Nº 2650 - Novembro de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Memoria ao Sr. D. Pedro IV no Rocio de Lisboa

Sabemos que o actual sr. ministro das obras publicas mandàra demolir um monte de pedras, que se acha levantado na Praça de D. Pedro, a que o publico chama o galheteiro do Rocio; o que já ha muito devêra ter sido ordenado por ser vergonhoso, que se elevasse um similhante monumento, ao primeiro homem do nosso paiz, e a quem principalmente devemos a liberdade de que gosamos. E por isso chegada a occasião, visto que se trata de remover pedras, da remoção d’uma, que pela sua belleza julgamos dever merecer a attenção do mesmo ex.mo ministro.*

Proximo da capella do Montes Claros ha uma pedreira, na qual se acha encravada uma pedra, de que mandámos tirar as dimensões, as quaes nos forão mandadas pelo capellão da mesma capella; e da medida que nos enviou resulta que ella tem 14m,0 de cumprimento, 2m,0 de largura, e 1m,0 d’altura, e sendo a sua côr azul. Estamos de posse da medida, cuja exactidão em largura, e grossura, não affiançamos, por isso que o cordel, que nos foi remettido, tem mais dos dois nós que vem indicados, sendo, todavia, o mais proximo da extremidade de 1m,o – Possuimos tambem um fragmento da mesma pedra, que não apresenta exactamente a côr azul, mas um pouco cinzenta e abrilhantada, no entanto pessoa que a conhece nos affiança, que ella è realmente azul: ha proximamente trinta annos que a vimos e tambem se nos afigura, que è essa a sua verdadeira côr. È certo que pela sua muita belleza foi mandada embargar pelo governo, que não consentiu, que fosse separada da pedreira, porque, pela sua magnificencia devia ser empregada em alguma obra do Estado.

Pelas suas grandes dimensões, esta pedra era mui dificil de conduzir, antes da construcção da linha ferrea, e hoje ainda apresenta não pouca dificuldade desde Montes Claros até Elvas, mas d’ali para Lisboa parece-nos que, se a ponte do Tejo resistir a esse enorme peso, nenhuma duvida offerece a sua conducção, antes ao contrario, o objecto a que se dedica é digno d’esse grande esforço.

Esse monumento, se o planeassemos, seria assim erigido: Sobre tres ou quatro degraus, em forma quadrangular, elevar-se-hia um pedestal de marmore branco, ou, ainda melhor, preto, com inscripções alegoricas, nas quatro faces; sobre este pedestal uma columna conica da pedra que indicamos, e, a todo o seu comprimento, com um capitel de marmore branco, ou amarello, havendo-o. Em pé, e sobre esta magestosa columna, encostado á espada, e com o seu uniforme de caçadores 5, o Grande Homem, que nos deu a liberdade. Collocar-lhe-hiamos o despotismo, essa serpente feroz e hedionda por debaixo dos pés, esmagada para sempre pelo valente general. Poucos, ou mesmo nenhuns ornatos lhe poriamos, porque a simplicidade o tornaria mais bello, e magestoso. A sua grande altura, o ser a columna formada d’uma só pedra; as difficuldades mesmo a vencer, tudo, emfim, lhe augmentaria a belleza, o merito, e a elegancia.

Oxalá que vissemos adoptar esta nossa indicação, que nos daria a gloria de a termos apresentado, e ao paiz um monumento digno d’elle, e do heróe, a quem era dedicado.

Lisboa 14 de março de 1864.

 

Nuno Correa Moncão

Major do Exercito


 

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* Revista Militar n.º 6, março de 1864, pp. 183-184.

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