Já foi publicado em Diário da República de 24 de Maio de 2023 o texto das Grandes Opções do Conceito de Defesa Nacional, aprovado em Conselho de Ministros e agora apresentado à Assembleia da República para debate e posterior aprovação, o que nos termos da Lei vai acontecer pela primeira vez. É uma decisão acertada, porquanto, tendo em conta o período em que o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, a elaborar em sequência, poderá vigorar, é de toda a conveniência que resulte do maior consenso político entre os Partidos com assento no hemiciclo.
Da análise do documento agora tornado público, verifica-se, uma vez mais, que o seu foco centra-se naquilo que é sectorial ao Ministério da Defesa Nacional, embora, naquilo que se refere à Estratégia Geral Militar, a sua função orientadora seja fraca ou inexistente, pois não clarifica cenários de atuação para o emprego das Forças Armadas, nem os níveis de empenhamento operacional em cada um deles, o que constitui lacuna grave para o planeamento, em sede do Conceito Estratégico Militar, para o levantamento e dimensionamento do Sistema de Forças Nacional, não existindo também qualquer visão, objetivo ou proposta de alteração das políticas atuais, que têm vindo a ser conduzidas pela Tutela, seja relativamente aos meios materiais seja especialmente aos recursos humanos, cuja realidade é crítica para as Forças Armadas em geral e para o Exército em particular.
A decisão sobre quais as políticas públicas de Serviço Militar para o País deveria ser objeto de um debate alargado a nível nacional não apenas a nível político, mas também estimulado junto da Sociedade Civil, por forma a conseguir um consenso tão alargado quanto possível. Não havendo um empenho político nesse debate, sempre que a questão da necessidade de recursos humanos para as Forças Armadas surge na Comunicação Social, assistimos a opiniões pouco fundamentadas e desajustadas da realidade nacional, como foi o caso da possibilidade de ingresso de estrangeiros na Instituição Militar, curiosamente apresentadas por entidades com reconhecidas responsabilidades políticas no passado, mas também no presente. Foi uma ideia fugaz, largamente rejeitada a nível da opinião pública.
Num Seminário, realizado no Centro Cultural de Belém, em 11 de Abril deste ano, sob o tema geral “Desafios para a Segurança e Defesa Nacional”, com um sub tema – “As Políticas Publicas de Prestação de Serviço Militar em Portugal” – foram colocadas aos conferencistas, para reflexão, quinze modalidades de políticas públicas de prestação de serviço militar, praticadas em diversos países europeus, quer da OTAN quer fora da Aliança, abrangendo o Contingente Geral e os Quadros Permanentes. A grande questão em debate acabou por se centrar na necessidade do modelo da Conscrição por um lado e a posição daqueles que, como a Tutela, acham que o “actual modelo ainda não está esgotado”.
De uma forma simplificada pode dizer-se que as opções variam entre a existência de um Quadro Permanente, que enquadra a Conscrição ou, a sua substituição, por um serviço semi-profissionalizado, de contrato, com variantes de maior ou menor duração, associado ou não ao voluntariado, ou, mesmo ainda, com a permanência de uma parte desse contingente, apoiada na Conscrição. Países há em que a opção vai para a total profissionalização de oficiais, sargentos e praças. No caso dos Quadros Permanentes (profissionalização), a maioria dos países fica-se pelos Oficiais e Sargentos.
No caso nacional, foi tomada recentemente a decisão de abrir o quadro permanente às Praças, situação que já se verificava na Marinha e que o Exército tinha abandonado há vários anos. Foi também apresentada no Seminário, relativamente ao Reino Unido, à França e a Espanha, a fórmula da criação de unidades especiais, enquadradas por quadros superiores nacionais, que incorporam cidadãos não nacionais daqueles países – as Legiões Estrangeiras e a Unidade de Gurkas.
Mais recentemente, tem vindo a ser discutida uma modalidade de Serviço Nacional à República, geral e obrigatório, para homens e mulheres, podendo este ser prestado nas Forças Armadas ou em tarefas civis, geridas pelo Estado. As modalidades têm duração e direitos distintos, cabendo a opção por uma das modalidades aos cidadãos. A vertente armada permitia também acesso aos quadros permanentes, através das escolas militares.
Não será assim por falta de modelos que o debate sobre esta matéria não se realiza. Importa reconhecer que o atual modelo não responde às necessidades de recursos humanos para as Forças Armadas, mas é necessário também ter presente que, a montante, é urgente dignificar e compensar as exigências da Condição Militar e fomentar a atratividade das Forças Armadas à Sociedade Portuguesa, designadamente aos jovens, associando a sua prestação do serviço com uma relação funcional e favorável com as escolas de ensino profissional, superior e universitário, a par de um paralelismo salarial aceitável, em comparação com o início de outras carreiras no mercado de trabalho.
O nosso país é uma potência de dimensão estratégica média, com um território descontinuado, com um mar inter-territorial, naturalmente com fraca capacidade de coação militar, que tem de ser ampliada pela participação em alianças e pela qualidade dos nossos recursos humanos, pelos valores que evidenciam, pela sua competência profissional, quer das suas lideranças, ao nível dos vários escalões de comando, quer dos seus especialistas em “nichos de competências”, junto de aliados e amigos em formações militares multinacionais.
É incompreensível que a Tutela política não se empenhe na resolução desta lacuna estrutural, o desafio mais urgente com que se confrontam as Forças Armadas, com especial incidência no Exército por ser “intensivo” no domínio dos recursos humanos, situação que pode pôr em causa o desempenho das Missões de Soberania e os compromissos assumidos, quer relativamente às Forças Nacionais Destacadas quer no seio das Alianças e Organizações Internacionais em que nos inserimos, impedindo o levantamento do Sistema de Forças Nacional aprovado, o avanço para novas capacidades e o seu crescimento harmónico em situação de crise ou guerra.
Está em causa também a capacidade de crescimento naquelas situações, a preparação militar adequada e oportuna dos contingentes recrutados, assim como o seu enquadramento, dificuldades ainda acrescidas por uma Lei de Mobilização desatualizada e não regulamentada, até hoje.
A incapacidade de avançar para novas capacidades, designadamente as necessárias para atuar nos novos espaços de aplicação do Poder – o espaço e o ciberespaço – assim como para responder às exigências da revolução digital e das novas tecnologias de informação, onde se incluem a profusa atuação dos meios de aquisição da informação, em particular os “drones”, colocam as nossas Forças Armadas fora da inovação e aquém da realidade tecnológica dos nossos parceiros, podendo comprometer a nossa participação, em futuras coligações multinacionais, no seio da Aliança ou fora dela.
Importa ter presente que a credibilidade das Forças Amadas nacionais e em particular do Exército, a quem a falta de efetivos constitui uma limitação decisiva ao seu funcionamento, passa também pela capacidade de liderar e enquadrar Grandes Unidades, no mínimo de escalão Brigada, como aconteceu quando Portugal foi “Lead Nation” de um Battle Group da UE, exercendo o comando, participando com um Batalhão e demais forças de apoio e enquadrando unidades militares francesas, espanholas e italianas. Depois disso, o que temos assistido, quer na OTAN quer na UE, é à integração de Unidades nacionais de escalão Companhia, em formações militares, sob bandeira de outros países.
A criação do Quadro Permanente de Praças, o estabelecimento do Contrato de Longa Duração para algumas Especialidades, o empenho na Igualdade de Género e a decisão de Diminuir a Altura exigida para a admissão dos potenciais Candidatos, não se nos afigura que melhorem o fluxo de recrutamento, que sejam um estímulo para servir nas Forças Armadas e que constituam respostas sérias para a magnitude do desafio com que estamos confrontados.
O Debate nacional que se mencionou e que se considera indispensável, perante uma apatia política que vai mantendo a atual situação de carência de efetivos, conduzindo ao continuado enfraquecimento das capacidades operacionais, pode acabar por se tornar existencial para as Forças Armadas, como Instituição Estruturante do País.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.