há que incentivar projetos, estando efetivamente alguns em curso, que envolvam a colaboração da Marinha, da Força Aérea ou o Exército, de forma isolada ou conjunta. Contudo, estas ações carecem de ser rápidas, os usuais cinco ou dez anos de desenvolvimento não se coadunam com presentes ciclos tecnológicos, pelo que será necessário ser ágil, entre a ideia e o protótipo, para alimentar a conceptualização. A área prioritária poderá ser no âmbito do Atlântico, sendo que a área espacial desempenhará um papel relevante na dimensão de Defesa e de Indústria de Defesa sempre em articulação com as Forças Armadas.
Será de destacar a busca pela coordenação e envolvimento da indústria da defesa numa perspetiva, sobretudo, de cumprir a missão das Forças Armadas, mas também de apoiar a economia a economia nacional e a verdade é que poderemos não ser completamente autónomos, mas se de alguma maneira diminuirmos aquilo que é dependência de terceiros seremos mais capazes de cumprir também os objetivos de caráter e de cariz nacional.
4.3 Segunda apresentação: “Iniciativas, oportunidades e desafios para a dimensão espacial sobrejacente ao Atlântico Português”
O Engenheiro Ricardo Conde, Presidente da Agência Espacial Portuguesa (Portugal Space), iniciou a sua intervenção valorizando a importância das zonas livres tecnológicas, em termos de testes e no próprio desenvolvimento de novas tecnologias, tais como os Rockets e os veículos suborbitais, elementos que se enquadram no âmbito do tema a tratar – o Espaço.
Olhando para o Atlântico, de modo a vigiar o enorme espaço de responsabilidade nacional, a solução de eficiência, irá para além das plataformas navais ou aéreas. O Espaço perfilar-se-á como uma solução, no qual carece de haver investimentos para retirar esses dividendos de valor estratégico.
O trajeto nacional para o Espaço deverá envolver a Defesa, um dos quatro elementos fundadores da Agência Portugal Space. Para além de estar nas bases da Agência a Defesa assume-se como um stake-holder, que poderá ser uma alavanca para edificar valor transversal para a sociedade, dado que a tecnologia espacial possui assumidamente um carácter de emprego dual. A democratização no acesso ao Espaço e as valências proporcionadas permitem alimentar a ambição de Estados, mesmo com algumas limitações de recursos, poderem almejar esse domínio. Por esta via, mais autónoma ou pela via da cooperação, Portugal tem a possibilidade de erguer capacidades que podem à Defesa permitir uma multiplicação de força na operação, bem como colmatar eventuais limitações de permanência e alcance.
Serão notas de inspiração, contudo, são factos baseados no conhecimento que o Espaço é um elemento que se reveste de oportunidade na nossa projeção no mundo, pois poderá criar valor também na economia de forma transversal a vários setores de atividade.
A aventura nacional no Espaço terá dado os primeiros passos quando em 1993 foi lançado o primeiro satélite português PoSAT1, tendo sido uma experiência que envolveu a Defesa Nacional e que resultou na formação de vários quadros, hoje com relevância no ecossistema espacial nacional.
Em 2000, pelas mãos do Professor Mariano Gago, Portugal integra a Agência Espacial Europeia (ESA), representando uma verdadeira visão estratégica para o desenvolvimento deste setor, numa alusão que Portugal só podia almejar uma posição de relevo num contexto de cooperação.
Sucede que isso é uma verdade também atual para Portugal, pelo que a nossa ambição terá de ser sobretudo avaliada na realidade do país, face à sua própria dimensão e em termos também de recursos. A via mais autónoma, poderá ser mais morosa e pode também não permitir o acompanhamento tecnológico, por outro lado poderá colocar em causa valores como a interoperabilidade. Se há pilar robusto nas Relações Internacionais onde Portugal se insere é o diplomático, pelo que a via da cooperação poderá ser uma opção credível.
Outro passo significativo, ou salto estratégico, foram os dados em 2018 quando foi criada a estratégia nacional para o espaço, que tinha essencialmente uma visão, que se classificaria como realista e orientada pelo aquilo que são as reais possibilidades nacionais de implementação. Essa visão permitiu criar uma agenda de inovação e crescimento, suportada sobretudo no conhecimento, na base de qualquer capacidade.
A Defesa é um parceiro da Agência Espacial Portuguesa, a par da Agência Nacional de Inovação, Fundação para a Ciência e Tecnologia e o Governo Regional dos Açores. Claro que as portas da colaboração e cooperação estarão abertas a outros ministérios e eventualmente também o próprio Governo Nacional e o Governo Regional da Madeira, pois o Espaço possui valores aplicáveis de forma transversal à sociedade e ocupa hoje uma posição de dependência em muitas ações. A Agência Espacial Portuguesa é sobretudo um elemento agregador e é também promotora e articuladora de fundos externos, em particular comunitários, que poderão catapultar Portugal para uma nação espacial em 2030.
Contudo, não se poderá cometer o erro da não continuação do projeto PoSAT-1, sendo necessário garantir a sustentabilidade do ecossistema espacial, da cadeia de valor, na componente de acesso ao espaço, na componente de satélites, no desenvolvimento das aplicações mas a grande ambição será mesmo de criar Portugal como uma nação espacial, até ao final da década, que tem que estar ancorada em algo concreto e resiliente, pois só assim se adquire credibilidade, para que a Defesa e os demais utilizadores ou investidores participem e alimentem aquilo que é a materialização da Estratégia de Portugal para o Espaço 2030.
Portugal terá limitações de recursos, mas a nossa presença na ESA, desde 2000, permitiu edificar competências e capacidade de articular e cooperação num domínio tecnológico muito particular. Por outro lado, ser um país pequeno poderá ser tomado como uma vantagem, na recolha de informação e na tomada de decisão. Portugal poderá fazer a diferença se edificar um canal de comunicação rápido e reagir rápido.
Esta presença na ESA, das indústrias nacionais, tem mostrado as capacidades de Portugal, da sua gente, da sua engenharia. Poder-se-á assumir que o Atlântico Norte poderá ser o rastilho para edificar um valor diferenciador, de onde destacaria as questões soberania, como pela via de elemento facilitador para a cooperação com os Estados com responsabilidades nessa região. Na realidade, tendo por base estes elementos, poder-se-á assumir que já se está a iniciar a nossa navegação, que poderá proporcionar já nesta próxima década desafios programáticos para Portugal, que assim poderá ambicionar ser uma nação Fly.
Para o Atlântico em particular, os trilhos traçados poderão culminar com a edificação de capacidades que poderão proporcionar entre outras valências, em imagens de alta resolução, sendo a base de um sistema de operações da vigilância ou monitorização, extensíveis ao restante território nacional, para aplicações com um carácter transversal à sociedade. Este tipo de capacidade, no seio da Defesa, poderá ser considerado um elemento para o exercício de soberania, mas também uma componente intelligence, favorável à superioridade informacional, cujo valor nas operações atuais é muito relevante.
Contudo, estendendo as aplicações para uma perspetiva efetivamente transversal nos diversos setores de atividade, favorecendo outro elemento, a digitalização de serviços, ou mesmo alavancando a investigação e desenvolvimento. A verdade é que a experiência da presença de Portugal na ESA mostra que temos indústria e centros de investigação capazes.
Uma referência ao Porto Espacial de Santa Maria, que poderá constituir o elemento em si alavanca para criar um valor diferenciador no programa espacial nacional e criar um grau de autonomia no vetor de lançamentos de satélites para órbitas baixas polares, fazendo uso das características geoestratégicas do Arquipélago dos Açores, numa resposta às necessidades, particularmente europeia, de lançadores.
Particular relevo deverá ser dado ao facto de a nível internacional ser dada importância à posição geoestratégica do Arquipélago dos Açores, em particular no âmbito da ESA e do programa Space Rider (pequeno veículo que pretende ser um laboratório de microgravidade), que comtempla a pista de aviação de Santa Maria como o local de aterragem após as missões no Espaço Exterior.
Por fim, uma referência ao desenvolvimento daquilo que será o futuro programa europeu Space Traffic Management (STM), que permitirá monitorizar o Espaço Exterior, das baixas ás altas órbitas. Este programa poderá estar ligado de forma muito estreita às atuais missões da Defesa, alimentará o seu alcance para a salvaguarda de uma soberania vertical para o Espaço Exterior, contudo irá impulsionar outros vetores, tais como a transformação digital.
O Espaço em si será, portanto, um vetor alavanca para uma transformação da sociedade e no caso particular do Space Surveillance Tracking, uma das possíveis dimensões do futuro do STM, ele já decorrer sob a alçada da Defesa. Estamos, portanto, já a falar em algo que decorre neste presente, na atualidade, não sendo futurismo ou cenarização.
Todas estas referências são sobretudo sementes que pretendem impulsionar o programa espacial nacional, em particular na base de diversas capacidades, proporcionado conhecimento para catapultar o desenvolvimento tecnológico e posicionar a nossa indústria num patamar de relevo.
Estes objetivos nacionais, ambiciosos, mas realistas, carecem de um esforço de coordenação nos instrumentos financeiros para implementar estas ações, incentivando sobretudo a industrialização e procurando valor nas aplicações para fins de carácter transversal.
4.4 Terceira apresentação: “Doutrina de segurança e defesa e Planeamento estratégico militar multidomínio para o Atlântico Português”
Seguiu-se o Capitão-de-mar-e-guerra Fernando Ribeiro Correia, Chefe da Repartição de Doutrina Militar, EMGFA/DIPLAEM, que centrou a sua intervenção no tema “A doutrina de segurança e defesa e planeamento estratégico militar multidomínio”, com uma análise particular para a área do Atlântico português, centrando-se no planeamento estratégico e como é que se interliga com o novo espaço de ação que é o Atlântico, tendo em consideração as ameaças emergentes que têm surgido na área.
No âmbito do planeamento estratégico será necessário considerar a espectável extensão da plataforma continental, com o aumento consequente de responsabilidades, sendo necessário prever o desenvolvimento de um conjunto de capacidades que garantam o exercício de soberania neste novo espaço territorial.
O planeamento de edificação de capacidades, no planeamento estratégico, tem de considerar sempre que o que está associado ao emprego operacional nas Forças Armadas, em algo que tem que envolver três fatores de reflexão: racionalidade, exigência e rigor. As Forças Armadas no planeamento que fazem, que são sempre uma área que está sob escrutínio da opinião pública, requer exigência nas posições, bem como será necessário aplicar a racionalidade da decisão e o rigor nas ações.
Estes indicadores evolutivos, terão de ter também em consideração o ambiente estratégico internacional, bem como os condicionamentos políticos a disponibilidade financeira ou disponibilidade orçamental, todo um conjunto de variáveis que são de um fórum exterior às Forças Armadas, mas que refletem o ambiente onde se insere Portugal. Para mitigar estas situações, será importante sustentar as decisões com base nos documentos estruturantes, que se encontram em revisão.
Umas das bases estruturantes referidas é a lei orgânica de bases da organização das Forças Armadas, que está em revisão, pelo que o planeamento estratégico em curso deverá também ser atualizado a essa lei. No fundo esta adaptação vai afetar as próprias Forças Armadas, tendo em consideração que as missões dependem do sistema de forças e do dispositivo de forças que dependem deste planeamento estratégico, portanto o desenvolvimento das capacidades está diretamente associado ao planeamento estratégico.
Na divisão de planeamento estratégico militar, faz-se uso de vários conceitos de planeamento e com os cenários oriundos das orientações estratégicas, para dar resposta ao como é que as Forças Armadas poderão cumprir as suas missões, procurando vencer as dúvidas associadas aos documentos estruturantes que não se encontram atualizados. Portanto, no fundo, ter-se-á que olhar para o ciclo de planeamento de defesa militar, sabendo quais são as orientações políticas, tarefa difícil e complexa que fica mais dificultada face aos parcos recursos humanos que apresenta.
Para o ciclo de planeamento de defesa militar a ação é complexa, começa muito cedo com a própria definição dos requisitos das capacidades e a definição dos objetivos. Para a implementação das capacidades, sempre que possível, deverá ocorrer revisão de resultados, que obrigará a recomeçar tudo novamente.
No que diz respeito ao Atlântico Português e ao planeamento de capacidades que estão aqui, a questão de base poderá ser a de como é que vamos garantir a soberania deste espaço de interesse e assegurar a defesa e segurança dos nossos recursos? O ciclo de planeamento militar possui as orientações para a geração, estruturação e emprego das capacidades. Contudo essas capacidades terão de ser edificadas a nível do plano militar, para as quais será necessário definir objetivos e eventualmente estabelecer as prioridades, pois ter-se-á consciência que os meios são escassos. Infelizmente o presente, face a todo um conjunto de situações adversas, é sobretudo marcado por ações reativas e menos reações de planeamento, que no fim permitia adequar as capacidades ao reforço da resposta militar.
Estas ações estão suportadas por doutrina militar, concretamente vem na sequência de uma publicação que foi lançada no ano passado sobre planeamento estratégico militar, onde todo este novo conceito de ciclo de planeamento foi definido e atualmente será a base da edificação de capacidades, inclusivamente para a situação particular do Atlântico Português.
Ainda não se abordou a questão das ameaças e a forma de as combater. Neste momento é preciso ter consciência que tendo em consideração todo o espaço Atlântico de responsabilidade portuguesa, há novas ameaças que estão a aparecer, de onde se poderá destacar as relacionadas com a extensão da plataforma continental e os recursos aí existentes.
A extensão da plataforma continental poderá afetar o sistema de forças, para o qual será necessário buscar a adequabilidade face ao ambiente estratégico.
Neste aspeto será agora importante destacar a necessária colaboração das Forças Armadas com o mundo académico e com a indústria de defesa pois é uma possível solução para fazer face aos escassos recursos, será uma forma de mitigar essa dificuldade, sempre tendo por base um planeamento de capacidades organizado e metódico.
O olhar para a extensão da plataforma continental poderá trazer ameaças como pirataria, tráfego ou apropriação indevida de recursos, entre outras, que vão requerer capacidade de vigilância, credível sobretudo para dissuadir as intenções. Será também necessário ter capacidade de responder, de atuar. Nestes desideratos, as soluções vindas do Espaço e de veículos não tripulados serão extremamente importantes.
Contudo, reforço a necessidade de estabelecer prioridades, tendo por base critérios como sejam objetivos políticos, compromissos com os aliados e a soberania. Por outro lado, e ainda relacionado com as limitações dos recursos, o mundo académico e a indústria terão papéis muito importantes para edificar ou manter as capacidades das Forças Armadas.
O mais importante será continuar a garantir a missão e assegurar a credibilidade que consiga responder às atuais e novas ameaças, sempre tendo por base o já referido planeamento estratégico, em condições e que permita a segurança e o exercício de soberania das áreas de responsabilidade.
4.5 Quarta apresentação: “Operacionalização de capacidades aeroespaciais focadas nos objetivos nacionais, no contexto da Camada aérea e espacial sobrejacente ao Atlântico Português”
O Coronel José Diniz, Comandante da Base Aérea n.º 6, sustentou a sua intervenção numa visão pessoal alicerçada na sua experiência profissional, não refletindo uma posição institucional da Força Aérea.
A sua intervenção inicia com o registo que quando se aborda o conceito de poder aéreo, este ainda constitui uma disciplina relativamente recente, data de pouco mais de um século. Assistimos a um percurso do poder aéreo que começou utilizando as aeronaves como plataformas de observação ou plataformas de sensores, mais tarde, como vetor de armamento, primeiro numa perspetiva sobretudo defensiva e depois ofensiva.
Com o crescimento das capacidades físicas e tecnológicas das plataformas aéreas, que foram muito potenciadas pelos requisitos para o investimento militar, pelas necessidades militares, assistimos a uma maturidade em termos de dimensões de performance, de segurança e também se potenciou o vetor aéreo como meio de transporte. Serão estes os três papéis que integra as capacidades do poder aéreo.
Este percurso, observação armamento e transporte, será o mesmo percurso que está a ter os sistemas aéreos não tripulados e de certa forma é o mesmo percurso que está a ser traçado no âmbito dos veículos espaciais, plataformas de observação à comunicação, setores de armamentos e mais tarde no futuro algo que integrado como meios de transporte. Portanto, a referência a poder aéreo poderá ser reduzida sempre estas três vertentes.
O poder aéreo como qualquer outro poder militar ou perante um domínio eminentemente físico exige pilares permanentes, em particular o de conhecimento sobre o meio onde se está a atuar, a presença física e a capacidade de intervenção. Estes pilares levam a abordagem para o conceito dos sistemas de armas, que no caso da Força Aérea Portuguesa, as frotas de aeronaves e neste âmbito do Atlântico português face aos objetivos que vão superiormente traçados para a nossa presença naquele espaço.
A Força Aérea Portuguesa possui sistemas de armas acometidas para missões de policiamento e defesa aérea, missões de vigilância e reconhecimento, luta de superfície e submarina e também numa determinada componente para a busca e salvamento, onde se poderá incluir a vigilância, reconhecimento e o transporte.
O sistema de defesa aérea, assente numa estrutura de radares em Portugal continental e no Arquipélago da Madeira, é um sistema que assenta em dois pilares, a aeronave e o seu piloto, por outro lado o radar, o seu operador e o seu controlador. É um sistema militar completamente territorial, contudo as valências que o primeiro pilar possui, fruto das características de interoperabilidade, garantem uma possibilidade de atuação expedicionária, para participação no âmbito das ações de cooperação internacional, por exemplo no seio das missões da NATO.
O sistema de defesa aérea, policiamento aéreo, é um sistema simultaneamente NATO e nacional, temos os mesmos meios, dado que estas duas estruturas e consoante a situação, permite fazer o switch de quem é que tem a chave de atuação. O dispositivo militar é único e está pronto para o emprego de violência em tempo de paz, em território nacional, 24 horas por dia e a chave para este uso da violência está detida nas mãos de um punhado de generais. Embora os sistemas estejam preparados, estamos sobretudo preparados para uma ação reativa, reagindo perante as ameaças.
O segundo pilar, que inclui a componente terrestre de radares ainda não estará completa, nomeadamente ainda não temos cobertura plena de radar no Arquipélago dos Açores. Já no arquipélago da Madeira, a recente instalação de um Radar no Pico do Arieiro permite de modo completo, aos centros de comando e controlo nacional e da NATO, um conhecimento permanente da região. Contudo, para as ilhas do Arquipélago dos Açores, ainda não existe essa possibilidade, ou seja, a nossa capacidade de responder ou exercer força e soberania, sobre a plenitude da região do Atlântico sob a responsabilidade nacional é limitada, em particular na missão de vigilância e reconhecimento.
Não é possível, no presente, garantir uma missão permanente e esta situação não é facilmente mensurável, sobretudo se se pretender identificar o custo deste tipo de soberania, porque a vigilância e patrulhamento são um exercício de soberania. Se não o fizermos, embora pode passar despercebido, vai facilmente permitir que essa região do Atlântico seja navegável, sendo que o custo de não se fazer aquelas missões tem implicações diversas, com particular relevo na área de Intel civil e militar, de controlo de exploração de recursos económicos, de conservação ambiental de combate à criminalidade organizada, imigração ilegal e pirataria.
A vigilância e patrulhamento exercido pelos militares serão um produto que é colocado ao dispor de uma panóplia de organizações e de uma panóplia de funções, que transcende em muito o espectro militar.
Para garantir as atividades referidas, muito custa dizer que se tem um dispositivo que não está completo, apresentando cobertura que não será na totalidade da área sob responsabilidade nacional, o que no produto final garante uma pobre execução. Estas palavras, embora possam parecer duras tem a sua explicação pelo facto do esforço de vigilância reconhecimento corresponder a um esforço planeado, metódico e constante, portanto não será efetivamente alcançado na plenitude o sucesso quando em curso as ações são reativas, já que não se tem presença permanente. O mesmo se poderá referir na missão de busca e salvamento, contudo nesta tipologia e ao contrário da vigilância e patrulhamento, esta missão é uma missão muito mediática, onde é muito urgente o apoio direto à salvaguarda da vida humana, seja de cidadãos nacionais ou estrangeiros. Contudo, ambas as missões têm grande impacto na população, seja pelas verbas que vão ser perdidas seja pelo seu imediatismo imediato pelos não salvamentos.
Esta situação, de modo a procurar exercer o melhor possível, obriga a um grande esforço da Força Aérea de modo a manter o seu dispositivo no seu pleno, sempre prontos para poder reagir a eventuais solicitações.
Esta possibilidade de se ir conseguindo executar, sem a necessária ubiquidade, num contexto de recursos limitados, obrigará à necessidade de estabelecer prioridades e fazer escolhas. Isto poderá significar deixar missões para trás, sobretudo relacionado com a disponibilidade de aviões, que podem estar deslocados em outras missões, por exemplo no âmbito de ações de cooperação.
Esta lacuna de recursos e de cobertura, não deveria ocorrer, sendo motivo de algum desconforto se for tido em consideração o conceito estratégico de defesa nacional, que data de 2013 e possui referencias particularmente interessantes no que concerne á valorização da vocação Atlântica de Portugal. Por outro lado, é previsível que a presente situação se complique com a também previsível extensão da plataforma continental, situação que será conducente a um incremento dos regimes de esforço.
Ou seja, existe no atual contexto português efetivamente o problema de recursos, que são finitos. Embora merece ser realçado que a tipologia de missões em causa, sobretudo as operações de reconhecimento e vigilância, sejam um excelente exemplo de cooperação entre os atores do domínio da Segurança e Defesa nacionais, concretamente com a Autoridade Marítima Nacional (AMN), Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária, Polícia de Segurança Pública e Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, entre outros, que mostra uma preocupação de racionalização de meios e empregar os existentes numa filosofia de duplo uso.
O cumprimento dos desideratos de soberania em causa, com impactos internos e externos, carece de ser analisada e definida uma visão estratégica para este paradigma, de modo que a eventual solução para este problema seja edificada de forma estruturada numa lógica de real capacidade nos seus diversos vetores.
Os tetos orçamentais são elementos limitativos nas ações e edificação de capacidades, bem como na sua sustentação e operação, contudo os recursos de pessoal carecem de uma atenção particular. As Forças Armadas portuguesas não serão um empregador competitivo no mercado de trabalho, nas remunerações, nas condições, como infraestruturas e tecnologia e mesmo nas condições de carreira. Em nenhum destes pilares, neste momento nas Forças Armadas estão devidamente salvaguardados como empregador atrativo. Por outro lado, o recurso humano nas Forças Armadas demora tempo a ficar preparado, é um ativo caro que não se pode ir ao mercado de trabalho contratar, carece de ser formados nas especificidades de cariz militar. Relevo que os efetivos militares estão abaixo dos valores do preconizado nos quadros orgânicos de Defesa.
Portanto, será necessário olhar para todo o processo de construção de capacidades, é um processo longo e oneroso e não se esgota na construção tem que ser prolongado para a sustentação e o emprego. Faltam os recursos financeiros, bem como de pessoal.
A resposta a estas lacunas poderão ser os documentos estruturantes que se encontram em revisão, contudo será importante salientar que está em causa o exercício de soberania e já nos encontramos a arriscar a que o seu grau de execução seja tão baixo quando foram os anteriores pelo menos naquilo que toca ao Atlântico português!
4.6 Notas de Encerramento das Jornadas Científicas
As notas de encerramento, que se reproduzem, foram proferidas pelo Capitão-de-mar-e-guerra João Coelho Gil, Subdiretor do CIDIUM e Coordenador da Unidade de Investigação e Desenvolvimento:
O simpósio que agora termina é mais uma etapa do roteiro do Projeto de Investigação Poder Aeroespacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português.
Esta iniciativa, como tivemos oportunidade de assistir, permitiu explorar as linhas de pensamento subjacentes ao processo de edificação e implementação de capacidades, e conhecer mais sobre uma nova realidade.
Possibilitou, ainda, a agências criadas por iniciativa do Estado português, quer sejam de capitais exclusivamente públicos, ou organizações sem fins lucrativos, apresentar as suas perspetivas relativamente a um tema que, cada vez mais, fará parte da realidade quotidiana.
Explorando o tema.
Este caráter multidomínio é uma preocupação dos Estados, e não apenas de alguns Estados, e obriga ao enfoque nas tecnologias e ciências emergentes, com um claro e evidente destaque para os assuntos do espaço e do ciberespaço.
De facto, relativamente ao espaço, contam-se por mais de duas dezenas os países que desenvolvem programas que dão forma a esta realidade, de modo mais ou menos ambicioso, no lançamento de sondas, satélites e estações, e as inerentes capacidades de operação e sustentação.
Por outro lado, basta assistir às iniciativas de Richard Branson da VIRGIN, de Jeff Bezzos da AMAZON e, claro, de Elon Musk da TESLA, para verificar como este fenómeno desperta o interesse empresarial, e já vai preenchendo o imaginário popular.
É claro que Portugal não está ausente, nem se omite na participação neste circo mundial. Aliás, a participação na Agência Espacial Europeia garante-nos um lugar no palco. Neste domínio que provoca tanta cobiça e é objeto de tanta competição, qual o papel dos Estados e, em particular, qual o papel de Portugal no que designamos de Atlântico português?
Em tal contexto, este projeto de investigação destaca-se pela atualidade e pela oportunidade, emprestando a perspetiva militar à temática, seja na caracterização dos poderes nacionais, nas dimensões da estratégia portuguesa aérea e naval, seja nas operações multidomínio, ou na edificação das capacidades militares.
O Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar assume, naturalmente, a promoção do projeto, apoia as iniciativas tendentes à divulgação das atividades de investigação, e congratula o investigador responsável pela coordenação dos trabalhos e todos os restantes investigadores participantes, com votos que se atinjam os objetivos gerais propostos.”
5.1 Síntese conclusiva das Jornadas Científicas nº 1: Geopoder e inserção internacional do Atlântico Português
Os três simpósios relativos ao Projeto de investigação “Poder Aerospacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português”, que se realizaram no IUM no primeiro semestre de 2021, permitiram mostrar a diversidade de lentes com que se pode olhar para uma mesma realidade. Em três níveis de granularidade diferentes, com reflexões de académicos, militares e especialistas com formações e experiências diversas, mas tendo por base o mesmo denominador comum, é possível concluir-se que o mar, este Atlântico que nos é intrínseco, constitui-se efetivamente como o verdadeiro ativo estratégico para Portugal, o qual não é suscetível de se reforçado e defendido sem o emprego coerente do poder aeroespacial nacional.
Do primeiro simpósio, intitulado “Geopoder e a inserção internacional do Atlântico português”, a intervenção do keynote speaker, Professor Doutor Heitor Barras Romana, realçou a diversidade nas revolutions in military affairs (RMA) e que, nos tempos mais recentes, conduzem a constantes ajustamentos no sistema internacional, tanto ao nível da definição dos interesses estratégicos do Estado como das ameaças e riscos que lhe estão associados. Nesta decorrência realça-se o surgimento de novos atores, institucionalizados e não institucionalizados, os quais introduzem alterações na ordem internacional, e que contribuem para criar um quadro de surpresa estratégica, constituindo este o aspeto caracterizador mais importante das duas primeiras décadas do século XXI, em termos estratégicos. Ainda neste período de tempo, enfatizou dois aspetos fundamentais na ordem internacional, sendo um a lógica das consequências, no contexto da maximização dos próprios interesses, e o outro a lógica das contingências, num quadro associado à gestão de crises.
Tendo então em conta a velocidade a que a conjuntura se vai alterando e que a volatilidade dos quadros de referência se vai modificando, torna-se difícil criar um modelo de análise que permita, em tempo e com coerência, antecipar a evolução dos fenómenos de natureza estratégica com que a sociedade se debate.
E aqui destacou na hierarquia dos Poderes, a situação de os Estados Unidos se constituírem como um hegemon e assistirmos ao surgimento daquilo que designou de “contra-poder”, indicando o caso concreto da China, que não tendo poder para o substituir este hegemon tem por sua vez poder suficiente para interferir com o exercício desse Poder, dando o exemplo da transformação neste país de um poder continental num poder anfíbio. E a questão anfíbia também é considerada para Portugal ao referir uma cultura geopolítica de natureza marítima e anfíbia, numa ligação à teoria das Relações Internacionais, onde alude à Escola Crítica da Geopolítica referindo que a importância estratégica que Portugal tem resulta de uma interpretação geohistórica, referente à sua qualidade de Estado atlântico, a qual é associada a uma geopolítica imaginada e uma cultura geopolítica e não da sua dimensão física ou da sua relevância económica.
Ainda no contexto do sistema internacional refere que se deve ir mais além da perspetiva realista, optando-se por uma perspetiva sistémica, a qual deve levar em conta peso relativo das unidades que, numa avaliação do seu potencial económico, militar, científico e tecnológico não estarão num primeiro plano, mas que são relevantes para o funcionamento equilibrado deste sistema, e no qual Portugal se insere. E aqui, a maximização da variável da condição atlântica de Portugal é importante como peça de um sistema internacional, tendo em conta um certo desvio do centro de gravidade e de decisão estratégica devido à União Europeia. Para a afirmação dos interesses estratégicos de Portugal, numa perspetiva multinível e multidomínio, apontou para a importância da articulação entre as capacidades aérea e naval.
E numa visão abrangente do ser humano, olhou para a antropologia para ajudar à discussão sobre uma Grande Estratégia Nacional na afirmação desses interesses, apontando para o IUM e para a Academia como sede para este debate, relembrando ainda vários estudos de Bernardo Bernardi. E depois numa transição de planos, do teórico para a realidade, questionou se na realidade do século XXI o mar e tudo o que o rodeia, faz parte intrinsecamente da nossa Cultura, dos nossos valores e da nossa identidade, mostrando algumas reservas especialmente neste último elemento, lembrando Mahan e o “carácter”, que é um elemento estruturante dos povos de incidência marítima. E termina com uma alusão à Intelligence relembrando a importância de ativação de early warning system, situação que o atual projeto irá tratar e refletir com a dimensão e profundidade necessária.
Assim, na visão do Senhor Professor Heitor Romana, olhando para o Atlântico na ordem internacional em constantes ajustamento, constata-se uma encruzilhada de interesses que o envolvem, num contexto de revolutions in military affairs onde surgem novos atores, institucionalizados e não institucionalizados, que potenciam a surpresa estratégica, e onde a afirmação nacional dos nossos valores e identidade estaria mais alicerçada com a existência de uma Grande Estratégia Nacional.
Das intervenções dos conferencistas do painel deste simpósio, a Mestre Isabel Botelho Leal fez a primeira intervenção com o tema “Inserção internacional do Atlântico Português e oportunidades para Portugal”, centrando a sua apresentação nas vertentes do conhecimento científico e da geopolítica do reconhecimento das pretensões de Portugal relativamente ao projeto de extensão da sua plataforma continental. Este processo que será longo e complexo, corre desde 2017 junto da Organização das Nações Unidas, sendo a proposta nacional a segunda maior apresentada, de entre oitenta e oito submissões, sendo a maior a apresentada pela Austrália.
Relembrando que este projeto tem como objetivo o alargamento para além das 200 milhas marítimas dos direitos de soberania ao leito e subsolo das áreas submarinas, referiu que é um processo fundamentalmente científico e diversificado em áreas como a Geologia, a Hidrografia, a Geofísica ou o Direito Internacional, apesar de inicialmente haver uma visão economicista do solo e subsolo marinho desta área, que é equivalente à ocupada pela Índia e Bangladesh, com cerca de 4 milhões de km2. Esta sua alusão reforçada sobre o conhecimento deve-se ao facto de ser talvez este o elemento com mais valia em todo este projeto que ambiciona o reconhecimento internacional dos direitos de Portugal nesta área, projeto que já decorre há quinze anos, e que é de inquestionável interesse estratégico.
Por este motivo, e também porque os custos associados às diferentes plataformas e aos equipamentos de investigação são elevados, este projeto é, naturalmente, multidisciplinar e interinstitucional, e tem gozado de amplo consenso nacional, onde os órgãos de soberania, os vários governos, as forças armadas, a comunidade científica, as universidades e o sector privado têm contribuído de forma decisiva, discreta e eficaz. Realçou o facto de ser um trabalho a longo prazo, o qual impõe condições especificas, nomeadamente um foco estratégico, conhecimento, capacidade técnica, persistência e um investimento significativo, particularmente ao nível de recolha de dados em mar profundo.
De notar que, para promover o desenvolvimento de uma economia azul impõe-se a existência de políticas efetivas, as quais só poderão ser estabelecidas se houver um profundo conhecimento científico sobre os recursos e os vários ecossistemas marinhos da área em questão que se pretende que seja nacional. Com a conclusão deste processo, de estabelecer os limites exteriores da sua plataforma continental, haverá o reconhecimento internacional de fronteiras finais e definitivas, e de direitos de soberania sobre o solo e o subsolo desta vasta área do Atlântico, sendo a primeira vez, desde o período dos Descobrimentos, que Portugal poderá alargar novamente o seu território.
E esta extensão tornará o território de Portugal constituído por 97% de área submersa e 3% de área emersa, onde para além do direito de explorar importa também o dever de preservar e proteger a esta vasta área. De referir ainda que a proposta nacional de extensão beneficia de não existirem concorrentes diretos no Oceano Atlântico, não existindo nenhum tipo de conflito com Espanha, particularmente sobre as ilhas Selvagens, tendo os dois países acordado numa negociação bilateral para delimitação dessa área, após o encerramento dos respetivos processos de extensão.
Desta forma, considera a Senhora Mestre Isabel Botelho Leal que, em complemento a um crescimento geográfico, tem-se um novo paradigma que assenta no conhecimento e na investigação científica, onde a cooperação institucional será um elemento fundamental, tendo em vista o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade ambiental.
A segunda intervenção deste painel foi subordinada ao tema “Abordagem Geopolítica, Geoestratégica, Geoeconómica e Geoambiental ao Atlântico Português” e foi levada a cabo pela Engenheira Maria da Conceição Santos, trazendo uma visão que assenta numa perspetiva marinha e marítima, numa abordagem transversal e integrada. Centrou-se no carater ontológico de Portugal, nomeadamente a sua Geografia marítima e o seu modelo de governação, o qual constitui um ponto de afirmação e que contribui para a forma como os outros nos olham, numa qualidade mais epistemológica de país marítimo.
Referiu o Ocean Health Index, de onde se pode obter uma visão global sobre a qualidade do oceano, permitindo inferir a existência de temáticas que irão formatar as nossas agendas, tanto a global como a individual. É um facto que a economia do mar é determinante nos modelos de desenvolvimento de muitos países e num relatório de 2016 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), estimava-se que até 2030, a economia do mar duplicaria a importância, mostrando que cerca de 40% do espaço marítimo do universo dos países da União Europeia é português.
Enfatizou que o modelo de governação nacional tem visão integradora, dotada de vários planos multinível e multidimensional, com uma caraterística global contemplando o European Green Deal, que tem a ver com o bem-estar e a saúde dos cidadãos e das gerações futuras, a Política Marítima Integrada da UE e as estratégias para as bacias marítimas integradas da EU, que reconhecem Portugal como um ator marítimo, e ao nível das Nações Unidas, os problemas do oceano com o Global Assessment e toda uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável. Ainda no contexto internacional, destaque para várias dimensões, nomeadamente a Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ao nível da língua, a European Free Trade Association (EFTA) ao nível do comércio e o All Atlantic Ocean Research Alliance (AANChOR) ao nível da investigação e da inovação.
Na sua exposição relevou ainda que o financiamento através do ‘Portugal 2020’, onde a parte do financiamento na área do mar – cerca de 85% a 88% – está muito alinhado com os objetivos da Estratégia da UE para o Atlântico, bem como o único programa operacional de cooperação territorial da UE especificamente dedicado ao Atlântico, o Interreg Atlantic Area, bem como aludiu à Declaração de Galway e à Declaração de Belém ao nível da cooperação. Em termos económicos, mencionou que na UE, os cinco países que correspondem a grandes economias que contribuem para a economia do mar são o Reino Unido (fora da UE atualmente), Espanha, Alemanha, França e Itália, sendo três destes países Atlânticos. Por sua vez, relevou que Portugal é o país Atlântico onde a economia do mar tem mais importância e aquele que tem o maior Programa e no âmbito do qual se verifica a aplicação da maior percentagem do dinheiro que recebe na Economia do Mar.
Assim, depreende-se da intervenção da Senhora Engenheira Conceição Santos que se verifica uma preocupação com os oceanos e com o Atlântico em particular, numa abordagem multidimensional e transversal, onde Portugal se revê e faz parte, sendo um ator com um papel relevante e parceiro credível.
A intervenção seguinte, da autoria do Tenente-coronel Pedro Silva Costa, foi subordinada ao tema “Poder militar nacional orientado para o Atlântico Português e a importância da dimensão espaço como novo domínio estruturante do poder”, tendo balizado o domínio da segurança e defesa, com enfase na dimensão espacial.
Mencionou a vasta área geográfica, o triângulo continente-ilhas que permite criar e estabelecer as ligações entre os atores e projetar a política externa nacional, o qual é de interesse estratégico para Portugal.
Os documentos estruturantes do ponto de vista da segurança e defesa estão devidamente identificados, bem como as orientações políticas que permitem identificar todo um conjunto de capacidades. No entanto, tendo em vista o pleno exercício da soberania, poderão ser identificados aqui alguns elementos que não respondem completamente às necessidades e ou exigências identificadas nos documentos estruturantes, dando como exemplo os meios aéreos ou os meios navais face à área da responsabilidade nacional.
Esta situação mostra que existem dificuldades de projeção e de permanência desses meios, o que constitui um gap no que diz respeito às responsabilidades no seio do exercício de soberania. Na sua abordagem ao espaço, aludiu à Estratégia Portugal Espaço 2030, à diretiva ministerial de planeamento de defesa militar, que constituem as orientações políticas para o planeamento de defesa militar para o quadriénio 2019-2022 e onde está estabelecida como prioridade o aumento da capacidade de atuar no espaço.
Deu ainda a conhecer a doutrina NATO e as valências no contexto da área multiplicadora de Força, relevando as comunicações satélite, posição, navegação e tempo, monitorização ambiental e a Intelligence, Surveillance and Reconnaissance (ISR). As outras áreas referidas foram a de conhecimento situacional e a de controlo espacial. Relativamente à tecnologia espacial esta permite a superioridade informacional, integração de sistemas bem como a eficácia e eficiência de recursos. Desta forma, através de satélites é possível uma monitorização quase permanente sem os meios aéreo ou navais no local.
O percurso de Portugal na sua ligação ao espaço iniciou-se em 1993, com o satélite PoSAT 1, tendo integrado a Agência Espacial Europeia, em 2000. A partir de 2018 e em consonância com a Estratégia Portugal Espaço 2030 foi criada uma nova dinâmica neste domínio, pois permitiu a edificação da agência Portugal Space, a qual gere todo um conjunto de valências ao nível de Portugal neste âmbito. Concretizou esta dinâmica com o exemplo da aquisição de dois satélites de observação (o Demos 1 e o Demos 2) pela empresa GEOSAT, o que permite maior autonomia a Portugal, não ficando dependente de terceiros, e potencia o emprego dual, tanto no mundo civil, como no contexto militar.
Das palavras do Tenente-coronel Silva Costa, denota-se que o reconhecimento do espaço a nível nacional, que teve um crescimento assinalável a partir de 2018, permitirá com a sua operacionalização suprimir algumas lacunas já identificadas ao nível das plataformas e sistemas navais e aéreos, situação que os documentos estruturantes deverão acautelar para um maior alinhamento entre o conceptual, doutrinário e o mundo real.
A última intervenção esteve a cargo do Professor Doutor Pedro Vidal de Seabra com o tema “Poder funcional do Atlântico Português e requisitos de capacitação para a Defesa Nacional”, e focou-se no Poder, na sua vertente funcional, enquanto garante de estabilidade. Procurou apresentar uma panorâmica do tema, aplicado concretamente a questões securitárias marítimas no âmbito do Atlântico e também procurou identificar algumas formas de capacitação da própria defesa nacional, contemplando ainda a apresentação de propostas. Defendeu que uma abordagem global ao Atlântico pode acabar por ofuscar determinadas dinâmicas regionais que poderão ser relevantes e merecedoras de maior preocupação pelos decisores, dando como exemplo o Golfo da Guiné, que tem atraído atenções, com preocupações do ponto de vista securitário e com diversos investimentos internacionais.
Caraterizou o espaço Atlântico como difuso e complexo em três pontos: um claro enfoque no multilateralismo, visível do reconhecimento da quantidade de entidades estatais e soberanas com ligações a esta zona, e que nas suas várias dimensões procuram coletivamente encontrar soluções em comum para problemas também estes comuns, tais como a pirataria, o assalto à mão armada em alto-mar, as questões de poluição, as questões de desenvolvimento nas orlas costeiras e todo o tipo de diferentes tráficos que possam afetar as comunicações ou o comércio regional, internacional e a região propriamente dita.
O segundo devido a uma ênfase crescente na informalidade dos contactos multilaterais perante as debilidades do próprio multilateralismo e da sua parca ou difícil institucionalização, na medida em que se verifica uma proliferação de fora ad-hoc, de plataformas multilaterais de mecanismos que visam, de facto, coletivizar respostas e que evitam a todo o custo qualquer tipo de formalização e ou institucionalização excessiva, situação que pode afastar determinados atores chave na resolução desses problemas. No contexto marítimo do ponto de vista securitário é possível identificar claramente uma certa ‘tendência’ para a proliferação de soluções mais ‘informais’.
Como último ponto, referiu uma sobreposição e competição crescente ao nível de soluções, quer sejam multilaterais ou unilaterais, na tentativa de tentar proporcionar soluções concretas. Ao nível das propostas, considerou ir além do Atlântico português e jogar com geometrias e geografias variáveis com outros parceiros para além dos tradicionais; uma melhor utilização e produção daquilo que o país faz em termos da cooperação de defesa referindo o ajuste ‘temático’ de alguns dos Programas-Quadro com os parceiros portugueses em África, visando privilegiar questões de segurança marítima; e uma maior aposta em oportunidades de cooperação triangular e cooperação delegada. Como último ponto referiu a necessidade de edificar plataformas e mecanismos agregadores e congregar diferentes atores e agendas, tendo em vista a capacitação daqueles parceiros que Portugal pretende reforçar, tendo dado como exemplo o Atlantic Centre o recentemente inaugurado. Apresentou ainda como desafios a necessidade de uma maior gestão de crises complexas no âmbito do Atlântico, a multiplicidade de diferentes tipos de capacitação e a revisão e ajuste de programas e estratégias.
Assim, para o Professor Pedro Seabra, relevam-se uma diversidade de respostas para problemas reais quer sejam ao nível multilateral, de contatos informais ou de soluções concretas, o que pode indiciar alguma falta de governança apesar das boas vontades dos diversos atores e onde Portugal poderá contribuir, com base na sua reconhecida ação de cooperação com países africanos e a sua visão do multilateralismo.
5.2 Síntese conclusiva das Jornadas Científicas nº 2: Dimensões do Poder Militar aplicadas ao Atlântico Português
Do segundo simpósio, intitulado “Poder Aerospacial: Contributo para a Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento do Atlântico Português”, o keynote speaker, Vice-almirante António Rebelo Duarte, abordou o tema no sentido “do mar para terra”, projetando na Europa e em Portugal o que o Atlântico pode expor, em termos de desafios e oportunidades. Mencionou a prospeção e exploração dos seus ativos, a proteção ambiental e biodiversidade das espécies, e a importância de se garantir o controlo, vigilância e fiscalização, em nome do exercício da autoridade do Estado no mar.
Relembrou que a dimensão marítima e atlântica tem sido uma aposta do Estado português, resultante de uma combinação da sua natureza com a geografia e a história, que é única e que se constitui como o gene da sua matriz identitária e considerou que a segurança marítima em geral, e concretamente no oceano português, tem-se constituído como um elemento central para Portugal, e consequentemente para a NATO e para a UE, e assim continuará a ser.
Dividiu a sua intervenção em três áreas, sendo a primeira designada de “Envolvente geopolítica e variáveis estratégicas”, onde referiu a necessidade de importantes reflexões estratégicas do eixo euro-atlântico que face à menor relevância que a Europa tem vindo a ter em contrapartida a uma China mais assertiva, uma Rússia a renascer do espírito soviético e a postura dos EUA trazendo alguma disrupção à ordem internacional, até há pouco tempo. No hemisfério sul, lembrou a ZOPACAS que tem no Brasil o seu principal ator e mencionou a Antártida onde existem tratados para a investigação científica e cooperação internacional com a proibição da militarização deste espaço.
Na segunda área, designada de “A Europa, Portugal e o Atlântico”, referiu o contexto das crises, decorrente da crise financeira e do euro, ainda por resolver, a da pandemia Covid-19, que ainda hoje se faz sentir e que estimularam a divisões e feridas Norte/Sul e Leste/Oeste, do efeito Brexit e de um arrefecimento da economia europeia com caraterísticas persistentes.
Todas estas situações apontam para a importância de haver um alinhamento euro-atlântico, onde a revitalização política e económica passa naturalmente pelo Mar, com uma economia azul dos Estados-membros que englobam uma vasta gama de sectores, dos tradicionais aos mais emergentes. Esta economia azul deverá sustentar-se em quatro pilares: saúde dos oceanos, conhecimento, prosperidade e equidade social, onde a governança do oceano é fundamental.
A terceira incidiu no tema “Defesa como esteio do ambiente securitário e da economia azul”, tendo referido que o Atlântico é uma zona pacífica no que diz respeito a conflitos entre Estados, mas que vem perdendo relevância neste início de século face a um novo palco, o Hemisfério Sul e a Bacia Indo-Asiática. Chamou ainda a atenção para o Ártico e o seu degelo, potenciando atritos entre os países ribeirinhos desta zona e os problemas presentes no Golfo da Guiné, que são múltiplos. E referiu a contribuição de Portugal com a iniciativa de criar um Centro para a Defesa do Atlântico, hoje designado de Atlantic Centre, que se constitui como espaço de diálogo visando soluções cooperativas entre os países que partilham a fachada atlântica e o mesmo tipo de problemas.
A nível nacional relevou a importância da revisão do CEDN que deveria ser deduzível de uma Estratégia Nacional, que não existe, a necessidade de um grande debate nacional sobre o modelo de desenvolvimento futuro do País e a recente promulgação de uma nova estratégia nacional para o mar 2021-30. Recordou que é relevante a necessidade de haver uma capacidade adequada para efeitos de vigilância e controlo do espaço marítimo sob responsabilidade nacional, considerando também o suporte e fomento da economia azul, onde a Marinha e a Força Aérea têm um desempenho fundamental.
Desta forma, na leitura do Senhor Almirante, verificam-se alterações no Sistema Internacional com impacto na relevância do Atlântico que se considera hoje um oceano de Paz, onde a Economia Azul se constitui como um referencial de desenvolvimento. Em linha com tais mudanças, Portugal promulgou recentemente uma estratégia para o mar, cujo espaço marítimo sob responsabilidade nacional deve ser devidamente vigiado e controlado, sendo necessário um grande debate nacional sobre o modelo de desenvolvimento futuro do País.
No espaço reservado ao painel, a primeira intervenção esteve a cargo do Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires, com uma apresentação subordinada ao tema “Oceano Atlântico: desafios, abordagem holística, capacitação multidomínio, oportunidades e iniciativas cooperativas multinacionais”, tendo centrado a sua comunicação no Atlantic Centre. Este centro reúne Estados ribeirinhos da comunidade atlântica, organizações regionais e internacionais e a sociedade civil em geral, que entendem o Atlântico como um espaço de paz e cooperação com desafios e das oportunidades comuns.
Lembrou que as ameaças e os riscos não diferem muito relativamente aos outros oceanos, até porque todos eles estão interligados, dando como exemplo as ameaças mais convencionais, como sejam potenciais sabotagens de cabos submarinos e outras de carater mais transversal, como a poluição ou a pirataria, esta última em crescendo no Golfo da Guiné.
Aludiu aos global commons, como o oceano profundo, o Ártico e o Antártico como uma questão existencial para o futuro próximo da humanidade e mencionou o aumento das emergências complexas, ligadas ao clima e à demografia. E propôs olhar-se para o Atlântico como como uma imagem a três dimensões, de cima para baixo, começando no espaço e terminando nos oceanos profundos, para se perceber a diversidade e multidisciplinaridade, onde as respostas não podem ter apenas uma dimensão, mas sim através de uma abordagem holística, a qual enfatizou para se evitar correr o risco de se desenvolverem estratégias ad hoc e separadas, que de coerência comum pouco poderão ter.
Referiu ainda a importância do alinhamento entre a NATO e a EU, recomendando que se vejam os oceanos como se olha para o outer-space. Sobre o Golfo da Guiné referiu que o comércio marítimo e a sustentabilidade dos recursos é o que está em causa, sendo possível uma aproximação à tentativa de resolução dos desafios não apenas do ponto de vista funcional, mas mais regional e local, onde a humildade dos diferentes atores para se ouvirem e desenvolverem uma estratégia de cariz regional é fundamental. Sobre o Atlantic Centre abordou as diversas iniciativas já realizadas desde 2019 e relembrou que este centro olha para o Atlântico de forma integrada e que se deve “juntar ou alargar” os participantes e “ir além daquilo que são as novas doutrinas em termos de poder militar”, centrada numa dimensão ampla, designada por Multi-Domain – terra, mar, ar, espaço e ciberespaço.
Mencionou a adoção do espectro eletromagnético e do domínio cognitivo, mas que se poderá ainda ir mais além, considerando-se a junção das ameaças híbridas, numa designação que apresentou como Hybrid All Domain Operations, passando a falar-se em mais duma dezena de domínios, juntando-se as infraestruturas, a economia, a cultura, a parte social da administração pública, a política, a diplomacia e a área das informações. E no seu entender, estes são os que mais contribuem para o nexo segurança versus desenvolvimento.
O Atlantic Centre constitui-se assim como um organismo internacional de paz e cooperação, inclusivo e aberto, para fazer face ao aumento das emergências complexas no Atlântico, sobre as quais deverá haver uma abordagem holística, face à diversidade e multidisciplinaridade que lhes estão associadas, olhando os oceanos como se vê o outer-space.
A segunda intervenção do painel esteve a cargo do Capitão-de-fragata João Lourenço da Piedade que abordou o “Domínio marítimo: Vulnerabilidades, Ameaças, Riscos, Soberania, Segurança, Jurisdição e Desenvolvimento na Vertente Atlântica”. E com base neste título, organizou a apresentação em três partes: a primeira dedicada ao domínio marítimo, a segunda abrangendo as vulnerabilidades, ameaças e riscos e a terceira focada nas questões da soberania, segurança e jurisdição.
Sobre o Domínio marítimo apresentou diversos indicadores de relevo sobre o mar, na sua geografia e utilização, onde referiu que Portugal é o único país do mundo onde estão amarrados cabos submarinos com ligação a todos os continentes, abordando também dados de dependência energética ao nível europeu, que serviram para sustentar a relevância do mar para a sociedade deste continente. Relativamente a Portugal, com base nos dados apresentados sobre trocas comerciais, importações e turismos, facilmente se compreende a sua dependência do mar.
Assim, numa discussão acerca da relevância do mar, na sua opinião, esta deveria assentar em quatro dimensões: ambiental, económica, segurança nacional e segurança humana. Relativamente às vulnerabilidades, ameaças e riscos, fez a ligação com as quatro dimensões acima referidas, numa relação com um chamado continuum, que vai dos riscos não intencionais (relacionados com a maritime safety) às ameaças intencionais (as quais evoluem desde a maritime security até ao conflito armado). Referiu depois as questões ligadas à poluição, à pesca ilegal, ao tráfico de pessoas e de droga, contribuindo estas para a insegurança marítima. Sobre a pirataria referiu que atualmente estão ativos diversos focos, sendo o Golfo da Guiné aquele onde esta atividade ilícita tem maior expressão na atualidade, e onde os números continuam a subir, situação idêntica para o Estreito de Malaca.
Olhando para as organizações internacionais que se preocupam com esta temática da segurança marítima, entre elas a ONU, a NATO e a UE, referiu que não existe uma definição aceite por todas as partes, mas interpretações especificas que ponto de vista de quem a apresenta. E numa ligação às Relações Internacionais, referiu que os estudos clássicos de segurança estão focados na segurança do Estado e na garantia da não interrupção das linhas de comunicação marítimas, enquanto os estudos contemporâneos consideram que a responsabilidade pela segurança vai muito para além do ator Estado, englobando organizações internacionais, instituições, empresas e até indivíduos, com uma maior abrangência de ameaças. Sobre a soberania referiu que esta se aplica ao mar territorial, à zona económica exclusiva e à plataforma continental.
Para o Comandante Lourenço da Piedade, é possível verificar-se a dependência que as sociedades têm do Mar para a sua prosperidade. A segurança marítima é, assim, fundamental, apesar de não haver uma definição comum aos principais atores internacionais, sendo, na atualidade, o Golfo da Guiné o principal foco de instabilidade.
A terceira intervenção do painel, efetuada pelo Coronel piloto-aviador Carlos Serrano Paulino, foi subordinada ao “Domínio aéreo e Domínio espacial: a Dimensão aeroespacial e seus contributos para a soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento no Atlântico Português”. Focou a sua apresentação no poder aeroespacial, que tem como características inerentes a altura, a velocidade e o alcance, que se constituem como os elementos diferenciadores relativamente aos outros domínios.
Apresentou a AOR, para os serviços de Busca e Salvamento, mostrando que Portugal não é apenas vizinho de Espanha, mas também de outros países, como por exemplo Cabo Verde e os Estados Unidos, e que é praticamente do tamanho da Europa, o que impõe grande exigência em termos de recursos para garantir as responsabilidades inerentes. É um grande desafio para uma área onde a meteorologia é muitas vezes desfavorável e que requer plataformas, pessoas qualificadas, treinadas e com experiência, sistemas diversos, onde a interoperabilidade deve estar sempre presente nos requisitos, sendo a situational awareness fundamental para as respostas, em tempo, às adversidades.
A vigilância, a deteção e o controlo dos espaços aéreos têm-se constituído como elementos importantes para o poder aeroespacial nos espaços de responsabilidade e jurisdição nacional e hoje, para a defesa e policiamento do espaço aéreo, Portugal conta com duas aeronaves F16, baseadas em Monte Real, em prontidão 24 horas por dia e 365 dias por ano, e onde o comando e controlo é fundamental. Abordou ainda a importância da coordenação com outras entidades em tarefas de vigilância, fiscalização e controlo das atividades de pesca, controlo da poluição marinha, na busca e salvamento, no combate ao crime organizado, nomeadamente com a Marinha, SEF, PJ, PSP e GNR, entre outros. Sobre a busca e salvamento referiu que há uma ligação muito próxima entre centros de coordenação – os MRCC da Marinha e os RCC da Força Aérea, tendo esta meios aéreos específicos disponíveis 24 horas por dia e 365 dias por ano.
Para exemplificar bem esta realidade, terminou a sua apresentação mostrando dois exemplos práticos da atuação de meios aéreos em ações de busca e salvamento realizadas no Oceano Atlântico.
Desta forma, com base na análise do Coronel Serrano Paulino, pode constatar-se que apesar de Portugal ser um país pequeno em termos de território terrestre, as suas responsabilidades ao nível da Busca e Salvamento incidem sobre uma área enorme, de dimensões semelhantes à Europa, onde a coordenação entre as diversas entidades responsáveis envolvidas é fundamental, exigindo plataformas, sistemas e pessoas em número que atualmente não existem.
A última intervenção do painel esteve a cargo do Capitão-de-mar-e-guerra Hélder Fialho de Jesus que apresentou “O Ciberespaço no contexto da soberania, segurança, jurisdição e desenvolvimento no Atlântico Português”, e onde fez a ligação entre o ciberespaço e os diversos atributos indicados no título apresentado. Iniciou a sua intervenção caraterizando o ciberespaço, nomeadamente na ausência de fronteiras e no qual a imputação (attribution em inglês) no ciberespaço a ações hostis ou maliciosos são geralmente difíceis de determinar, constituindo este numa plataforma que potencia ataques assimétricos.
A evolução tecnológica verificada na sociedade nos últimos 30 anos, tornou-a dependente do ciberespaço, pelas caraterísticas intrínsecas deste, nomeadamente os elementos tempo, velocidade e alcance, que ampliam o fator surpresa, onde o aviso antecipado é limitado. Aludiu aos “Global Commons” e referiu o ciberespaço é a única dimensão que tem a criação do homem, a qual deverá ser protegido para garantir a sua preservação.
Numa abordagem à questão conceptual referiu a necessidade de reforçar o ciberespaço e o que decorre deste para a preservação nossa sociedade na revisão do CEDN em curso, mencionou que no campo de batalha dos dias de hoje dificilmente apenas um domínio é envolvido pela sua interdisciplinaridade, aludindo ao conceito de Joint All Domain Operations (JADO), no qual o ciberespaço se constitui como um enabler. Mas pelas suas caraterísticas intrínsecas recordou que a NATO considera que o planeamento e execução das operações no ciberespaço é considerado ao nível estratégico, ao contrário dos outros domínios clássicos que se encontram nos níveis tático e operacional. Referiu ainda o conceito de Mission Resilience, que se caracteriza pela capacidade de um sistema se prevenir, responder e / ou se adaptar a interrupções, sendo um atributo fundamental para os sistemas aeroespaciais de defesa. Ao nível da governança deu ainda a conhecer a preocupação da Organização das Nações Unidas (ONU) com o ciberespaço, através dos Internet Governance Forum (IGF), Groups of Governmental Experts (GGE), Open-Ended Working Group (OEWG).
Considerando a almejada transformação digital hoje tão falada, referiu que o ciberespaço tem naturalmente um papel determinante na sustentação de três grandes pilares da atualidade, concretamente nas componentes social e económica e, indiretamente, na ambiental. Mencionou Joseph Nye, ao referir que o ciberespaço potenciará o aumento da difusão de poder onde se incluem atores não estatais e a centralidade da rede como um elemento crucial no poder para o século XXI.
Aludiu ao surgimento de novas ameaças globais, como os incidentes no ciberespaço, os quais são diretamente proporcionais à interconexão e interdependência da nossa sociedade cada vez mais globalizada, na qual, por esses mesmos motivos, os EUA são dos países que apresentam maiores vulnerabilidades. Fez referência às ameaças híbridas, nas quais ciberespaço tem um papel excecional na sua propagação e abordou o conceito e terminou referindo a pouca evidência empírica de dissuasão no ciberespaço em situações reais de guerra devido à inexistência um conflito neste domínio em grande escala até aos dias de hoje, o que é de alutar para a Paz mundial.
Sumariando as palavras do Senhor Comandante, podemos dizer que face à dependência tecnológica da sociedade contemporânea, a ausência de fronteiras e a possibilidade de anonimato, juntamente com os elementos tempo, velocidade e alcance, reforçam a surpresa das atividades hostis ou maliciosas no ciberespaço e criam complexidade e dificuldade na regulamentação internacional, com impacto direto na atual conceção de soberania vigente no mundo físico e onde decorrem as operações militares.
5.3 Síntese conclusiva das Jornadas Científicas nº 3: Capacidades do Poder Aeroespacial no Contexto do Atlântico Português
No terceiro simpósio, intitulado “Capacidades do Poder Aeroespacial no Contexto do Atlântico Português”, o keynote speaker, Major-General José Passos Morgado, centrou a sua intervenção no tema “Edificação, implementação e emprego de capacidades do Poder Aeroespacial no contexto dos objetivos nacionais para o Atlântico português”, tendo referido que em Portugal existem condições ímpares para a constituição de um espaço internacional de testes para sistemas aéreos autónomos não tripulados (UAS). Isto porque reúne simultaneamente um espaço aéreo não congestionado; uma vasta área de mar, diversidade espacial para operações, no continente e arquipélagos onde é possível a segregação de corredores e uma meteorologia singular. Neste contexto, partilhou que desde 2011 a Base Aérea n.º 11, em Beja, se constitui como uma hipótese internacional (e.g., Bélgica e Alemanha), para treino de equipas e sistemas.
Complementou indicando que em dezembro de 2013 o Conselho Europeu considerou a necessidade de se desenvolver um UAS do tipo classe III de 2ªgeração, como um projeto exclusivamente europeu, com recurso à Base Tecnológica e Industrial de Defesa da Europa, tendo em conta o cancelamento do projeto Euro Hawk. Esta iniciativa foi então liderada pela Alemanha a que se juntaram a França, Itália, Espanha e República Checa, tendo os requisitos sido definidos em 2016, previstos os primeiros voos de teste em 2025 e uma capacidade operacional inicial em 2028.
Assim, e tendo em conta as condições únicas acima referidas para testes, é provável que tal como aconteceu anteriormente, se estabeleçam contatos para a realização de testes de certificação deste sistema, em Portugal. Estes testes de certificação poderão considerar ainda a operação no continente e nos Arquipélagos dos Açores e na Madeira, o que constitui igualmente uma oportunidade única no contexto da vigilância marítima, podendo permitir que Portugal integre o consórcio, sendo esta situação extensível à BTID portuguesa, com as vantagens daí advindas no que ao estado da arte se faz na Europa neste tema. Por sua vez, haveria ainda a possibilidade desta extensão ao desenvolvimento de um Centro de Desenvolvimento Integrado de Sistemas Autónomos, no seio da NATO, pretensão que a Aliança tem desde 2016 com a edificação de um centro de excelência na área dos sistemas autónomos que englobe três domínios: aéreo, marítimo-submarinos e marítimo-superfície.
Face às condições acima indicadas, e tendo em consideração o emprego de Combustíveis Verdes para a aviação face às alterações climáticas, Portugal poderá vir a associar-se ao projeto da AIRBUS que visa o desenvolvimento tecnológico de aeronaves menos poluidoras.
Concluiu referindo que os benefícios dos projetos do espaço são ainda extensíveis a toda a sociedade, dando o exemplo do acidente de Fukushima, em 2011, numa visão holística de relação entre as universidades, centros de investigação, indústria, Forças Armadas, entre outros, para se estender o valor tecnológico a toda a sociedade.
Assim, para o Major-general Passos Morgado, verifica-se que Portugal possui condições únicas para a constituição de um espaço internacional de testes para sistemas aéreos autónomos não tripulados, situação o que poderá ser concretizada no seio da UE e da NATO, podendo permitir a Portugal colaborar no combate às alterações climáticas no projeto do combustível verde, bem como a possibilidade de ser criado no nosso país de um Centro de Desenvolvimento Integrado de Sistemas Autónomos.
Das diversas intervenções dos conferencistas deste simpósio, que começou com o Professor Marco Capitão Ferreira, este apresentou o tema “A Base Tecnológica Industrial de Defesa, face à dimensão atlântica nacional: potencial contributo para a soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento”, onde caracterizou a BITD, a qual se tem vindo a assumir como a economia de defesa, constituindo-se como um ecossistema da Defesa Nacional, que integra mais de trezentas entidades, entre elas, na sua maioria, empresas, centros de investigação, unidades de ensino e formação e laboratórios colaborativos, que procuram valorizar o conhecimento.
Referiu que esta BITD é parte de uma relação sinergética com as Forças Armadas apoiando as atividades destas e beneficiando do seu conhecimento e experiência, apresentando a economia de defesa um volume de negócios na ordem dos 14000 milhões de euros, suportado basicamente na exportação. Alertou para o dilema do problema do desinvestimento nas Forças Armadas versus a economia de defesa, referindo que na área da Defesa tem havido um valor acima dos três euros por cada euro investido, como retorno na criação de riqueza, para o PIB. Reforçou ainda dizendo que as empresas nacionais na área da Defesa investem o triplo da média da economia portuguesa na investigação e desenvolvimento, relevando as áreas das novas tecnologias e o ciberespaço e o espaço, como novos domínios das operações militares, situações que importaria que fossem do conhecimento público e devidamente distinguidas.
Mencionou ainda que entre 2000 e 2019, na Defesa nacional a despesa pública esteve estagnada, podendo o ano de 2020 apresentar uma tendência de recuperação de investimento, relevando as oportunidades internacionais, entre elas os projetos da Permanent Structured Cooperation, proporcionadas com os fundos europeus.
Destacou a importância das Forças Armadas para o sucesso destas iniciativas, sendo necessário que sejam parte integrante deste processo, como conhecedoras das necessidades e requisitos operacionais, e que são fundamentais para a edificação dos projetos associados ao mar, com destaque os da projeção Atlântica, onde importa garantir autonomia, própria ou partilhada, para assegurar a soberania nacional. Realçou a excelência da engenharia portuguesa, tendo por base o feedback muito positivo da integração das empresas nacionais em projetos internacionais, em grandes grupos na área da Defesa, como a italiana Leonardo, a francesa THALES, ou a inglesa BAE.
Referiu ainda a importância das zonas livres tecnológicas, que se constituem como “campos de ensaios” para tecnologias disruptivas e tecnologias emergentes, onde as Forças Armadas e a Defesa Nacional podem liderar ou estar na linha da frente.
Adicionou ainda o tema da transição para o digital, onde, a nível nacional, já foi aprovado o primeiro digital innovation hub, para a rede europeia da inovação digital, que é centrado na economia de defesa, onde se encontram os centros de investigação dos ramos das Forças Armadas, universidades e empresas nacionais.
No final, indicou a importância do Atlântico e da dimensão de Defesa onde é fundamental que as indústrias de Defesa estejam articuladas com as Forças Armadas, mas onde os ciclos de desenvolvimento atuais, de cinco ou dez anos, não se coadunam com os presentes ciclos tecnológicos, pela agilidade necessária, entre a ideia e o protótipo, para alimentar a conceptualização, sendo importante a aposta no conhecimento.
De acordo com a análise do Professor Capitão Ferreira, constata-se a importância da economia de Defesa, que tem um retorno triplo do investimento efetuado, sendo relevada a aposta nas áreas das novas tecnologias, ciberespaço e espaço, áreas consideradas nos projetos PESCO, projetos onde a relação entre a BITD e as Forças Armadas é fundamental, pelo conhecimento e experiência que estas possuem, tendo em vista a projeção no Atlântico e a necessidade de garantir a soberania.
Seguiu-se o Engenheiro Ricardo Conde, que apresentou o tema das “Iniciativas, oportunidades e desafios para a dimensão espacial sobrejacente ao Atlântico Português” destacando as zonas livres tecnológicas, pela sua importância para os testes e desenvolvimento de novas tecnologias, com relevo para os Rockets e os veículos suborbitais, no contexto do Espaço. Complementou que é fundamental investir neste domínio tendo em vista o valor estratégico do Atlântico, na vigilância do enorme espaço de responsabilidade nacional, para se ir além das plataformas navais ou aéreas, como solução de eficiência.
Destacou que o trajeto nacional para o Espaço deverá envolver a Defesa, um dos quatro elementos fundadores da Agência Portugal Space, e relevou o potencial do emprego dual, como alavanca para edificar valor para a sociedade, onde a democratização no acesso ao Espaço e às valências proporcionadas permitem sustentar a ambição de Estados, mesmo de limitados recursos, de forma autónoma ou em cooperação.
Lembrou o professor Mariano Gago como uma referência nacional quando, em 2000, foram dados os primeiros para a integração de Portugal na Agência Espacial Europeia, numa visão de cooperação e interoperabilidade, não esquecendo que o embrião da ligação de Portugal ao espaço se consubstanciou com lançamento do satélite PoSAT-1, em 1993, mas que não teve continuação, pelo que não permitindo a consolidação da indústria espacial nacional, que esteve na base desse projeto. Mas destacou que o salto estratégico foi conseguido em 2018 com a estratégia nacional para o espaço, que apresentou uma visão realista e orientada para a realidade nacional, visão esta que permitiu criar uma agenda de inovação e crescimento, suportada sobretudo no conhecimento, e onde a Defesa é um parceiro da Agência Espacial Portuguesa, juntamente com muitas outras entidades.
Esta agência constitui-se como um elemento agregador, promotor e articulador de fundos externos, para promover Portugal como uma nação espacial em 2030, sendo necessário garantir a sustentabilidade do ecossistema espacial. Destacou que a presença das indústrias nacionais na ESA tem mostrado as capacidades das gentes e da engenharia de Portugal, com a edificação de competências e capacidade de articulação e cooperação num domínio tecnológico muito particular, País este que se pode constituir como uma vantagem, na recolha de informação e na tomada de decisão, que pela sua pequena dimensão poderá fazer a diferença caso se edifique um canal de comunicação rápido e reposta célere.
Lembrou a importância da edificação de capacidades em imagens de alta resolução, como a base para um sistema de vigilância ou monitorização, com enfase para o Atlântico, mas extensível ao restante território nacional, de carácter transversal à sociedade e no contexto da sua soberania onde a componente de intelligence é relevante para a superioridade informacional.
Referiu o Porto Espacial de Santa Maria e as características geoestratégicas do Arquipélago dos Açores, que poderá constituir-se como um elemento diferenciador no programa espacial nacional e criar um grau de autonomia no vetor de lançamentos de satélites para órbitas baixas polares face à necessidade de lançadores, particularmente ao nível europeu.
No final, referenciou o que será o futuro programa europeu Space Traffic Management (STM), para monitorizar o Espaço Exterior, das baixas às altas órbitas, que permitirá ainda impulsionar a transformação digital e onde já decorre sob a alçada da Defesa o Space Surveillance and Tracking, que se constitui como a base do STM.
Concluiu, referindo que os objetivos nacionais apresentados são ambiciosos, mas realistas, sendo fundamental um esforço de coordenação ao nível dos instrumentos financeiros para a sua implementação.
Assim, o Engenheiro Ricardo Conde reconhece a relevância da integração de Portugal na ESA e da estratégia nacional para o espaço de 2018, que apresenta uma visão realista e orientada para a realidade nacional, que permitiu a criação de uma agenda de inovação e crescimento, onde é apresentado o ano de 2030 para Portugal ser uma nação espacial. Destacar ainda o Porto Espacial de Santa Maria e as características geoestratégicas do Arquipélago dos Açores, a importância da edificação de capacidades em imagens de alta resolução para o Atlântico e o futuro programa europeu STM.
O conferencista seguinte foi Capitão-de-mar-e-guerra Fernando Ribeiro Correia apresentou o tema “A doutrina de segurança e defesa e planeamento estratégico militar multidomínio”, com enfoque no Atlântico português e nas ameaças emergentes, relevando a expectável extensão da plataforma continental e o consequente aumento de responsabilidades, onde é fundamental o desenvolvimento de capacidades para garantia da soberania.
Aludiu à racionalidade, exigência e rigor no planeamento de edificação de capacidades sendo de considerar o ambiente estratégico internacional, os condicionamentos políticos e a disponibilidade financeira ou orçamental, variáveis estas que são externas às Forças Armadas, mas que refletem o ambiente onde Portugal se insere, e onde os documentos estruturantes, que se encontram em revisão, são fundamentais na sustentação do apoio à decisão, enfatizando a lei orgânica de bases da organização das Forças Armadas.
Realçou que na Divisão de Planeamento Estratégico Militar (DIPLAEM), se procura responder à questão “como é que as Forças Armadas poderão cumprir as suas missões” tendo por base o ciclo de planeamento de defesa militar e as orientações políticas, sendo esta uma tarefa difícil e complexa face aos parcos recursos humanos existentes. Este ciclo de planeamento de defesa militar é complexo, estabelece orientações para a geração, estruturação e emprego das capacidades e inicia-se com a definição dos requisitos das capacidades e a definição dos objetivos, sendo o acompanhamento da implementação efetuado através de uma ação de monitorização dos resultados, levando à ocorrência de revisões, tendo em vista uma constante adaptação para responder às verdadeiras necessidades.
Nesta sequência, apresentou ainda uma outra questão pertinente, relativamente ao Atlântico, “de como é que se vai garantir a soberania deste espaço de interesse e assegurar a defesa e segurança dos nossos recursos?”. Sobre as ameaças no espaço Atlântico e a forma de as combater, referiu que no espaço de responsabilidade portuguesa, estão a surgir novas ameaças com relevo para as relacionadas com a extensão da plataforma da plataforma continental e seus os recursos, indicando a importância da colaboração entre as Forças Armadas, o mundo académico e a indústria de defesa.
Das ameaças elencou, entre outras, a pirataria, tráfego ou apropriação indevida de recursos que irão requerer uma capacidade de vigilância credível visando a dissuasão das intenções onde os satélites e os veículos não tripulados serão fundamentais, bem como a importância da capacidade de resposta e atuação.
Concluiu com a importância da missão e da credibilidade para se responder às atuais e novas ameaças, com base no já referido planeamento estratégico para criação de condições visando a segurança e o exercício de soberania das áreas de responsabilidade.
O Comandante Ribeiro Correia relevou, assim, a complexidade do ciclo de planeamento de defesa militar onde se estabelecem orientações para a geração, estruturação e emprego das capacidades, o problema da limitação de recursos humanos que as Forças Armadas enfrentam, onde a extensão da plataforma continental e o consequente aumento de responsabilidades se constituirão como um desafio considerável, onde a revisão dos documentos estruturantes é importante para a sustentação e o apoio à decisão.
A última intervenção esteve a cargo do Coronel José Augusto Dinis que trouxe uma visão operacional e cujo tema foi “Operacionalização de capacidades aeroespaciais focadas nos objetivos nacionais, no contexto da Camada aérea e espacial sobrejacente ao Atlântico Português”, referindo que o conceito de poder aéreo é ainda recente, com pouco mais de um século, e que integra três elementos, a observação, o armamento e o transporte.
Destacou que a Força Aérea Portuguesa possui sistemas de armas tendo em vista as missões de policiamento e defesa aérea, as missões de vigilância e de reconhecimento, de luta de superfície e submarina e para a busca e salvamento, que poderá incluir a vigilância, reconhecimento e o transporte.
O sistema de defesa aérea, que é um sistema simultaneamente da NATO e nacional, assenta numa estrutura de radares em Portugal continental e no Arquipélago da Madeira, e é suportado em dois pilares, sendo um a aeronave e o seu piloto e o outro o radar, o seu operador e o seu controlador.
Neste sistema de caraterísticas territoriais as valências do primeiro pilar permitem a atuação expedicionária, visando a participação no âmbito das ações de cooperação internacional e onde a interoperabilidade é fundamental, dando com exemplo a NATO. Relevou que o dispositivo militar é único, estando pronto para o emprego de violência em tempo de paz, em território nacional, 24 horas por dia, mas numa vertente mais reativa perante as ameaças.
Por sua vez, acerca do segundo pilar destacou a necessidade do radar no Arquipélago dos Açores tendo em vista a cobertura total do espaço de responsabilidade nacional, não sendo assim possível, no presente, garantir uma atuação permanente. Reforçou a dificuldade em se medir o custo do exercício de soberania, enfatizando que a vigilância e patrulhamento contribuem para o exercício da soberania, indo muito para além do espectro militar, obrigando a um esforço planeado, metódico e constante, o que contrasta com as ações em curso, que são reativas, face à ausência da presença permanente.
Referiu ainda que as missões vigilância e patrulhamento constituem excelente exemplo de cooperação e colaboração interagência a nível nacional, no conceito do duplo uso, que tem em vista a racionalização no emprego dos meios, lembrando ainda que as missões de busca e salvamento têm grande mediatismo para efeitos de apoio direto à salvaguarda da vida humana.
Mencionou também a limitação de recursos, que obriga a uma priorização, e que poderá levar à não realização de missões, no que à disponibilidade de aeronaves poderá dizer respeito, face às muitas solicitações, onde se inserem as ações no âmbito da cooperação. E lembrou que perante esta situação de limitações, a previsível extensão da plataforma continental virá agravar ainda mais a capacidade de resposta, pois vai incrementar os regimes de esforço.
Chamou também à atenção para a edificação de capacidades, bem como a sua sustentação e operação, os tetos orçamentais constituem uma limitação, sendo outra o facto de as Forças Armadas portuguesas não serão um empregador competitivo no mercado de trabalho, em múltiplas dimensões.
Terminou referindo que, para efeitos de soberania, importa a definição de uma visão estratégica, para que este problema seja resolvido de forma estruturada, numa lógica de real capacidade face aos recursos, com o impacto natural no Atlântico português.
Sumariando, o Coronel José Augusto Diniz, relevou os três elementos que integram o poder aéreo, a dualidade sistema de armas e sistema de defesa aérea. Este último sistema apresenta uma dupla tutela, nacional e NATO, não abarcando ainda o arquipélago dos Açores em termos de cobertura radar, constituindo assim uma limitação na parte da vigilância e patrulhamento. Considera relevante ainda a falta de recursos humanos nas Forças Armadas, com implicações no afirmar da soberania sobre o Atlântico.
5.4 Notas Finais
Ambiciona-se que o presente projeto de investigação, e iniciativas realizadas no seu âmbito, pelo seu interesse e relevância, se traduzam em evidente mais-valia para as instituições militares, para a academia e para a comunidade científica em geral. Para tal, o projeto de investigação encontra-se acomodado no CIDIUM, entidade que, para consolidar a sua posição no contexto da investigação relativa às Ciências Militares, procura constituir-se num Centro de Investigação de referência nacional e internacional, apostando no desenvolvimento de projetos desta têmpera. Com o objetivo de alcançar este desiderato, e sabendo que a área das Ciências Militares ainda se encontra pouco explorada cientificamente quando comparada com outras áreas do saber, o CIDIUM tem, assim, lançado vários desafios a docentes e investigadores para que apresentem projetos que possam ser desenvolvidos sob o seu patrocínio.
A geografia triangular do território nacional, no quadro da estratégia nacional total, impõe uma reflexão sobre que papel, função e espaço se pretende atribuir ao Oceano Atlântico, onde a exploração de forma sustentável e organizada dos seus recursos, a sua proteção, assim como a sua distribuição de forma equilibrada, são aspetos importantes a considerar.
Sobre este espaço que se designa por Atlântico Português incidem interesses e objetivos nacionais, que o país apenas pode ambicionar se incluir na sua vertente marítima um conjunto alargado, integrado e harmonioso de atividades de edificação, estruturação e emprego das várias facetas do poder nacional, numa abordagem holística estratégica ao Oceano Atlântico, nas vertentes de soberania, jurisdição, segurança, desenvolvimento sustentado e proteção ambiental.
Foi atendendo às limitações em assegurar a soberania, jurisdição, segurança e desenvolvimento em toda a extensão do Atlântico Português, não controlando o Estado Português de forma cabal os acontecimentos que aí ocorrem, nem influenciando decisivamente o comportamento de todos os atores que ali atuam e com quem interessa estabelecer as relações adequadas, que se considerou relevante aprofundar o conhecimento sobre o modo como o Poder Aeroespacial Nacional se poderá sedimentar como contribuinte ativo para a Defesa Nacional, para o prestígio do País e para aqueles objetivos nacionais de alto nível e permanentes.
A abordagem a este tópico, no seio das comunidades política, militar e académica, constituirá, assim se almeja, uma oportunidade para o IUM, na sua afirmação como contribuinte ativo para a produção e divulgação de conhecimento de base científica, conhecimento este que se deve constituir como uma força motriz para a afirmação de Portugal, onde a sua segurança é um elemento relevante, tendo em conta a sustentabilidade futura, pois é neste imenso mar que residem os seus interesses permanentes, e no contexto do geopoder será sempre onde Portugal se afirmará na cena política internacional.
Sem dúvida que a Geografia é o fator mais fundamental da política externa dos Estados, porque é o mais permanente (Spykman, cit. por Dias, 2010). Assim Portugal consiga fazer corresponder a sua implantação geográfica privilegiada com as ambições nacionais, assegurando futuro risonho para as gerações vindouras de portugueses, ao mesmo tempo que honra a sua postura de Estado de direito democrático, multilateralismo, produtor de segurança cooperativa e de empenho em termos humanitários internacionais.
Neste sentido, constituirá marco incontornável proceder à revisão da literatura e atualização do estado da arte, procurando conhecer aprofundadamente as fraquezas e forças existentes no plano interno, bem como as ameaças e oportunidades perfiladas no plano externo, viabilizando a reflexão sobre as capacidades, estruturas e relações existentes, procurando identificar riscos, lacunas e limitações, mas também possibilidades e sinergias, que permitam atingir os objetivos definidos para os seis módulos de investigação identificados.
É, assim, desta forma, que se submete ao contraditório dos Senhores Leitores esta publicação, na firme expectativa de que as três jornadas científicas já realizadas, e a sua reprodução, aqui apresentada, constituam arranque vigoroso e efetivo para a produção e disseminação de conhecimento a que esta equipa de investigação se propôs.
Pedrouços, 10 de dezembro de 2021,
Sandra Maria Rodrigues Balão
António Manuel Gonçalves Alexandre
Hélder Manuel Fialho de Jesus
Francisco José de Carvalho Cosme
Carlos Alberto Lopes Ramos Batalha
Pedro Miguel da Silva Costa
Luís Filipe de Jesus Fernandes
I did come to what I had basically been looking for:
the relations that are possible between power and knowledge.
Once knowledge can be analyzed
in terms of region, domain, implantation, displacement, transposition,
one is able to capture the process by which knowledge functions as a form of power
and disseminates the effects of power.
(Focault, 1976, cit. por Koch, 2017)
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Lista de Acrónimos
A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior
AAN – Autoridade Aeronáutica Nacional
AANChOR CSA – All Atlantic Ocean Research Alliance Coordination and Support Action
AC – Atlantic Centre
ACA – Arms Control Association
AECCA – Área de Ensino das Crises e dos Conflitos Armados
AEEFA – Área de Ensino Específico da Força Aérea
AEEM – Área de Ensino Específico da Marinha
AFA – Academia da Força Aérea
AFCEA – Armed Forces Communications and Electronics Association
AIR Centre – Atlantic International Research Centre
AJP – Allied Joint Publication
AM – Academia Militar
AMN – Autoridade Marítima Nacional
ANEPC – Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil
AOR – Area of Responsibility
ASSW – Arctic Science Summit Week
BA4 – Base Aérea n.º 4
BGEN – Brigadeiro-general
BTID – Base Tecnológica Industrial de Defesa
C2 – Command and Control
C4I – Comando, Controlo, Comunicações, Computadores e Informação
CAPP – Centro de Administração e Políticas Públicas
CAPTECH – Capability Technology
CCD – Centro de Ciber Defesa
CCDCOE – Cooperative Cyber Defense Centre of Excellence
CDD – Cooperação no Domínio da Defesa
CDN – Curso de Defesa Nacional
CeDA – Centro para a Defesa do Atlântico
CEDEAO – Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
CEDN – Conceito Estratégico de Defesa Nacional
CEM – Conceito Estratégico Militar
CEMC – Curso de Estado-Maior Conjunto
CFR – Capitão-de-fragata
CIDIUM – Centro de Investigação e Desenvolvimento do IUM
CINAV – Centro de Investigação Naval
CIAFA – Centro de Investigação da Academia da Força Aérea
CIIWA – Competitive Intelligence and Information Warfare Association
CIS – Communications and Information Systems
CLAFA – Comando da Logística da Força Aérea
CMG – Capitão-de-mar-e-guerra
CNCS – Centro Nacional de Ciber Segurança
CoE – Centre of Excellency
CPLP – Comunidade de Países de Língua Portuguesa
CPO – Curso de Planeamento de Operações
CPOG – Curso de Promoção a Oficial General
CPOS – Curso de Promoção a Oficial Superior
DIPLAEM – Divisão de Planeamento Estratégico-Militar
DGEG – Direção-Geral de Energia e Geologia
DGPE – Direção-Geral de Política Externa
DGPM – Direção-Geral de Política do Mar
DGPDN – Direção-Geral de Política de Defesa Nacional
DGRDN – Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional
DIP – Direito Internacional Público
DOTMLPII – Doutrina, Organização, Treino, Material, Liderança, Procedimentos, Infraestruturas e Interoperabilidade
EAI&DCM – Encontro Anual da Investigação & Desenvolvimento em Ciências Militares
EAP – Estrutura Analítica de Projeto
EDA – European Defense Agency
EEA Grants – European Economic Area (EEA) Agreement
EEINC – Espaço Estratégico de Interesse Nacional Conjuntural
EEINP – Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente
EFTA – European Free Trade Association
EMEPC – Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental
EMGFA – Estado-Maior General das Forças Armadas
EN – Escola Naval
ENGAED – Engenheiro de Aeródromos
ENGAER – Engenheiro Aeronáutico
ENGEL – Engenheiro Eletrotécnico
ENISA – European Union Agency for Cybersecurity
ENM – Estratégia Nacional para o Mar
ENSC – Estratégia Nacional de Segurança no Ciberespaço
ESA – European Space Agency
EU – European Union
EUA – Estados Unidos da América
EURAC – European Air Chief Conference
FA – Força Aérea
FAP – Força Aérea Portuguesa
FCAS – Future Combat Air System
FCSH – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia
FFAA – Forças Armadas
FFSS – Forças e Serviços de Segurança
FMI – Fundo Monetário Internacional
FRONTEX – Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira
GGE – Group of Governmental Experts
GNL – Gás Natural Liquefeito
GNR – Guarda Nacional Republicana
GPS – Global Positioning System
ID – Investigação e Desenvolvimento
IDC – International Data Corporation
IdD – Indústrias de Defesa
IDN – Instituto da Defesa Nacional
IGF – Internet Governance Forum
IP – Internet Protocol
IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera
IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais
IPSA – International Political Science Association
ISA – International Studies Association
ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão
ISR – Intelligence, Surveillance and Reconnaissance
ITIL – Information Technology Infrastructure Library
IUL – Instituto Universitário de Lisboa
IUM – Instituto Universitário Militar
JADL/ILIAS – Joint Advanced Distributed Learning / integrated learning, information and collaboration system
JADO – Joint All-Domain Operations
JAPCC – Joint Air and Space Power Competence Centre
JFTC – Joint Forces Training Centre
LTI – Learning Tree International
M – Marinha
MAI – Ministério da Administração Interna
MCMSD – Mestrado em Ciências Militares, Segurança e Defesa
MDN – Ministério da Defesa Nacional
MDO – Multidomain Operations
MGEN – Major-general
MGEOMETOC – Maritime Geographical, Meteorological and Oceanographic
MIFA – Missões das Forças Armadas
MRCC – Maritime Rescue Coordination Centre
MS – Ministério da Saúde
NATO – North Atlantic Treaty Organization
NAV – Navegação Aérea de Portugal
NC&I – NATO Communication and Information
NSA – National Security Agency
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento na Europa
OE – Objetivo Específico
OEWG – Open-Ended Working Group
OG – Objetivo Geral
OGMA – Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, SA
ONU – Organização das Nações Unidas
OSPAR – Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste
PA – Poder Aeroespacial
PA2_PRT – Poder Aeroespacial no Atlântico Português
PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PC – Plataforma Continental
PCSD – Política Comum de Segurança e Defesa
PEPC – Projeto de Expansão da Plataforma Continental
PESCO – Permanent Structured Cooperation
PESTLE – Political, Economic, Socio-cultural, Technological, Legal and Environmental
PI – Projeto de Investigação
PIB – Produto Interno Bruto
PJ – Polícia Judiciária
POLAR2E – Colégio de Estudos Polares e Ambientes Extremos
PoSAT – Portuguese Satellite
PRINCE2 – Projects in Controlled Environment version 2
PRR – Plano de Recuperação e Resiliência
PRT AF – Portuguese Air Force
PSP – Polícia de Segurança Pública
QFP – Quadro Financeiro Plurianual
RCC – Rescue Coordination Centre
RCM – Revista de Ciências Militares
RMA – Revolution on Military Affairs
RMEP – Resource Management Education Programme
ROV – Remotely Operated Vehicle
SATCOM – Satellite Communications
SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
SFN – Sistema de Forças Nacional
SIRP – Sistema de Informações da República Portuguesa
SOAR – Strengths, Opportunities, Aspirations, Results
STM – Space Traffic Management
SWAIMS – Support to West Africa Integrated Maritime Security
SWOT – Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats
TBC – To be confirmed
TBD – To be determined
TCOR – Tenente-coronel
TGEN – Tenente-general
UAS – Unmanned Aerial System
UAV – Unmanned Aerial Vehicle
UC – Unidade Curricular
UE – União Europeia
UN – United Nations
VAB – valor acrescentado bruto
VALM – Vice-almirante
VUCA – Vulnerable, Uncertain, Complex and Ambiguous
WSIS – World Summit on Information Society
ZEE – Zona Económica Exclusiva
ZOPACAS – Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
Equipa de Investigação
A equipa que integra o projeto de investigação é constituída pelos seguintes investigadores, respeitando a sequência dos módulos por que são responsáveis:
Professora Doutora Sandra Maria Rodrigues Balão
– Professora Associada no ISCSP / Universidade de Lisboa;
– Coordenadora da Unidade de Coordenação Científica e Pedagógica de Estratégia / Estudos Estratégicos do ISCSP;
– Auditora do Curso de Defesa Nacional;
– Membro do C.C. do Colégio POLAR2E da Universidade de Lisboa, onde é representante do ISCSP;
– Doutora em Ciências Sociais;
– Investigadora Colaboradora do Centro de Administração e Políticas Públicas, do Instituto do Oriente, do POLAR2E e do TNGS (UArctic);
– Representante nacional no Social and Human Working Group do International Arctic Science Committee.
Capitão-de-mar-e-guerra António Manuel Gonçalves Alexandre
– Doutorando em Relações Internacionais;
– Investigador Integrado do CIDIUM;
– Investigador do IPRI;
– Auditor do Curso de Defesa Nacional.
Tenente-coronel Pedro Miguel da Silva Costa, Mestre
– Docente de Metodologia de Investigação Científica;
– Docente de Geopolítica e Estratégia;
– Coordenador da Pós-Graduação em Globalização, Diplomacia e Segurança;
– Investigador Integrado do CIDIUM;
– Mestre em Ciências Militares e Aeronáuticas, Engenharia Eletrotécnica;
– Doutorando em Relações Internacionais;
– Desempenha funções na Agência Portugal Space.
Capitão-de-mar-e-guerra Hélder Manuel Fialho de Jesus
– Coordenador da Área de Ensino Específico da Marinha;
– Doutorando em Relações Internacionais;
– Ex-Chefe do Centro de Ciberdefesa das Forças Armadas;
– Investigador Integrado no CIDIUM;
– Auditor do Curso de Defesa Nacional.
Tenente-coronel Carlos Alberto Lopes Ramos Batalha, Mestre
– Adjunto do Comandante do CLAFA para a Engenharia e Sistemas de Armas;
– Investigador Integrado do CIDIUM;
– Mestre em Ciências Militares e Aeronáuticas, Engenharia Aeronáutica;
– EDA CAPTECH Aerial Systems National Coordinator;
– Doutorando em Relações Internacionais.
Coronel Francisco José de Carvalho Cosme
– Docente de Estudos do Poder Aeroespacial;
– Docente de Relações Internacionais;
– Membro do Grupo de Trabalho de Implementação do Centro do Atlântico;
– Investigador Integrado no CIDIUM;
– Licenciado em Relações Internacionais;
– Doutorando em Estudos Políticos e Estratégicos;
– Indigitado para Diretor Técnico do Projeto 4, Cooperação no Domínio da Defesa.
Major Luís Filipe de Jesus Fernandes, Mestre
– Docente de Geopolítica, Sistema Internacional e Conflitualidade e Teoria Geral da Estratégia;
– Coordenador da UC Fundamentos Teóricos de Estratégia;
– Docente na Área de Estudos de Strategic Intelligence;
– Professor na NATO School;
– Consultor e Docente convidado pelo Governo da República Federal da Alemanha nas atividades de “Security Sector Reform” das Nações Unidas no Médio Oriente e África;
– Investigador Integrado do CIDIUM;
– Mestre em Ciências Militares e Aeronáuticas, Engenharia de Aeródromos.
Apresentação dos Módulos de Investigação
Apresentam-se em seguida, em formato descritivo, cada um dos módulos que integram o projeto de investigação:
Módulo 1:
Geopoder Marítimo do Atlântico Português – Caracterização do Atlântico Português: a importância Geopolítica, Geoestratégica, Geoeconómica e Geoambiental do Mar no Século XXI, e as Agendas em conflito, competição e cooperação. Contributos para uma leitura multinível do Geopoder (Atlântico) Português.
Módulo 2:
Segurança no Atlântico Português – Dimensões da Estratégia Nacional para o Atlântico Português: Integração do Poder Aéreo com o Poder Naval, a Reforma na Defesa e a Estratégia Nacional de Segurança para o Mar.
Módulo 3:
Poder Aeroespacial Nacional – Poder Militar, Operações multidomínio e a afirmação da Dimensão Espaço no Atlântico Português: a emergência do Poder Aeroespacial Nacional.
Módulo 4:
Ciberespaço – Capacidades requeridas no Domínio do ciberespaço para o contributo do poder aeroespacial face aos objetivos nacionais para o Atlântico Português.
Módulo 5:
Capacidades Militares – Estratégia genética e Edificação de Capacidades Militares no âmbito Aeroespacial: Investigação & Desenvolvimento, Tecnologia, Ciclo de Vida e Base Tecnológica e Industrial de Defesa orientados para o Atlântico Português.
Módulo 6:
Poder Aeroespacial no Atlântico Português – Estratégias e Capacidades requeridas para o Poder Aeroespacial, no contexto do Atlântico Português, face aos objetivos nacionais de Soberania, Jurisdição, Segurança e Desenvolvimento.
Tema Transversal:
Informações, Vigilância e Reconhecimento
O primeiro emprego do poder aéreo na história militar ocorreu na Batalha de Fleurus, 26 de junho de 1794, onde as forças francesas utilizaram o balão de reconhecimento l’enterprenant, tendo esta plataforma aérea influenciado decisivamente o resultado da campanha. Ambos os lados dispunham aproximadamente de 80.000 homens, num terreno sem condicionantes orográficas e sem influências meteorológicas, tendo os franceses conseguido efetuar a manobra das suas tropas de forma a derrotar as forças da coligação europeia, graças à observação a partir da 3ª dimensão e envio de informação em tempo útil ao decisor militar, assim antecipando os conceitos de superioridade de informação e de superioridade na decisão, mais tarde preconizados na era pós John Boyd.
As capacidades aeroespaciais apresentam uma contribuição decisiva para as várias funções e tipologias de operações militares, em termos de intelligence, surveillance and reconaissance (ISR), seja ao Nível Estratégico, pela Tomada de Decisão eficaz que proporcionam; seja ao Nível Operacional e Tático, pela Observação em tempo real do inimigo ou outros atores, disponibilizando informação certa, no local certo, ao destinatário certo, com a inerente superioridade de informação e de tomada de decisão, independentemente de qual o domínio militar envolvido.
Assim, este revela-se como um tema transversal aos diversos módulos que integram o presente projeto de investigação, justificando o envolvimento de um investigador associado, reconhecido especialista na matéria.
Produção Científica e Disponibilização de Conhecimento
De forma a colocar à disposição das diversas comunidades de interesses o conhecimento e produção atingidos, planeiam-se as iniciativas abaixo:
– Divulgação junto do MDN, EMGFA e Ramos
Divulgação institucional do projeto de investigação junto da Tutela, ou seja, MDN (DGPDN e DGRDN), EMGFA, Marinha e Força Aérea.
– Divulgação junto da Academia
A iniciar-se pela apresentação institucional ao ISCSP/Universidade de Lisboa, uma vez ser desta Universidade que vem a representante do mundo académico na equipa de investigação.
– Criação de Comunidade Epistémica
Envolver “um conjunto de profissionais com uma reivindicação legítima do conhecimento relevante para as políticas em questões cientificamente complexas” (Dunlop, 2010, cit. por Heitor, 2018).
– Networking
Envolver Entidades e Iniciativas apontadas como Parceiros, de forma a viabilizar o estabelecimento e permanente desenvolvimento de uma rede de contatos com objetivos técnico-profissionais e de investigação científica.
– Repositório de Conhecimento
Contribuição para a criação, sob tutela do CIDIUM, de um repositório de informação, de acesso exclusivo aos investigadores envolvidos nesta comunidade epistémica e outros devidamente validados, com a finalidade de colecionar, organizar e disponibilizar conhecimento e boas práticas, associadas às ciências militares, domínios e áreas de investigação científica e procedimentos metodológicos.
– Acervo Bibliográfico e Documental
Recomendação e contribuição para o enriquecimento do Centro de Recursos do Conhecimento do IUM em termos de publicações, monografias, revistas científicas, dissertações, e outros documentos, impressos ou digitais.
– Promoção dos Percursos Académicos dos Investigadores Principais e Associados
Acomodação e apoio direto aos processos conducentes a provas de agregação, bem como aos ciclos de estudos de doutoramento ou mestrado associados ao Projeto, em termos de formação avançada.
– Participação em Eventos e Jornadas públicas de índole científica
Participação em eventos, nacionais ou internacionais, presenciais, ou à distância, sobre plataformas digitais, como conferências, seminários e simpósios, como assistente, moderador, conferencista participante ou keynote speaker.
– Apoio científico à atividade letiva
Colaboração, como professor, palestrante, conferencista, moderador ou membro de painel, na atividade académica, em apoio a planos de estudo institucionais ou atividades ad-hoc.
– Visitas de caráter técnico-funcional e científico a Entidades Apoiantes
Obtenção de conhecimento relevante, de forma institucional, junto das Entidades Apoiantes apontadas abaixo.
– Desenvolvimento de Obra Coletiva e lançamento internacional
Elaboração e publicação de uma obra coletiva, como produto final do projeto, da coautoria de todos os investigadores associados, a publicar em Língua Portuguesa, através de uma editora reconhecida pelo IUM e em Língua Inglesa, através de uma editora internacional reconhecida pela Academia, cujo lançamento deverá ocorrer em sede de Conferência Internacional dedicada ao tema do Poder Aeroespacial nas vertentes Marítima e Oceanográfica.
– Organização de Eventos e Jornadas públicas de índole científica
Organização de eventos, nacionais ou internacionais, presenciais, ou à distância, em língua inglesa ou portuguesa, sobre plataformas digitais, como conferências, seminários e simpósios.
– Desenvolvimento de Artigos Científicos
Elaboração e publicação de artigos científicos, trabalhos de investigação, dissertações ou recensões, destinadas a publicação numa das várias linhas editoriais do IUM, Revista Ciências e Políticas Públicas (CAPP/ISCSP), Cadernos do IPRI, Revista Militar, Revista Nação e Defesa, Cadernos Navais ou Mais Alto, sem prejuízo de outras, eventualmente relevantes, com ênfase nas bases de dados indexadas internacionais, subscritas pelo CIDIUM.
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* Coord. Coronel Francisco José de Carvalho Cosme
1 Numa perspetiva instrumental, considera-se Atlântico Português como o espaço identificado no Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) por Espaço Nacional de Interesse Nacional Permanente (EEINP), subtraído da parcela de território terrestre inserida na Península Ibérica.
2 A Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030 foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2021. DR, 1ª Série, nº 108. Publicada em 4 de junho de 2021. O respetivo Plano de Ação foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 120/2021. DR, 1ª Série, nº170. Publicada em 1 de setembro de 2021 (Nota do Palestrante).
3 Projeto Support to West Africa Integrated Maritime Security (SWAIMS) – Apoio Integrado à África Ocidental, desenvolvido entre a UE e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
4 A ZOPACAS integra a Argentina, Brasil e Uruguai na parte americana e praticamente todos os Estados costeiros a Sul de S. Tomé e Príncipe na parte africana e alguns a Norte, como sejam a Guiné-Bissau e Cabo Verde, num total de 24 Estados. A ZOPACAS fomenta acordos de cooperação, mas não é um espaço de ação conjunta. As suas iniciativas não têm carácter militar. O Brasil aproveita-a para a sua afirmação estratégica no Atlântico Sul.
5 A última visita de meios navais russos ocorreu em 2008 e incluiu apenas 2 navios envolvidos em exercícios com a marinha da Venezuela. A última presença chinesa, com 3 navios, aconteceu em 2013 e incluiu visitas à Argentina e Brasil. Recentemente (2020) foi organizado um exercício naval do Brasil com a África do Sul.
6 Daryl G. Kimball, director-executivo da Arms Control Association (ACA), organização sediada em Washington e dedicada há 50 anos à promoção do controlo de armamento, argumentou, no seu artigo “Chegou a altura de ter saudades da Guerra Fria?” que a eterna tensão entre EUA e Rússia continuava a ser, naturalmente, o grande foco de potencial conflito nuclear, agravada nos últimos anos com a abordagem provocatória de Moscovo em relação ao Ocidente, da invasão da Crimeia à interferência nas eleições norte-americanas, sem esquecer os vários ciberataques, a par do expansionismo e a diplomacia agressiva da China de Xi Jinping que aumentaram a fricção com Washington, além da determinação, que persiste, da Coreia do Norte em tornar-se numa potência nuclear, sem esquecer as escaramuças da Índia com o Paquistão e, mais recentemente, com a China. Acrescentava ainda, em termos proféticos, que, “[...] assim que as armas nucleares forem usadas, mesmo em pequeno número ou com detonações de baixa potência, menores ou iguais a Hiroxima, entramos na ‘névoa da guerra’. Haverá confusão, falta de comunicação, as tensões aumentarão para níveis que as nossas gerações nunca viram”.
7 Em Portugal foram 4 mil milhões de euros de VAB e 180.000 postos de trabalho, principalmente na pesca, no turismo marítimo e nas atividades portuárias (Directorate-General for Maritime Affairs and Fisheries, 2020).
8 Não obstante as diversas crises mundiais e regionais, esta atividade cifrou-se, na última década, em valores anuais superiores a 2,4%, estimando-se que, em 2060, se possa chegar aos 24.000 milhões de toneladas de carga movimentada. Por outro lado, a nível regional e nos próximos 15 anos, prevê-se que o tráfego de mercadorias que transita pelos portos da UE cresça na ordem dos 50%, até 2030.
9 Partindo da clássica definição conceptual de geopolítica como área de estudos centrada nas relações de poder entre os Estados, no xadrez das Relações Internacionais (RI) que animam o Sistema Internacional (SI), tendo como pano de fundo as vinculações às respetivas geografias, ou seja, o seu ADN geográfico, cada Estado ou conjunto de Estados, acaba por ser o produto da sua pegada geográfica, muito ditada precisamente pela geografia (natural, económica, política, humana) e alicerça-se em 3 pilares: independência, riqueza e poder (função do multiplicador capacidade x vontade). Acresce ainda o facto de os Estados interagirem entre si, isoladamente ou em alianças e uniões, segundo relações de superioridade, igualdade ou inferioridade, noutra linguagem utilizada para as ameaças e conflitos, de simetria e assimetria.
10 Cresce o seu papel geoestratégico na política global, com os EUA a aproveitarem a reunião do Conselho do Ártico, de 8 de maio de 2019, na Finlândia, para acusarem a China de ter ambições militares nessa região e a Rússia de querer impor regras próprias à navegação nas suas águas do Oceano Ártico. Esta posição não é alheia aos acordos recentes de empresas públicas chinesas para participarem em projetos russos de exploração de hidrocarbonetos na região nem a cada vez mais moderna frota de quebra-gelos nucleares russa, a par da decisão de Moscovo, ainda de 2019, de obrigar os navios de pavilhão estrangeiro a terem uma autorização para atravessar a rota do Ártico russa, independentemente do direito de passagem inocente, e necessariamente com um piloto russo a bordo. Este potencial de disputa compreende-se melhor à luz dos importantes recursos naturais do Ártico, como gás e petróleo, entre outros, cada vez mais acessíveis graças ao degelo, que permitem uma navegação mais frequente nas águas da região. O próprio Secretário de Estado americano, Mike Pompeo, já lhes havia feito menção, ao admitir que o Ártico alberga 13% das reservas mundiais de petróleo por explorar e 30% das reservas mundiais inexploradas de gás, além da abundante quantidade de urânio, minerais raros, ouro, diamantes e milhões de Km2 de outros recursos por explorar. Pelas potencialidades que encerra, poderá ser o palco, e mais breve do que se imagina, de um centro de disputa de poder e influência a nível internacional, receando os EUA que a região se venha a transformar num novo Mar do Sul da China, militarizado, sobre explorado e desregulado, justificativo para um maior controlo e mais destacada presença americana na região.
11 Degelo esse que, dizem os especialistas, provocará, com as futuras passagens de Nordeste (de especial interesse para a China) e Noroeste, um crescente impacto nas futuras rotas marítimas de comércio, mas também no tocante à sua progressiva devassa no capítulo dos recursos energéticos, que a Rússia já começou a sinalizar, suscitando, por sua vez, a “animosidade” da posição conjunta EUA, Canadá e Noruega. 2050 pode ser considerado, ainda segundo os referidos especialistas, uma boa estimativa para um Ártico com pouco gelo nos meses de julho a setembro, se a tendência atual se mantiver.
12 A marinha dos EUA tem a intenção manifesta de competir com a Rússia e a China pela influência na região ártica devido ao surgimento das novas rotas comerciais, além de planear a reativação de uma base naval nas ilhas Aleutas (que não ficam distantes da costa russa), onde existiu uma base militar americana, entre os anos de 1942/97.
13 Programado para entrar em operação em 4/5 anos, e que será muito maior do que o do Panamá, embora pouco se saiba de possíveis desenvolvimentos.
14 O Centro do Atlântico, iniciativa de Portugal que integra 16 países, foi formalizado em 14 de maio de 2021, pretende representar, segundo as autoridades, uma “nova frente de apoio à paz e à estabilidade no oceano Atlântico”. Para além de Portugal, assinaram a declaração conjunta a Alemanha, Angola, Brasil, Cabo Verde, Espanha, EUA, França, Gâmbia, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Marrocos, RU, São Tomé e Príncipe, Senegal e Uruguai. As suas atividades estão estruturadas em três eixos centrais: um centro de reflexão estratégica e operacional, que irá produzir e compilar doutrina e identificar lições, promovendo uma cultura de segurança comum aos países atlânticos; uma plataforma de diálogo político, ligando os países do Atlântico Sul e Norte em torno de ameaças comuns e soluções cooperativas; e um centro de formação e capacitação no domínio da defesa, dedicado à edificação cooperativa de capacidades.
15 É um facto que o país não consegue subir na tabela do nível de vida. Em 2019 era 19º entre as 22 economias avançadas da UE, apenas à frente da Eslováquia, Letónia e Grécia. Em 2026, vai estar na mesma posição, segundo as projeções do World Economic Forum do FMI. Ainda assim, o nível de vida medido pelo PIB per capita, considerando a paridade do poder de compra, deverá subir um pouco mais em Portugal do que na UE, uma espécie de copo meio cheio, meio vazio. Entre 1999 e 2019, a taxa média anual de crescimento conjunto do PIB per capita das 17 economias da zona euro foi de 1,03% e em Portugal de 0,83%, isto tendo por base os dados da OCDE. Não admira que se exigisse um crescimento mais robusto e em linha, no mínimo, com as trajetórias das economias de Leste que se juntaram ao euro.
16 Esta ENM 2021-30 estabelece objetivos e fixa metas, em especial para os setores da “economia azul”, o que não costuma ser prática corrente neste tipo de documentação. A sua estrutura manteve-se depois da consulta pública, com os mesmos 10 objetivos estratégicos, nomeadamente: combater as Alterações Climáticas e a Poluição e Restaurar os Ecossistemas; Fomentar o Emprego e a Economia Azul Circular e Sustentável; Descarbonizar a Economia e Promover as Energias Renováveis e Autonomia Energética; Apostar na Garantia da Sustentabilidade e Segurança Alimentar ou Estimular o Conhecimento Científico, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação Azul (Direção-Geral de Política do Mar, 2021). Só que desta vez, há, dentro de cada um deles, quantificações que são feitas e metas que são acrescentadas.
17 O financiamento previsto para este conjunto de empreendimentos ligados à investigação, economia do mar e segurança pesqueira assume um valor global de 552 milhões € (252 milhões € do PRR e 300 milhões € do QFP e de fundos da ciência, geridos pela UE e a que se podem candidatar empresas e instituições portuguesas).
18 Autor do livro The Coming Collapse of China, de 2001.
19 Trata-se do projeto liderado pela França, Alemanha e Espanha, com vista à construção da plataforma (aeronave) do Future Combat Air System (FCAS), destinada a substituir os Rafale (franceses) e os Eurofighter (alemães e espanhóis). Será o maior programa europeu de defesa, previsto para 2040, com um primeiro protótipo esperado em 2027, com um custo global da ordem dos 100.000 milhões €, numa encomenda feita ao consórcio Dassault Aviation francês e Airbus europeu.
20 Who first originated the term VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity)? – USAHEC Ask Us a Question (libanswers.com).