Nº 2653/2654 - Fevereiro/Março de 2023
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Guerra da Ucrânia: O Sucesso da Artilharia e da Guerra Eletrónica
Tenente-coronel
Pedro Marquês de Sousa

A expressão “fogos táticos com resultados estratégicos” demonstra a importância da artilharia de campanha neste conflito, em que o exército da Ucrânia revelou um potencial surpreendente, perante um adversário muito superior. Pode parecer que a artilharia está a repetir fórmulas antigas, no apoio à infantaria nas linhas defensivas, a atacar a artilharia inimiga (contrabateria) e a bater objetivos em profundidade (depósitos de munições, postos de comando etc;) mas, na verdade, estamos a assistir a grandes inovações, com o apoio da guerra eletrónica, a arma secreta desta guerra.

Durante o primeiro ano da guerra, foram as armas de artilharia que impediram as forças russas de realizarem a manobra ofensiva que pretendiam. A artilharia voltou a ter um grande protagonismo e os EUA e outros países aliados começaram por fornecer capacidades neste âmbito, antes de reforçarem a capacidade de manobra (carros de combate) e o poder aéreo.

Além da superioridade do seu poder aéreo, o potencial da artilharia da Rússia era bastante temido, especialmente pela superioridade em artilharia autopropulsada e lança foguetes, mas, como se descreve neste artigo, a artilharia ucraniana mostrou ser capaz de reduzir o potencial do exército russo, usando novas capacidades de comando e controlo, de localização dos alvos (aquisição de objetivos), comunicações e de guerra eletrónica EW (Electronic Warfare) que fazem a diferença no “duelo” entre as duas artilharias em confronto. No início do conflito, em 2014, a artilharia russa tinha uma superioridade de três para um (3:1) relativamente à artilharia da Ucrânia, mas, em 2022, as forças ucranianas conseguiram maximizar os seus meios e causar perdas significativas no adversário, impedindo o exército russo de desenvolver uma manobra ofensiva rápida, como pretendia inicialmente.

 

O apoio em artilharia dos aliados da Ucrânia

Quando a guerra começou, a Ucrânia tinha 1150 bocas de fogo (obuses) dos antigos calibres soviéticos (750 obuses 152 mm e 350 de calibre 122 mm), mas o exército ucraniano recebeu dos países aliados mais de 500 obuses de calibres NATO (105 mm e 155 mm), ficando no total com cerca de 1700 bocas de fogo de artilharia de campanha1.

Além de obuses 155 mm (rebocados e autopropulsados), a Ucrânia também recebeu dos aliados mais de uma centena de obuses 105 mm modernos (72 dos EUA e 36 obuses L 119 enviados pelo Reino Unido) e alguns antigos M101 da Lituânia2.

Como a Ucrânia tinha poucas munições de calibres soviéticos (122 mm e 152 mm) os EUA compraram munições de artilharia a diversos países e enviaram para a Ucrânia 45.000 munições 152 mm, 20.000 para obuses 122 mm e 50.000 foguetes 122 mm GRAD3, tal como fez também o Reino Unido, mas um dos dados de planeamento mais sensível tem sido o receio da Ucrânia esgotar a sua reserva de munições 152 mm.

Figura 1 – Obus D-30 calibre 122 mm da Ucrânia.

 

De acordo com informações oficiais4, os EUA reforçaram bastante a artilharia ucraniana, como podemos ver na tabela seguinte:

Artilharia

155 mm

Artilharia

105 mm

Morteiros

Lança-Foguetes

160 obuses

72 obuses

30 morteiros 120 mm

10 morteiros 82 mm

10 morteiros 60 mm

38 High Mobility Artillery Rocket Systems

Mais de 1.000.000 de munições (normais), mais de 6.000 munições guiadas de precisão e mais de 10.000 munições RAAM (Remote Anti-Armor Mine)

370.000 munições

Mais de 175.000 munições para morteiro 120 mm

 

Munições e foguetes de calibres soviéticos, fornecidos pelos EUA à Ucrânia em 2022:

Munições 152 mm

Munições 122 mm

Foguetes 122 mm

45.000

20.000

50.000 foguetes GRAD

 

Uma das maiores dificuldades tem sido a manutenção de um sistema de apoio logístico, capaz de fornecer munições em quantidade adequada, pois embora inicialmente tenha sido estimada uma taxa de consumo na ordem das 3000 granadas de artilharia por dia, atualmente, admite-se um consumo de 5000 por dia. O fornecimento de munições e de obuses 155 mm foi um desafio exigente para os EUA, pois como o modelo M 777 já não é fabricado, o Departamento de Defesa dos EUA considerou a possibilidade de fornecer também obuses 155 mm mais antigos (modelo M 198), que o exército americano tem em reserva, desde o ano 2006, quando foram substituídos pelo modelo M 777.

Uma das vantagens do modelo M 777 é ser muito mais leve do que o modelo M 198 e do equivalente modelo soviético 152 mm, como podemos ver na tabela seguinte. Comparando o modelo 155 mm M 777 dos EUA com os obuses do exército da Rússia, podemos verificar que o americano, com munição normal (sem propulsão assistida), tem um alcance equivalente ao modelo 152 mm Giatsint-B, mas tem muito mais alcance do que o obus 122 mm. Com a munição assistida e guiada por GPS, o alcance do obus M777 pode atingir os 40 km, muito mais do que os modelos equivalentes da Rússia.

 

Comparação dos obuses 155 mm e 152 mm

 

M 777

M 198

2A65 MSTA-B

Calibre

155 mm

155 mm

152 mm

Alcance

24700 m

22400 m

24700 m

Peso

4218,40 kg

7121,40 kg

6803,88 kg

 

Figura 2 – Obus 155 mm M 777 fornecido pelos EUA na Ucrânia.

 

Foi esta necessidade de obuses 155 mm que levou também Portugal a oferecer a cedência à Ucrânia dos antigos obuses 155 mm rebocados M 1145, o que não chegou a acontecer, tendo em conta que outros países anunciaram o fornecimento de mais de 350 obuses mais recentes, como se indica na tabela seguinte. Já no presente ano, a Suécia também anunciou o envio do sistema Archer (BAE Systems) semelhante ao sistema Caesar dos franceses.

Países que manifestaram disponibilidade para fornecer artilharia à Ucrânia6

Países

Quantidade

Modelo obus 155 mm

Estados Unidos da América

142

M 777

Canadá e Austrália

10

Reino Unido

20

M 109

Noruega

23

Letónia

6

Itália

20

Alemanha

22

PzH 2000

França

37

CAESAR

15

TRF 1

Polónia

18

AHS Krab

Itália e Estónia

2

FH-70

Eslováquia

8

Suzana

Reino Unido

30

AS-90

 

A Artilharia autopropulsada da Ucrânia

A artilharia ucraniana tinha 36 obuses autopropulsados 2S19 Msta-S de 152 mm, as peças 2S7 Pion da era soviética (203 mm) e os 2S5 Hyacinth7. As pesadas peças 2S7 Pion (203mm) ficaram célebres no ataque à força russa a norte de Kiev, que pretendia tomar a capital, em março de 2022, mas como o apoio direto às unidades de infantaria mecanizada é feito pelos obuses 2S3 Akatsiya, os aliados também forneceram obuses autopropulsados mais modernos, nomeadamente os 155mm M109 Paladin.

A mobilidade da artilharia ucraniana tem conseguido resistir à contrabateria russa, que normalmente tem sido bastante lenta, permitindo que as baterias da Ucrânia (mesmo com obuses rebocados) possam disparar e sair da posição, antes de serem atacadas. Nos casos em que a missão é conduzida por drones, a contrabateria russa responde mais rapidamente, mas as baterias ucranianas contam normalmente com a proteção de mísseis antiaéreos portáteis Starstreak/Marlet (britânicos) para se defenderem dos drones.

Figura 3 – Obuses 2S3 Akatsiya 152 mm em Donbass, na Ucrânia.

 

Um dos erros cometidos pelos russos tem sido a reduzida mobilidade (mudanças de posição, como medida de sobrevivência). Após as missões de tiro, a artilharia russa não muda de posição e só retira quando está a ser atacada, embora também se tenham verificado muitos casos em que, debaixo de fogo, o pessoal das baterias russas abandona as armas, que ficam sujeitas à contrabateria e são destruídas. Outro erro incompreensível é o empenhamento desproporcional de meios muito potentes sobre alvos sem importância, havendo relatos do lançamento de mísseis balísticos Tochka-U em missões de contrabateria sobre um simples e único obus 155 mm M109 do exército ucraniano.

Os meios autopropulsados da Ucrânia têm mobilidade, mas apresentam limitações, pois o 2S3 Akatsiya tem um alcance relativamente curto (17 km) em comparação com o alcance de 24 km do Msta-S, que as forças russas têm em maior quantidade. Apesar da postura defensiva da Ucrânia, a mobilidade dos meios é importante, tal como a logística de apoio, principalmente no reabastecimento de munições, que tem sido um fator critico, para manter o apoio de fogos às unidades das linhas defensivas e a contrabateria.

 

Os Lança Foguetes da Ucrânia

O exército da Ucrânia dispunha de sistemas lançadores de foguetes soviéticos, nomeadamente um Grupo de BM-30 Smerch e outro Grupo de BM-27 Uragan, mas, em julho de 2022, os EUA começaram a fornecer à Ucrânia os sistemas HIMARS (High Mobility Artillery Rocket System) que fizeram mudar o curso da guerra, quando começaram a atacar com sucesso os postos de comando, depósitos de munições, aquartelamentos e outras instalações na retaguarda das forças russas (combate em profundidade, atingindo alvos a cerca de 50 km da linha da frente russa) e do grupo Wagner, especialmente na reconquista da cidade de Kherson.

Durante os primeiros 4 meses de guerra, a Ucrânia dispunha dos BM21 Grad (122mm), BM27 Organ (220mm) e BM30 Smerch (300mm), mas, em julho de 2022, os EUA começaram a fornecer 38 Lança foguetes (HIMARS e M270) e milhares de foguetes. O sistema M 142 HIMARS (High Mobility Artillery Rocket System) é superior ao sistema equivalente da Rússia, pois tem mais velocidade e alcance do que os sistemas Smerch BM-30 e, por isso, o ataque com sucesso a diversas unidades de artilharia e depósitos de munições russos tem sido realizado pelos foguetes HIMARS, que têm capacidade de bater alvos com precisão, até 80 km de distância, com foguetes guiados por GPS.

Figura 4 – Lança Foguetes M 142 HIMARS dos EUA.

 

A Artilharia Russa

No início da guerra, a artilharia russa tinha uma superioridade de três para um (3:1) em relação à artilharia da Ucrânia e, apesar das armas fornecidas pelos países aliados, a artilharia do exército russo continua a dispor de maior quantidade de armas, embora tal não se traduza numa superioridade relativa. A artilharia das forças russas consome cerca de 20.000 munições de artilharia por dia enquanto a artilharia ucraniana consome 5000 a 6000 munições diariamente e, no que diz respeito à quantidade de lançamentos de foguetes e de mísseis balísticos, a superioridade russa é ainda mais expressiva8.

O comando e controlo na artilharia da Rússia continua ainda muito centralizado, ao contrário do que se esperava, pois era suposto utilizar a artilharia de modo mais descentralizado, dotando o seu escalão de base (agrupamento tático de blindados ou de infantaria) com uma a três baterias de artilharia, o que não se verifica. Os seus agrupamentos táticos têm apenas o apoio de morteiros e pouca artilharia, pois continuam a empregar a artilharia de forma clássica, com os seus Grupos de Artilharia nas Brigadas9 e a artilharia divisionária nas Divisões, com um controle muito centralizado.

De modo diferente da doutrina ocidental, cada agrupamento tático (nível batalhão) tem artilharia própria (3 baterias) o que, teoricamente, daria mais poder de fogo aos escalões de manobra (agrupamentos táticos), mas tal não se tem verificado. Além disso, a artilharia russa tem usado um sistema de comunicações relativamente fraco, comprometendo até a segurança das unidades, que são referenciadas e batidas pela artilharia ucraniana, situação que tem provocado muitas baixas às unidades russas. Verificou-se ainda que a artilharia russa não tem funcionado bem integrada com as unidades de manobra, na resposta aos pedidos de apoio de fogos com a rapidez necessária, operando com tempos de resposta muito demorados.

Havia o receio da artilharia russa ter melhores sistemas de reconhecimento e referenciação de alvos e de direção de tiro, com base nos drones de vigilância Orlan-10, mas verificou-se que isso normalmente não acontece.

De modo geral, os artilheiros russos não estão bem treinados nem têm sistemas de comunicações e de comando e controlo tão eficazes como se esperava. O emprego de drones devia permitir à artilharia russa ajustar melhor os fogos em tempo real e atingir alvos em movimento, com o empenhamento apenas de uma ou duas bocas de fogo (de modo mais descentralizado) em vez de usar toda a bateria (seis bocas de fogo). A incapacidade de usar sistemas mais eficazes (como o drone Orlan-30 com um designador a laser) tem provocado um desperdício de munições devido à falta de precisão.

Figura 5 – Drones de vigilância russos Orlan-10.

 

A artilharia de cada Brigada russa, conta com o apoio de radares SNAR-10 e Zoopark-1 em viaturas e ainda com drones Orlon-10 e Forpost, meios que detetam alvos e enviam os dados aos comandos de Agrupamento/Batalhões e estes às baterias de artilharia que estão em seu apoio.

A artilharia russa emprega os obuses em apoio direto das unidades de manobra e para bater alvos pontuais, enquanto os lança foguetes múltiplos são mais usados para bater áreas. As missões de contrabateria para bater a artilharia ucraniana e os operadores de drones são reservados aos mísseis balísticos Tochka-U e aos obuses com maior alcance, controlados ao nível dos altos escalões: os obuses rebocados 2A65 Msta e 2A36 Giatsint, e as suas variantes autopropulsadas 2S19 e 2S5 e a peça autopropulsada 2S7M Malka 203 mm.

Durante o primeiro ano da guerra, o sucesso da artilharia da Ucrânia foi devido à capacidade em guerra eletrónica fornecida pelos EUA e pelos mísseis antirradiação (AGM-88 HARM)10 que têm atacado os radares de contra bateria russos, impedindo que a sua artilharia localize a artilharia da Ucrânia11, especialmente os lança foguetes HIMARS que têm sido devastadores contra a artilharia russa, depósitos de munições e postos de comando.

Figura 6 – Obuses 2S19 calibre 152 mm da Rússia.

 

A contrabateria russa tem sido bastante lenta, demorando uma média de 30 minutos para iniciar uma missão de tiro de contrabateria, o que é demasiado tempo e permite que as baterias da Ucrânia (mesmo de obuses rebocados) possam disparar e sair da posição, antes de serem atacadas. Se o pedido de tiro for feito por um observador de drones, as baterias russas respondem mais rapidamente, fazendo contrabateria em três a cinco minutos e, além disso, admitimos que as forças ucranianas estejam a usar sistemas de engodo, para emitir radiações falsas a uma determinada distância dos verdadeiros radares para enganar a artilharia russa12.

Figura 7 – Peça 2S7 Pion ou Malka de calibre 203 mm.

Figura 8 – Peça 2A65 Msta-B calibre 152 mm da Rússia.

Figura 9 – Lança foguetes BM-30 Smerch da Rússia.

Figura 10 – Lançadores de míssil balístico Tochka-U.

 

A importância da guerra eletrónica (EW) e da ISTAR (Aquisição de Objetivos)

O sucesso obtido pelas forças ucranianas, tem sido, em boa parte, devido à capacidade da sua artilharia causar perdas significativas à artilharia russa, reduzindo a possibilidade de realizarem uma manobra ofensiva rápida, como pretendiam.

Neste conflito, a tecnologia de Electronic Warfare (EW) tem sido a “arma secreta” e, ao contrário do que se esperava, a Rússia não tem superioridade neste âmbito, enquanto a Ucrânia, com o apoio dos seus aliados (EUA e Reino Unido), tem sido bastante superior.

A guerra eletrónica é usada para detetar e localizar as emissões eletrónicas do adversário, para atacar ou perturbar os sistemas de comunicações, a defesa aérea, os radares de artilharia e para proteger as unidades amigas (spoofing) ao confundir e iludir o adversário. As forças ucranianas têm contado também com os mísseis antirradiação dos EUA, muito eficazes no ataque aos radares de contrabateria russos.

Logo no início da ofensiva russa, em Fevereiro de 2022, ficou claro que a Rússia foi incapaz de neutralizar os radares e os meios antiaéreos da Ucrânia, não tendo conseguido ter superioridade aérea. As comunicações militares russas foram escutadas, as suas unidades localizadas e os seus meios de vigilância foram seriamente afetados.

A guerra eletrónica consegue desviar as munições e mísseis, interferindo nos sistemas de guiamento, pode desorientar as aeronaves, anular a missão dos radares e tem sido usada numa vertente ofensiva, contra a artilharia, aeronaves, mísseis de cruzeiro, drones e comunicações, mas também no âmbito na proteção das unidades.

O afundamento do cruzador russo “Moskva” foi realizado com o apoio da tecnologia e inteligência dos Estados Unidos e de outros membros da NATO, cujo apoio tem sido relevante através de satélites, de aeronaves de vigilância e dos sistemas de comunicações via satélite Starlink, do empresário Elon Musk1​3. Sabemos que a SpaceX tem mais de 2200 satélites de baixa órbita e fornece internet de banda larga a mais de 150.000 estações terrestres e que estes satélites (em órbita terrestre baixa) são muitos mais difíceis de bloquear do que os geoestacionários14.

Os ucranianos praticam com mais sucesso algumas táticas que os russos usaram em 2014, como ocorreu no dia 11 de Julho de 2014, em Luhansk, quando 3 Brigadas ucranianas se preparavam para atacar os separatistas, mas foram detetados por drones russos, ao mesmo tempo que os sistemas radio-jammers (guerra eletrónica) impediram as comunicações entre as unidades ucranianas. Os sistemas russos foram estudados e não têm sido eficazes, embora tenham tido algum sucesso antes do verão de 2022, quando conseguiram afetar os drones e a artilharia dos ucranianos, o que permitiu às tropas russas consolidarem posições no leste e se prepararem para os combates do verão.

Os russos usaram os sistemas TORN e SB-636 Svet-KU para detetar as unidades ucranianas através das emissões dos seus rádios (comunicações), o sistema RB-341V Leer-3s ligado aos drones Orlan-10 e os empasteladores de rádio R-934B Sinitsa e R-330Zh Zhitels que bloqueiam links de satélite.

Figura 11 – Sistema de guerra eletrónica russo Krasukha-4.

 

Um dos equipamentos russos é a estação de interferência multifuncional de banda larga 1RL257 Krasukha-4, com um alcance de 300 km, que serve para bloquear sinais de radares do adversário, interromper satélites de órbita terrestre baixa, perturbar os radares AWACS e os satélites espiões. Em Março de 2022, foi noticiado que um destes sistemas tinha sido capturado pelas forças ucranianas perto de Kiev, mas o potencial de guerra eletrónica dos ucranianos tem sido garantido pelas forças da NATO, pois temos a confirmação da presença de aviões de inteligência como os RC-135W Rivet Joint, da força aérea dos Estados Unidos e do Reino Unido15.

Recentemente, um avião de vigilância russo (Beriev A-50), designado pela NATO como Mainstay, foi danificado na base aérea de Machulishchy na Bielorrússia, assim como têm ocorrido vários ataques a bases aéreas russas: em Dezembro de 2022, foi atacada por meios aéreos (drones) a base russa de Engels, a leste da fronteira da Ucrânia, assim como a base de aviões bombardeiros de Ryazan, perto de Moscovo, a mais de 450 km da fronteira ucraniana.

Em 2022, a artilharia ucraniana, com os meios fornecidos pelos EUA, mostrou ser capaz de reduzir fortemente o potencial da artilharia russa e uma das vantagens mais surpreendentes foi o sucesso das missões de contrabateria, contando com uma boa capacidade de deteção dos meios do adversário, com o sistema lança foguetes HIMARS e com ações de guerra eletrónica. Os ensinamentos de 2014 e 2015 foram importantes para a artilharia e as forças ucranianas fizeram um bom estudo de informações sobre os russos, dos seus movimentos e os alvos mais críticos a serem atacados, através da localização das armas inimigas, bem como dos meios de inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento (ISTAR) dos russos. Em 2022, os russos empregaram os mesmos sistemas de EW que usaram na invasão da Crimeia, no leste da Ucrânia, em 2014 e na Síria (2015).

Assim, foi necessário saber esperar e ter capacidade para resistir, enquanto os russos revelavam as posições das suas armas, pois para destruir os sistemas russos foi necessário manter um equilíbrio entre a necessidade de os localizar e de sobreviver, porque as missões da artilharia da Ucrânia teriam obviamente uma reação eficaz de contrabateria por parte da artilharia russa16.

A ação dos veículos aéreos não tripulados (UAV) em conjunto com os radares de contrabateria tem sido crucial e a Ucrânia operou com sucesso os seus radares Zoopark 3, bem como os radares de contrabateria e contra morteiro (AN/TPQ-36 Firefinder e AN/TPQ-49) fornecidos pelos EUA. Estes radares foram usados para localizar as armas russas e foram complementados pelo sistema de deteção acústica Polozhennya-2.

Figura 12 – Radar de Contrabateria Zoopark 3.

Figura 13 – Radar AN/TPQ-49 dos EUA, na Ucrânia.

Figura 14 – Sistema Polozhennya-2 com os sensores de som.

Figura 15 – Equipamentos L3Harris dos EUA fornecidos às forças ucranianas.

 

O sistema de comunicações, o processamento e a partilha das informações foi uma das tarefas mais críticas e bem-sucedidas, tendo em conta a importância do fator tempo para fazer tiro e garantir a sobrevivência das baterias. Para a eficácia e a segurança das suas comunicações, foi importante as capacidades dos rádios L3Harris e Aseslan que são mais resistentes a interferências do que os rádios soviéticos que equipavam o exército da Ucrânia. Apesar da capacidade de guerra eletrónica (EW) do exercito russo, os ucranianos conseguiram preservar os seus sistemas de comunicações, graças aos rádios L3Harris fornecidos pelos EUA ao exército ucraniano e também aos rádios Aselsan turcos, que equipam as forças de defesa territorial17.

Meios de aquisição de objetivos e de comunicações fornecidos pelos EUA à Ucrânia18, desde 2014:

Aquisição de Objetivos

Comunicações

Radares para deteção de UAV;

Mais de 70 radares de Contrabateria e de localização de morteiros;

20 radares diversos;

Aparelhos de visão noturna, sistemas

térmicos de vigilância e designadores laser.

Antenas de comunicações de satélite e serviços de imagem de satélite;

Sistemas Eletrónicos de jamming;

Terminais e estações SATCOM;

Comunicações via satélite Starlink com satélites internet de banda larga.

 

Com os tradicionais observadores avançados, um pedido de tiro de artilharia (não planeado) podia demorar 20 ou 30 minutos a ser satisfeito, mas com os drones o tempo de resposta será na ordem dos 5 minutos.

Os drones têm sido uma das inovações nos sistemas de artilharia de campanha dos dois lados19, mas como a contrainformação é também uma arma, admitimos que sejam exageradas as notícias sobre a eficácia de drones (lançadores de munições sobre blindados) e de aplicações em tablets e smartphones, para enviar dados para a artilharia atacar alvos russos. Tem sido noticiada uma aplicação (software) criada por civis ucranianos, em tablets e smartphones, que usa imagens de satélite e outras imagens da inteligência, para enviar em tempo real a localização de alvos para as unidades de artilharia.

Sobre essas notícias, as autoridades dos EUA confirmam que essa aplicação tem sido muito eficaz na direção do tiro da artilharia ucraniana, mas julgamos que tais notícias servem para ocultar a importância da guerra eletrónica e da superioridade dos sistemas fornecidos pelos EUA.

Um dos sistemas é o TLQ-32 dos EUA, que simula posições de radar, através de emissores de radiação (falsos radares) para iludir a artilharia russa e os seus mísseis antirradiação20. A sobrevivência das unidades de artilharia é conseguida através da ocultação das suas posições (através de posições fictícias, usando insufláveis para simular armas, redes de camuflagem modernas e a ocultação) e pela eficácia das suas comunicações, com baixas emissões, evitando a deteção por parte dos meios de guerra eletrónica da Rússia. Além dos rádios americanos (L3Harris), as tropas ucranianas usam a internet via satélite da empresa Starlink (EUA) que é muito resistente à guerra eletrónica.

Durante o primeiro ano da guerra, a artilharia da Ucrânia foi modernizada com meios de comando e controlo, de aquisição de objetivos e de munições fornecidas pelos EUA, com destaque para as munições guiadas de precisão, as munições RAAM (Remote Anti-Armor Mine)21 155 mm e os foguetes HIMARS.

Os mísseis dos EUA de ataque aos radares russos foram referenciados no início do mês de Agosto de 2022, quando foram descobertos fragmentos de um míssil americano que atingiu uma unidade de mísseis antiaéreos russos na Ucrânia.

Segundo diversas fontes, neste ano de 2023, os EUA podem ter uma versão mais avançada deste tipo de míssil, o AGM-88G Advanced Anti-Radiation Guided Missile Extended Range (AARGM-ER) e a Stand-in Attack Weapon (SiAW), desenvolvidos para as aeronaves F-3522.

Figura 16 – Lança foguetes BM 27 do exército russo destruído a norte de Kiev.

 

Os fogos de contrabateria têm infligido grandes perdas à artilharia russa, mas a artilharia ucraniana tem sido crucial noutras missões, como ocorreu quando as tropas russas (um agrupamento tático) tentavam atravessar o rio Siverskyi Donets (11 de Maio de 2022) e foram aniquiladas pela artilharia ucraniana. Dos 550 militares russos que atravessavam o rio, foram mortos mais de 400, sendo também destruída a ponte flutuante e muitas viaturas blindadas nas margens do rio23. Nesta ação, a artilharia destruiu um agrupamento tático, o que representa apenas 30% do efetivo de uma brigada (constituída por três agrupamentos táticos), mas a destruição de um agrupamento anula a capacidade de combate da brigada.

 

Considerações Finais

O sucesso das forças militares ucranianas tem sido devido à capacidade da sua artilharia causar perdas significativas às forças russas e isso tem sido possível graças à combinação das ações de guerra eletrónica com as missões da artilharia.

Admitimos que a vertente da manobra (carros de combate e infantaria) e o poder aéreo também venham a aproveitar a arma secreta desta guerra (guerra eletrónica), mas, durante esta primeira fase, foi a artilharia que teve o maior protagonismo, impedindo as forças russas de realizarem a manobra ofensiva rápida, como pretendiam.

As unidades de artilharia da Ucrânia têm conseguido manter uma vantagem relativa, com o apoio dos seus aliados e através das seguintes condições:

– Missões de contrabateria (contra a artilharia e radares russos) e sobre outros objetivos em profundidade (postos de comando, depósitos de munições e instalações na retaguarda) para as quais têm sido fundamentais os sistemas lança foguetes HIMARS, os MLRS e os sistemas de deteção, fornecidos pelos EUA;

– Meios sofisticados de ISTAR (Intelligence, Surveillance, Target Acquisition, Reconnaissance) resistentes às medidas de guerra eletrónica (drones e satélites);

– Sofisticados meios de guerra eletrónica (Electronic Warfare). As forças ucranianas têm contado com meios de guerra eletrónica e mísseis antirradiação dos EUA, contra os radares de contrabateria russos;

– Comunicações eficazes e seguras. Os sistemas fornecidos pelos EUA têm mostrado mais eficácia e segurança, ao contrário dos russos, que têm usado um sistema de comunicações tecnologicamente mais fraco, comprometendo a segurança das unidades, que são frequentemente referenciadas e batidas pela artilharia ucraniana;

– Os sistemas de comunicação fornecidos pelos EUA às forças ucranianas são muito resistentes aos sistemas EW russos: os rádios L3Harris e os terminais de internet via satélite da Starlink têm sido fundamentais;

– Segurança física e eletrónica e a camuflagem ativa e passiva das unidades. As baterias de artilharia ucranianas usam mísseis antiaéreos portáteis (britânicos) para se protegerem dos drones russos e mudam frequentemente de posição para não serem localizadas. Além disso, usam posições dissimuladas, usando até alguns meios insufláveis para simular posições das armas;

– Capacidade logística para manter as reservas e fornecer munições, com o apoio do exterior. Além do fornecimento de munições de calibres NATO pelos aliados, os EUA e o Reino Unido adquiriram munições e foguetes de calibres soviéticos, para as armas de artilharia mais antigas.

Nesta guerra temos visto como as “ações táticas podem ter resultados estratégicos” e como o sucesso da artilharia ucraniana tem sido possível pela superioridade tecnológica, dos sistemas de localização de alvos (aquisição de objetivos) de comunicações e de guerra eletrónica. Além das formas convencionais, admitimos que outras ações irregulares tenham sido usadas para destruir os meios russos, mas o segredo estará ainda por desvendar e envolverá certamente sistemas tecnologicamente muito sofisticados, fornecidos pelos aliados.

 

Bibliografia

Axe, David, The Russians Lost An Entire Battalion Trying To Cross A River In Eastern Ukraine, www.forbes.com

Cancian, Mark, Expanding Equipment Options for Ukraine: The Case of Artillery, Center for Strategic and International Studies, Washington.

Mittal, Vikram, From Strength To Vulnerability: The Decline Of Russian Artillery In The Ukraine War, 9Jan23, www.forbes.com

Peck, Michael, The US has been quietly giving Ukraine radar-hunting missiles that could really be a problem for Russia. www.businessinsider.com, 17 de Agosto de 2022.

Roblin,Sebastian, The secrets of Russia’s artillery war in Ukraine, 12 de Julho de 2022, www.businessinsider.com

Stashevskyi, Oleksandr e Bajak, Frank, Como a guerra eletrónica molda o conflito Rússia-Ucrânia, Portal BIDS (7 de Junho de 2022) portalbids.com.br

Szondy, David, Invasion of Ukraine shows artillery still rules the battlefield, 20 de Novembro de 2022, site New Atlas.

Vornik, Oleg, Lessons from Use of Drones in the Ukraine War, 31 de Maio de 2022, www.defenceconnect.com.au

BBC News, How are ‘kamikaze’ drones being used by Russia and Ukraine? 3 de Janeiro de 2023, www.bbc.com

Defense Express, Aselsan, L3 Harris picked to be major suppliers of radio systems for Ukraine’s militar, en.defence-ua.com

Listagem de armas e meios fornecidos pelos EUA:

U.S. Security Assistance to Ukraine, 21 de Dezembro de 2022, media.defense.gov

U.S. Security Cooperation with Ukraine, 20 de Fevereiro de 2023, www.state.gov

 

Créditos das imagens:

Figura 1 – Defense Express Media (Armed Forces of Ukraine)

Figura 2 – Radio Free Europe/Radio Liberty

Figura 3 – OSCE (Special monitoring mission to Ukraine photo)

Figura 4 – Ukrainian Military Center

Figura 5 – Orlan-10 (Wikipedia)

Figura 6 – www.armadainternational.com

Figura 7 – Ukrainian Military Center

Figura 8 – 2A65 Msta-B (Wikipedia)

Figura 9 – BM 30 Smerch (Association of the United States Army)

Figura 10 – Donetsk News Agency

Figura 11 – Ukrainian Military Center

Figura 12 – Zoopark 3 (Unian.net)

Figura 13 – AN/TPQ-49 defence-blog.com (Photo by Yuriy Biryukov)

Figura 14 – Polozhennya-2 (www.menadefense.net)

Figura 15 – National News Agency of Ukraine (Ukrinform)

Figura 16 – Russian BM27 destroyed (Defense-Update)

 

_________________________________________________

1 A República da Estónia também forneceu à Ucrânia obuses da era soviética D-30 calibre 122 mm.

2  Mark F. Cancian, Center for Strategic and International Studies (Washington), editado em 23 de Janeiro de 2023.

3 Fact Sheet on U.S. Security Assistance to Ukraine, 21 de Dezembro de 2022, media.defense.gov/2022.

4 U.S. Security Cooperation with Ukraine, www.state.gov (20 de Fevereiro de 2023). Além do apoio de artilharia de campanha, os EUA forneceram também sistemas de defesa antiaérea (misseis Stinger, Avenger, Hawk, Patriot e NASAMS) e RIM-7 Sea Sparrow .

5 O exército português dispõe de 24 obuses M114A1 155 mm que vieram para Portugal, em 1983.

6 Center for Strategic and International Studies, Washington, Expanding Equipment Options for Ukraine, 23 de Janeiro de 2023.

7 David Szondy, Invasion of Ukraine shows artillery still rules the battlefield, 20 de Novembro de 2022, site © 2023 New Atlas.

8 Sebastian Roblin ,The secrets of Russia’s artillery war in Ukraine, 12 de Julho de 2022, www.businessinsider.com

9 Uma Brigada russa é constituída por três Agrupamentos Táticos e, teoricamente, cada Agrupamento Tático deveria ter 3 baterias de artilharia de campanha, cada uma com seis obuses 2S19 152 mm.

10 Fact Seet, U.S. Security Cooperation with Ukraine, www.state.gov (20 de Fevereiro de 2023).

11 Os misseis antirradiação servem para atacar os radares russos que, em funcionamento, emitem radiação e são detetados. As forças ucranianas têm conseguido atingir os radares russos de contrabateria que assim não cumprem a missão de monitorizar as granadas de artilharia e foguetes em voo, nem podem assim calcular as suas trajetórias e localizar as armas de artilharia ucranianas (obuses e lançadores de foguetes).

12 De acordo com Michael Peck, pode ter sido usado o sistema TLQ-32 dos EUA, para criar fontes de emissão falsas (simular radares) para atrair as missões da artilharia russa inutilmente. The US has been quietly giving Ukraine radar-hunting missiles that could really be a problem for Russia. www.businessinsider.com, editado em 17 Agosto 2022.

13 Oleksandr Stashevskyi e Frank Bajak, Como a guerra eletrónica molda o conflito Rússia-Ucrânia, Portal BIDS (7 de Junho de 2022) portalbids.com.br

14 A SpaceX (Space Exploration Technologies Corp) de Elon Musk é uma empresa criada em 2002, nos EUA, e produz sistemas aeroespaciais, de transporte espacial e de comunicações.

15 Os aviões RC-135W têm capacidade para detetar, identificar e localizar o espectro eletromagnético das forças russas.

16 Vikram Mittal, From Strength To Vulnerability: The Decline Of Russian Artillery In The Ukraine War, 9 de Janeiro de 2023, www.forbes.com

17 Aselsan, L3Harris picked to be major suppliers of radio systems for Ukraine’s militar, www.ukrinform.net/rubric-defense.

18 U.S. Security Assistance to Ukraine, listagem de 21 de Dezembro de 2022 (media.defense.gov/2022) e listagem de 20 de Fevereiro de 2023 (www.state.gov).

19 Oleg Vornik, Lessons from Use of Drones in the Ukraine War, 31 de Maio de 2022, www.defenceconnect.com.au

20 A Rússia dispõe dos misseis antiradiação Kh-31P, como refere o citado artigo, The US has been quietly giving Ukraine radar-hunting missiles that could really be a problem for Russia. www.businessinsider.com (17 de agosto de 2022).

21 As granadas de artilharia (RAAMS) servem para lançar minas anti-carro, à distância, para interditar as viaturas do adversário.

22 Os mísseis antirradiação são lançados antes de um ataque aéreo, para suprimir as defesas antiaéreas do adversário e facilitar a ação das aeronaves de ataque.

23 David Axe, The Russians Lost An Entire Battalion Trying To Cross A River In Eastern Ukraine, www.forbes.com

Gerar artigo em pdf
2023-07-25
193-215
1289
674
REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia