Nº 2661 - Outubro de 2023
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Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

A 7 de outubro, o ataque realizado pelo Hamas em território de Israel sobre alvos civis e militares traduziu-se em cerca de 1200 mortos, dos quais mais de trezentos militares e a tomada de mais de duas centenas de reféns. Após o ataque, os elementos do Hamas retiraram para a faixa de Gaza, levando consigo os reféns militares e civis, destes, incluindo idosos e crianças de tenra idade. O ataque foi precedido do lançamento de milhares de foguetes e drones que saturaram as defesas antiaéreas de Israel, o sistema designado de “cúpula de ferro/iron dome”, que foi incapaz de deter aquela vaga de projéteis.

Esta ação alterou a perceção internacional relativa à conjuntura estratégica internacional, retirando o “foco” dos media na guerra da Ucrânia e a atenção das opiniões públicas internacionais, tornando-se o conflito Israel-Hamas/Palestina mais urgente, mais possível de uma escalada regional, a par de uma clara tomada de posição por parte dos EUA, com o envio de dois Grupos navais com um porta-aviões cada, para a região, com o aviso claro de que outros atores regionais, designadamente o Irão, se não deveriam envolver no conflito.

Do lado do Hamas, a ação foi justificada com a indicação de quatro grandes objetivos: causar o terror em Israel e demonstrar as suas fragilidades do ponto de vista da segurança; trazer a questão da ocupação israelita para a ordem do dia; afirmar-se como um interlocutor indispensável na questão palestiniana, não apenas pela tomada de reféns; e levar Israel, em termos militares, a uma reação desproporcionada que cause a condenação internacional e possa levar ao seu isolamento político, quer no mundo árabe quer em termos internacionais.

Do lado de Israel, houve menos clareza nos seus objetivos estratégicos declarados para “o seu legítimo direito de se defender” da agressão de que foi vítima e que considerou tratar-se de um ato terrorista, levado a cabo por uma organização terrorista – o Hamas. Os seus objetivos inicialmente declarados foram os seguintes: destruir o Hamas; garantir a segurança de Israel, evitando que situação idêntica se possa repetir; e libertar os reféns. Relativamente ao que se passará em Gaza, uma vez terminada a operação militar e a conseguida destruição do Hamas, as perspetivas não são claras, sendo múltiplas as afirmações políticas, incluindo a nível do governo, que oscilam entre o abandono de quaisquer responsabilidades relativamente à faixa de Gaza, à sua ocupação, a gestão da região por uma coligação sob a égide das NU, ou pela Autoridade da Palestina, ou ainda o rearranjo territorial da faixa de Gaza, por forma a contemplar “buffer zones”, de proteção de Israel.

A falta de uma perspetiva clara por parte de Israel, relativamente à solução política pós conflito, tem motivado críticas claras por parte dos EUA e das NU, sendo agora apontado como solução, quer por parte da comunidade internacional em geral e pelo mundo árabe em particular, a criação do Estado Palestino (Dois Estados), como a única opção capaz de trazer a paz à região do Médio Oriente.

Israel já iniciou a campanha aérea de bombardeamentos sobre a cidade de Gaza, procedeu à mobilização de 360 000 reservistas, tem vindo a concentrar topas, artilharia e meios blindados e mecanizados, junto à fronteira de Gaza, preparando-se para desencadear uma ofensiva terrestre. Paralelamente, tem deslocado idênticos meios e evacuado populações suas junto à fronteira com o Líbano, face à possibilidade do envolvimento no conflito por parte do Hizbollah. Apesar do aviso, é muito possível o envolvimento da Jihad Islâmica da Palestina e das milícias shiitas da Síria e do Iraque, estas já responsáveis pelos ataques aos aquartelamentos das forças americanas naquele país.

A presente situação tem vindo a criar apreensão no líder ucraniano, confrontado com a diminuição da atenção dos “media” relativamente ao conflito com a Rússia, e as implicações que isso provoca na polarização das opiniões públicas e, por consequência, no apoio político dos governos europeus e, em particular dos EUA, insubstituível na ajuda militar indispensável à Ucrânia, para continuar a desenvolver as operações militares.

Na realidade, para os EUA a situação não é cómoda, o conflito no Médio Oriente obriga a dividir atenções e recursos do conflito na Ucrânia e, no caso das munições e sistemas de defesa aérea, há uma efetiva necessidade para ambos.

Estamos perante uma conjuntura internacional que causa dificuldades estratégicas aos EUA, à visão de Biden de que “o mundo só será seguro, com o poder regulador americano”, apoiado nos seus aliados tradicionais e na OTAN e nas alianças estabelecidas no Indo-Pacifíco. A realidade atual é a de que os EUA estão confrontados com dois desafios estratégicos, na Europa, com a Rússia na Ucrânia, e agora também no Médio Oriente, em que a preocupação se centra no que poderá ser o posicionamento futuro do Irão. Resta ainda a permanente interrogação quanto à estabilidade nos mares do sul da China e a situação de Taiwan.

Essa preocupação não é estranha à situação da polarização política que se vive nos EUA, quanto ao apoio militar e financeiro, quer à Ucrânia quer a Israel, as futuras eleições e o seu resultado, agravado pelo reconhecimento de que o papel compensador, do ponto de vista estratégico dos aliados, não é tranquilizador. Na Europa, os aliados europeus evidenciam lacunas significativas nos domínios das capacidade de defesa e a OTAN, sem a presença e os meios americanos, não estaria à altura das suas atuais responsabilidades. No Médio Oriente, Israel e a Arábia Saudita estão em campos opostos e necessitam dos EUA para uma eventual contenção do Irão e, no que se refere à China, o Japão, a Coreia do Sul, as Filipinas e a Austrália levantam as mesmas interrogações quanto às suas capacidades militares de defesa, para além do potencial comportamento perturbador da Coreia do Norte. Estas preocupações confrontam-se a nível interno americano, perante a discussão de um orçamento que aponta para um défice de 5,7% e para uma “dívida nacional” da ordem dos 123% do PIB.

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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia