Formalmente constituído em 1442, o Ducado de Bragança encontra raízes numa época em que o rei D. João I e o condestável D. Nuno Álvares Pereira sustentaram a independência portuguesa face a Castela, após vitória na batalha de Aljubarrota, travada em 14 de agosto de 1385. Garantida a segurança das fronteiras terrestres, com a assinatura do tratado de Segóvia (1411), rei e condestável orientaram os destinos do reino na direção do mar, iniciando a Expansão com a conquista de Ceuta, em 1415.
Comprometidos na guerra, a dupla genial firmou também laços familiares em tempos de paz. Assim, a 1 de novembro de 1401, o infante D. Afonso, filho primogénito (ilegítimo) do rei, e D. Beatriz Pereira de Alvim, filha única do condestável, unem-se em matrimónio. D. João I doou ao filho, a Norte do reino, as terras e haveres de Neiva, Danque, Perelhal, Faria, Rates, Vermoim, Penafiel, Bastos e Coutos da Várgea. De igual modo, D. Nuno legou à filha a vila e castelo de Chaves, Barcelos, o castelo de Montalegre, terras em Monte Negro, Barroso e Baltar, e as quintas de Carvalhosa, Covas, Temporão, Moreira e Pousada.
Entretanto, com a morte, de parto, de D. Beatriz, em 1412, os filhos menores Afonso e Fernando ficaram entregues ao cuidado do pai. Dez anos depois, D. Nuno, viúvo de D. Leonor de Alvim desde 1388, vestiu o hábito de frade carmelita e recolheu ao convento do Carmo, por si edificado em Lisboa, entregando a Deus os derradeiros anos de vida (morreu em 1431). Grande senhor, renunciou às minudências e assumiu os votos de pobreza, entregando ao genro e aos netos o vasto património senhorial que possuía no Alentejo: Arraiolos, Vila Viçosa, Montemor, Évora Monte, Estremoz, Sousel, Alter do Chão, Formosa, Borba, Monsaraz, Portel, Vidigueira, Frades, Vilalba, Vila Ruiva, Beja e Campo de Ourique. Como, além de condestável do reino, D. Nuno era 7.º conde de Barcelos, 3.º conde de Ourém e 2.º conde de Arraiolos, desfez-se dos títulos nobiliárquicos, que foram assumidos pelo genro, D. Afonso, e pelos netos, D. Afonso e D. Fernando, respetivamente.
Cidade e castelo de Bragança na Idade Moderna. Painel de azulejos na Câmara Municipal de Bragança, da autoria de José Nobre.
Foto cortesia de Susana Cipriano.
A D. João I, que morreu em 1433, sucedeu-lhe no trono D. Duarte, que confirmou o património do infante e irmão D. Afonso. Na verdade, D. Duarte determinou que os bens patrimoniais e os títulos doados a D. Afonso/
D. Beatriz e aos respetivos filhos jamais podiam ser integrados na coroa; bens que já incluíam as terras de Paiva, Tendais e Lousada. Em 1438, cinco anos depois de ser aclamado rei de Portugal, D. Duarte morre com a idade de 47 anos. Como o filho e futuro rei D. Afonso V só tinha seis anos de idade, a regência do reino passou da rainha viúva, D. Leonor, para o infante D. Pedro, duque de Coimbra e 2.º filho legítimo de D. João I. Até 1448, D. Pedro governou como um «príncipe do Renascimento»: centralizou o exercício do poder na sua pessoa, acicatando a altivez da alta nobreza, deu linhas orientadoras para os negócios públicos, defendeu a justiça e proclamou a benfeitoria, incentivou a atividade dos camponeses e a dos mercadores, protegeu a Universidade de Coimbra, privilegiou as navegações atlânticas e revelou-se um mediador político no complexo xadrez peninsular. Foi neste contexto que, em 1442, concedeu ao meio irmão D. Afonso o título de duque de Bragança, permitindo-lhe o alargamento de influências, que detinha na região de entre Douro e Minho, para o Nordeste Transmontano. Estranhamente, a relação entre os dois irmãos deteriorou-se a partir desta altura, conduzindo D. Pedro ao opróbrio e à morte, sete anos decorridos, em Alfarrobeira.
No reinado de D. Afonso V, a Casa de Bragança floresceu e os domínios territoriais foram ampliados, merecendo especial referência os castelos de Guimarães, Melgaço, Castro Laboreiro e Piçonha. A sua influência política, importância social e capacidade económica guindaram-na ao estatuto de principal casa ducal de Portugal. De tal forma que, no último quartel do século XV, a Casa, com o centro já implantado em Vila Viçosa, possuía, segundo Veríssimo Serrão, «cinquenta vilas, cidades e castelos, sem contar com as quintas, herdades, devesas e campos. Não havia senhorio que se lhe igualasse em património e rendimentos». Independentemente da existência de outros duques no reino, a primazia dos titulares da Casa de Bragança no século XVI era tal que, em plena época dos descobrimentos, assinavam simplesmente como «ho duque», levando a rainha D. Catarina (mulher de D. João III) a considerar o duque de Bragança como «o principal senhor deste Reyno». Exercendo um poder senhorial, os Bragança foram fortalecendo o seu estatuto, «polvilhando» os seus vastos domínios com uma extensa rede clientelar. Aquando da Restauração, por exemplo, D. João II de Bragança e futuro rei D. João IV de Portugal, era o maior latifundiário do reino e um dos maiores da Península Ibérica, abrangendo 80.000 vassalos e dependentes.
Na realidade, o período compreendido entre o desastre de Alcácer-Quibir e a consequente perda de independência para a Espanha dos Filipes (1578-1581) e a Restauração da Dinastia Portuguesa (1640-1668) teve na Casa de Bragança um protagonista proeminente. Até 1640, a estratégia política dominante dos duques foi sempre de conservação do seu estatuto senhorial e do poder político, social e económico, evitando imiscuir-se na política régia. Talvez isso explique a acomodação D. Catarina de Bragança, em 1580, que não afrontou a candidatura de Filipe II, e a aparente falta de vontade de D. João II em «capitanear» sem reservas o movimento que, em 1640, conduziu à Aclamação. Mais do que afrontar ou condicionar a governação dos reis hispânicos, os duques preocuparam-se em acompanhar de perto a sua acção.
Até que, a 1 de dezembro de 1640, um conjunto de nobres e fidalgos desencadearam um golpe palaciano em Lisboa e aclamaram D. João II, 8.º duque de Bragança, rei D. João IV de Portugal. Iniciava-se a 4.ª Dinastia, designada «De Bragança», que reinaria em Portugal durante 270 anos (1640-1910) e que conheceu dezassete reis e duas rainhas. Por decreto de 1645, D. João IV manteve a Casa de Bragança separada da Casa Real, com todos os privilégios, regalias e isenções inerentes. Foi doada ao primogénito D. Teodósio, devendo passar pelos herdeiros do trono. Portanto, os monarcas reinavam e o título de duque era conferido ao primogénito que, uma vez chegado ao trono e tendo sucessão dinástica garantida, o entregava nos mesmos moldes e assim sucessivamente.
Mas «a listagem» não é retilínea, existem reis que não foram duques e príncipes/duques que não foram reis. Isso explica, no primeiro caso, que os reis D. Pedro II ou D. Miguel nunca tenham sido duques de Bragança, pois o primeiro «usurpou» o trono ao irmão D. Afonso VI e o segundo substituiu-se «de facto» a D. Maria II. No segundo caso, releve-se que nenhum dos primogénitos da 4.ª Dinastia viveu o suficiente para assumir o trono, sendo o exemplo de D. Teodósio sintomático, que morreu três anos antes de D. João IV.
A guerra civil (1828-1834) que opôs os irmãos D. Pedro (liberal) e D. Miguel (absolutista) lançou alguma confusão em termos de direitos hereditários e de assunção do título «Duque de Bragança». Os partidários de D. Miguel foram derrotados e o próprio exilado, seguindo a linha sucessória do ducado pela via dos descendentes de D. Pedro IV. Porém, quando D. Manuel II, último rei de Portugal, morreu exilado em Inglaterra, sem descendência (1932), o título de duque de Bragança transitou para D. Duarte Nuno (1907-1976), neto de D. Miguel e casado com D. Maria Francisca de Orleães e Bragança, descendente brasileira de D. Pedro IV. Presentemente, o título honorífico é pertença do filho, D. Duarte João Pio.
Entre a fundação do ducado, em 1442, e a Restauração da Dinastia Portuguesa, em 1640, temos oito duques, que se sucedem mediante linhagem familiar. No século XV, os dois primeiros fundamentaram a Casa e o terceiro foi acusado do crime de lesa-majestade e executado, sendo os bens patrimoniais confiscados pela coroa. Depois, no século XVI, no período áureo da Expansão, os duques preocupam-se em recuperar o prestígio e consolidar os bens, cabendo aos três restantes coabitar com a tutela filipina, depois de perdida a independência portuguesa para a Espanha. Até o 8.º duque restaurar a Portugalidade.
Para o efeito, avançamos com uma resenha biográfica de cada um, anotando que o «cognome» aposto é da nossa responsabilidade.
1.º Duque – D. Afonso I «O Primogénito» (1370-1442-1461)
D. Afonso apresenta-se como uma figura complexa e controversa. Apesar da ilegitimidade da sua progenitura, gozou da estima do pai D. João I, que o distinguia em conselhos régios. Casou, como vimos, com D. Beatriz, filha única de D. Nuno Álvares Pereira. Por volta de 1410, fez uma viagem peregrina a Jerusalém e, em 1415, esteve com o pai e os irmãos D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique na conquista de Ceuta, onde a sua ação mereceu créditos. Em 1418, combateu ao lado do pai na bem-sucedida campanha de Tuy, na Galiza, onde foi armado cavaleiro.
Instalado a Norte do Douro, na década de 1430 reclamou junto do irmão e rei D. Duarte o senhorio da vila de Bragança e seus termos (incluía Outeiro e o respetivo castelo) e o título de duque, de modo a equiparar-se em dignidade senhorial aos irmãos D. Pedro (duque de Coimbra) e D. Henrique (duque de Viseu). Dignidade que só lhe seria concedida em 1442, pelo então regente D. Pedro. Portugal passava a ter, assim, três casas ducais. Dois anos depois, assumia funções de fronteiro-mor (responsável militar) da região de Entre-Douro-e-Minho. Desde então, a importância e poder da Casa de Bragança eram de tal que os duques tinham prerrogativas de infantes, o tratamento de «Excelência» e o seu nome era precedido de «Senhor Dom», além de estarem protocolarmente acima de todos os grandes senhores nobiliárquicos do reino. Detinha direitos de manutenção de forças militares próprias, a dignidade de concessão de foros de nobreza e uma administração ducal semelhante à da casa real. Para administração da justiça tinha quatro ouvidorias, com sede em Bragança, Barcelos, Ourém e Vila Viçosa, dezoito alcaides-mores e quarenta e uma comendas da Ordem de Cristo.
Vaidoso e ambicioso, D. Afonso sentiu-se ultrajado pelo regente e irmão D. Pedro em dois momentos precisos: em 1443, quando este nomeou o filho, também Pedro, para condestável, em detrimento do filho mais velho do duque, Afonso, conde de Ourém; em 1447, quando o rei D. Afonso V, um anos antes de assumir a governação do Reino, casou com Isabel, filha do regente, deitando por terra as intenções do duque em casar a sua filha, também Isabel, com o monarca. Doravante, D. Afonso de Bragança, apoiado pelo filho D. Afonso de Ourém, assumiu o irmão e regente D. Pedro como seu inimigo pessoal, que importava abater.
O primeiro passo consistiu em concentrar na pessoa do regente os descontentamentos da alta nobreza desavinda com as suas políticas governativas. De seguida, manobrou junto da corte e do rei, urdindo uma trama palaciana assente no argumento de que o regente pretendia eternizar-se no poder. Por fim, após D. Pedro entregar «as chaves do Reino» a D. Afonso V, apontou o ducado de Coimbra como o centro de um poder político-militar destinado a subalternizar a coroa. Por esta via, em menos de um ano, D. Pedro, governante esclarecido, mas homem imprudente, foi taxado de traidor, primeiro, e de rebelde após negação de submissão desonrosa exigida por D. Afonso V. O enredo culminou no combate de Alfarrobeira (Alverca), no ano de 1449. A hoste de D. Pedro foi desbaratada pelo exército do rei, coadjuvado por D. Afonso de Bragança e D. Afonso de Ourém. A alta nobreza triunfava, a centralização régia cedeu o passo à influência da classe senhorial e o feudalismo impôs-se à modernidade.
D. Afonso firmou-se como conselheiro maior do rei e a sua proeminência política e social cresceu. Construiu senhorios em Chaves, Barcelos e Guimarães. Em 1458, quando D. Afonso V avançou para o Norte de África à conquista de Alcácer-Ceguer, confiou ao «velho duque», então com 87 anos, a regência do Reino. Morreu em Chaves, sendo sepultado na igreja matriz. Independentemente dos epítetos, favoráveis ou depreciativos, que a História possa aplicar ao 1.º Duque de Bragança, a verdade é que com D. Afonso a Casa Ducal foi colocada num patamar de proeminência nacional só ultrapassada pela da realeza.
2.º Duque – D. Fernando I «O Duque Perfeito» (1403-1461-1478)
D. Fernando I, 2.º Duque de Bragança. «Duque Perfeito», a ele se deve a elevação de Bragança a cidade, a 20 de fevereiro de 1464. Estátua posicionada à entrada da porta da cidadela e inaugurada em 1964.
Foto cortesia Susana Cipriano.
D. Fernando herdou o ducado de Bragança em 1461, por morte do pai, D. Afonso, e porque o irmão mais velho, também Afonso e conde de Ourém, tinha morrido no ano anterior sem descendência. Foi um nobre de digna autoridade senhorial e um conselheiro régio leal e assertivo, revelando-se um tenaz homem de armas. Era mais ponderado e menos altivo do que o irmão e o próprio pai, colocando os superiores interesses do rei e do reino acima de ambições pessoais, características que o filho, desafortunadamente, ignorou.
Neto do rei D. João I, pela linha do pai, e do condestável D. Nuno Álvares Pereira, pela da mãe, nasceu em Chaves, desenvolvendo os seus pergaminhos senhoriais a norte do Douro. Em 1422, então com 19 anos, D. Nuno Álvares Pereira cedeu-lhe o condado de Arraiolos, acrescentado das terras de Vila Viçosa, Borba, Estremoz, Sousel, Beja, Campo de Ourique, entre outras. Orientou, então, a sua atividade nobiliárquica para a região do Alentejo, enquanto o Norte de África e, em particular, Ceuta constituíram o seu espaço de afirmação guerreira e de capitão de praça de armas, onde se notabilizou.
Após D. Duarte assumir o trono de Portugal, em 1433, subiu a debate na corte a conquista, no Norte de África, de Tânger, entendida como necessária para dar sustentabilidade à isolada Ceuta e para alargar os domínios portugueses na região. A empresa militar era arriscada, pois a localidade era pouco menos que inexpugnável e estava bem guarnecida de mouros. Reunido um conselho presidido pelo rei D. Duarte, as opiniões no seio da ínclita geração dividiram-se: os infantes D. Henrique e D. Fernando eram os entusiastas da conquista, ao contrário dos irmãos D. Pedro e D. João, mais céticos quanto à pertinência e viabilidade da operação. O próprio D. Fernando, à época conde de Arraiolos, achou contraproducente a ideia de conquistar Tânger, defendendo que as sinergias guerreiras deviam ser canalizadas em auxílio de Castela, para derrubar o reino de Granada, na Península Ibérica. D. Duarte decidiu dar luz verde à operação. A «carta de missão» foi concedida aos infantes D. Henrique e D. Fernando, que organizaram uma frota em Lisboa, enquanto D. Fernando de Arraiolos fez o mesmo no Porto. Depois de sulcarem o mar por Lagos, as frotas concentraram-se em Ceuta, a 27 de agosto de 1437. Com uma deficiente preparação, efetivos aquém dos necessários, organizada com quebra de sigilo e um comando imprudente por parte de D. Henrique, Tânger resultou num desastre para as armas portuguesas, depois de concretizados três infrutíferos assaltos às muralhas, entre setembro e outubro. No primeiro assalto o conde D. Fernando foi ferido, no segundo o infante D. Henrique teve de retirar sob pressão e, do terceiro, resultou a derrota portuguesa e a prisão do infante D. Fernando, «o Santo», que morreria em Fez, cinco anos depois.
Entretanto, a década de 1440 iria revelar graves contradições no seio da dinastia de Avis. D. Duarte morreu em 1438 e a regência durante a menoridade do herdeiro D. Afonso V foi disputada entre a rainha viúva D. Leonor e o infante D. Pedro: aquela contou com o apoio da nobreza, com D. Afonso de Barcelos e o filho D. Afonso de Ourém à cabeça, e partidários de Castela, de onde era oriunda; este teve do seu lado os irmãos D. Henrique e D. João, os mesteirais e o povo de Lisboa. Ou seja, D. Pedro, que impôs a sua vontade pela força das armas, teve contra si o irmão mais velho e, a favor, os irmãos mais novos. Neste contexto sobressai o carácter conciliador do conde D. Fernando, que defendeu uma regência bipartida entre D. Leonor e D. Pedro, que não vingou.
A família cindiu-se, atingindo especial gravidade durante a regência de D. Pedro. Conforme relatámos na resenha biográfica do 1.º Duque de Bragança, este e o primogénito foram a força de bloqueio da governação de regência, que acicataram a nobreza e manobraram junto de D. Afonso V contra D. Pedro. Neste contexto, D. Fernando de Arraiolos procurou consagrar os ânimos do pai e do irmão e aconselhou o regente a maior assertividade no relacionamento entre as partes. Contudo, e talvez não por acaso, em 1445 foi enviado para Ceuta, onde assumiu a capitania da praça. E foi daqui, no auge do imbróglio político que se vivia no reino, onde D. Pedro acabou injustamente taxado de traidor pelo rei e identificado como rebelde, que D. Fernando se deslocou à metrópole, em 1448, para aplacar a ira do pai contra D. Pedro e que, posteriormente, escreveu a D. Afonso V a dar conta que os prestimosos serviços de D. Pedro como regente mereciam a contemporização régia, aconselhando a bons ofícios entre as partes. Sem efeito, com o pai e o irmão a manobrarem incessantemente na corte e o próprio D. Pedro a revelar imprudência nas tomadas de posição, os equívocos confluíram em Alfarrobeira. A 20 de Maio de 1449, nas margens do rio Alverca, o exército de D. Afonso V combateu e trucidou a hoste de D. Pedro.
D. Fernando regressou de Ceuta dois anos depois da tragédia. Nessa altura, D. Afonso V, com 19 anos, reinava, o pai era a figura maior junto do monarca e o irmão fazia mais uma das muitas viagens de índole político-cultural pela Europa, no caso concreto em Itália. Talvez por se sentir agastado com o clima político pós Alfarrobeira que ainda se fazia sentir, D. Fernando regressou a Ceuta, na companhia dos filhos mais velhos, D. Fernando e D. João, a quem iniciou no manejo das armas e nas «coisas da guerra». Aí permaneceu até 1454.
Regressou definitivamente a Portugal e, pelos serviços prestados, D. Afonso V gratificou-o com o título de marquês de Vila Viçosa, em 1455, que acumulou com o de conde de Arraiolos. Passou então a residir em Vila Viçosa, «habitando o castelo da vila, cuja alcáçova constituía a defesa do topo do seu morro, com as portas de Estremoz, a Norte, a de Évora, a Oeste, ao Sul a de Olivença, e a Este a de Elvas». D. Afonso V nutria por D. Fernando uma especial simpatia, admiração e confiança, de tal forma que o nomeou também condestável, ou seja, primeiro responsável militar do reino. E foi nessa qualidade que acompanhou D. Afonso V ao Norte de África, em 1458, colaborando na campanha que resultou na conquista de Alcácer-Ceguer.
No virar da década, D. Fernando vai herdar todo o vasto património familiar: em 1460, o irmão D. Afonso de Ourém morre sem descendência e, no ano seguinte, morre o pai D. Afonso. Assim, assume o ducado de Bragança e herda os títulos, terras e benefícios do pai e do irmão. À semelhança do que sucedeu com o avô D. Nuno Álvares Pereira, no tempo de D. João I, D. Fernando torna-se no maior senhor feudal de Portugal. Apesar de ter residência fixa em Vila Viçosa, percorre o País, sendo frequente vê-lo em Bragança, com estadas em Chaves, no Minho (Barcelos, Valença ou Guimarães) e até no Porto. O duque interessa-se muito pela boa organização do seu património territorial e o bem-estar dos respetivos vassalos. A casa de Bragança desenvolvia-se e impunha-se no contexto nacional.
CARTA DE FORO DE CIDADE A BRAGANÇA (20 de fevereiro de 1464)
«Dom Affonso por graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve senhor de Cepta e d’Alcacere em África. A quantos esta carta virem fazemos saber que consirando nos os muitos serviços e obras de grandes merecimentos que a nos e a El Rey dom Duarte nosso padre e a nossos reynos tem feito dom Fernando segundo duque de Bragança meu muito amdado e prezado primo e querendo-lhe galardoar como a nos cabe e por no-lo elle requerer e nos praz daqui por diante a sua villa de Bragança se chamar cidade e aver todollos previlegios, liberdades que ham e devem d’aver as outras cidades de nossos reynos e que seja em os assentamentos das cortes com ellas e os cidadãos della gouvirem de todallas honrras e preminencias de que gouvemos cidadãos das nossas outras cidades; e esto fazemos porque ouvemos certa informaçom que antigamente ella era cidade e assy no foral que tem he nomeada por cidade e depois se despovorou e quando se tornou a rehedeficar ficou villa; e porque a nos praz de a tornar ao primeiro estado; mandamos a todos nossos officiaes e pessoas a que esto pertencer per qualquer guisa que seja a que esta nossa carta for mostrada que daqui em diante ajam a dita villa de Bragança por cidade e assy a nomeee e lhe guardem em todo todollos previlegios, liberdades que tem as outras cidades de nossos reynos e os cidadãos e moradores della sem lhe hirem contra eles em parte nem em todo porque assy he nossa mercê; e por certidão dello mandamos fazer duas cartas sinadas por nos e asseladas do nosso sello de chumbo hua que tenha o dito duque e outra que tenha a dita cidade de Bragança. Dada em a nossa cidade de Cepta onde a fectura desta esta nosso arrayal vinte dias de Fevereiro; Pero d’Alcaçova a fez anno do nascimento do nosso Senhor Jhesus Christo de mil quatrocentos sessenta e quatro»
CARTA DE FORO DE CIDADE A BRAGANÇA (20 de fevereiro de 1464) «Dom Affonso por graça de Deus Rey de Portugal e do Algarve senhor de Cepta e d’Alcacere em África. A quantos esta carta virem fazemos saber que consirando nos os muitos serviços e obras de grandes merecimentos que a nos e a El Rey dom Duarte nosso padre e a nossos reynos tem feito dom Fernando segundo duque de Bragança meu muito amdado e prezado primo e querendo-lhe galardoar como a nos cabe e por no-lo elle requerer e nos praz daqui por diante a sua villa de Bragança se chamar cidade e aver todollos previlegios, liberdades que ham e devem d’aver as outras cidades de nossos reynos e que seja em os assentamentos das cortes com ellas e os cidadãos della gouvirem de todallas honrras e preminencias de que gouvemos cidadãos das nossas outras cidades; e esto fazemos porque ouvemos certa informaçom que antigamente ella era cidade e assy no foral que tem he nomeada por cidade e depois se despovorou e quando se tornou a rehedeficar ficou villa; e porque a nos praz de a tornar ao primeiro estado; mandamos a todos nossos officiaes e pessoas a que esto pertencer per qualquer guisa que seja a que esta nossa carta for mostrada que daqui em diante ajam a dita villa de Bragança por cidade e assy a nomeee e lhe guardem em todo todollos previlegios, liberdades que tem as outras cidades de nossos reynos e os cidadãos e moradores della sem lhe hirem contra eles em parte nem em todo porque assy he nossa mercê; e por certidão dello mandamos fazer duas cartas sinadas por nos e asseladas do nosso sello de chumbo hua que tenha o dito duque e outra que tenha a dita cidade de Bragança. Dada em a nossa cidade de Cepta onde a fectura desta esta nosso arrayal vinte dias de Fevereiro; Pero d’Alcaçova a fez anno do nascimento do nosso Senhor Jhesus Christo de mil quatrocentos sessenta e quatro» |
Mas o imenso poder não lhe turvava o raciocínio, nem o cegava de ambição. Rei e reino estavam acima de tudo e de todos. De tal forma que quando, em 1463, D. Afonso V decide conquistar a irredutível praça de Tânger, de modo a vingar o desastre do tempo do pai, solicita o auxílio do duque D. Fernando. Este não só lhe coloca ao dispor 700 lanças (gente a cavalo) e 2.000 infantes, como o acompanha na expedição. Mas Tânger era, como escreveu o cronista Rui de Pina, «um desastroso caso». Efetivamente, a campanha voltou a não correr bem e os portugueses foram rechaçados pela abnegada defesa mourisca a partir das muralhas.
É então que D. Fernando solicita junto do monarca que a vila de Bragança, cabeça nominal do ducado, fosse elevada à categoria de cidade. Se os outros dois ducados estavam assentes em duas cidades (Coimbra e Viseu), fazia sentido que ao de Bragança, o mais importante, lhe fosse concedida igual dignidade. Assim aconteceu, por carta régia datada de 20 de fevereiro de 1464. Bragança passava a ser a 9.ª cidade de Portugal e a 2.ª a ser distinguida desde a fundação da nacionalidade, depois da Guarda, no tempo de D. Sancho I – as primeiras sete datam do período antes de D. Afonso Henriques. A partir desta altura, a cidade de Bragança vai desenvolve-se, cujo estatuto colhe benefícios na leva de homiziados, proteção fiscal à produção regional e realização da feira franca.
O tempo corre e, em 1470, as terras de Guimarães, pertença de D. Fernando, foram elevadas a ducado, título que acumulou. No ano seguinte, D. Afonso V decidiu novamente atacar no Norte de África, fazendo jus ao cognome «O Africano». Com o opróbrio de Tânger na mente, o primeiro passo seria a conquista de Arzila, de modo a isolar a praça-forte vizinha. Quase septuagenário, D. Fernando já não acompanhou o soberano, ficando incumbido da regência do reino e da administração da causa pública, uma invulgar honra que não desmereceu. Em sua representação foi o filho e sucessor D. Fernando. Finalmente, a operação decorreu a contento: Arzila foi cercada, bombardeada e assaltada com sucesso, para gáudio de D. Afonso V e do príncipe D. João (futuro D. João II), que o acompanhou; em consequência, os habitantes e defensores de Tânger abandonaram o reduto, permitindo que D. Fernando a tomasse, sem combates, em nome do rei.
E foi como regente do reino o último serviço de relevo que o duque de Bragança prestou, quando D. Afonso V novamente lhe conferiu tal cargo após decidir envolver-se na causa sucessória de Castela. Não obstante, o duque alertou para os perigos, antevendo uma campanha ruinosa. Levada a efeito em 1476, a sorte das armas não correu favoravelmente à causa portuguesa, nomeadamente na batalha de Toro, onde o rei foi obrigado a abandonar o campo de batalha e se entregou depois a um mutismo pessoal que o acompanhou até à morte.
D. Fernando morreu a 1 de abril de 1478, com a idade de 75 anos, sendo sepultado em Vila Viçosa. Em homenagem deste «Duque Perfeito» e no âmbito dos 500 anos da elevação de Bragança a cidade, foi inaugurada a estátua que se pode apreciar antes de franquear a Barbacã do castelo, no lado direito.
3.º Duque – D. Fernando II «O Imprudente» (1430-1478-1483)
Da mesma geração, gravitou na órbita da coroa de D. Afonso V, com quem partilhava estreitos laços de amizade e serviu sem reservas. A par do pai, D. Fernando I, era um dos conselheiros mais escutados na corte. Acompanhou D. Afonso V nas sucessivas expedições ao Norte de África (Alcácer-Ceguer, 1458; Tânger, 1463; Arzila e Tânger, 1471) e na malograda campanha de 1476 contra Castela. Na campanha africana de 1471 foi ele que teve a honra de entrar na abandonada cidade de Tânger, fincando a suserania em nome do rei.
Mas após morte de D. Afonso V, em 1481, e a subida ao trono de D. João II, faltou-lhe esclarecimento para compreender os novos tempos políticos. Bastaram dois anos para que a imprudência do duque culminasse na sua execução por traição ao rei, o ducado fosse extinto e os bens revertessem para a coroa. No centro da questão estão quatro pontos: i) D. João II e o seu modelo de governação; ii) a tensão existente entre Portugal e Castela dos «reis católicos»; iii) o excesso de poder da Casa de Bragança, visto como um estado dentro do Estado, com uma teia de influências implantada na região de Entre-Douro-e-Minho e dominadora no Alentejo e Algarve; iv) a altivez com que D. Fernando II lidou com D. João II. Apesar de serem primos e bisnetos de D. João I, desde o início que o rei (26 anos) e o duque (51 anos) pautaram o relacionamento por equívocos. E isso apesar de terem privado de forma estreita ainda em vida de D. Afonso V, com destaque para a campanha africana de 1471 e a peninsular de 1476.
D. João II, que se notabilizou por uma bem-sucedida política de contenção terrestre do poder de Castela e uma ambiciosa estratégia de projeção atlântica, iniciou o seu reinado com a proclamação pesarosa «sou o rei das estradas de Portugal», ou seja, o poder e a riqueza do reino estavam nas mãos da nobreza. Assim, nas cortes de Évora exigiu aos grandes senhores um preito de homenagem e de obediência, a abertura das suas terras de jurisdição aos corregedores régios (oficiais de justiça) e a submissão de privilégios, doações ou mercês usufruídas do antecedente à sua deliberação. Assente na divisa «Pela Lei, Pela Grei», D. João II assume a intenção de «salvaguardar os interesses do Estado, a autoridade do rei, o prestígio e a independência da coroa e dos seus servidores». O que equivale a dizer que a política de complacência feudal face a uma nobreza ciosa da sua proeminência, seguida por D. Afonso V, é revertida. No fundo, o monarca recupera o modelo de governação do malogrado regente D. Pedro e, tal como aconteceu no tempo deste, também ouve um ensurdecedor desacordo por parte da nobreza, com os duques de Bragança, D. Fernando II, e de Viseu, D. Diogo, à cabeça. Se o rei pretendia o poder absoluto, os nobres estavam habituados a olhar para o soberano apenas como o primeiro entre eles. Consequentemente, reuniram em Montemor-o-Novo e decidiram ignorar as determinações régias.
Aqui residiu o equívoco, de tal forma que rei e duque nunca mais convergiram e a colisão tornou-se inevitável. Marcado para morrer, D. Fernando foi permanecendo por terras de Vila Viçosa, para onde o pai tinha transferido o centro do ducado, enquanto ia trocando correspondência com os reis de Castela, Fernando e Isabel, à época inimigos declarados de D. João II. Quanto a este, conhecedor da trama, mas temendo o poder do duque (podia organizar uma mesnada de 3.000 cavalos e 10.000 homens apeados), esperou pela oportunidade. Que surgiu quando D. Fernando o visitou no paço de Évora, em finais de maio de 1483. Aí foi preso, posteriormente julgado e acusado de deslealdade e traição, acabando publicamente degolado na praça do Giraldo, a 23 de junho. D. Fernando II foi executado, segundo D. João II, porque «desleal e desobediente a nossa Senhoria e a nosso real estado». No ano seguinte, o próprio rei apunhalou de morte, em Setúbal, o duque de Viseu, D. Diogo (irmão da rainha D. Leonor), acusado dos mesmos crimes. Em todo o processo ocorrido em 1483-1484, são julgados, presos ou executados mais de 80 fidalgos. Muitos fugiram para Castela, nomeadamente as famílias dos supliciados, como a da Casa de Bragança que, conforme referido, foi extinta.
4.º Duque – D. Jaime I «O Inconstante» (1479-1500-1532)
Tinha quatro anos de idade quando assistiu à execução do pai em Évora, sendo depois obrigado a exilar-se com a família em Castela. Em 1498, três anos depois de subir ao trono (D. João II morreu em 1495), D. Manuel I concede perdão aos Bragança, manda chamar D. Jaime e a família e repõe a dignidade do ducado, exceto o condado de Ourém. Com 19 anos, D. Jaime assume, então, o morgadio da Casa de Bragança. Entretanto, e porque D. Manuel ainda não tinha filhos e se temia que Portugal pudesse cair na órbita castelhana, D. Jaime foi jurado em Cortes príncipe herdeiro de Portugal, distinção que manteve mesmo após D. Manuel assegurar descendência.
Contudo, inexplicavelmente, em 1501, D. Jaime decidiu partir para Roma, levando na cabeça a ideia de castidade e de conversão em frade da Ordem da Piedade. Acabou intercetado em Calatyud (Aragão) por emissários régios, que o instaram a regressar. No ano seguinte, foram-lhe ajustados esponsais com Leonor de Guzmán, da casa ducal dos Medina Sidónia, de Castela, enlace que resultou numa tragicomédia de contornos pouco claros. Há quem refira o fraco desempenho de alcofa de D. Jaime e a leviandade de Leonor de Guzmán, que mantinha encontros secretos libidinosos em plena casa ducal com um tal de António Alcoforado, pajem do próprio filho D. Teodósio. Outros afiançam que foi o carácter inconstante e complexado do duque que intuiu na esposa comportamentos adúlteros não praticados, fórmula usada para se livrar de um matrimónio que desdenhava. Fosse como fosse, em 1512, tanto a duquesa como o suposto amante foram acusados por D. Jaime do crime de relação adúltera e de traição. O pajem foi decapitado e a duquesa Leonor de Guzmán, apesar de ser mãe dos seus dois filhos, foi degolada pelo próprio marido, com um cutelo de caça, a 2 de novembro (dia de finados).
A situação não agradou ao rei, que o mandou expiar os homicídios com uma expedição militar ao Norte de África, composta por dezenas de embarcações e 18.000 homens, em parte custeada pelo bolso de D. Jaime. Comandou, então, a operação de conquista de Azamor, no verão de 1513, da qual se saiu relativamente bem. Então, no ano seguinte, D. Manuel I concedeu Foral a Bragança, datado de 11 de Novembro, um minucioso documento, que comporta as seguintes disposições: «Foro dos dous maravedis; Decraraçam da paga do foro; Logares que nam pagam; Liberdade aos da cidade; Pena d’arma; Tabaliaaes; Terço das igrejas; Montados; Gaado de vento; Determinações jeraaes para a portagem; Pam, vinho, sal, caal, linhaça; Cousas de que non paga portagem; Casa movida; Pasagem; Novidade dos bens pera fora; Panos finos; Cargas e arrovas; Linho, lãa, pano groso; Gados; Caça; Coyrama; Calçadura; Pelitaria; Azeite, mel e semelhantes; Metaaes; Armas, ferramentas, ferro grosso; Pescado, marisco; Fryta sequa; Casca, çamugre; Ortaliça; Bestas; Escravos; Barro, louça; Malega; Moos; Pedra; Cousas de pao; Palma, esparto e semelhantes; Como se paga a portagem – Entrada por terra; Descaminhado; Saida per terra; Priviligiados; Vizinhança; Pena de foral».
D. Jaime dedicou, então, ao alargamento dos ofícios da Casa de Bragança, à construção do Palácio de Vila Viçosa, ao desenvolvimento agrícola da região e a uma vida de religiosidade, a despeito de ter voltado a casar, em 1519. Em 1527, no reinado de D. João III, o condado de Barcelos, originário de D. Afonso I, foi elevado a ducado.
5.º Duque – D. Teodósio I «O Culto» (1505-1532-1563)
Quando assumiu o ducado, D. Teodósio era um homem maduro, bem formado e de fino recorte social. Generoso, concedeu o ducado de Guimarães a sua irmã Isabel, aquando do casamento desta. Culto, dedicava-se à leitura, pintura e escultura, bem como ao aprimoramento do Palácio de Vila Viçosa, iniciado pelo pai e concluído no seu tempo. Chegou a desenvolver diligências para instaurar no convento de S. Agostinho, em Vila Viçosa, uma universidade, que não singrou porque o duque, entretanto, faleceu.
Além da caça e dos passeios a cavalo pelas suas terras alentejanas, as questões de ordem militar captavam a sua atenção, deleitando-se a exercitar os contingentes militares do ducado. Em 1540, foi, inclusive, nomeado fronteiro-mor das províncias do Minho e de Trás-os-Montes. Por essa altura, o ducado detinha uma considerável capacidade militar em homens, cavalos e armas, mantendo em Vila Viçosa uma organização denominada Armaria. D. Teodósio ansiava pelo batismo de fogo mas, por ironia do destino, o reinado de D. João III viveu tempos de acalmia. A magnificência da Casa de Bragança nos termos do Alentejo a ele se deve, onde as sumptuosas festas, receções de convidados e o seu próprio casamento ficaram registadas nos anais. Foi com o seu magistério que a Casa de Bragança se autonomizou da coroa e que os termos de Vila Viçosa foram ciosamente «blindados».
6.º Duque – D. João I «O Equidistante» (1543-1563-1583)
No ano em que sucedeu ao pai, casou com Catarina de Guimarães, prima direita e neta de D. João III. Portugal vivia então tempos complexos. O rei D. João III tinha morrido sem filhos, em 1557, sucedendo-lhe no trono o neto D. Sebastião, apenas com três anos de idade. Pelo facto, num primeiro momento, foi a rainha-avó D. Catarina quem tomou conta da regência, substituída em 1562 pelo cardeal D. Henrique, irmão do falecido monarca.
Entretanto, em 1568. D. Sebastião assumiu a governação e a jornada de África passou a constar nos desígnios nacionais. Sempre que o rei deambulava pelo Alentejo e Algarve, a inspecionar fortalezas e tropas, visitava D. João em Vila Viçosa. E foi numa dessas visitas que, em 1574, D. Sebastião convidou D. João a acompanhá-lo ao Norte de África, enquanto preparativo para a expedição de conquista que, quatro anos depois, redundaria na tragédia de Alcácer-Quibir. O duque organizou à sua conta 2.000 infantes e 600 cavalos e, entre agosto e Setembro, esteve com rei em Ceuta e Tânger.
Em 1578, D. Sebastião regressou a África, decidido a erguer um império português em território marroquino. D. João, por estar doente, não o acompanhou, mas disponibilizou tropas e apoio financeiro, o filho primogénito D. Teodósio, com apenas 10 anos, e o irmão Jaime. O resultado da expedição é conhecido; o Exército Português foi copiosamente derrotado, o rei e muita da nobreza que o acompanhou foram mortos, incluindo o irmão do duque D. Jaime e, dois anos depois desse 4 de agosto de 1478, Portugal perdia a independência para a Espanha. Filipe II de Espanha foi aclamado rei Filipe I de Portugal, em abril de 1581, nas Cortes de Tomar. Procurando reinar com prudência, a fórmula encontrada foi um rei (hispânico) para dois reinos (Portugal e Espanha). Sabendo da importância social da Casa de Bragança e que os duques entroncavam na genealogia da Monarquia Portuguesa, Filipe procurou arrastá-los para a sua órbita. Sem efeito, o duque D. João I, entre a subserviência ou a oposição à coroa filipina, assentou uma prática de equidistância com a coroa.
7.º Duque – D. Teodósio II «O Assertivo» (1568-1583-1630)
Com apenas 10 anos de idade, D. Teodósio representou o pai na expedição marroquina de 1578. Conta-se que na manhã de 4 de agosto, enquanto organizava o Exército, D. Sebastião o manteve junto a si. Depois, os dois exércitos avistaram-se e trocaram salvas de artilharia, iniciando a batalha de Alcácer-Quibir. Nessa altura, o monarca mandou retirar a criança para fora do dispositivo de combate, garantindo-lhe segurança na área da retaguarda.
Com maior poder de fogo e uma maior mobilidade assente em cavalaria, a sorte das armas sorriu aos mouros, à medida que a desordem entre os contingentes militares portugueses se instalava e o caos imperava. D. Sebastião, vendo a situação degradar-se, tornou-se ele próprio um combatente. Mudou de cavalo três vezes, arremeteu outras tantas contra a mourama, que espadeirou que nem um louco. Combatia já não pela vitória, nem sequer pela vida, mas pela morte com honra. Cristóvão de Távora, um dos fidalgos próximos do rei, ainda procurou convencer o monarca à rendição, perguntando-lhe «meu Rei e meu senhor, que remédio temos?» ao que respondeu «o do Céu, se as nossas obras o merecerem», acrescentando que «a liberdade real com a vida se havia de perder».
Conta-se que o menino D. Teodósio abandonou o conforto do coche onde se resguardava, montou a cavalo e chegou-se à frente da batalha. Puro ato de heroísmo, pouco próprio de uma criança, para quem o desprendimento da vida se submete aos mais altos valores de patriotismo. À semelhança de muitos compatriotas, foi acutilado e feito prisioneiro. Enquanto em Portugal se temia pelo destino do rei, que desapareceu, e do reino, perderia a independência para a Espanha, D. João I de Bragança vivia horas de amargura em Vila Viçosa pelo destino do filho. Quando o soube vivo, tratou de enviar ao sultão Mulei Ahmed um resgate de 400.000 cruzados, enquanto contactou Filipe II de Espanha para interceder em Marrocos nesse sentido. O sultão, que tinha ficado deveras impressionado com a audácia e arrojo do pequeno Teodósio libertou-o. De Fez foi para a Andaluzia, onde esteve em casa dos Medina Sidónia durante algum tempo, chegando ao reino em agosto de 1579.
A tempo de ver Portugal escorregar para «os braços» de Filipe II de Espanha, apesar de a mãe, D. Catarina de Bragança, ainda ter esgrimido argumentos sobre os seus direitos sucessórios ao trono e procurar reconhecimento em França, Inglaterra e na Santa Sé. Imperou a lei do mais forte. Em 1583, com a morte do duque D. João I, Filipe II avançou com uma proposta de casamento com a duquesa viúva D. Catarina, que lhe foi negada. A «altiva senhora» percebeu a jogada do «rei espanhol» e respondeu «que não havia de trocar as memórias do duque D. João pela vaidade da coroa de Espanha, nem ofender o direito de seu filho o duque D. Teodósio à coroa de Portugal».
D. Teodósio não procurou resgatar a Coroa, percebendo que a Espanha, à época, era uma grande potência europeia e mundial a nível político, militar e económico. Além do mais, é bem possível que a intermediação de Filipe II junto do sultão marroquino para a sua libertação tenha pesado na consciência do jovem duque. Seja como for, D. Teodósio II conviveu sem constrangimentos com os três «Filipes» da dinastia hispânica em Portugal: i) organizou contingentes militares no Alentejo para se oporem ao ataque a Lisboa por D. António Prior do Crato, auxiliado por ingleses, em 1589; ii) em 1603, casou com D. Ana Velasco e Giron, filha do condestável de Castela e Leão; iii) em 1617, enviou preventivamente forças militares para o Algarve, em virtude da aproximação de meios navais holandeses; iv) quando estes atacaram a Baía, no Brasil, em 1624, colocou à disposição da coroa 20.000 cruzados para auxiliar na operação de resgate da importante cidade costeira; v) foi esperar Filipe III a Elvas, em 1619, quando este visitou Portugal para fazer jurar em cortes o primogénito Filipe IV.
Bravo na juventude, hesitante como adulto, o duque D. Teodósio II foi complacente com a Dinastia Filipina, definindo o ducado como a sua real esfera de intervenção e protagonismo, deixando o tempo correr.
8.º Duque – D. João II «O Restaurador» (1604-1630-1656)
D. João II, 8.º duque de Bragança, 5.º duque de Guimarães e 3.º duque de Barcelos, foi a figura escolhida pelos conjurados de 1640 para formalizar a restauração da Dinastia Portuguesa.
Nasceu em Vila Viçosa, recebeu uma educação esmerada no campo das letras, teologia, música, exercícios físicos e montaria e foi na região alentejana que fez grande parte da sua vida, até à Aclamação de Dezembro de 1640. Casou em 12 de janeiro de 1632 com a espanhola D. Luísa Francisca de Gusmão, da Casa de Medina Sidónia, numa altura em que se sentia um pulsar nacional em crescendo contra a tutela hispânica de Filipe IV.
A revolta popular de Évora, ocorrida em 1637 e que alastrou a outros lugares do Alentejo e do Algarve, criou um clima de exaltação, clamando-se a realeza de D. João. Os hispânicos esmagaram com ferocidade as revoltas, mas em Madrid prestou-se mais atenção à conduta do «Bragança». A partir de 1638, nobres e fidalgos começaram a equacionar o desencadeamento de um golpe de Estado contra a Espanha, sentindo o apoio da França do cardeal Richelieu. Para o efeito, iniciaram diligências junto de D. João, no sentido de perceberem a sua anuência e disponibilidade para ocupar o trono. Mas o duque manteve-se cauteloso. D. João sabia que a sua popularidade era imensa e a expectativa relativamente à sua pessoa óbvia, mas não desconhecia que era vigiado pelos agentes da duquesa Margarida de Mântua, representante em Lisboa do poder de Madrid. Um passo em falso podia significar a dissolução da Casa de Bragança e o fim das aspirações da emancipação portuguesa. Paulatinamente, tornou-se na «alma» de um movimento que, aparentemente, não tinha «cabeça», mas que ele orientava sub-repticiamente a partir do seu palácio de Vila Viçosa. Em meados de 1639, D. João foi nomeado governador-geral das armas de Portugal, fórmula encontrada por Olivares, valido (1.º ministro) de Filipe IV, para controlar a Casa de Bragança e testar a lealdade do duque. Contudo, nem Olivares conseguiu ganhar a simpatia da mais importante família portuguesa, nem D. João se deixou cair na órbita da influência de Filipe IV.
A situação precipitou-se a partir de 6 de junho de 1640, quando a Catalunha se revoltou contra Castela e assumiu a independência. A Insurreição, que impeliu Madrid a recrutar soldados e nobres em Portugal para combater na frente catalã, desviou a atenção do problema português. Entretanto, D. João e outros nobres foram chamados a Madrid para um preito de lealdade. Aconselhado pelos conjurados, D. João foi protelando a ida com uma série de desculpas, jamais se deslocando do palácio de Vila Viçosa para o do Escorial.
Entretanto, ao mesmo tempo que em Madrid se desconfiava que algo se preparava em Lisboa, a alta nobreza, representada por D. Miguel de Almeida, conde de Abrantes, e D. Antão de Almada, conde de Avranches, e a fidalguia, com João Pinto Ribeiro, emissário do duque, à cabeça, aceleraram os preparativos do golpe. Sabiam que não podiam contar com determinados nobres ou a judiaria financeira e que tinham de se precaver com a tentacular Inquisição. Mas existiam apoios importantes: i) os teólogos da Companhia de Jesus, animados por um espírito anti castelhano e imbuídos de um carácter messiânico, que trataram de animar os espíritos nacionais, justificando juridicamente a Nova Dinastia; ii) D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Lisboa, era um lídimo representante do alto clero; iii) o padre Nicolau da Maia fomentaria a revolta no povo e serviria de elo de ligação entre o baixo clero, a burguesia Lisboeta e a Casa dos Vinte Quatro; iv) D. Luís da Cunha obteve para D. João a adesão da praça de Elvas, garantia de defesa fronteiriça; v) D. Filipa de Vilhena e D. Mariana de Lencastre prepararam as mulheres portuguesas, incitando ainda os seus filhos à luta.
Entre reuniões e encontros fortuitos ocorridos em Lisboa (Palácio de Antão de Almada, Igreja de São Domingos, Xabregas, Santos), a decisão do golpe foi deliberada em 12 de outubro de 1640. Em 21 de Novembro, D. João deu o seu assentimento e, quatro dias depois, teve lugar a reunião decisiva. O golpe foi desencadeado na manhã de Sábado, 1 de dezembro de 1640. Perpetrado por um conjunto de fidalgos (71), nobres (36) e respetivos ajudantes das casas (c. 200 pessoas), irrompeu do Terreiro do Paço pelo Paço da Ribeira: i) as guardas alemã e castelhana foram anuladas; ii) o secretário Miguel de Vasconcelos foi espingardeado e arremessado janela fora para o meio da rua; iii) a vice-rainha Margarida de Mântua foi aprisionada; iv) da varanda gritou-se o sucesso do golpe, dando-se vivas à liberdade e à realeza do duque de Bragança. O povo afluiu e o sucesso do dia estava garantido, cabendo aos padres a galvanização das gentes e ao arcebispo da cidade a imediata organização de uma procissão em ação de graças.
A presença castelhana dissipava-se e Portugal recuperava o seu futuro. No dia 6 de dezembro, D. João chegou a Lisboa, sendo formalmente aclamado rei de Portugal no dia 15, em cerimónia realizada no Terreiro do Paço. Quase, sem exceção, a Aclamação foi de imediato acolhida em todo o território português e nas possessões ultramarinas. A notícia dos acontecimentos chegou a Madrid a 6 desse mês, sendo recebida com alguma displicência por Olivares. De tal forma, que este terá dito a Filipe IV que o ato de loucura do duque de Bragança permitiria à Coroa ganhar um ducado e doze milhões. Seja como for, era dado como assente que a revolta portuguesa triunfara. Seguir-se-ia a longa guerra entre os dois Estados vizinhos.
O Ducado de Bragança iniciou a sua centralidade com D. Afonso a Norte do País, no triângulo Barcelos-Chaves-Guimarães. Depois, como D. Fernando I era conde de Arraiolos e marquês de Vila Viçosa quando assumiu o ducado, transferiu a sede da Casa de Bragança para Vila Viçosa, habitando no castelo. Dessa forma, Vila Viçosa tornou-se na cabeça ducal de todos os herdeiros, transitando a habitabilidade para o palácio mandado construir por D. Jaime. Dos oito duques, só os três primeiros não nasceram em Vila Viçosa: D. Afonso nasceu em Veiros-Estremoz, D. Fernando I em Chaves e D. Fernando II em local desconhecido. Relativamente à «morada eterna dos duques», com exceção de D. Afonso, que está sepultado na Igreja Matriz de Chaves, estão todos em Vila Viçosa. Bragança e seus termos mantiveram-se como terras de periferia, onde os duques raramente se deslocaram, não obstante os cuidados de boa governança e mercês, independência face à coroa e usufruto de rendas, através de fidelização clientelar.
A partir da Restauração, os monarcas «de Bragança» reinaram a partir de Lisboa: no Paço da Ribeira, até ao terramoto de 1755, e depois entre os palácios de Queluz, Bemposta, Ajuda, Mafra e Necessidades. Relativamente à deposição dos seus restos mortais, com exceção de D. Pedro IV, que estão no Brasil, todos os monarcas da 4.ª Dinastia estão sepultados no Panteão da Dinastia de Bragança, na Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. Na verdade, depois do 7.º duque, D. Teodósio II, D. Duarte Nuno foi o primeiro a ser sepultado, já em pleno século XX, no Panteão dos Duques do Palácio de Vila Viçosa.
Pelo que se percebe, os duques não nasceram em Bragança, não habitaram a localidade e nenhum está aqui sepultado. Porquê então a escolha de Bragança para a criação da terceira casa ducal de Portugal e ter sido a segunda localidade a ser elevada a cidade durante a Monarquia Portuguesa? Convém ter presente que quando Bragança foi distinguida como ducado (1442) e entregue enquanto título nobiliárquico a D. Afonso, a vila transmontana era o baluarte fronteiriço da região nordeste, sobressaindo um sistema amuralhado de generosas dimensões e robustez, um castelo imponente e uma altaneira torre de menagem, que lhe emprestavam dignidade e segurança. Depois, anote-se que Bragança ficava em linha de vista com algumas das terras leonesas onde Portugal firmou acordos decisivos para a sua individualização, nomeadamente Zamora, onde D. Afonso Henriques firmou o Tratado com Afonso VII (1143), que lhe garantiu o reconhecimento de independência, e Alcañices, onde D. Dinis assinou o Tratado de delimitação fronteiriça com Fernando IV (1297). É importante também acrescentar que Bragança foi uma das localidades que mereceu a atenção de D. João I (pai do duque D. Afonso) após a vitória na Guerra da Independência contra Castela, a ele se devendo a reconstrução do castelo, a ampliação e melhoramento das muralhas e a edificação da torre de menagem. Na verdade, Bragança alinhou, nessa época, inicialmente por Castela contra o mestre de Avis, futuro D. João I, pelo que importava garantir um preito de lealdade, dignidade e sustentabilidade à vila raiana, que o regente D. Pedro entregou como ducado à guarda de D. Afonso de Bragança. Com um ducado territorialmente enorme, inserto no extremo norte do reino e confiado a linhagem régia, estava garantido o ferrolho fronteiriço da região, bem observável aquando das guerras da Restauração (1640-1668), da Sucessão de Espanha (1703-1713) e dos Sete anos (1762). Além de a proximidade com Leão-Castela funcionar para o ducado como uma mais-valia ao nível das relações comerciais.
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