Em 24 de fevereiro de 2022, a Conjuntura Estratégica Internacional passou a estar marcada pelo conflito aberto entre a Rússia e a Ucrânia, tornando aquilo que se considerava improvável – uma guerra entre Estados – numa realidade chocante, em pleno Século XXI e no Centro da Europa. Em termos estratégicos, tornou-se uma exigência olhar para a componente militar da Defesa Nacional, materializada na existência e operacionalidade das Forças Armadas nacionais. Não é mais possível ignorar ou subalternizar esse facto.
Ainda na atual Conjuntura Estratégica, nas Sociedades ditas Modernas, a existência de Forças Armadas continua a ser a expressão visível do espírito, da vontade e da determinação na garantia da Defesa Nacional. Para um país como Portugal, com fracas potencialidades no domínio da coação, no quadro das Estratégias Gerais Económica e Militar, é indispensável o debate público e político sobre as nossas Forças Armadas, o que devem fazer e que natureza e políticas públicas de prestação de serviço militar devem ter. Debate esse que tem sido silenciado aos portugueses, apenas conduzido ao nível político, marcado fortemente por uma visão política e economicista e omissa, em termos operacionais.
Importa referir que as Forças Armadas de hoje resultam de um processo de intervenção política e militar, em 25 de abril de 1974, do seu comportamento durante o período designado por PREC, dos desenvolvimentos do 25 de novembro de 1975 e do processo de estabilização democrática do país, que se concretizou através das sucessivas revisões constitucionais e da Lei de Defesa Nacional e demais legislação estruturante que, nos últimos quarenta e nove anos, lhe tem sido diretamente dirigida e que são responsáveis pela sua realidade atual, em termos de estruturas, recursos e capacidades.
O período inicial, jurídico e doutrinário, encontra-se profusamente descrito no Livro “O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas”, de diversos autores, mas coordenados pelos Professores Constitucionalistas Jorge Miranda e Carlos Blanco de Morais, Edição de 2000 do IDN, onde claramente é explicitada a Revisão Constitucional de 1982, sobre duas questões fundamentais: o fim do Conselho da Revolução e a Subordinação das Forças Armadas ao Poder Político.
Também ali é referido que o assunto era eminentemente político, pois a Instituição Militar já tinha assumido, quer o desaparecimento do Conselho da Revolução quer, como um desenvolvimento democrático natural, a sua subordinação ao Poder Político; mais, é igualmente sublinhado, o alheamento que a Instituição Militar demonstrou relativamente ao processo de revisão constitucional.
Este ambiente e esta postura política, prosseguiu em 2011, primeiro, aquando das negociações com a “Troika”, em que de forma acrítica se aceitou uma intervenção abusiva de três funcionários internacionais do FMI, em matérias da Defesa Nacional e da Soberania, no domínio dos recursos humanos, no reequipamento em curso e no apoio social e da saúde aos militares e seus familiares.
Um novo momento ocorreu de forma mais sofisticada, em 2012, com a revisão do CEDN em vigor e aprovação do atual, em 2013, que, em vez de se constituir como estruturante da Estratégia de Defesa Nacional e orientador da Estratégia Geral Militar, nas componentes civil e militar, se revelou um documento instrumental para a execução de um processo de reforma, designado por “Reforma 20-20”, sem sustentação racional, estabelecendo à partida níveis de efetivos e iniciando um processo de redução dos recursos humanos, materiais e capacidades.
Esta situação materializou uma disfunção da estrutura superior do Comando dos Ramos, a desarticulação do sistema de Recrutamento e redução dos efetivos, o cancelamento de projetos de reequipamento, especialmente gravoso para o Exército, e na desarticulação do sistema de saúde militar, em que este deixou de ser uma reserva estratégica do país neste domínio, com os seus Hospitais e Laboratório Militar, tornando os Militares e os seus Familiares em mais um utente do Serviço Nacional de Saúde, face às reais capacidades do atual Hospital das Forças Armadas e do Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA).
Em 2021, o Ministério da Defesa Nacional (MDN) iniciou nova Reforma, desta vez visando a Estrutura Superior das Forças Armadas, concentrando no Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) um conjunto de competências retiradas dos Chefes de Estado-Maior (CEM) dos Ramos, que encontrou a discordância dos próprios e dos antigos responsáveis, os ex-CEM, arrastando-se a sua implementação e regulamentação até hoje, fruto das dificuldades que as múltiplas críticas tinham antecipado.
A mediatização da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o escrutínio da Comunicação Social, relativamente às Forças Armadas nacionais, revelaram uma realidade incontornável de falta de efetivos, uma continuada falta de investimento e evidentes lacunas de manutenção dos equipamentos, como foi possível constatar, quer relativamente ao apoio militar à Ucrânia quer pelo lamentável e grave incidente, também no âmbito da Disciplina, verificado com o navio Mondego.
A anunciada revisão do CEDN em vigor, pelo MDN, deve assim constituir a oportunidade para responder a uma primeira questão – que Forças Armadas deve o País dispor e que pensam sobre isso os portugueses, designadamente que custos, políticos, sociais, económicos e humanos, estão dispostos a assumir.
Mais uma vez, tendo sempre presente a dimensão estratégica do País, devemos dispor de umas Forças Armadas capazes de garantir o equilíbrio estratégico em ambiente regional, com credibilidade e capacidade de resistência, para evitar situações de “facto consumado” e atentados contra a Soberania, que sejam capazes de fazer caracterizar uma “agressão”, em termos do Direito Internacional e que sejam suficientemente resistentes para proporcionar o tempo necessário ao Poder Político, para fazer acionar os mecanismos políticos e diplomáticos de contenção, ao nível das Organizações Internacionais e a solidariedade militar das Alianças e dos países aliados e amigos e, ainda, sejam, a nível interno, capazes da apoiar as populações nacionais, quer em situações de catástrofe ou calamidades naturais quer supletivamente no âmbito da segurança interna, quer ainda no quadro do apoio ao desenvolvimento, através das Outras Missões de Interesse Público.
A nível interno, importa ter presente que as Forças Armadas são a única instituição nacional a quem se pode determinar que enfrente situações limite ou de risco, sem pré-aviso, utilizando a sua permanente estrutura de comando, prontidão e disponibilidade, para atuar e permanecer por tempo indeterminado e que, perante essa realidade, se organize e se auto sustente.
A credibilidade das Forças Armadas passa também pela sua capacidade, quer para assumir os compromissos do País no âmbito das Alianças e Organizações Internacionais que decidiu integrar quer para ser parceiro dos grandes acontecimentos da Segurança Internacional e da Paz, integrando Coligações Militares Multinacionais, legitimadas pelo Direito Internacional e pela Carta das Nações Unidas, conferindo ao Poder Político a liberdade de ação política, de escolher participar ou não, de acordo com o interesse nacional, permitindo-lhe ser co-autor das decisões e co-responsável pela aplicação das mesmas e evitar, à partida, ser um ator dispensável, face a uma reconhecida, pelos seus pares, incapacidade militar para participar.
É igualmente importante ter em conta que essa credibilidade decorre também do reconhecimento, pela Política e pela Estratégia que, em termos nacionais, é necessário ter presente as nossas fragilidades no domínio da estratégia militar genética, o que implica que capacidades militares que se reduzam ou eliminem, ou se deixem degradar, dificilmente serão reconstituídas e, em caso de necessidade, nunca o serão com a oportunidade desejada, quer em termos internos quer fruto de eventuais apoios internacionais.
Se este conjunto de reflexões nos ajuda a responder a parte da questão levantada, continua em aberto explicitar como justificar um nível de ambição, uma dimensão estrutural e a clarificação do racional para uma dada opção.
Estas interrogações devem encontrar resposta no Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), objeto de amplo debate, da responsabilidade do Governo, que levará as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (GOCEDN) ao Parlamento, onde serão debatidas e aprovadas. A montante da elaboração destes documentos, deve haver uma análise das ameaças multidisciplinares que enfrentamos, aos interesses e objetivos nacionais, que riscos aceitamos correr e qual o posicionamento estratégico nacional que pretendemos assumir, nas Alianças e Organizações Internacionais onde nos inserimos e no Espaço Lusófono materializado pela CPLP.
O CEDN é o documento orientador da Estratégia Total Estado, devendo caracterizar e avaliar, de forma objetiva a realidade do Potencial Estratégico Nacional, reconhecendo que somos uma potência de dimensão estratégica média, com recursos materiais escassos, com fraca capacidade de coação, cuja ação política internacional tem de ser potenciada e compensada pelas vertentes política e diplomática, valores e qualidade dos nossos recursos humanos, capazes de acrescentar valor à inovação, no sentido de ampliar a nossa capacidade de influenciar e promover a atracão de outros atores da cena internacional, através de políticas de cooperação e de alianças, que diminuam as nossas vulnerabilidades, melhorem as nossas potencialidades e diversifiquem as nossas dependências.
Paralelamente, o CEDN deve promover uma política de Reservas Estratégicas de bens essenciais, gestão da água, energia e medicamentos, não confiando demasiado nos mercados internacionais, como a situação pandémica demonstrou, assumindo uma alteração, neste domínio, de uma postura reativa “just in time”, para uma atitude preventiva “just in case”; essa alteração deve passar-se, também, relativamente à Estratégia Geral Militar, garantindo reservas de guerra que permitam às Forças Armadas a resiliência necessária para a sua duração operacional temporal e a sua sustentação logística em operações.
O CEDN que vier a ser aprovado, para que possa ser um documento estruturante da Estratégia Geral do Estado, deve conter orientações claras para responder de forma estruturada e concorrente aos desafios das alterações climáticas, da transição energética, incluindo a mineração dos recursos minerais indispensáveis a esta fileira de desenvolvimento das novas tecnologias, da revolução digital, à concretização das políticas para economia do Mar e do Espaço, responder à escassez da água, promover o estabelecimento de políticas para as migrações, mas também de políticas sociais, económicas e fiscais, de incentivo e de apoio à natalidade e ao combate ao decréscimo demográfico nacional.
Também ainda a nível social e económico, valorizar e concretizar políticas públicas para o ensino e para a saúde, com vista a reforçar a competitividade, incluindo aquelas que se dirigem à mobilidade – terrestre, ferroviária, fluvial, marítima e aérea – fomentando o aumento do valor acrescentado à inovação e a exportação, de bens e também de serviços, de alta qualidade, seja na saúde, no ensino ou no turismo.
Igualmente no domínio específico da Estratégia Geral Militar, deve clarificar, em função das ameaças e desafios aos interesses nacionais, que Cenários de Emprego das Forças Militares devem ser levantados e quais os Níveis de Empenhamento dessas Forças nessas situações, por forma a orientar e promover a elaboração e aprovação do Conceito Estratégico Militar; neste, devem constar as Missões das Forças Armadas, o Sistema de Forças Nacional (SFN), o Dispositivo e os Recursos Humanos e Materiais que corporizam esta construção estratégica estruturante.
A coerência desta construção estratégica só será obtida se encontrar sustentação financeira na Lei de Programação Militar (LPM), responsável pelo reequipamento e modernização das Forças Armadas, através da obtenção dos Sistemas de Armas indispensáveis ao cumprimento das missões que lhe foram atribuídas, também a Lei de Infraestruturas Militares (LIM), para garantir a funcionalidade e adequação das infraestruturas necessárias ao Dispositivo e condições de vida aos cidadãos recrutados e, não menos importante, no Orçamento Ordinário, que deve assegurar, anualmente, os recursos financeiros inerentes aos efetivos humanos prontos, em instrução e a recrutar e as atividades orgânicas do Treino, Operação e Manutenção dos Sistemas de Armas e Equipamentos existentes.
A clarificação no CEDN dos Cenários de Emprego de Forças Militares e os seus Níveis de Empenhamento são determinantes para definir não só o nível de ambição para o SFN, como os quantitativos de Forças a ter disponíveis em permanência, garantindo os compromissos internacionais que o País considera adequado assumir. Em situação de crise ou guerra, o SFN crescerá através de Mobilização e Requisição, do universo humano utilizável, sem comprometer o funcionamento do País, prevendo também as reservas de armamento e equipamento para atribuição aos cidadãos chamados às fileiras nessas circunstâncias, tudo isso a par da existência de Oficiais e Sargentos do QP, para formar, treinar e enquadrar esse contingente e como e onde serão instruídos e alojados. Para isso, a Lei da Mobilização e Requisição deve, com urgência, ser revista e regulamentada.
O CEDN em vigor, associado à já referida “Reforma 20-20”, ignorou o racional expresso no CEDN de 2003, onde seis Cenários foram validados e aprovados pelo Poder Político, assim como os Níveis de Empenhamento de Forças Militares, que orientaram a elaboração e aprovação do Conceito Estratégico Militar e do subsequente SFN. As razões das disfunções estruturais que se verificam na Cadeia de Comando, na Capacidade Operacional, na sustentação Logística e no sistema de Recrutamento, residem nesta opção do Governo da altura.
Os seis Cenários aprovados foram os seguintes: Participação na Defesa Coletiva no quadro da OTAN, garantindo os Objetivos de Forças aceites e integrar a NATO Response Force; Participar no âmbito da Segurança e Defesa da UE, como “Lead Nation” de um Battle Group (BG) ou, no mínimo, participar a nível Batalhão; Participar na Segurança Cooperativa e nas Operações de Apoio à Paz, sob a égide da ONU e da OSCE, com uma unidade de escalão Batalhão; Apoiar a Política Externa Nacional, garantindo a segurança e recolha de cidadãos e estrangeiros, em situações de crise internacional no estrangeiro, de iniciativa nacional ou em coordenação com países aliados ou amigos, designadamente da UE e realizar ações de Cooperação com os países da CPLP; Apoiar, supletivamente, a Segurança Interna, em situações de Emergência ou Estado de Sítio e situação de Crise; Garantir as Outros Missões de Interesse Público, no apoio ao Desenvolvimento das populações nacionais e em situação de desastre ou calamidade, de acordo com os planos aprovados.
Manda a prudência que, embora o planeamento estratégico militar seja sempre prioritariamente dirigido aos cenários considerados mais prováveis, deve igualmente contemplar as situações mais perigosas, designadamente um aumento da conflitualidade. O País, nesta definição de Cenários, considerou que, em termos de afirmação e disponibilidade política, devia ter capacidade militar para garantir um empenhamento operacional simultâneo, na OTAN, na UE e na ONU/OSCE.
Utilizando uma matriz de reconhecimento da credibilidade dos cenários levantados, a par da sua previsibilidade e probabilidade de ocorrência, foi possível estabelecer uma opção política de aceitação de riscos e de responsabilidades, relativamente aos cenários de Defesa Coletiva, de Defesa Europeia e de Segurança Cooperativa, associando-os e fazendo corresponder essa opção a níveis de forças a empenhar.
Relativamente aos restantes Cenários, foram considerados de forma individualizada, reconhecendo que os mesmos poderiam ocorrer em simultâneo, quer a nível interno quer juntamente com os anteriormente descritos no quadro multinacional e que, o SFN teria de contemplar essa possibilidade.
Concretamente, definiu como responder aos Objetivos de Forças aceites, na OTAN (NRF), na UE (BG) e na Segurança Cooperativa ONU/OSCE; ou seja, o SFN contemplou o empenhamento operacional sustentado e continuado de uma força de escalão Batalhão, em três Teatros de Operações (TO) distintos e simultâneos, um para uma situação de conflito de alta ou média intensidade e os outros dois em missões de apoio à Paz ou Humanitárias ou, em alternativa, o empenhamento de uma força de escalão Brigada, num único TO e para todo o espectro de missões.
Deste racional foram estabelecidos Objetivos de Forças, no quadro da OTAN e da UE, para a Marinha e para a Força Aérea e a sua participação proporcional no apoio, transporte e sustentação das Forças Terrestres, empenhadas nos cenários anteriormente descritos, assim como a capacidade para cumprir as suas missões específicas.
Para o cálculo global das unidades necessárias e respetivos recursos humanos e materiais, têm de ser relacionados os Níveis de Forças estabelecidos para cada um dos Cenários, com os Ciclos de Geração de Forças, desde o seu levantamento, treino e emprego operacional.
Em termos nacionais, tem sido praticado um Ciclo Operacional nas Forças Nacionais Destacadas (FND), de 18 meses A-B-C-A (A-Aprontamento – 6 meses, B-Emprego em TO – 6 meses, C-Reserva/Regeneração da Força – 6 meses. A nível OTAN é preconizado um ciclo mais exigente, pois aponta para 30 meses A-B-C-D-E-A , sendo (A-Aprontamento – 6 meses, B-Emprego no TO – 6 Meses, C-Estabilização Emocional e Apoio à Família, D-Regeneração e outras áreas de Formação, E-Reserva).
Deste racional estratégico resultou para a Marinha a capacidade oceânica, fragatas e submarinos, a capacidade hidrográfica, o navio reabastecedor, o Corpo de Fuzileiros Navais e a capacidade para as operações de busca e salvamento, nas áreas geográficas sob responsabilidade nacional para o efeito. Continua em aberto a decisão sobre o navio logístico polivalente, a necessidade da componente naval de “guerra de minas” e a efetiva capacidade militar, dos meios navais vocacionados para as missões de fiscalização nas águas territoriais, em especial se ocorrer o alargamento da plataforma continental.
A Força Operacional do Exército (FOPE) foi constituída de forma equilibrada, com três Brigadas (Forças Ligeiras, Médias e Pesadas), Forças Especiais (Comandos, Paraquedistas e Operações Especiais), Unidades de Apoio de Fogos e de Apoio de Combate e Unidades de Apoio Geral diversificados para conferir meios adicionais de força, a cada uma das Brigadas. Foram também criados os elementos operacionais de Defesa Biológica, Química e Radiológica, com os seus Laboratórios, e o Elemento de Guerra de Informação, com as vertentes “Cyber e ISTAR”, ampliado para a Inteligência Artificial (IA), Big Data, Internet of Things (IOT), Robótica e Deep Learning. São lacunas mais expressivas, a falta de meios Héli, as carências em meios C2, a Artilharia Antiaérea (AAA) (baixa e média altitude), de Artilharia de Campanha, Meios A/CAR, a conclusão dos Programas PANDUR e CC Leopard 2 A 6 e a substituição das VCI M 113.
Relativamente à Força Aérea, foi reconhecida a necessidade de meios aéreos para as Missões de Interdição e Defesa Aérea, Patrulhamento e Vigilância Marítima, Transporte de médio e longo alcance, Busca e Salvamento e, ainda, a necessidade de UAV com interesse tático, no quadro da vigilância e da ação ofensiva. Como responsável pela Defesa Aérea Nacional foi-lhe conferida a autoridade de coordenação e comando dos meios terrestres e navais, que possam participar nesta missão. Está em aberto a clarificação da sua participação na missão de combate aos fogos e que responsabilidades devem ser assumidas para com os novos desafios, que envolvem a utilização militar do Espaço.
Os Sistemas de AAA de Média altitude (HIMAD) devem ser reconhecidos como um instrumento estratégico de dupla finalidade: por um lado, credibilizar os Sistemas AAA que não ultrapassam a baixa e muito baixa altitude (sistemas Canhão e míssil SHORAD) e obter sinergias com os meios da Força Aérea vocacionados para a defesa aérea, protegendo-os e ampliando a sua ação, libertando parte desses meios para a Caça e Intercepção. Por outro, permitir ao País participar de forma ativa no programa de defesa ABM da OTAN, quer na vigilância quer numa capacidade de intervenção neste domínio, adequada à dimensão estratégica nacional.
Ainda no domínio do reequipamento e para ganhar preventivamente capacidades para responder aos efeitos das alterações climáticas, designadamente, cheias, aluimentos de terras, para além das tradicionais catástrofes, terramotos, tufões, tsunamis, grandes incêndios, etc., os meios “Héli” previstos para as Forças Armadas, o reforço dos meios da Engenharia Militar e das capacidades para instalar Hospitais Militares de Campanha e Campos de Acolhimento de Desalojados, devem assumir um carácter prioritário e serem incluídos na LPM.
Para um País com a dimensão estratégica nacional, que subordina a sua Estratégia Operacional aos Sistemas de Armas que consegue obter, operar e sustentar, será sempre com a qualidade e competência revelada pelos seus Recursos Humanos, pelas suas Lideranças nos diversos escalões de Comando e pela otimização desses recursos materiais tornados disponíveis, que faz a sua afirmação distintiva, inclusive, em “nichos de competências”, junto de aliados e amigos. Na nossa História Militar tem sido sempre assim.
A necessidade crítica de Recursos Humanos para as Forças Armadas, na Conjuntura Atual, constitui o seu problema mais urgente, seja para a constituição do SFN aprovado seja para a sua reconstituição ou ampliação em situação de crise ou guerra, obriga a repensar as políticas públicas de prestação de serviço militar, a preparação militar adequada e oportuna dos contingentes recrutáveis e, ainda, o funcionamento eficiente e eficaz dos Sistemas de Mobilização. É uma questão que nos obriga a refletir sobre a natureza das Lideranças e que Políticas Públicas de Prestação de Serviço Militar podem ou devem ser adotadas.
Esta realidade tem vindo a propiciar uma reflexão alargada, a nível euro-
peu, relativa à definição e opções de políticas públicas de prestação de Serviço Militar, estando presente a importância e validade de um Dever, naturalmente diferente da tradicional Conscrição, mas sim na atualidade, desenhado como um Serviço Nacional à República, armado e não armado, geral e universal, naturalmente diferenciado em exigências, duração e direitos, com especial relevância para o armado, mas permitindo essa opção aos cidadãos e cidadãs, chamados ao cumprimento desse dever nacional. O serviço armado poderia ainda ampliar-se, por escolha dos cidadãos, para as situações de voluntariado, de contrato ou de acesso aos QP, como Sargentos e Oficiais, através das Escolas Militares.
Neste quadro dos recursos Humanos, o conflito na Ucrânia confronta-nos com novas construções que, de uma forma simplificada, dão pela designação de Companhias ou Exércitos Militares Privados e Brigadas/Legiões de Combatentes Internacionais Voluntários, diretamente envolvidas nas operações militares e agindo do ponto de vista operacional, em parceria e em coordenação com as Unidades Regulares dos Exércitos nacionais.
São realidades que reforçam a necessidade do reconhecimento da importância da Condição Militar, quer no seio da Instituição Militar quer pelo seu indispensável reconhecimento, dignificação e justa compensação, por parte das Tutelas Políticas, pois é a Condição Militar que constitui a diferenciação distintiva entre a aceitação e prática, do sentido do Dever, do Patriotismo, do Comando, da Subordinação ao Interesse Nacional e Hierárquica, da Disciplina, da Responsabilidade, da Disponibilidade e o comportamento das outras construções que se mencionaram.
É importante ter presente que nenhuma Instituição/Organização resiste à erosão dos sentimentos de pertença e à continuada insatisfação dos seus recursos humanos, quer relativa às condições de funcionamento deficiente, às constantes carência de recursos humanos, materiais e financeiros atribuídos, assim como à degradação, quer da capacidade para o cumprimento da sua missão principal, quer dos apoios sociais, remuneração e proteção na saúde dos seus agentes e, também muito importante, do prestígio junto da Sociedade.
Estamos assim convocados, do ponto de vista político e militar, para decisões e investimentos concretos na defesa militar, nos seus três pilares fundamentais: os Recursos Humanos, os Sistemas de Armas e demais Equipamentos; e as indispensáveis Reservas de Guerra. Só assim será possível inverter a atual situação em que se encontram as Forças Armadas, começando pelo cumprimento do compromisso assumido junto da OTAN, desde a Cimeira de Gales em 2014, posteriormente reiterado em reuniões posteriores até à atualidade, de atribuir ao Orçamento para a Defesa uma verba mínima de 2% do PIB e a alocação de 20% dessa verba na inovação, modernização e na eliminação das lacunas operacionais.
Não há duas opções. Ou nos empenhamos decisivamente em eliminar as insuficiências que afetam as Forças Armadas, designadamente e em termos prioritários, no que respeita aos Recursos Humanos, pois sem eles não há novas capacidades, podendo estar em risco as existentes, mas também em obter os Sistemas de Armas que permitam cumprir com êxito as missões atribuídas, possibilitando o treino que é devido, o armamento e equipamento adequado e necessário e a respetiva sustentação logística e reservas de guerra.
Em oposição, será o continuado desinvestimento, a progressiva astenia dos recursos humanos e materiais, tornando as Forças Armadas, do ponto de vista operacional, cada vez menos capazes de cumprir as Missões Constitucionais de Soberania, tornando o País um parceiro internacional irrelevante e dispensável, no âmbito das Alianças e Organizações Internacionais em que participamos. Mas, também, a nível interno, configura um investimento orçamental ruinoso, sem produto operacional credível, difícil de explicar e justificar aos Cidadãos eleitores e, em particular, aos Militares.
Como se mencionou, o MDN tomou a iniciativa de rever o actual CEDN, tendo nomeado um conjunto de dezoito personalidades civis e três militares, com o objetivo de elaborar uma proposta de GOCEDN. O Grupo elaborou um documento, datado de 31 de janeiro deste ano, designado por Relatório do Conselho de Revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, onde consubstancia a proposta de GOCEDN. Estas foram aprovada pelo Governo, em 18 de maio deste ano, referindo o Comunicado do Conselho de Ministros o seguinte, “a proposta visa contribuir para a adaptação da Defesa Nacional e das Forças Armadas às necessidades da próxima década, incorporando as novas realidades de segurança global e regional, (…) aquelas que afetam a segurança do continente europeu, do Atlântico e de outros espaços vitais para a defesa coletiva”,
Não se conhecendo o teor das GOCEDN aprovadas, já remetidas à AR para aprovação pela Câmara, ao ler-se o conteúdo do Comunicado fica-se com a convicção de que, mais uma vez, o CEDN se irá centrar naquilo que é sectorial ao Ministério da Defesa Nacional e nas Forças Armadas, esquecendo a Estratégia Total do Estado; iremos assim, também mais uma vez, assistir à aprovação de um documento estruturante para a Estratégia Nacional, que apenas dará origem a ajustamentos do Conceito Estratégico Militar, não motivando qualquer reação por parte dos outros Ministérios. Não tendo sido também atribuída ao MDN, qualquer autoridade ou função de coordenação interministerial, a sinergia que se deve procurar estabelecer e garantir, entre as componentes civil e militar da Defesa Nacional, pode igualmente ficar comprometida.
Impunha-se aproveitar esta oportunidade, de revisão do CEDN e as circunstâncias da atualidade internacional, para alterar no bom sentido, a cultura política e estratégica dominante em Portugal, começando por recriar, junto da Presidência do Conselho de Ministros, de uma estrutura, semelhante ao Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, inexplicavelmente extinto em 2011, com vista ao planeamento e coordenação interministerial das componentes civil e militar da Defesa Nacional. Importa igualmente garantir a capacidade de resposta do País e a sua aptidão para enfrentar eventuais contingências, não de uma forma reativa, mas, sim, através de uma postura estratégica preventiva, que antecipe a mudança e possa mobilizar em tempo, o potencial estratégico para respostas que sirvam o interesse nacional.
Quando a Política esquece que a Ação Estratégica Total do Estado é sistémica, concorrente, envolvendo todas as Estratégias Gerais, de forma coerente e sustentada na Informação Estratégica, a par de uma prática constante de Planeamento Estratégico, não prospetiva a mudança e se foca na “espuma dos dias”, não se apercebe das realidades e exigências da Conjuntura Estratégica, interna e externa, em que está inserida e corre o risco de chegar sempre tarde, ou mesmo perder, as oportunidades e os desafios, quer do presente quer do futuro.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.