Esse estudo levou-nos a estabelecer leis, regras e princípios que nos ajudam, por um lado, a procurar controlar a violência inerente ao fenómeno, por outro, a antecipar o seu desenvolvimento, impacto na sociedade e possíveis consequências, adequando as capacidades de resposta desta às realidades do conflito. O atual conflito na Ucrânia, o maior e mais violento na Europa desde 1945 e as novas realidades que tem vindo a demonstrar, vai influenciar a compreensão e forma de desenvolvimento do fenómeno e as operações militares, nas próximas décadas.
Em primeiro lugar, desapareceram as ilusões de que a violência internacional estava circunscrita à contra-subversão, ao conflito de baixa intensidade e ao terrorismo, e que a resposta institucional estava nas operações de paz, na utilização de novos espaços estratégicos de aplicação do Poder, como o ciberespaço, e que a superioridade tecnológica e as novas tecnologias de informação eram uma garantia antecipada de sucesso. A Polemologia, relativamente ao presente conflito, demonstrou a consistência de duas Leis estabelecidas, a da Semelhança, na realidade os desenvolvimentos militares inicialmente decorreram de acordo com as doutrinas conhecidas e tradicionalmente ensinadas, e a Lei da Evolução, que rapidamente nos demonstrou que o aparelho militar tirou partido da tecnologia disponível, militar e civil, e alterou os processos de atuação em conformidade.
A tecnologia hoje presente no campo de batalha, os níveis de efetivos que se registam no teatro de operações, a dimensão das baixas militares e civis, para ambos os lados, e o carácter total para a Ucrânia e para a Rússia e respetivas suas populações, a par dos efeitos sentidos a nível global, económicos, financeiros, energéticos, alimentares e nas instituições internacionais, permitem-nos extrair já algumas conclusões, com que iremos conviver no futuro próximo.
Uma primeira constatação é a de que o conflito está a determinar novos alinhamentos internacionais, de que os BRICS são um indiscutível fator nesse processo; uma pressão muito significativa relativa a uma reforma das Nações Unidas, em particular, da composição do Conselho de Segurança, relativamente aos seus membros permanentes; e o reconhecimento de que o final da guerra determinará uma nova arquitetura de Segurança para a Europa, com inevitáveis consequências para a União Europeia e para a OTAN.
Um outro aspeto tem a ver com a definição das fronteiras dos intervenientes. Para além dos alinhamentos políticos que são evidentes e inequivocamente declarados, as novas tecnologias trazem para o teatro de operações a participação de empresas civis internacionais fora da Ucrânia, nas áreas das tecnologias da informação, das imagens por satélite, que auxiliam no “intelligence e no targeting”, tornando-se atores ativos das operações militares, não só a nível tático como estratégico, levantando a questão ética e legal de poderem ser, ou não, considerados objetivos militares legítimos.
Também a participação dos civis, em coordenação com os exércitos regulares, seja através das Companhias/Exércitos militares privados seja individualmente, utilizando uma aplicação de um “smartphone”, para designar um objetivo militar, esbateu as fronteiras internas do conflito, levou a guerra às cidades, que de acordo com os números das NU, implicam mais de dez mil baixas civis, com novas implicações para o direito humanitário da guerra e para a caracterização dos combatentes e a criminalização das suas ações.
As tecnologias de informação tinham terminado com o confinamento geográfico dos teatros de operações, mas hoje podemos ampliar o seu conhecimento, decorrente da miríade de sensores e satélites que, em tempo real, nos dão as imagens da realidade dos acontecimentos no terreno, tornando as movimentações militares transparentes, desmentindo ou confirmando as narrativas dos intervenientes, em que o discurso comunicacional é peça da estratégia direta. Hoje, a informação em tempo real, data e imagem, pode chegar ao militar individual, dando novas oportunidades ao “targeting” e elimina as barreiras da camuflagem e da escuridão. Esta informação permite utilizar a artilharia e os mísseis de diversos alcances com rigorosa precisão e letalidade, designadamente nas ações de contra bateria.
Esta transparência do campo de batalha coloca grande ênfase no reconhecimento e na designação de objetivos, trazendo as prioridade dos Comandos e Estados-Maiores para a capacidade de detetar primeiro, cegar os sensores do inimigo, neutralizar drones e satélites de vigilância e de observação, proteger e atuar ofensivamente no ciberespaço e ser capaz de atingir primeiro os meios inimigos, mais longe e com maior letalidade. O combate vai exigir grande mobilidade, dispersão e capacidade de rápida concentração de meios, deceção física e eletrónica e aptidão para fazer intervir nos acontecimentos, intercetores diversificados e com múltiplos alcances que neutralizem o opositor. A falha no investimento nas novas tecnologias, na adaptação da doutrina e no uso da Inteligência Artificial (IA), determinará a incompetência e a incapacidade, perante os instrumentos militares que tenham o comportamento contrário.
O atual ambiente conflitual demonstrou também que os complexos militares e industriais, a par das reservas de guerra, foram chamados a responder às necessidades de centenas de milhares de efetivos humanos recrutados e mobilizados, de milhares de equipamentos e veículos militares, dos mais ligeiros aos mecanizados e blindados, aos milhares de peças de artilharia e aos milhões de granadas e de munições de diversos calibres, implicando a necessidade de um fluxo logístico absolutamente inesperado e que poderá vir a ser determinante para a resolução do conflito e ser esse facto a impor um processo político e diplomático negocial.
Se associarmos a precisão dos fogos, decorrente das capacidades de aquisição de objetivos descrita, a uma utilização de cerca de um milhão de granadas de artilharia pela Rússia e cinquenta a sessenta por cento desse número pela Ucrânia, por mês, podemos antecipar os efeitos que isso tem vindo a ter nas tropas e nos equipamentos e, em particular, no número de baixas para qualquer dos lados. Se a isto juntarmos a violência dos combates e o uso das minas de todos os tipos, as estimativas têm necessariamente de ser devastadoras.
Também os drones, aos milhares e cobrindo os patamares táctico, operacional e estratégico, de tipo “kamikase”, de observação, programados ou guiados, de apoio ao “targeting” e à observação de artilharia, e ainda os modelos com possibilidade de serem armados e associarem a vigilância à interdição, são o grande ator e elemento inovador do atual conflito.
A utilização ofensiva destes meios tem vindo a demonstrar também que, embora não preenchendo na totalidade, têm minorado as lacunas de uma capacidade, quer aérea quer marítima, conseguindo trazer a instabilidade e a insegurança ao inimigo nestes espaços de batalha. O passo seguinte será o avanço exponencial da robótica e dos “robots” com missões específicas, os veículos terrestres, como os carros de combate e os aviões sem piloto, assim como a presença cada vez maior da IA no processo de decisão.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.