Nº 2650 - Novembro de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Sobre o mesmo assumpto

O artigo que precede este, determinou-me a escrever tambem duas palavras ácerca do malfadado monumento da Praça de D. Pedro.

Depois de terminada a luta da legitimidade do throno, e com elIa a da liberdade do paiz; e tendo fallecido o Heroe, que se collocára á testa de tão gloriosa empreza, houve o sublime pensamento de levantar um padrão, que exprimisse o reconhecimento de um povo pelo seu libertador, e do exercito pelo seu general, que lhe proporcionára occasião de adquirir fama e renome.*

Abriu-se uma subscripção para aquelle fim, e o exercito contribuiu pelo menos com um dia de vencimento de soldo e pret de cada individuo, afóra as mais classes da sociedade.

Nomeou-se uma commissão, para receber o producto da subscripção, e promover a construcção do monumento. Foi escolhido o local a Praça de D. Pedro, em Lisboa, vulgó - Rocio. Abriu-se o alicerce; cumpriram-se com as formalidades do estylo, indo o chefe do Estado inaugurar os trabalhos á memoria de seu Augusto Pae, o immortal D. Pedro IV; concluiu-se um singelo pedestal, e decorreram annos sem progredir a obra, ficando de todo abandonada.

A imprensa por vezes fez considerações bem cabidas, para estimular os membros da commissão, á conclusão da indicada obra, ou a declararem os motivos da paralisação, para o governo os attender como lhe cumpria, em objecto de tal magnitude.

O silencio, e a procrastinação do trabalho tem sido tudo quanto de positivo se tem sabido deste negocio, pelo menos ao exercito nunca se lhe fez saber a verba com que concorreu, nem o custo desse pouco trabalho effectuado.

Por fim o sarcasmo fez esquecer a seriedade do objecto; appellidou-se galheteiro o pedestal levantado, e despido da ornamentação; sobre elle se levantaram varias iIluminações, e o povo aproveitava-se delle para passar algumas horas de ocio.

Finalmente é mandado demolir esse pedestal, e promette-se que outro monumento será levantado pelos fundos do thesouro, e que pela magestade da concepção agrade melhor ás vistas dos investigadores das coisas publicas. Até aqui os factos, como me parece se passaram, e se estou em erro não duvido reconhecel-o á vista de melhores esclarecimentos.

Não me parece, que monumentos desta ordem só devam agradar pela ostentação dos seus ornatos: não quero dizer com isto, que o pedestal levantado e mandado demolir fosse uma obra de gosto; mas, completo com a estatuaria, exprimia um bello pensamento, modesto como cumpria que fosse, porque era feito á custa de pequenas offerendas de dinheiro, de todos que tomaram parte na luta gloriosa, e que por este meio pagavam um tributo de veneração ao Genio que os guiára, sem legar ás gerações futuras o cuidado de pagarem esta divida.

Quero acreditar, que outro monumento se levantará, e nesta intenção é bem aproveitavel a ideia do nosso correspondente, expressa no precedente artigo; mas esse monumento representará o esforço do governo, e não a dedicação dos companheiros do immortal Duque de Bragança. O primitivo pensamento, a idéa grandiosa sumiu-se no abysmo da indifferença.

Parecia-me mais economico concluir o monumento começado, embora de mau gosto, mas de optimo effeito commemorativo, do que demolir, para construir outro; e é isto, que me desperta duvidas sobre a sua realisação. É verdade que, nós os portuguezes, estamos acostumados aos reconhecimentos serodios; Camões, depois de quasi trezentos annos teve o seu monumento, se chegar a concluir-se, e o bom tom de Lisboa não embirrar com o pejamento da praça aonde foi estabelecido; trinta annos depois de acabada a luta da liberdade contra o absolutismo, é que houve a lembrança de distinguir as reliquias dos obreiros daquelle edificio, clas- sificando-os por algarismos.

Manifestando o meu sentimento em vêr demolir aquelle malfadado monumento da Praça de D. Pedro, não tenho em vista irrogar censura a pessoa alguma, pois que se censura cabe é a todos nós, que vimos parar a obra ha tanto anno, e sanccionámos com o nosso silencio similhante procedimento. O grande quinhão que naquelle monumento pertencia ao exercito, e o vivo desejo que sempre tive de o vêr concluido, permittem que neste periodico se lhe dedique alguma consideração, e authorisa-me a expressar um voto singular, embora tido por excentrico por aquelles que só estão bem aonde não estão.

 

Cunha Vianna


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* Revista Militar n.º 6, março de 1864, pp. 184-186.

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