O presente artigo parte dum conhecimento muito genérico sobre algumas das possibilidades tecnológicas do presente e analisa os seus efeitos na aplicação militar. A tónica será muito mais nos efeitos do que na tecnologia, e o artigo tem um carácter generalista.
A nível estratégico, ou da decisão estratégica, o contributo mais importante que a tecnologia pode fornecer consiste na optimização dos sistemas de informação e comunicação, na gestão automática das bases de dados, nas ferramentas de planeamento e no apoio ao processo de decisão. Em resumo, permite uma visualização mais clara e mais alargada do contexto (a consciência do ambiente ou da situação onde as possíveis operações poderão ter lugar), e ajuda o decisor a tomar as medidas mais apropriadas à situação. As tecnologias de informação permitem um processamento muito mais rápido, e uma capacidade de armazenamento de dados exponencialmente superior ao que se verificava num passado muito recente, o que significa, em termos práticos, uma muito maior discriminação do ambiente e dos alvos, e uma correlação de dados completa, ou seja, mais informação e muito mais clara.
A tecnologia actual proporciona a criação de mundos virtuais sobre os quais temos uma percepção muito semelhante àquela que os mundos reais correspondentes nos oferecem. Neste contexto, a possibilidade da colocação do observador no meio da representação virtual, assim como a de integrar nesse mesmo cenário a representação da dinâmica de objectos reais, permite uma simulação realista de um dado exercício militar, assim como o ensaio prévio de uma missão real a executar, o que constitui uma mais-valia extraordinária no âmbito operacional.
O que é relevante sublinhar é a possibilidade de tratar um volume de dados nunca existente no passado, e de criar algoritmos que permitam um nível de conhecimento elevado sobre o mundo real, auxiliar determinante para a tomada de decisão.
Dos vários desenvolvimentos recentemente ocorridos, sobressai a Inteligência Artificial, pelo que se nos afigura interessante produzir uma reflexão muito superficial sobre este tema, baseada em várias leituras, apenas a suficiente para caracterizar a disciplina que neste momento assume uma importância extraordinária, incluindo na comunicação social.
A inteligência artificial é a capacidade dum computador digital, ou de um robô controlado por computador, para executar tarefas normalmente associadas aos seres inteligentes, isto é, a capacidade para ter comportamento inteligente (fica por definir o que é comportamento inteligente, podendo o seguimento desta narrativa resultar numa ideia mais clara; em termos breves, é o que se faz ou que se assume sob comando da mente).
Sobre o tema da Inteligência Artificial paira um receio na sociedade. Parece que a classe científica está criando um monstro que não se conseguirá controlar, por poder vir a ter uma capacidade superior à humana (dá-se como exemplo o caso de um dos fundos de gestão de acções da Bolsa, com Inteligência Artificial, ter alcançado melhores resultados do que a gestão com especialistas humanos, no mesmo período e no mesmo contexto; este é um exemplo real frequentemente referido na literatura para justificar o “pânico”), e essa classe de cientistas insta a que se crie regulamentação para minimizar os seus efeitos negativos. São os próprios cientistas da especialidade que alertam os governos para criar legislação que proteja os cidadãos dos eventuais efeitos maléficos para enfrentar o monstro que aí vem; o Parlamento Europeu já seguiu esta recomendação, criando um projecto de directiva. Para além deste receio, um pouco mitológico, existe uma outra fundamentação mais pragmática para o “pânico”, que é a que se prende com as perturbações na economia provocadas por esta tecnologia, em particular na área do emprego e da competição, em geral. Entretanto, surgem frequentemente notícias sobre este tema, de forma desencontrada, umas vezes lamentando o fracasso da investigação, outras vezes criando alarmismo com notícias sobre o eventual impacto, nem sempre suficientemente documentadas. De facto, parece que estamos no limiar de uma grande mudança.
Na área da segurança e defesa não existe muita referência quanto ao impacto negativo, ou ao receio, da Inteligência Artificial (à parte, os filmes de ficção), parecendo ser a área onde mais preocupação deveria existir, no seguimento da recomendação dos cientistas, dada a imaginação sobre a “possibilidade” de a guerra ser comandada por seres artificiais inteligentes. Não existe o mesmo receio que existe na sociedade civil, mas reforça-se a ideia de forte competição internacional nesta área, logo necessidade de integração da tecnologia, que ainda não se sabe bem o que virá a ser, nos sistemas de forças e sistemas de armas. Fala-se em “armas inteligentes” e “guerra em rede”, por exemplo, mas estes sistemas não são ainda dotados de inteligência, no sentido que acima referimos, sendo programados de acordo com determinadas regras (ex., não raciocinam, não descobrem os significados das coisas, não aprendem, apenas corrigem desvios ou descobrem padrões, de acordo com programas baseados em regras). O que lhes dá um carácter “inteligente” resulta da evolução da computação, permitindo tratar muitos dados e muitas regras em simultâneo (são programas “clãssicos” como, por exemplo: no caso de y, então x, sendo y a representação da situação e x a linha de acção a seguir). A enorme quantidade de dados e de informação (inputs e outputs) que está disponível por uma gestão adequada de bases de dados, permite a criação de novos algoritmos a partir de um algoritmo principal, o que significa fazer aprendizagem; mas parece-nos que não será Inteligência Artificial, porque só contempla uma parte da disciplina, a aprendizagem. Em todo o caso, é um tema controverso.
As organizações de defesa das grandes potências reagiram com muita prudência ao desenvolvimento da tecnologia de Inteligência Artificial, assumindo, no entanto, que ela poderá constituir um factor de poder extraordinário (a Informação é poder) que é, desde já, objecto de forte competição. Foram já criadas organizações específicas para tratar do tema em toda a sua profundidade, começando por avaliar em que medida a Inteligência Artificial irá mudar a forma de fazer a guerra. Antes de qualquer desenvolvimento programático, será necessário perceber em que consiste a Inteligência Artificial, quais os seus contributos para a operação militar ou de defesa; desde já, está assumido que face às primeiras impressões, a integração da capacidade em Inteligência Artificial nos sistemas de defesa implicará uma alteração dos conceitos operacionais, das estruturas organizacionais e da tecnologia aplicada nos sistemas de forças e sistemas de armas. Se a visão actual das capacidades em Inteligência Artificial se vier a concretizar, não parece fazer sentido tratar a sua integração “à peça”, num ou noutro sistema de armas, sem se ter adquirido “o quadro” geral da sua implementação total. Estudar, primeiro, avaliar, de seguida, e, por último, incorporar com coerência.
Como aconteceu noutras circunstâncias, a visão quanto às novas tecnologias é, em regra, muito idealizada. Em que medida está concretizada a visão inicial da chamada “guerra das estrelas” da década de oitenta do século passado? Ou a “revolução nos assuntos militares”, tal como inicialmente anunciada? Ou a “guerra de informação”, que reduzia ao mínimo o emprego das armas cinéticas da chamada guerra industrial? Ou a “guerra em rede”, que pressupunha, por exemplo, a alteração profunda do comando e controlo e da coordenação das forças no terreno, ou a integração total entre operação militar e logística? É natural que, quando surge uma invenção tecnológica, se crie uma ideia optimizada da sua aplicação, fruto da imaginação; no caso militar, existem fortes razões para que esta divergência (entre o que se idealiza e o que se concretiza) se verifique, como iremos referir adiante, e que a implementação se faça de forma prudente e progressiva. A “idealização” parece ser necessária por motivos óbvios, e a sua desvalorização, ou pretenso realismo, não deve resultar em imobilismo, ou conservadorismo, à espera da solução madura – nessa altura, poderá ser tarde, em termos militares ou de defesa; esperamos voltar a este tema algo complexo.
A disciplina de Inteligência Artificial nasceu de um centro de investigação, a meados do século passado, em virtude dos avanços então verificados na tecnologia dos computadores, na esperança de se construir um sistema que pudesse reproduzir um comportamento inteligente. Acreditou-se, nessa altura, que o computador poderia substituir o ser humano, na execução de muitas tarefas, inclusivamente tarefas que implicassem inteligência ou enquadramento contextual. O teste de Turing é desta data (1936). Esta esperança, entretanto, desvaneceu-se e veio a reacender-se já neste século, com o desenvolvimento exponencial na área da computação (velocidade de processamento e capacidade de armazenagem de dados), mas também na área das neurociências com o estudo do cérebro (o que permite criar sistemas artificiais sugeridos pelo funcionamento do cérebro, apesar da grande distância a que a Ciência se encontra da emulação do cérebro humano, considerando-se um objectivo inatingível neste momento, segundo alguns autores). Ao contrário, muitos cientistas acreditam que será possível a emulação do cérebro humano num sistema computacional artificial ainda neste século; a tecnologia está em vias de conseguir este objectivo no mais pequeno verme conhecido, com cerca de trezentos neurónios e com relação a cerca de mil células, e imagina-se a dificuldade quando se trata do ser humano com cerca de cem mil milhões de neurónios. Depois da compreensão total, será necessário avaliar das capacidades computacionais, assumindo que o problema da representação da consciência fique, entretanto, resolvido. Talvez que o problema não seja na quantidade de neurónios, mas nos algoritmos que o possam explicar.
A investigação em torno desta matéria tem-se focado no desenvolvimento tecnológico para artificialmente atingir objectivos nas áreas da aprendizagem, do raciocínio, da resolução de problemas, da percepção e da linguagem (fazer com que o computador aprenda, usando o método da experiência e erro, ou da generalização – aplicar experiência passada em situações novas análogas, criando novos algoritmos; fazer com que o computador raciocine produzindo inferências, dedutivas ou indutivas, apropriadas a uma situação; fazer com que o computador resolva problemas associando meios a fins, passo a passo, até reduzir a diferença entre estado actual e objectivo final; fazer com que o computador, a partir de dados de sensores, decomponha a cena e estabeleça a relação espacial entre objectos; fazer com que o computador opere com a linguagem a partir de símbolos escritos ou fonéticos).
Os métodos usados na investigação (como é que a informação é processada, tendo em conta a máquina virtual utilizada) dividem-se em duas categorias fundamentais: o método simbólico (processamento de símbolos, sem associação à estrutura biológica do cérebro) e o método “bottom-up” (redes neuronais que imitam genericamente a estrutura do cérebro; foram desenvolvidas por sugestão do entendimento sobre este funcionamento, mas, na realidade, não o representam, não é emulação). Para além destas categorias, a literatura trata ainda da programação evolucionária (usa mecanismos inspirados na evolução biológica, tais como, reprodução, mutação e selecção, e onde a função aptidão determina a qualidade das soluções, isto é, o algoritmo principal cria automaticamente novos algoritmos por virtude desta função. Esta é uma explicação grosseira que apenas pretende dar uma ideia do desenvolvimento nesta área, segundo a visão do não especialista), do autómato celular, entre outros. Veja-se o livro Algoritmo Mestre, de Pedro Domingos, 2017, sobre aprendizagem e geração de algoritmos.
Esta é a informação elementar que se entendeu como mínima para se analisar o problema exposto em título. Para um melhor esclarecimento recomenda-se a leitura do livro fundamental do Professor Arlindo Oliveira, Inteligência Artificial, assim como de outro de Margaret Boden, Artificial Intelligence; para quem queira aprofundar o assunto, recomenda-se a obra editada em 2023 por Stuart Russel e Peter Norvig, Artificial Intelligence, a modern approach (1287 páginas, incluindo as notas).
Após esta partilha de informação elementar, resultante de várias leituras, parece importante imaginar cenários onde as novas tecnologias possam ter aplicação.
Comecemos, então, pela aplicação da tecnologia ao nível da decisão estratégica. Dado que não é nosso propósito discorrer aqui sobre a essência da Estratégia, mas apenas sobre a contribuição da tecnologia para a decisão estratégica, o problema deverá ser deduzido de dois elementos fundamentais que interagem: a análise da situação, ou o conhecimento do ambiente externo, e a forma de afirmação do País (o conceito estratégico). Isto é, colocar em esquema o processo da decisão estratégica, incluindo a influência do contexto nesse processo.
O registo histórico diz-nos que uma grande parte das decisões de natureza estratégica foi tomada sem a informação que deveria ter sido necessária, sem clareza, e com uma grande carga emotiva resultante das pressões provenientes de várias origens, ou seja, o método racional não funcionou em pleno. As percepções, as crenças e a intuição, assim como a vontade ou motivação, foram dominantes nestas circunstâncias, influenciando ou distorcendo o conhecimento de base para a decisão. Do lado do inimigo, as acções de decepção, ou de influência, entre outras, foram causa de distorção de informação, isto é, os sinais vindos do contexto e do lado do inimigo foram, em regra, interpretados com base na crença do decisor. Nos dias de hoje, a situação pode ser diferente, porque a informação está mais disponível e os instrumentos de análise estão muito mais desenvolvidos, o que não significa que a decisão seja sempre tomada de forma pura ou racional, como é evidente. Apesar do investimento nesta área ter sofrido uma variação positiva exponencial nos Países com maior poder, a verdade é que o “nevoeiro” não se dissipou totalmente. Ou seja, a irracionalidade, resultando dos elementos acima referidos, assim como das características psicológicas do decisor, nunca poderá ser descartada em termos definitivos; no processo de análise há que a ter em conta.
Não há qualquer espécie de dúvida em classificar este século como o século da informação, classificação que, em princípio, deveria ser facilitadora de cooperação; contudo, o mundo real continua competitivo, conflitual ou violento. Este privilégio da disponibilidade da informação, face ao estado da relação internacional, conduz a que a obtenção da superioridade em informação seja um objectivo na competição entre actores – na competição, no conflito e na guerra, vence aquele que conseguir ver mais longe, mais cedo e com maior clareza, e também que consiga agir dentro do ciclo de decisão do opositor. A protecção da informação própria, a busca de informação alheia ou geral e a potencialidade para prejudicar ou impedir as acções dos outros contra a nossa informação, são acções típicas na sociedade de informação. A “guerra de informação” é cada vez mais denunciada, com uma componente defensiva e outra ofensiva, esta muito mais esbatida, ou escamoteada, em tempo de paz, mas que significa influência, negação, disrupção ou mesmo destruição dos sistemas de informação.
A generalização das redes sociais permite um exercício de influência através da infraestrutura de informação, desde as acções de “marketing” à divulgação de notícias com intenção deliberada de condicionar a opinião pública e o decisor político ao mais alto nível. Todos estes factores, enquanto proporcionam uma informação global, exigem uma segurança e defesa semelhante (segundo um conceito idêntico) à segurança e defesa no mundo real.
A partir de fontes abertas é mais fácil a obtenção de dados, a nível global, mas é mais difícil a captura dos dados protegidos. Ter acesso ao que está exposto é mais fácil do que capturar dados contidos nos sistemas dos outros. Deste manancial tanto brotam dados “puros” como dados deliberadamente colocados para influenciar, prejudicar ou enganar. Em todo o caso, julga-se que o “Intelligence” é muito mais processado a partir de fontes abertas, em que com a correlação de dados e eventos, ou com a inferência, se conseguem resultados importantes. O “intelligence” humano (HUMINT) faz a ligação dos resultados e complementa a informação, mas constitui apenas um complemento, ou uma confirmação/infirmação, embora muitas vezes decisivo. É importante abrir um “parêntesis” para recordar que existem três níveis do processo da informação: os dados, que são os relatórios, as notícias ou os sinais; a informação, que é o conjunto dos dados colocados em contexto, e o conhecimento que é a compreensão duma realidade que se extrai pelo tratamento da informação e que pode ser obtido pela inferência lógica. Para cada um destes níveis são concebidos instrumentos ou técnicas apropriadas.
A tecnologia actual permite a criação de bases de dados estruturadas (com o tipo de informação adaptada aos seus fins), de âmbito global. As ferramentas disponíveis de gestão de dados permitem construir informação a partir desses dados, e um outro tipo de tecnologia, como, por exemplo a Inteligência Artificial, permite transformar informação em conhecimento; é esta transformação a mais-valia das Informações dos Países.
O contexto internacional, para o efeito que pretendemos, poderá ser deduzido a partir da intensidade e da qualificação dos eventos ocorridos num dado período histórico, e relativos a relações internacionais, indicadores e índices de natureza política, económica, social e geográfica. São estes dados que estão contidos na base de dados a que se fez referência e que agora se pode pormenorizar um pouco mais. Para a relação entre actores, a descrição de cada evento consta do actor originador e actor alvo, do tipo de evento, da sua codificação e da sua descrição, em particular o verbo de ligação, da data e de outro tipo de informação relevante. Todos estes dados estão codificados, de acordo com um critério político, estratégico ou sociológico. Dado que a maior parte das “Informações” do tempo presente é proveniente de informação aberta, a construção desta enorme base de dados é feita a partir de documentos de informação no domínio público. São conhecidas algumas destas bases de dados, a serem utilizadas por Universidades e Agências noticiosas, como é, por exemplo, o caso da conhecida e antiga “Conflict and Peace Databank (COPDAB). A exploração destas bases de dados, segundo determinados critérios, poderá fornecer uma imagem das tendências mundiais, regionais e locais, no sentido da paz ou cooperação ou no sentido dos conflitos potenciais. É neste aspecto que a Inteligência Artificial poderá dar um contributo determinante, pela leitura, análise, interpretação e aprendizagem a partir do material contido na base de dados. Serão exemplos de resultados desta exploração que aqui são apresentados como desafio à nova tecnologia, o teste à credibilidade da informação, a constituição de alianças e sua coesão ou tendência, a relação de poder entre actores, os impactos em países terceiros, o perfil dos líderes políticos em especial quanto a aversão ou propensão ao risco, e muitos outros. Quanto ao “intelligence” a partir de fontes abertas, sublinhe-se que o importante não são os dados em si, mas aquilo que deles se poderá extrair a partir da sua relação.
Temos estado a referir uma base de dados com uma estrutura permanente, obtida a partir dos arquivos históricos ou da comunicação social, mas poderemos imaginar a possibilidade de uma construção muito mais flexível, e mais ampla, a partir da base de dados global (a Internet) com a participação da Inteligência Artificial, construída em tempo real.
Assim, temos construída a representação da situação estratégica com o apoio da tecnologia. Interessa agora desenhar os modelos que eventualmente poderão basear-se na informação recolhida.
Nas últimas décadas do século passado, foram desenvolvidos modelos comportamentais, com base na teoria dos jogos, para explicar as crises e os conflitos persistentes. A título de exemplo citamos apenas duas obras: Conflict among Nations, de Glen Sneider e Paul Diesing, 1977, e Conflict in World Politics, de Frank P. Harvey e Bem D. Mor, 1998.
Transcrevemos parte de um parágrafo deste último livro que enuncia as seguintes questões, para explicação geral da evolução estratégica associada aos conflitos persistentes: 1) em que é que a evolução dos conflitos persistentes difere das rivalidades incidentais; porque é que alguns conflitos persistem enquanto outros têm uma duração breve; 2) o que são as relações temporais nos conflitos persistentes e em que é que uma disputa está relacionada com a anterior; 3) como terminam os conflitos persistentes e quais são as condições estratégicas em que um padrão de conflito repetido se transforma numa relação estável não conflitual. Estas questões são respondidas com um modelo baseado na teoria dos jogos.
Tanto quanto julgamos saber, este tipo de investigação não prosseguiu com a intensidade do período mencionado; isto é, parece-nos que não houve continuidade nestas linhas de investigação. A aplicação da teoria dos jogos ao estudo da relação internacional foi muito criticada, essencialmente por se considerar demasiado abstracta. Esta última obra incidiu mais em análise estatística, dando relevância ao estudo do passado. A primeira obra tem um carácter mais prático, embora não descure a informação histórica.
Fez-se esta referência por parecer que poderia ser adequado seguir uma linha de investigação no mesmo sentido, mas adaptada ao cenário actual e com a aplicação das tecnologias que se referiram. É um desafio, ou provocação, que aqui se deixa.
Não será demais sublinhar que o decisor estratégico da actualidade decide em moldes semelhantes aos do passado. O que mudou substancialmente foi o ambiente político ou sociológico (veja-se, por exemplo, a obra Risk Taking and Decision making, Foreign Military Intervention Decisions, de Yaacov Vertzberger, de 1998, onde são analisados todos os factores que influenciam a decisão) e as ferramentas de apoio que sugerem linhas de orientação que o decisor seguirá ou não. Isto é, o decisor estratégico não é um autómato e não pode ser substituído por um robô, mas o apoio dado pelas tecnologias poderá ajudar bastante.
Passemos agora para um outro nível de análise, mais realista, o nível operacional ou táctico, sempre com o propósito de saber até que ponto as novas tecnologias poderão produzir mudança nestes campos.
O espaço de batalha está densamente povoado de sinais que resultam da emissão ou reflexão naturais e de sinais artificiais próprios da actividade operacional. Na sua quase totalidade estes sinais estão representados por dígitos, ou podem ser convertidos; isto é, a informação no espaço de batalha está digitalizada, logo, sujeita a um tratamento informático. Por outro lado, a velocidade com que decorre a maioria das operações (alterações mais rápidas do ambiente operacional, maior dinâmica dos sistemas de armas, etc.; neste aspecto, e também noutros, a guerra na Ucrânia é atípica e anacrónica), exige um certo automatismo que as tecnologias podem proporcionar.
Na doutrina e na prática, as funções do “Intellignce”, da Vigilância e do Reconhecimento são tratadas como um bloco, estão muito associadas em termos de finalidade. As tecnologias que apoiam estas funções são sensivelmente as mesmas, apesar de poderem estar instaladas em plataformas distintas, como sejam os satélites, as aeronaves tripuladas ou não tripuladas, os balões, os meios navais e as plataformas terrestres.
A função de “intelligence” compreende um ciclo que não tem sofrido alteração desde a doutrina clássica; este ciclo é composto de vários passos. Desde logo, importa definir o que se pretende procurar, como, onde e quando; para além da informação sobre a situação ou o contexto operacional, o planeamento da pesquisa pode ser apoiado pela modelação e simulação, que permite o ensaio da missão, e o exercício real da operação pode e deve fornecer a informação de retorno para actualização do plano.
Quanto à colecção de dados relativos ao espaço do opositor, constituem elementos fundamentais os sensores operando em vários sectores do espectro eletromagnético e acústico, desde sensores na banda da luz visível, do infravermelho, das micro-ondas, das ondas rádio, das ondas milimétricas. Em termos de aplicação militar, o radar, nas várias frequências, é o sensor activo mais utilizado para além do sensor operando na banda da luz visível. A tecnologia dos sensores tem sido objecto de grande desenvolvimento, na área da resolução, permitindo uma discriminação de objectos cada vez maior, e na área do processamento dos dados recolhidos, na sua transmissão em rede, e também na área da segurança; é preciso notar que os sensores militares deverão ser concebidos para operarem em ambientes hostis, sujeitos a ataques de guerra electrónica. O conjunto do sensor deverá ter o dispositivo que permita a integração e transmissão das imagens obtidas, através das redes de comunicação, outra das tecnologias fundamentais para a operação militar; o que é relevante neste ponto é o volume de dados que pode ser processado através dos canais de comunicação, e que favorece a análise, o planeamento e a execução da missão (por exemplo, enquanto que na utilização de mísseis de cruzeiro era a estação lançadora que preparava a informação geográfica para a navegação do míssil, face à ordem de missão, agora, estes dados são enviados com a ordem de missão, o que altera substancialmente a prontidão, ou o tempo de reacção).
Em relação às tecnologias de reconhecimento instaladas em plataformas espaciais têm-se obtido progressos extraordinários, tanto na plataforma como na resolução; basta referir que o projecto “Corona”, lançado em 1961, proporcionava uma resolução de cento e quarenta metros, e que com os satélites actuais se obtêm resoluções da ordem de centímetros, para além de outras melhorias extraordinárias na qualidade da imagem. Como é sabido, a intercepção, recolha e disseminação de sinais de comunicação ou electrónicos, é também efectuada através de satélites. A digitalização da imagem permite a sua transmissão em tempo quase real, através das redes globais de comunicação o que constituiu numa vantagem operacional extraordinária. Tendo em vista o mínimo espaço de tempo de visita operacionalmente requerida, assim como a área de cobertura necessária para o caso dos satélites de órbita baixa, especialmente na função vigilância, opta-se pela rede de satélites (com um número reduzido de satélites colocados em órbitas diferentes e em rede consegue-se, teoricamente, cobrir quase em permanência um grande espaço). A indústria espacial está em grande desenvolvimento, outrora do domínio exclusivo dos Estados, actualmente também da esfera privada, e o espaço está povoado por um elevado número de satélites para os mais diversos fins (segundo algumas fontes, existem em órbita baixa cerca de sete mil e quinhentos satélites). O satélite passou a ser mais um nó de comunicações, agora globais, com participação directa nas operações tácticas, em especial no reconhecimento em vários campos de espectro electromagnético.
Retornando ao processo do “intelligence”, parece oportuno mencionar, numa visão muito geral, duas tecnologias ou conjuntos de tecnologias: a visão por computador e o processamento automático (neste caso, um conjunto de tecnologias). Quanto à primeira, ela consiste numa nova disciplina já utilizada no mundo civil, em que, perante a imagem visual, o computador extrai informação de variada natureza, consoante os modelos que usa, ou seja, procede a descrições do mundo real que fazem sentido ao processo de pensamento e que podem sugerir acções apropriadas (extrair informação simbólica da imagem usando modelos construídos com a ajuda da geometria, da física, da estatística e da teoria da aprendizagem). O campo da visão por computador é interdisciplinar e pretende explicar como é que os computadores deverão ser dotados para obter um conhecimento de alto nível das imagens digitais ou vídeos. Trata-se de matéria que surgiu ao mesmo tempo que a Inteligência Artificial e teve um percurso idêntico que pretendia emular o sistema de visão humana, e que evoluiu de maneira semelhante; aliás, a visão por computador tem muito de “inteligência artificial”, especialmente na função de aprendizagem. Os problemas fundamentais que a visão por computador procura resolver são a reconstrução (a construção de um modelo do mundo a partir duma imagem ou conjunto de imagens) e o reconhecimento (onde se desenham diferenças entre os objectos com base no visual e noutra informação, atribuir nomes a objectos que encontra na imagem). Com o reconhecimento procura-se não só a detecção estática como a actividade em curso (saber o que o agente detectado está a fazer). Em certos casos, poderemos admitir a possibilidade do reconhecimento facial, como já existe em locais de grande concentração de pessoas para identificação de indivíduos. De facto, em termos de aplicação militar, o que nos parece ser mais significativo é a detecção de objectos e de eventos ou de actividades, a representação tridimensional, a aprendizagem e a navegação robótica ou autónoma. A identificação facial, já em uso no controlo de passageiros em aeroportos ou em multidões, mais de aplicação civil, é outra das capacidades que a visão por computador pode fornecer no âmbito militar (é de admitir que já esteja em prática na guerra híbrida da actualidade).
Quanto a processamento automático do “intelligence”, ou semiautomático, que pode estar também associado à visão por computador, poderemos dizer que a necessidade resulta da profusão de dados e de sinais a circular no espaço de batalha, tornando impossível o seu tratamento exaustivo por “via manual”. Para a obtenção deste automatismo intervêm várias tecnologias, essencialmente do âmbito da informação. Descreve-se de forma muito breve o “funcionamento” do sistema, com a finalidade de se partilhar a importância destas tecnologias no processo do “intelligence”. O primeiro passo será o da tradução dos dados provenientes de diversas fontes, desde os sensores às notícias em papel, ou de voz, em formato digital; daqui passa-se para a organização e indexação dos dados, assim como a sua classificação: a aplicação dos métodos estatísticos permite “descobrir” as tendências de cada um dos indicadores e a correlação entre eles; a fase seguinte corresponde à análise da informação utilizando mecanismos de inferência indutiva e dedutiva para se descobrirem padrões e conformidade de comportamentos com esses padrões. A modelação e simulação é um dos instrumentos utilizados para a exploração da informação. O automatismo do sistema pode ser obtido com a utilização de ferramentas adicionais próprias, podendo fornecer alertas; normalmente é utilizado um mecanismo de pergunta e resposta actuado pelo analista, que será sempre o director do projecto. Por último, importa referir a importância da visualização, através da qual se facilita uma “consciência do campo de batalha”, visualização que se obtém com a utilização de ferramentas próprias.
O mapa construído através deste processo constitui parte do que se designa por mapa da situação, sendo as outras partes o mapa relativo às forças amigas e ao ambiente; no conjunto, constituem o quadro que apoia decisão do comandante. Esta descrição é básica, e serviu apenas para mostrar a possibilidade do automatismo no processo do “intelligence”. Com as novas tecnologias de redes, esta informação circula de forma que cada agente terá acesso a ela de acordo com a sua função operacional, desde o executante ao comando superior. Nesta conformidade, o que se obtem é uma actualização permanente, no sentido em que cada executante terá acesso à dinâmica da operação em tempo quase real e relativa à sua esfera de acção (actualização da actividade inimiga e das nossas forças).
Passemos para o nível da execução, onde as novas tecnologias estão permanentemente a surgir, por exemplo, no âmbito dos sistemas de armas. A lista dos projectos de investigação em tecnologia militar a decorrer nos centros respectivos preenche algumas dezenas de páginas. Este projectos dizem respeito, genericamente, ao desenvolvimento de novos materiais mais resistentes, mais leves, mais duradouros, que garantem mais protecção à acção hostil e ao ambiente, e maior furtividade; novos propulsores que proporcionam mais velocidade, mais economia, menor agressão ao ambiente, mais autonomia, para equipar veículos e munições; novas cargas militares com maior eficácia pontual; novas configurações estruturais que “fogem” à detecção de radiação electromagnética; novas armas de defesa utilizando novas formas de energia, que conseguem interceptar e neutralizar armas hipersónicas; novas formas de exploração do espectro electromagnético; novos sistemas de computação aplicados em sistemas de armas sofisticadas, robôs com comportamento inteligente para actuar em todos os ambientes; novos sistemas de comunicações capazes de transferir grandes volumes de dados, com muito mais velocidade e segurança; e principalmente, a miniaturização de componentes electrónicos que tem permitido maior capacidade de computação, responsável por grandes desenvolvimentos em muitas áreas.
O guiamento é uma disciplina que teve a sua origem na segunda guerra mundial, sobre o qual existe uma extensa bibliografia, e com aplicação em vários domínios militares. Depois da guerra, o primeiro exemplo desta aplicação, terá sido o piloto automático usado em aeronaves, cuja função é manter a estabilidade aerodinâmica num referencial de massa de ar, escravizado a ordens dadas pelo operador ou definidas por um computador ou sistema de navegação. O progresso nesta área tem sido extraordinário, devido fundamentalmente aos avanços na miniaturização, na computação, na tecnologia dos sensores e nas comunicações. É possível construir um sistema altamente complexo que possa ser incorporado num pequeno míssil, ou telecomandar um “drone” muito para além do horizonte visual com o auxílio do sistema de comunicações global. É possível conceber um sistema de guiamento que tenha incorporado um dispositivo que possa distinguir o alvo do engodo, ou que possa efectuar decepção electrónica em aproximação ao alvo. No caso do veículo terrestre autónomo, o sistema de guiamento incorpora a capacidade de visão por computador. O guiamento das armas, sejam auto-propulsionadas ou não, tem várias modalidades, desde o guiamento autónomo de encaminhamento ao alvo, com utilização de energia radiada ou reflectida, de comando exterior através de um feixe, até à utilização de navegação autónoma inercial. As armas guiadas conseguem níveis de precisão absolutos, o que minimiza os efeitos colaterais, e constituiu um pilar importante no que foi considerado como a revolução nos assuntos militares. É preciso notar que a utilização destas armas ocorre num ambiente altamente hostil, o que significa que estaremos em presença de medidas de decepção e de tentativa de negação. As bombas guidadas constituem uma solução relativamente económica, porque usam a bomba convencional a que se junta, como acessório, um pequeno dispositivo que contém a unidade de guiamento e as pequenas superfícies de controlo aerodinâmico. Este sistema permite que a bomba possa ser largada da aeronave a uma grande altitude e distância do alvo, nalguns casos fora do envelope das armas antiaéreas inimigas. O erro circular provável na maioria destas bombas é muito próximo de zero. Os foguetes superfície-superfície podem dispor de guiamento terminal, o que lhe proporciona uma precisão notável.
O guiamento está não só inserido nas munições, como nas próprias plataformas. O caso mais mediatizado actualmente é o dos “drones”, veículos aéreos não tripulados, que iremos tratar adiante. Como se sabe, existem veículos terrestres autónomos, assim como meios navais, de superfície e subsuperfície. Uma das provas de que esta tecnologia do guiamento está madura é o facto de estar a ser aplicada em aviões de combate reais não tripulados, para treino ar-ar, com capacidade para efectuar manobras defensivas no momento certo.
No campo das armas e munições, a tecnologia tem tido um desenvolvimento extraordinário, orientado para obter efeitos precisos e específicos em alvos de diversa natureza. Algumas dessas armas são acessíveis, do ponto de vista económico, a pequenos países, outras só as grandes potências as poderão adquirir. Para além dos efeitos precisos referidos, que podem ser pontualmente destrutivos ou de perturbação do sistema económico, social ou psicológico, pretendem, algumas delas, não produzir efeitos colaterais em termos de baixas civis.
Nos últimos conflitos assistimos ao emprego de vários tipos de munições, como foi o caso das bombas de grafite e das munições de urânio empobrecido. As primeiras tinham como efeito isolar ou anular as redes de distribuição eléctrica, com as consequências óbvias, e as segundas pretendiam ser uma resposta aos novos desenvolvimentos em matéria de blindagem dos carros de combate, dada a dureza conhecida do urânio empobrecido.
No futuro imediato, prevê-se a utilização da munição que aproveita o efeito “pulso electromagnético” (EMP), e a munição de feixe de energia. Parece conveniente uma explicação breve, não científica, para se partilhar uma ideia muito geral.
O efeito EMP resulta da geração de micro-ondas de elevada potência no seguimento de uma forte explosão circunscrita, produzindo interrupção no funcionamento ou destruição dos circuitos electrónicos nos computadores e nos equipamentos de comunicações; em termos simples, produz um “apagão” nos sistemas de informação. O EMP é uma onda de choque electromagnética semelhante a um trovão; dada a intensidade da energia instantaneamente desenvolvida e a velocidade de propagação da onda, os circuitos electrónicos não protegidos numa dada área serão destruídos. Existem várias configurações ou tipos de “bombas electrónicas”, que podem ser integradas em mísseis superfície-superfície, mísseis de cruzeiro ou em bombas aeronáuticas. Não produzem outros efeitos para além dos mencionados, mas devido à área onde se manifestam poderão atingir o lançador, se não forem tomadas as devidas precauções.
As armas de energia dirigida compreendem as armas laser e de partículas. Como se sabe, e segundo nos dizem os livros, a tecnologia laser consiste basicamente na estimulação de um átomo ou de uma molécula atingindo assim um elevado estado de energia; esta estimulação é feita por vários meios, como sejam a reacção química, uma corrente eléctrica ou uma luz intensa. Quando o átomo está num baixo nível de energia emite um fotão, que vai colidir com outro átomo de elevado estado de energia e extrai um novo fotão, e assim sucessivamente, num processo que se chama de estimulação. Na configuração do laser existem espelhos que reflectem estes fotões várias vezes, canalizando-os para um feixe de luz com comprimento de onda contínuo. A luz é monocromática, o que permite focar o feixe num ponto de um milímetro de diâmetro a elevada distância (ex., apontar ao foco de uma máquina fotográfica, à distância). Uma arma laser pode obter dois tipos de efeitos: termal e de choque; no primeiro caso, o alvo é destruído por aquecimento, em virtude da longa permanência do feixe na sua estrutura; no segundo caso, usando um feixe de elevada potência pode-se vaporizar uma fina camada da estrutura do alvo e da atmosfera envolvente, e os gases superaquecidos provocarem uma explosão, que pode gerar uma onde de choque e destruir a fina camada do alvo – este pequeno orifício na estrutura permite a entrada do feixe no interior do alvo, danificando equipamento ou acionando o trem de fogo, no caso de mísseis ou de aeronaves, por exemplo. Sublinhe-se que estamos a falar de um feixe de elevada potência.
As armas de feixe de partículas resultam da possibilidade de aceleração de elevada quantidade de elementos subatómicos para velocidades próximas da velocidade da luz, usando um acelerador, focando-os num feixe de elevada energia. Cada partícula, com massa e velocidade, é dotada de elevada energia. O sistema consiste de um díodo colocado no vácuo, sobre o qual é aplicada uma corrente eléctrica de muito alta voltagem libertando uma grande quantidade de electrões que são canalizados para o acelerador; este acelerador consiste numa dada configuração de campos eléctricos e magnéticos que imprimem uma alta velocidade e focagem desses elementos. Há dois tipos de armas: de partículas em carga e de partículas neutras, as primeiras para emprego na atmosfera, as segundas para emprego no espaço. Para estas armas, que têm um efeito muito maior do que as armas laser, não existe a possibilidade de qualquer manobra defensiva por parte do alvo, que pode ser destruído instantaneamente. Para além destas características, estas armas podem ser usadas em todas as condições meteorológicas. Como desvantagem menciona-se a necessidade de se dispor de uma elevada potência eléctrica num muito curto espaço de tempo.
A tecnologia das armas terrestres, para além do prosseguimento em armas convencionais, tem incidido em vários campos fundamentais: a artilharia de longo alcance com guiamento terminal no caso dos foguetes, a artilharia antiaérea de grande precisão, instalada em plataformas móveis, com vigilância integrada, a blindagem de viaturas, viaturas autónomas e robôs.
Especialmente no campo das armas antiaéreas tem sido notável o desenvolvimento, ao ponto de se conseguir a intercepção e anulação de mísseis, a grandes distâncias.
A tecnologia naval terá tido como objecto os materiais, a propulsão, as armas, o comando e controlo, os sensores, a robótica, com progressos notáveis segundo as notícias da especialidade. É de particular importância a arma de protecção contra armas “seaskimming” e os novos mísseis de defesa aérea com o respectivo sistema de detecção e comando a bordo. No caso dos sensores teremos a considerar não só os sensores para o aviso aéreo, e para a detecção de alvos de superfície, mas também os sensores acústicos para a detecção submarina, assim como a sua integração nos sistemas de comando e controlo de bordo.
O desenvolvimento tecnológico com aplicação nos mísseis ar-superfície tem sido muito mais orientado para a melhoria dos sistemas existentes, do que para o aparecimento de novas armas. A título de exemplo, refere-se a situação na primeira potência: de cerca de quarenta e cinco tipos destes mísseis existentes num passado não muito distante, existem actualmente cerca de dez em uso, e um número reduzido em projecto. De facto, os mísseis de curto alcance colocam a aeronave lançadora, na maioria das situações, numa situação vulnerável dentro do envelope das antiaéreas inimigas; certamente devido a esta hipotéctica vulnerabilidade, o míssil de cruzeiro, que pode ser lançado de aeronave, de navio ou de estação terrestre, a uma grande distância do alvo, tem sido privilegiado, constituindo uma alternativa credível. Para além deste míssil, foi desenvolvido um outro tipo de míssil ar-superfície, de longo alcance, com guiamento de navegação por satélite, com vários tipos de guiamento terminal de elevada precisão; ao contrário do míssil de cruzeiro, este míssil tem uma trajectória de elevada altitude. Os mísseis ar-superfície podem ser antitanque, de cruzeiro, antinavio e antirradiação, utilizados na luta contra o poder aéreo inimigo, no apoio aéreo às forças de superfície, na interdição do campo de batalha, no ataque estratégico. Para além dos mísseis, as forças aéreas continuam a utilizar bombas de diversos tipos, foguetes e canhões nas acções ar-superfície.
O guiamento do míssil ar-superfície tem sofrido evolução, desde o guiamento por comando, ao guiamento por feixe de energia, ao auto encaminhamento, à navegação por satélite (GPS). Nas acções contra o poder aéreo inimigo para garantir superioridade tem sido empregue com frequência o míssil ar-superfície antirradiação que é autoguiado para as fontes de energia inimigas.
O míssil de cruzeiro tradicional tem sofrido alguma evolução em termos de guiamento, com integração de várias tecnologias, como, por exemplo, a navegação por sistema de inércia, por referência a acidentes geográficos, por navegação astronómica e finalmente por navegação por satélite. O míssil voa a muito baixa altitude e a velocidade da ordem dos quinhentos nós com um grande alcance. Apresenta alguma vulnerabilidade, face ao sistema de defesa aérea. Está em vias de entrada ao serviço um novo míssil de cruzeiro hipersónico, com velocidade da ordem de cinco vezes a velocidade do som, de elevada precisão com capacidade para penetrar em quase todos os sistemas de defesa aérea actuais. Há notícia de que já existe em estudo uma nova arma contra este tipo de míssil. No campo aeronaval é de relevar o míssil “seaskimming” contra navio, com grande alcance e voando a muito baixa altitude, entre cinquenta a dez metros sobre a superfície do mar, com navegação por inércia e guiamento terminal por radar ou por radiação infravermelha.
O desenvolvimento tecnológico no campo dos mísseis ar-ar tem consistido muito mais em melhoria do que em inovação, especialmente na área do guiamento, da propulsão, da carga militar e das contramedidas. Referindo de novo o exemplo da grande potência (EUA): oito tipos em uso e dois tipos em desenvolvimento. Na fase em que a propulsão está activa, a capacidade de manobra do míssil é muito maior do que a do avião, permitindo criar soluções eficazes de intercepção; contudo, o avião atacado, se tiver conhecimento do início do ataque pode proceder a manobras que degradam a energia do míssil, desde a distância inicial até à fase terminal. Do lado do avião, a tecnologia tem evoluído no sentido de tornar a aeronave quase invisível, de dotar sistemas que detectam a proximidade da aeronave atacante e do míssil, de desenhar manobras de fuga, para além de outras. Do lado do míssil, naturalmente que se pretende uma melhor capacidade de guiamento e de manobra, assim como medidas de auto-defesa. Este ciclo de ataque/defesa tem constituído o objecto fundamental da investigação. Ao que se julga saber, para além das melhorias actuais e do fim do ciclo de vida de alguns tipos, existe apenas um tipo de míssil ar/ar em desenvolvimento no mundo ocidental, desconhecendo-se os parâmetros do seu desempenho. Em finais do século passado, deu-se um salto significativo na concepção do míssil ar/ar: do tradicional curto-alcance passou-se para o alcance médio, embora se tenha mantido a concepção tradicional, e daqui para o longo alcance.
A luta entre a arma antiaérea e a aeronave tem sido uma constante da guerra moderna. Ao aumento de velocidade e de capacidade de manobra da aeronave exigia-se uma maior prontidão antiaérea, em que o aumento do tempo de aviso deveria corresponder a uma capacidade de detecção e um sistema de comunicações mais eficaz. A dispersão das armas para garantir maior capacidade de defesa exigia mais mobilidade e mais protecção. As posições fixas deram lugar a configurações em viaturas blindadas, e os mísseis “pesados” deram lugar a soluções mais flexíveis, incluindo o míssil transportado pelo operador (manpad). Contudo, para o grande alcance continuam a ser utilizados mísseis mais complexos e pesados (caso do Patriot, do lado ocidental, e S300, 350 e 400, do lado russo). Inicialmente, uma melhoria da blindagem da aeronave exigia uma munição convencional de maior calibre, com a penalização de menor cadência. A solução encontrada para resolver este problema foi a utilização dum calibre eficaz (30mm) num tubo múltiplo rotativo (seis tubos). Para penetrar no espaço das defesas inimigas desenvolveu-se a tecnologia da furtividade que teve como resposta o desenvolvimento de novas tecnologias para a detecção, designadamente a nova tecnologia radar em gama de frequência diferente da convencional.
A eficácia da arma antiaérea depende em muito da eficácia do sistema de aviso e detecção, do seu dispositivo em profundidade e da tecnologia utilizada, desde o satélite ao posto fixo e móvel, com sensores especializados e comunicações em rede que permitem a informação em tempo real.
O novo sistema de mísseis superfície-ar permite a detecção de outros mísseis de ataque a grandes distâncias (detecção de um alvo com cinco centímetros de “radar cross section” a noventa quilómetros de distância) assim como a intercepção e destruição (mísseis antimíssil); alguns destes mísseis dispõem de guiamento por comando para a trajectória intermédia e guiamento terminal autónomo.
Nesta luta entre a o ataque e a defesa, a vantagem da furtividade irá perder terreno com o desenvolvimento de novos sistemas de detecção, que irá implicar novas técnicas furtivas. Num outro campo, a arma de feixe dirigido (laser) ou o canhão electromagnético poderão ser armas do futuro.
Por último, iremos fazer uma muito breve referência aos veículos não tripulados, uma tecnologia com alguma história e com desenvolvimentos e aplicações recentes no espaço de batalha, designadamente nos três ambientes: mar, terra e ar (o espaço é um caso especial); iremos incidir a reflexão sobre o caso dos veículos aéreos não tripulados como exemplo.
A primeira área de estudo foi a da aerodinâmica, no sentido de se garantir a estabilidade do veículo em todas as situações de vôo. Poderiam naturalmente adoptar-se as fórmulas já disponíveis para as aeronaves, com construção à escala, tendo em consideração os requisitos de propulsão, de peso, de alcance ou autonomia e manobrabilidade exigidos. À medida que a investigação prosseguia e os requisitos operacionais se tornavam mais claros, as formas obtidas foram as mais diversas, desde os micro veículos com menos de duzentas e cinquenta gramas, até aos veículos normais com algumas toneladas de peso máximo à descolagem, uma altitude de sessenta mil pés e uma autonomia de mais de vinte e quatro horas. Como é evidente, a motorização dos veículos é muito variável, desde os motores eléctricos, a pistons a gasolina, até ao reactor tubofan a jet fuel com cerca de sete mil libras de impulso.
A instalação e funcionamento de um piloto automático foi a área tecnológica seguinte, para permitir o vôo estável, recebendo comandos à distância e os sinais de retorno. As comunicações (links) tornaram-se indispensáveis para o acionamento dos comandos de vôo, inicialmente para o vôo à vista, assim como um computador com software básico para controlar ordens de vôo e pilotagem. O desenvolvimento na área da computação iria permitir a navegação pré-planeada; para além do software básico foi introduzido software especializado para efeitos de integração do resultado dos sensores com o computador central.
Naturalmente que todo este reequipamento foi progressivo e continua a ser actualizado. Assim, numa primeira fase, o veículo aéreo não tripulado foi utilizado para reconhecimento, com os resultados guardados e recuperados após aterragem (tal como os satélites de reconhecimento iniciais enviavam para a terra as bobines com os filmes, que eram recuperadas, também os veículos não tripulados regressavam com o resultado do reconhecimento). Com o desenvolvimento das comunicações, as imagens obtidas passaram a ser observadas e analisadas em tempo quase real na estação de terra; continuamos com a utilização de sensores electro-ópticos e com a missão de reconhecimento.
A partir daqui, o veículo aéreo não tripulado passou a desempenhar acções ofensivas, designadamente ataques pré-planeados contra alvos de superfície no espaço de batalha e também em incursões estratégicas. Não há muita sofisticação nestes veículos, à semelhança de alguns que actualmente se dispõem, e o seu custo não é significativo. São estes “drones” “Kami-kase” que estão a ser utilizados, com grande sucesso, na guerra na Ucrânia, transportando pequenas cargas explosivas que produzem grande efeito. São muito vulneráveis às defesas, mas como são baratos podem lançar-se “nuvens de drones” para um mesmo alvo, para garantir a sobrevivência de um número reduzido.
O desenvolvimento tecnológico não parou, e os veículos aéreos não tripulados podem desempenhar um grande leque de acções operacionais. Para este efeito, e para se fazer uma ideia da sofisticação, estes veículos chegam a transportar cerca de quinhentos quilos de equipamento electrónico, desde sensores a unidades de computação, para além de armamento como, por exemplo, mísseis.
Os sensores que equipam estes veículos para a missão de vigilância e reconhecimento podem ser o radar de abertura sintéctica (sidelooking radar), electro-ópticos e de infravermelhos, para além do sensor multiespectral, todos de grande resolução. Para efeitos de guerra electrónica, na componente defensiva ou de protecção o veículo não tripulado dispõe de avisadores de emissão radar (radar warning receiver) ou de aproximação de míssil (missile warning receiver), e na componente ofensiva de um dispositivo de engodos e de um dispositivo de empastelamento de emissão radar. Para a função de intercepção de sinais electromagnéticos (SIGINT, ELINT, COMINT) o veículo pode incorporar equipamento igual ao que é utilizado nestas missões por aeronaves. Para efeitos de navegação e estabilização o veículo aéreo não tripulado dispõe de uma plataforma de inércia e de Global Positioning System (GPS).
Em geral, o sistema Veículo Aéreo Não Tripulado compreende a estrutura (célula ou aeronave), com o conjunto dos sensores e das comunicações, do computador central e de outros equipamentos electrónicos e de armamento; o elemento terrestre com o lançador e recuperador (descolagens e aterragens) e o elemento de controlo de missão com o equipamento de comunicações.
O veículo aéreo não tripulado pode operar de forma autónoma de acordo com o plano de missão e com a situação a cada instante, ou ser pilotado a partir da estação de terra, do elemento de controlo. Os links de comunicações com utilização de satélites como “relay” permitem uma ligação permanente com o veículo a voar em qualquer espaço do globo. Para além da execução da missão, conforme planeado, o veículo pode evitar possíveis colisões e reagir contra eventuais ataques.
O veículo aéreo não tripulado, apesar de toda a sofisticação, não tem a flexibilidade do avião de combate tripulado, como parece óbvio. É por esta razão que as grandes potências, ao mesmo tempo que fazem grandes investimentos na área do não tripulado, lançaram recentemente grandes projectos para a fabricação do avião de combate de sexta geração.
Assiste-se, hoje, a uma grande mudança tecnológica que irá afectar a forma de vida, a resolução pacífica das crises e a forma de fazer a guerra. Esta mudança é tanto mais atingida quanto mais desenvolvida for a inteligência humana em colocar as “peças” no sítio correcto e de as accionar no tempo preciso.
A inovação tecnológica constitui um diferencial de poder entre as Nações, e é fonte de competição desde tempo de paz.
A deficiente exploração da tecnologia disponível constitui vulnerabilidade permanente, e factor de risco quando em situação de tensão, crise ou guerra.
Como em todos os sectores, não há sistemas tecnológicos perfeitos, o que significa que existem vulnerabilidades que devem ser analisadas para garantir a segurança possível. As vulnerabilidades e os riscos são maiores no presente do que o foram no passado.
Face ao estado da Ciência, a tecnologia é concebida e desenvolvida para satisfazer uma necessidade, real ou imaginada, e para ser aplicada num dado contexto. A tecnologia tem uma identidade, que é a identidade do originador, e a sua utilização segue os procedimentos por ele definidos, logo, é um veículo de cultura, e provavelmente de dependência.
A incorporação das novas tecnologias nos sistemas de armas pode ser realizada por uma de duas vias: a partir da definição de requisitos operacionais (top down) ou a partir da sua disponibilidade efectiva (bottom up). No passado não muito longínquo, o planeamento dos sistemas de armas seguia uma metodologia rígida ou hierárquica, a partir dos requisitos operacionais, técnicos, logísticos, financeiros, industriais; isto é, a organização de defesa nacional entregava à comunidade científica e à Indústria esta série de requisitos, que constituíam o sistema de armas ideal, para o desenvolvimento da tecnologia que os pudessem realizar. Isto acontecia no âmbito das grandes potências. A partir de uma dada altura, determinada por razões que não vem ao caso discutir, as forças armadas foram ao mercado procurar o que estava disponível e estudar a forma da sua inserção nos sistemas de armas (é o caso do que se designou em gíria por off the shelf). Naturalmente que para os grandes projectos, a metodologia top down continua a funcionar, especialmente no que se refere ao hardware, de forma interactiva. A tecnologia desenvolvida segundo este processo poderia ser aplicada no meio civil, com as necessárias adaptações (existem múltiplas aplicações tecnológicas no mundo civil que resultaram de soluções militares, por razões que facilmente se poderão explicar).
Em todo o caso, face à notícia de um desafio tecnológico de larga escala, as forças armadas recorrem à metodologia bottom up. No momento presente, a grande notícia é sobre a Inteligência Artificial. E sobre este tema já existe competição internacional, sem que se saibam com rigor os limites da investigação. Então, o departamento de defesa da grande potência criou uma organização com as seguintes finalidades: compreender a profundidade da investigação actual, prospectivar em que moldes poderá ser aplicada, e analisar a necessidade de eventualmente se alterar o conceito operacional para o emprego de forças por via da sua integração. Isto é, com o actual conceito de emprego qual a mais-valia quanto à eficácia da força com a introdução da tecnologia, e se a mudança for substancial em que moldes deverá ser alterado o conceito de emprego.
A incorporação de novas tecnologias nos sistemas de armas deve ser sempre enquadrada pelo objectivo de missão do sistema em causa e na configuração técnica geral existente; não fará sentido actualizar um componente se essa actualização não se enquadrar no funcionamento do sistema, proporcionando mais eficácia. Temos sempre presente a diferença entre inovação (que é substituir o velho pelo novo) e melhoria ou actualização (upgrade).
A importação de novos sistemas de armas, ou de novas tecnologias, deverá, preferencialmente, garantir a independência operacional e técnica da força receptora. Tal significa a recepção dos códigos de origem, em especial para o caso do digital. Esta exigência tem um custo que é a obtenção da capacidade para operar sobre esses códigos, seja em pessoal qualificado, seja em equipamento de apoio. A força receptora deverá ter a capacidade para manter, e eventualmente, actualizar a “caixa preta” relativa a cada componente. Trata-se de matéria delicada, que se enquadra num contexto mais alargado de direitos de propriedade e de direito comercial internacional. Apesar da dificuldade, não deixa de ser matéria de negociação, até porque poderá corresponder a uma nova capacidade que extravase o âmbito exclusivamente militar. Em todo o caso, é um desafio que pode resultar em vantagem com o risco da incapacidade em o concretizar.
Uma consideração final: qualquer que seja a velocidade de desenvolvimento da Técnica, é preciso ter presente que o elemento humano ocupará sempre o centro da sua aplicação, desde o nível de comando da força ao último agente de execução. Em face desta afirmação, a instrução e treino aos diferentes níveis (execução, manutenção, sustentação e actualização) continua sendo um ponto muito importante no planeamento dos sistemas de armas.
Vice-presidente da Assembleia Geral da Revista Militar.