Esta intervenção tem como propósito elaborar sobre os desafios do Sul no quadro da Defesa Europeia no atual contexto de Segurança da Europa. Ou seja, atento a esse quadro geral, desenvolver uma perspetiva que incida em particular sobre os desafios que, provenientes do Sul, se colocam no presente à Segurança e Defesa do nosso continente e sobre o modo de lhes responder positivamente.
Essa abordagem recomenda uma ressalva. Quando se pensa no Sul o que é corrente é que nos centremos no Norte de África e também na região do Sahel. Assim não deixará de se fazer mas, a esses dois espaços geopoliticos, será associada a fachada mediterrânica do Médio Oriente, na medida em que, relativamente à Segurança e Defesa da Europa, o seu conjunto constitui em larga medida um tríptico e assim deve ser analisado.
A área que será objeto desta reflexão será então aquilo que na terminologia anglo-saxónica se designa como a região MENA (Middle East and Northern Africa).
No presente, a Segurança Europeia é marcada por novas circunstâncias, ao mesmo tempo que algumas outras tendências, até aqui objeto de controvérsias e de hesitações, parecem agora confirmadas e consagradas.
No conjunto das novas circunstâncias seis parecem relevar.
Desde logo e com enorme importância, o facto de estar em curso na Europa uma guerra de conquista. Algo que se achava impossível de acontecer neste nosso tempo. Mas que, infelizmente é consubstanciado pela agressão russa à Ucrânia, cujo desfecho está ainda longe de ser perceptível.
Em segundo lugar, a coincidência de ambas as nossas organizações regionais de referência, a NATO e a UE, terem acabado de aprovar ou estarem nas vésperas de aprovar, novos textos fundamentais para as suas políticas, estratégias e práticas. O Conselho Europeu aprovou em março último a designada “Bússola Estratégica” para a União que, não sendo propriamente uma nova Estratégia, define com clareza e detalhe um roteiro com objetivos, responsabilidades e calendário para a melhor concretização e aprofundamento da Política Comum de Segurança e Defesa Europeia (PCSD). Ao mesmo tempo, a Aliança Atlântica prevê concluir na Cimeira que realizará no próximo mês de junho um novo Conceito Estratégico que substituirá o vigente, que data de 2010. Com consistência pouco se sabe, nesta data, do que pode vir exatamente a ser esse novo Conceito.
Uma terceira nova circunstância corresponde ao reforço da unidade e da coesão tanto da NATO, como da UE proporcionado pela resposta à agressão russa. O que não impede que não haja reconhecer a existência em ambas de questões melindrosas e de abordagem obrigatória. Concretamente as questões húngara e polaca, a que se adiciona na NATO a questão turca. Em grau e intensidade variáveis esses três Estados têm hoje opções políticas que confrontam os ideais de democracia, liberdade e primado da Lei que definem o essencial dos projetos tanto da NATO como da UE.
Mas o presente europeu contém uma quarta circunstância, esta fortemente negativa e muito preocupante. Materializa-se na confirmação da Rússia como uma potência que, sendo também europeia, se mostra indiferente ao Direito Internacional Público e Humanitário, disponível para empreender guerras de conquista e nelas cometer hediondos crimes de guerra. Ficou a perceber-se mais corretamente a sua realidade, tanto quanto à natureza do regime, como quanto à sua perigosa liderança e à verdade do seu potencial, nomeadamente militar. Ao mesmo tempo ganhou-se melhor consciência quanto ao imperativo da Europa ultrapassar, no mínimo reduzir significativamente, a sua dependência energética em relação à Rússia.
Em quinto lugar, constata-se a alteração do recuo estratégico americano que marcou os pesados anos da Administração Trump, o que tem sido evidenciado por uma reaproximação fácil entre os EUA e a Europa (leia-se a UE), com um extraordinário e muito positivo impacto na NATO, na União e nas expectativas de cooperação entre ambas.
Finalmente, ainda como uma nova circunstância, a extraordinária revolução alemã, abandonando a construção do Nordstream 2, comprometendo-se com o aumento dos seus gastos com Defesa até aos 2% do enorme PIB alemão1, aceitando exportar armamento letal e posicionar forças militares em países fronteiros da Rússia. Colocando assim a Alemanha na rota para, continuando a ser uma grande potência económica e financeira, aspirar a ser também um grande poder nas vertentes política e estratégica.
A par com estes novos desenvolvimentos outros relevantes aspetos que estavam em debate na cena europeia tiveram agora confirmação e consagração.
Parece finalmente assumido o compromisso geral, com enorme impacto na NATO e na UE, para o aumento até 2% dos investimentos nas políticas públicas de Defesa, judiciosamente qualificado e valorizado pelo compromisso adicional de canalizar uma parte relevante desse investimento para o reforço e melhoria de capacidades militares, designadamente europeias e para o levantamento de capacidades de que no presente a Europa não dispõe.
Se em tese já era evidente a complementaridade entre as capacidades da NATO e da UE, a respetiva cooperação terá agora ganho estatuto como algo que, em ambas as margens do Atlântico, é compreendido como natural e útil. Natural, porque alicerçada na identidade de princípios e de valores civilizacionais, políticos, económicos e sociais. E potencialmente muito útil, tendo boa consciência do facto da NATO, por definição uma organização política, ter a dimensão militar como a sua principal expressão, ser ténue nos planos político e diplomático e inexistente nas vertentes económica, financeira, social e cultural, enquanto a UE é forte em todos esses planos, ainda que a sua dimensão militar seja manifestamente mais frágil.
Também foi reiterada a persistência da fundamentada expectativa norte americana para que nós, europeus, assumamos maiores responsabilidades pela Segurança e Defesa do nosso continente e do nosso near abroad, ou seja pela área que é o foco desta intervenção. Fica assim claro que não estará disponível o cenário do automatismo do envolvimento americano em todos os problemas que se manifestem na Europa e na sua periferia, sem prejuízo da atenção e da solidariedade que continuarão disponíveis no outro lado do Atlântico.
E foi também verificada como não tendo alteração a compreensível prioridade conferida pelos EUA à região do Indo-Pacífico, ainda que agora mais atentos ao cenário europeu e mais confiantes na determinação e na capacidade da Europa para o abordar de forma mais autónoma, sem com isso se beliscar o vínculo transatlântico. Naturalmente que o que envolva a Rússia e a dimensão nuclear se excetuará deste entendimento genérico. Mas, em todo o caso, afigura-se que será essa a postura norte americana predominante no que toca aos problemas que nos serão colocados a partir da região MENA.
Facilmente se entenderá como estes quatro últimos aspetos, cuja consideração parece estar agora estabilizada, são diretamente importantes para a resposta a dar aos desafios do Sul.
Nas condições atuais é forçoso que se pondere sobre as presenças concretas da Rússia e da China na região MENA.
Quanto à Rússia e sendo bastante sintético, note-se que tem dezenas de acordos de cooperação com Estados da região, nomeadamente em África, que é o maior exportador de armas para África e que conduz na região uma permanente e sistemática campanha de desinformação anti-ocidental. E atente-se também, porque nada tem de irrelevante, no que é e o que significa a presença na Síria, na Líbia e no Sahel do Grupo Wagner, que só por distração pode ser tomado como um grupo de mercenários prontos para o serviço de quem lhes pague, antes precisando de ser compreendido como um instrumento oficioso de Moscovo e uma “mão” particularmente suja do Kremlin.
Num registo igualmente muito resumido não podem deixar de ser mencionados relativamente à China o elevadíssimo número de Parceiros que tem na área, a cooperação que de modo efetivo nela conduz e a forma como a estrutura em múltiplos Fora (um deles com os PALOP), o acordo que estabeleceu com a União Africana (UA) visando compatibilidades e sinergias entre a Belt and Road Initiative chinesa e a Agenda 2063 para o Desenvolvimento da UA. E, ainda, o facto de, tendo começado por instalar em 2017 uma base naval no Djibuti (a sua primeira instalação militar no exterior) ter planos para expandir para o Atlântico esse tipo de presença militar, dando aparentemente grande prioridade ao Golfo da Guiné e procurando concretizar esse objetivo na Guiné Equatorial.
Talvez seja correto identificar quatro traços como caracterizadores essenciais dos desafios do Sul.
Em primeiro lugar são, na sua tipologia, muito diferentes dos que se manifestam no Leste europeu. Em segundo lugar, são muito diversos na sua natureza. Em terceiro lugar, são grandes na sua escala de manifestação e longos na sua persistência. Finalmente e com enorme importância, os desafios do Sul encerram um potencial para dividir Aliados e Parceiros, designadamente no que toca ao balanço de prioridades entre o Leste o Sul, o que, a acontecer, será um erro de enormes proporções.
Andarão mal e contra os seus próprios interesses os países do Norte e Leste europeus que pretendam focar-se apenas nos desafios do Leste. E andarão mal e contra os seus próprios interesses os países do Sul que pretendam focar-se apenas nos desafios do Sul.
A realidade europeia impõe a uns e a outros que olhem simultaneamente e em conjunto para o Leste e para o Sul. Naturalmente sem prejuízo do reconhecimento de sensibilidades e de prioridades que possam não ser inteiramente idênticas.
Apesar de serem questões muito desafiadoras da segurança e da estabilidade europeias, não serão abordadas nesta reflexão um conjunto de situações que se verificam na periferia europeia e mesmo na Europa, cujo caráter ultrapassa largamente o circunstancial, o que confirma a sua extrema seriedade.
Estão nesse caso:
– a questão israelo-palestiniana, em si mesma e também porque, em todo o caso, é bom ter presente que nunca é indiferente quando, por exemplo, se trata do relacionamento com os países muçulmanos do Norte de África e, por maioria de razão, da fachada mediterrânica do Médio Oriente;
– o problema libanês, recordando que o Líbano, além dos seus delicados e complexos problemas próprios, é também uma “caixa de ressonância” de tudo o que se passa na sua subregião;
– a postura da Turquia, não trazendo para aqui a questão muito séria do seu atual regime político, mas recordando o modo como agiu e age unilateralmente na Síria e na Líbia, bem como o relacionamento equívoco que mantém com a Rússia de Putin, incluindo em matéria de aquisições militares;
– o diferendo greco-turco no Egeu;
– a questão, longamente pendente, de Chipre, um Estado membro da UE;
– as tensões entre a Argélia e Marrocos;
– o problema do Saara Ocidental.
Olhando então para os desafios do Sul que se mostram mais conjunturais e, não tendo a pretensão de se ser exaustivo, tentemos identificá-los caminhando de Leste para o Ocidente.
Na fachada mediterrânica do Médio Oriente, justificam menção:
– a situação na Síria, onde tudo continua por clarificar, onde se verifica um terrível quadro humanitário e onde, sobretudo por omissão de outros Atores, a Rússia ganhou uma posição de significativa preponderância, detendo uma base naval em Tartus, em pleno Mediterrâneo, mediante um acordo que só expirará em 2066;
– os movimentos migratórios descontrolados, não só de populações locais como também de pessoas provenientes do Grande Médio Oriente e mesmo da Ásia Oriental;
– a inexistência de organizações regionais.
Na parte Norte do continente africano, podemos reter:
– novamente o problema das migrações descontroladas de populações originárias do Norte de África, do Sahel e da África subsaariana;
– a muito difícil situação da Líbia, onde as referências de Poder e autoridade são tudo menos evidentes, abrindo as portas para a perigosa consideração do país como um Estado falhado ou muito frágil, com as inerentes e tremendas consequências que daí advêm, gerando condições para o florescimento do terrorismo (o que parece particularmente interessante para o Daesh) e fazendo da Líbia um “corredor” fácil para as migrações; acrescente-se uma referência preocupada à muito forte presença e interferência russas no conflito;
– a fragilidade das organizações subregionais existentes na área.
E focando a atenção no Sahel, encontramos:
– um grupo de Estados muito frágeis (Burkina Faso, Chade, Malik, Mauritânia e Níger), a que se pode associar a República Centro Africana, incapazes de exercerem autoridade e controlo sobre os seus espaços nacionais, sobre as suas populações e sobre as suas fronteiras;
– o enorme vazio de Poder que o conjunto destes Estados define, viabilizando que no Sahel se instalem em termos de treino, organização e planeamento operacional entes tão negativos como grupos dedicados ao terrorismo transnacional, originariamente da alQaeda, hoje da alQaeda e também do Daesh, e grupos do crime organizado orientados para os tráficos ilícitos de drogas, pessoas e armas; são entes com diferentes objetivos e natureza, que não têm entre si um plano conjunto, mas que correntemente se entre ajudam, com o crime organizado financiando os terroristas e os terroristas a darem escolta e proteção ao crime organizado;
– um quadro de exclusão generalizada nos planos do trabalho, da nutrição, da escolaridade, da saúde e do ambiente e também como fuga a situações de violência estatal, tribal e causada por “senhores da guerra” (no mar de areia que é o Sahel calcula-se que existam presentemente 2,5 milhões de seres humanos deslocados dos seus locais normais de vida);
– a incipiência e fragilidade das organizações subregionais existentes na área.
A lista é longa e muito inquietante!
Mas a esta lista deve adicionar-se a referência a um crescimento demográfico bastante significativo, com uma enorme percentagem de população jovem, desempregada e sem esperança. Uma população que tende a identificar como únicas saídas a migração ou a violência. Esta última na forma de adesão a milícias, ao terrorismo ou ao crime organizado.
Quando se reflete na resposta a dar pela Europa a todos estes desafios quatro aspetos suscitam particular atenção.
Desde logo, a compreensão nítida que nos nossos dias a Segurança é um valor a alcançar e a sustentar por via da multidimensionalidade, ou seja, fazendo agir em simultâneo e como adequado, as dimensões política, diplomática, militar, económica, financeira, social e cultural
Depois, a importância que o multilateralismo e a cooperação oferecem para a promoção e para a sustentação da Segurança.
Em terceiro lugar, a necessidade de agir em conjugação com os Atores locais, no campo da prevenção de conflitos e na sua melhor capacitação em todos as áreas: políticas, de natureza civil e igualmente nas múltiplas vertentes do desenvolvimento, da ação militar e das funções de segurança interna.
Finalmente, o imperativo de contrapor e de contrariar as presenças e as influências russa e chinesa.
E com que instrumentos se deve procurar responder? Em traços gerais pode ter-se como critério que as questões russa, chinesa, turca, greco-turca, cipriota, israelo-palestiniana, síria e líbia, por exemplo, fazem um grande apelo à ação política e por extensão à diplomacia. Mas que a generalidade dos outros desafios implicam acima de tudo uma ação securitária multidimensional e conduzida em conjugação com os atores locais e regionais.
Mesmo quando o foco imediato é, e precisa de ser, a vertente securitária direta, apelando consequentemente ao emprego das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança, a ação de longo prazo deve centrar-se na estabilidade política das sociedades, no reforço legítimo dos Estados e das Organizações multilaterais locais e nas condições de Desenvolvimento sócio-económico e ambiental.
No fundo e tendo como referência os objetivos de Segurança Humana identificados pelas Nações Unidas2, promover, construir e sustentar nexo entre Segurança, Desenvolvimento e Direitos Humanos.
Cabem aqui considerações fundamentais acerca de quem pode e deve conduzir estes esforços.
Naturalmente que esforços de âmbito internacional têm maior perspetiva de sucesso. O que, em todo o caso, não prejudica empenhamentos de base nacional ou multinacional, desde que atentos e obedientes à agenda internacional3.
Uma consideração inultrapassável é que a NATO, agindo sozinha, sendo, como é, quase exclusivamente assente no fator militar, não reúne as condições necessárias para proporcionar estabilidade e Segurança ao Sul da Europa e à nossa periferia.
Pela sua muito mais ampla natureza a UE tem para o efeito capacidades privilegiadas, ao que se deve juntar a observação que muitos dos problemas de ordem militar que se manifestam na área em consideração estão ao alcance das capacidades militares, ainda que limitadas, de que a União já dispõe.
Para essa ação a UE carece todavia de mobilizar todas as suas políticas e todos os seus instrumentos. Tanto no quadro geral como no plano da colaboração entre os seus Estados membros. E carece igualmente de promover e assegurar uma mais estreita coordenação entre as cinco Missões que leva presentemente a cabo na área4.
Mas o que é especialmente relevante é que seja possível dispor de uma autêntica unidade europeia, seja no quadro da NATO como no da UE e, adicionalmente, que num registo de franca cooperação se confirme e pratique a perspetiva de articulação útil e complementar entre a NATO e a UE.
A resposta aos desafios que provenientes do Sul se colocam à Segurança e à estabilidade da Europa é, claramente, um terreno de afirmação de uma maior autonomia estratégica europeia, compreendida e vivida com o requisito simultâneo de preservar e valorizar a ligação transatlântica.
Tudo isso requer abertura, flexibilidade e adaptabilidade.
Muito importante é também a cooperação estruturada permanente entre a UE e a União Africana (UA), fundamentalmente na ótica das ações conducentes à melhor capacitação dos africanos e ao apoio financeiro às operações da UA no domínio da Segurança, nomeadamente à missão MISAHEL que a UA tem em curso.
Identicamente é necessário acompanhar e estabelecer coordenação e desejavelmente entre ajuda, com os esforços da ONU na região (Mali, República Centro-Africana, Saara Ocidental e Sudão do Sul).
Absolutamente fundamental é agir em conjugação com os Estados locais, nos planos das capacidades militares e civis e também procurando aumentar a sua resiliência, bem como e com sentido idêntico, trabalhar com as organizações regionais e subregionais.
De entre elas um destaque óbvio para a cooperação com a UA, mas também com a ECOWAS/CEDEAO5, com o G 5 Sahel6, com a Aliança para o Sahel7 e com a Coligação para o Sahel8. Bem assim como com a Liga Árabe e também com a IGAD9, ente que hoje procura responder pela situação da África Oriental, origem de tantos migrantes e refugiados, nomeadamente provenientes da Eritreia e do Corno de África.
Pena é que outras organizações, particularmente orientadas para o Norte de África, se mostrem tão pouco ativas ou, pelo menos, tão pouco eficazes e por isso tão pouco interessantes. Cabem nessa consideração a União do Magrebe Árabe (UMA)10, a União para o Mediterrâneo (UpM)11 e os Nove do Sul (EuroMed)12, tendo presente que este último grupo tem uma vocação principalmente centrada nas problemáticas da Europa meridional.
Ao mesmo tempo faz todo o sentido continuar a envidar esforços para valorizar e utilizar positivamente instrumentos já existentes e atuantes, como sejam o Diálogo do Mediterrâneo da NATO13, as políticas e práticas de Vizinhança da UE, articulando-as com a sua Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) e a Iniciativa de Segurança e Defesa 5+514, ainda que esta última organização apenas respeite ao Mediterrâneo Ocidental.
No que se refere à fachada mediterrânica do Médio Oriente, Portugal tem naturalmente acompanhado e sido parte nos debates e diligências que têm lugar na ONU, na UE e na NATO, tem subscrito as principais conclusões dessas ações, mas não tem tido um protagonismo relevante. Constituiu exceção a essa postura discreta o valioso empenhamento militar nacional na UNIFIL (United Nations Interim Force in Lebanon), iniciado em 2006 e abruptamente terminado em 2012, por uma decisão inexplicável e muito negativa das nossas autoridades.
Já no que tange ao Norte de África e ao Sahel, as coisas são diferentes, Portugal foi a primeira potência colonizadora e a primeira potência a sair. E fê-lo num tempo histórico que nos dissocia completamente das colonizações espanhola, francesa e italiana dos séculos XIX e XX. Radica aqui uma apreciável diferença na perceção que os Atores locais mostram ter relativamente a Portugal.
Mas essa perceção tranquila e positiva é também fundamentada em três outros parâmetros. O primeiro, é a confiabilidade da Política Externa portuguesa. Portugal cultiva os Direitos Humanos, o multilateralismo e a cooperação. Portugal é reconhecido como um Estado que “faz o que diz e que diz o que faz”, como um honest broker e como um Estado que, designadamente no seio da UE, está sempre atento e empenhado nas temáticas do continente africano.
O segundo, liga-se aos desempenhos sempre isentos, humanos e profissionalmente excecionais das Forças Armadas de Portugal quando chamadas a intervir na região.
Finalmente, porque ninguém atribui a Portugal objetivos de dominação política ou económica.
Por este conjunto de razões, Portugal é um Ator especialmente bem aceite e apreciado na região, reunindo potencial para agir de modo próprio nos quadros bilateral ou multilateral e para ser particularmente útil no contexto das políticas e práticas das Organizações Internacionais que integramos, com óbvio ênfase para a UE e para a NATO.
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* Intervenção na Conferência “Os desafios da Defesa Europeia num novo contexto de Segurança”, organizada pela Embaixada de França, em Lisboa, em 6 de abril de 2022.
1 Uma vez materializado isso fará do orçamento de Defesa da Alemanha o terceiro maior do Mundo.
2 A ONU identifica as seguintes sete dimensões da Segurança Humana: económica, alimentar, sanitária, ambiental, pessoal, comunitária e política.
3 Exemplos desse tipo de empenhamentos são a Operação Barkhane, conduzida pela França e pelos países do G5 Sahel e visando a eliminação de insurgentes radicais islâmicos e a Task Force Takuba, liderada pela França e associando 10 outros Estados europeus, entre eles Portugal, de apoio às autoridades do Mali no seu combate anti-terrorista.
4 EUTM, no Mali, visando a capacitação das FA malianas; EUTM, na RCA, identicamente visando a capacitação militar; EUCAP, no Sahel/Mali, tendo como objetivo a preparação das Forças e Serviços de Segurança; EUCAP, no Sahel/Níger, com idêntico propósito e EUBAM, na Líbia, com o objetivo de promover e assegurar o controlo das fronteiras.
5 A Economic Community of West African States/Comunauté Economique des États de l’Afrique de l’Ouest é formada pelo Benim, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gana, Guiné-Bissau, Libéria, Níger, Senegal, Serra Leoa e Togo. O Burkina Faso, a Guiné e o Mali estão presentemente suspensos.
6 O G 5 Sahel integra o Burkina Faso, o Chade, o Mali, a Mauritânia e o Níger.
7 A Aliança para o Sahel integra 13 países doadores e 11 observadores. Portugal, que até há pouco não era parte desta organização, vai associar-se com o estatuto de observador.
8 A Coligação para o Sahel associa dezenas de parceiros externos ao Sahel (africanos e europeus) promovendo uma Parceria para a Segurança e Estabilidade no Sahel. Portugal é parte.
9 A Intergovernmental Authority for Development é composta pelo Djibuti, Eritreia, Etiópia, Quénia, Somália, Sudão do Sul e Uganda.
10A UMA associa os 5 países do Magrebe (Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia).
11A UpM associa todos os 27 Estados da UE, o Reino Unido, 6 Estados do Norte de África (Argélia, Egito, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia), 5 do Médio Oriente (Autoridade Palestiniana, Israel, Jordânia, Líbano e Síria) e 4 estados do SE europeu (Albânia, Bósnia-Herzegovina. Montenegro e Turquia). A Líbia e a Síria estão presentemente suspensas.
12O EUROMED é composto por Chipre, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Grécia, Itália, Malta e Portugal.
13Integram o Diálogo do Mediterrâneo os 30 Estados membros da Aliança Atlântica e 7 outros Estados (Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia).
14A Iniciativa 5+5 é composta por 5 Estados europeus (Espanha, França, Itália, Malta e Portugal) e por 5 Estados do Norte de África (Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia).
Nasceu em Lisboa, em 7 de fevereiro de 1946, ingressou na Academia Militar em 14 de outubro de 1963 e passou à situação de Reforma em 7 de fevereiro de 2011, perfazendo mais de 47 anos de serviço efetivo nas Forças Armadas.
Foi promovido ao posto de General em 6 de Agosto de 2003, quando assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército, que exerceu até 5 de Dezembro de 2006, data em que assumiu as funções de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, responsabilidade que deteve até à passagem à Reforma.
Presentemente, é Professor Catedrático Convidado no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa e no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo investigador em ambas as instituições.