Todos os anos, na viragem de folha dos calendários, muitas publicações periódicas exercitam-se na avaliação do ano que passou e no vaticínio para o que de melhor e do pior nos espera. Fiéis aos princípios que nos orientam e aos assuntos que constituem a nossa razão de existir - Forças Armadas, Defesa e Segurança - façamos um pequeno exercício sobre o que desejávamos para 2007.
Ao nível da segurança global gostaríamos de ver uma aproximação mais realista para a resolução de conflitos que se desenvolvem no Médio Oriente, no Iraque, no Afeganistão e no denominado Corno de África. Realismo que não pode esquecer o que César nos ensinou para o conflito que o Império Romano teve de enfrentar na Gália: numa mão o gládio e na outra o ramo de oliveira. É uma solução que terá de passar pela reformulação da Grande Estratégia da única potência global, os Estados Unidos da América, e por novo exercício das Nações Unidas na reavaliação das doutrinas adoptadas no último mandato do seu Secretário-Geral. Se por um lado é difícil transformar em estratégias militares credíveis os objectivos políticos de implantar a democracia, fixados pelos EUA (que se tem traduzido nas acções militares de arrastar os pés sem caminhar, no Iraque e no Afeganistão), a aposta da ONU na prevenção de conflitos pelo diálogo e acção diplomática e a relutância ou dificuldades encontradas para aplicação da força militar na sua resolução só têm conduzido a empates, o mais evidente dos quais é a situação criada no Líbano.
Sem esquecer a proliferação das armas de destruição em massa e as entidades políticas que procuram ter acesso a este instrumento de dissuasão, será importante que se revejam os princípios que orientaram essa dissuasão no denominado período da Guerra-Fria e se desmascarem os seus custos perante populações que ainda vivem no limiar da pobreza e sem esperança. Sem esquecer que a dissuasão pode variar com culturas que admitem o sacrifício extremo por causas, e que é um dado novo na teoria da dissuasão, os mundos científico, diplomático e militar têm de ser imaginativos na procura de soluções que não se resumam aos encontros para discussão.
Ao nível da segurança regional pensamos na Europa e no seu continente gémeo: África. As ameaças que pairam sobre os dois continentes influenciam-se mutuamente e para tal facto não é estranho o número crescente de comunidades africanas na Europa. Tem de ser a Europa, especialmente a mediterrânica, a ajudar África no combate à pobreza, à doença e ao subdesenvolvimento. A Cimeira Europa-África agendada para a Presidência Portuguesa da União Europeia será ocasião para lançar iniciativas de ajuda, sem paternalismos, que falharam, por exemplo, com o Peace Corps do Presidente J.F. Kennedy nos anos 60 do século passado.
A Europa tem andado demasiado preocupada com ameaças como o terrorismo, esquecendo questões como a dependência energética, a falta de vontade e competitividade em produzir recursos próprios, a degradação da qualidade de vida e a promoção da sua cultura. Entregue à liderança de secretários, na nefasta tradição do século XVII, vai-se entretendo na procura de modelos políticos para manter uma burocracia inoperante e na definição de um estado social que não consegue construir sem o crescente recurso a tributos. Tudo acabará, geração a mais ou a menos, numa catastrófica convulsão que se adivinha. Gostaríamos de ver a Europa a definir, colectivamente e sem quebrar as identidades nacionais das mais de cinquenta nações que a constituem, uma Grande Estratégia, que passará por pilares como a modernização e adaptação do Estado a novas realidades, o repensar da sua economia e suas componentes inovadoras, a construção de uma defesa colectiva face às ameaças mais perigosas que se adivinham baseadas em instrumentos militares e policiais conjuntos e combinados e a revitalização da sua cultura, que passará pelo papel e definição da Universidade na tradição europeia, que não é, todos já perceberam, o processo de Bolonha.
A nível nacional continuamos a sofrer do mal endémico de não sabermos, querermos ou sermos capazes de conciliar segurança e desenvolvimento. Nos períodos de desenvolvimento não criámos as bases de uma segurança e de defesa credíveis e capazes. Nos períodos de estagnação tentamos ir remendando falhas com medidas mais ajustadas a conciliar descontentamentos do que a procurar racionalidade. Um pouco aos tropeções temos caminhado, alterando conceitos estratégicos ambiciosos em espaços, tempos e meios que não foram seguidos pelas medidas racionalmente exigidas. As sucessivas medidas de racionalização dos meios de defesa, entendamos Forças Armadas, continuam agarradas a uma Lei da Defesa Nacional (… e das Forças Armadas), obsoleta, desajustada a um novo paradigma da participação dos cidadãos na Defesa e sem os recursos financeiros que lhe permitam uma operação e funcionamento saudáveis (Quantos tiros pratica cada militar do Exército no seu tempo de serviço? Quantas horas voa um piloto de combate? Quantas horas navega cada marinheiro?).
Mas se estes são problemas que vão sendo ultrapassados por uma acção de comando que tem sido exemplar, há outros problemas que continuam a agravar-se e que ultrapassam aquela acção. Trata-se da atenção que a Nação e o Estado prestam à condição militar e ao seu enquadramento político e legislativo. Questões reconhecidas como prejudiciais ao regular funcionamento das Forças Armadas, como seja o Art 31º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, continuam por decidir nos órgãos próprios para legislar. Por que se espera? Desejaríamos que 2007 resolvesse esta questão.
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.