Nº 2667 - Abril de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Robotização da Guerra
Major
João Amílcar Rodrigues Marques

1. Introdução

Inicialmente empregavam-se as máquinas em tarefas repetitivas, desgastantes e perigosas. Na década de 90, as Forças Terrestres (FT) já usufruíam de vistas aéreas com recurso a sistemas de controlo remoto e mais tarde, no Iraque e no Afeganistão, assistiu-se ao emprego militar de Sistemas Autónomos (SA) na recolha massiva de dados e na realização de tarefas cujo risco era inaceitável para os humanos (Sloan, 2015). Por fim, com a capacitação letal de sistemas, começaram a emergir um conjunto de novas tecnologias, cuja convergência poderá originar em duas décadas, impactos tão revolucionários como os que resultaram do armamento nuclear em 1945 (Manning, 2020).

Os SA proporcionam um conjunto abrangente de benefícios, desde as Informações, Vigilância e Reconhecimento (IVR), às missões logísticas e de combate (European Defence Agency [EDA], 2020b).. Contudo, estando dependentes de dados que podem ser alterados ou sabotados, podem conduzir a problemáticas éticas e legais quando empregues em operações militares (Australian Defence Force [ADF], 2020).

No domínio terrestre, os SA têm vindo a ser essencialmente usados na deteção e Inativação de Engenhos Explosivos (EOD), assim como no reconhecimento de terrenos e infraestruturas, através de mecanismos de controlo remoto (EDA, 2018). Na União Europeia (UE) assumem-se como prioritários na capacitação do combate terrestre (EDA, 2018b), decorrendo, sob a alçada da Agência Europeia de Defesa (EDA), projetos específicos para desenvolver Sistemas Terrestres Não Tripulados (STNT) para apoio a unidades de manobra (EDA, 2022). Por sua vez, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), promove uma estratégia coletiva que atenta aos impactos das Tecnologias Emergentes e Disruptivas (TED) na Aliança, bem como a um conjunto de projetos relacionados com TED, sobressaindo a relevância da autonomia e da Inteligência Artificial (IA) (NATO Science and Technology Organization [NATO STO], 2019) e o respetivo papel no desenvolvimento de STNT.

Em Portugal, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) dá orientações estratégicas para a inovação, liderando um projeto de desenvolvimento de STNT em apoio às FT. Por fim, no Exército Português, apenas existem STNT no Grupo de Equipas EOD (Exército, 2019), sendo estes controlados por controlo remoto.

Assim, considerando a relevância da temática para a Defesa e dada a intenção de robotizar as FT, é adequado propor contributos à integração de STNT no Exército, numa ótica de planeamento de longo prazo, considerando os STNT como uma capacidade e não como um mero equipamento. Daqui resulta a questão: como melhorar a integração de STNT no Exército? Para tal, em 2022 investigaram-se as tendências de emprego da Robótica e Sistemas Autónomos (RSA) a longo prazo, de desenvolvimento de STNT na UE e na OTAN, e de Sistemas Não Tripulados (SNT) no EMGFA e no Exército. Em complemento e considerando que passaram dois anos desde o presente estudo, no final do artigo estabelece-se um paralelismo com a atualidade.

 

2. Revisão da literatura

Os SA tendem a desenvolver-se por motivos essencialmente político-económicos, dado que poderão proporcionar vantagens estratégicas significativas (Krishnan, 2009), tendo vindo a ser amplamente empregues em contexto civil e militar (Liu, Han, Liu & Peng, 2018), neste último primariamente para IVR e EOD (Halford & Hwang, 2010).

No âmbito da UE, em 2012, identificou-se o estado da arte das tecnologias e das capacidades industriais europeias afetas a STNT, verificando-se lacunas nas capacidades e projetos de Investigação e Desenvolvimento (I&D) de STNT na UE (EDA, 2013). Em 2015, realizou-se uma prospeção de mercado sobre investigações de sistemas multirrobôs, focada no grau de controlo e em equipas Homem-máquina, demonstrando-se a relevância da cooperação internacional para o desenvolvimento de sistemas multirrobôs, apesar do desenvolvimento da operação totalmente autónoma ter sido restringida por questões técnicas e morais (EDA, 2015). Em 2017 foi analisada a viabilidade de coordenar ações entre veículos tripulados e não tripulados destinados a missões de combate, tendo-se desenvolvido uma frota de STNT para fins de IVR, controlada remotamente a partir de uma viatura (tripulada) de Comando e Controlo (C2) ou configurada para a seguir (i.e., tipo follow-me) (EDA, 2017a). No mesmo ano, identificaram-se ainda potenciais tipologias de interferência inimiga em STNT, permitindo desenvolver contramedidas (EDA, 2017b). Por fim, em 2018, identificaram-se estruturas de arquitetura eletrónica, energética e informacional para STNT, estabelecendo-se as referências para o desenvolvimento e implementação de STNT integrados em sistemas de sistemas (EDA, 2018a).

Na OTAN, destacam-se os avanços obtidos através da demonstração do conceito de capacidade para interoperabilidade entre STNT e C2, verificando-se a viabilidade do sistema. Em paralelo, demonstrou-se ser possível desenvolver metodologias para comparar sistemas existentes com alternativas autónomas, permitindo compreender os custos da autonomização (NATO STO, 2020b).

Em Portugal e no desígnio militar, Cortez (2011) concluiu que as competências tecnológicas afetas aos STNT não estavam agregadas numa única entidade, existindo redundância e falta de sinergias. No Exército, Marques (2013) constatou o benefício da integração de STNT, alertando para a necessidade de restringir o grau de autonomia dos STNT com capacidade letal. Por sua vez, Marques et al. (2019) concluíram que os STNT são particularmente relevantes no âmbito da proteção da força e IVR, devendo ser modulares e permitir o transporte de pessoal e material.

No âmbito do Processo de Planeamento da Defesa da OTAN, foram atribuídas várias metas ao Exército relativas à RSA, entre as quais a capacitação com STNT para reduzir o risco de fratricídio em áreas edificadas, bem como com STNT para todo o tipo de terreno, para fins de Counter Improvised Explosive Devices e IVR (Exército, 2019). No Exército Português, conclui-se ser adequado o emprego de STNT em escalões até companhia, para fins de segurança física, evacuação sanitária, reconhecimento, deteção e redução de obstáculos (R. Camilo, entrevista presencial, 22 de fevereiro de 2022).

Atendendo às potencialidades dos STNT e ao intento da robotização do Exército, propõem-se contributos para a respetiva integração de STNT, analisando-se para o efeito, as tendências de emprego de RSA a longo prazo, o desenvolvimento de STNT na UE e na OTAN, e o desenvolvimento de SNT no EMGFA e no Exército.

 

3. Conceitos estruturais

As TED são, em sentido lato, as tecnologias que alterarão significativamente os conflitos num espaço temporal de até duas gerações (EDA, 2021a). Particularizando-se o conceito, consideram-se como tecnologias emergentes, as que deverão atingir a maturidade até 2040 e que, não sendo de uso corrente, provocarão efeitos ainda não cabalmente conhecidos pela OTAN; como disruptivas, as que provocarão efeitos significativos ou revolucionários; e como convergentes, as que resultam de combinações inovadoras para criar efeitos disruptivos (NATO STO, 2020a).

A RSA resulta essencialmente da convergência de três TED (NATO STO, 2020a) – SA, IA e big data – referindo-se a sistemas com um elemento robótico e/ou autónomo (US Army, 2018), sendo que a robótica se refere aos aspetos físicos das máquinas e a autonomia aos aspectos cognitivos (Congressional Research Service, 2018). Estes sistemas podem ser de controlo remoto (operados remotamente por humanos), automáticos (tarefas deterministas), autonómicos (tarefas probabilísticas) ou autónomos (determinam as próprias tarefas) (ADF, 2020). Na sequência, um SA é um sistema que exerce determinado grau de controlo sobre o seu modo de atuação.

Por fim, um SNT é um sistema robótico ou autónomo, que possuí uma plataforma não tripulada, uma missão atribuída e um mecanismo de controlo (Wang et al., 2021).

 

4. Tendências de emprego de robótica e sistemas autónomos a longo prazo

Perspetiva político-económica: A segurança internacional e o ambiente estratégico serão moldados por fatores políticos, esperando-se repercussões nos conflitos nas próximas duas décadas (NATO Allied Command Transformation [ACT], 2017), assistindo-se, provavelmente, a uma mudança no equilíbrio global devido a rivalidades geopolíticas (European Union [EU], 2021). Tais rivalidades poderão contribuir para a proliferação de TED letais, aumentando o risco de disrupção social. Neste contexto, o papel dos Estados na política internacional tenderá a diminuir, face ao aparecimento de atores não estatais e à democratização da tecnologia (National Intelligence Council [NIC], 2017). Paralelamente, é esperado o incremento do desemprego das camadas mais jovens, bem como a diminuição de oportunidades económicas, resultando em novas tensões e potenciais dinâmicas conflituais (UE, 2021). Perante a desaceleração do crescimento económico, poderão verificar-se reduções nos orçamentos de Defesa, influenciando o modo com que se lidará com as ameaças emergentes nos conflitos futuros (NATO ACT, 2017). Contudo, estas tendências poderão ser revertidas pelos avanços tecnológicos e em particular pela IA (NIC, 2021).

 

Perspectiva ambiento-social: A população global tende a aumentar, estimando-se que alcance o valor de 9,2 mil milhões de pessoas até 2040 (UE, 2021). Em contraste, perspetiva-se o decréscimo da natalidade e o aumento da idade média e da esperança média de vida na Europa, estimulando o desenvolvimento de alternativas tecnológicas (NIC, 2021). O aumento da população global deverá provocar alterações demográficas assimétricas, prevendo-se que a urbanização crescente defina as caraterísticas estruturais das sociedades futuras e, consequentemente, a natureza e a dinâmica dos conflitos das próximas duas décadas (Cohen et al., 2020). Com o aumento da população e dos grandes aglomerados populacionais, os conflitos tendem a ocorrer em áreas densamente povoadas, restringindo a observação e o movimento de forças (UE, 2021). Nesta senda, destaca-se a relevância do desenvolvimento da IA e o consequente decréscimo do envolvimento humano na tomada de decisão (NIC, 2021). Ademais, as operações futuras deverão ocorrer em terrenos heterogéneos, em áreas remotas e sob condições extremas (Brosig et al., 2020), e as missões expedicionárias em ambientes extremamente quentes, motivando o emprego tecnológico (UE, 2021).

 

Perspetiva ético-legal: A autonomia de sistemas resulta em preocupações éticas e legais que poderão inclusivamente violar o direito à paz (Lee, 2015), sendo que o assunto ético-legal se poderá sobrepor às eventuais limitações tecnológicas, constituindo-se como o principal obstáculo à integração de sistemas totalmente autónomos na Defesa (EDA, 2021b). Por um lado, a ação letal autónoma altera a atual dinâmica de emprego de armas cinéticas, na qual o ato letal depende da decisão e intervenção humana. Por outro, tende a causar menos danos colaterais, a ser menos devastadora que as armas nucleares e a provocar menos sofrimento que uma arma biológica ou química (Strategic Studies Institute [SSI], 2018). Não obstante, afigura-se o emprego futuro de RSA em ações não letais, em particular por parte dos países da UE, dado que, atendendo à Resolução n.º 2018/2752, de 12 de setembro (2018), nenhum sistema de armas autónomo operado por forças da UE deverá dispor de capacidade letal, sendo que a decisão de ataque contra humanos deve resultar de uma decisão de um ser humano. Na sequência, M. Neves (entrevista presencial, 10 de fevereiro de 2022) justifica a tendência de proibição de sistemas totalmente autónomos, pela dificuldade em compatibilizá-los com o direito internacional onde predomina a regra da proibição do uso da força, notando que as decisões das máquinas devem reflectir a vontade humana e que, do ponto de vista ético, não se pode aceitar qualquer tentativa de transferência de responsabilidade dos humanos para as máquinas. Deve assim intervir-se de forma preventiva, garantindo que as considerações legais acompanham as várias fases de desenvolvimento da RSA (EDA, 2021b) de modo a salvaguardar os princípios fundamentais da distinção e da proporcionalidade (Comité Internacional da Cruz Vermelha, 2017).

 

Perspetiva tecnológico-militar: Considerando as previsões da UE (2021), para além de adversários com potencial de combate equivalente ou superior ao das forças que integram a UE, emergirão adversários patrocinados por Estados e forças irregulares estatais. As guerras por procuração serão cada vez mais expressivas e os atores não estatais procurarão aumentar a mobilidade e a capacidade letal com recurso a tecnologias. A RSA terá impacto nas operações militares, pois potenciará atividades de IVR em áreas edificadas e permitirá a operação autónoma no subsolo (NATO STO, 2021), bem como reduzir custos, miniaturizar sistemas, incrementar capacidades e integrar formas sofisticadas de IA, impulsionando o seu crescimento, principalmente no âmbito da função de combate Apoio de Serviços (NATO STO, 2021). Assim, afiguram-se os seguintes desenvolvimentos da RSA: i) aprendizagem autónoma, potenciada pelos avanços na IA; ii) rastreamento autónomo e em tempo real de múltiplos objetos dinâmicos, estimando trajetórias com base na capacidade de seleção de alvos; iii) navegação autónoma biomimética, explorando modelos de animais (e.g., neurofisiologia das abelhas) para desenvolver sistemas flexíveis de baixo consumo e para miniaturizar e alavancar sistemas colaborativos multirrobôs em operações militares (NATO STO, 2021). Por fim, importa considerar as equipas Homem-máquina, assentes na simbiose entre os humanos e as máquinas, para dirimir a incapacidade humana de recolha, compreensão e ação perante grandes volumes de informação (US DoD, 2019).

 

5. Desenvolvimento internacional de sistemas terrestres não tripulados

A abordagem europeia: Das iniciativas europeias destacam-se, pelo interesse para a temática, a Revisão Anual Coordenada da Defesa (CARD), a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) e o Fundo Europeu de Defesa (EDF). A CARD permite uma visão geral das capacidades existentes na Europa e identifica oportunidades de cooperação. A PESCO apresenta opções colaborativas para o desenvolvimento de capacidades prioritárias. O EDF financia projetos cooperativos da defesa, com ênfase nos projetos da PESCO (EDA, 2018b). Por sua vez, o plano de desenvolvimento de capacidades da UE, apoia os planos de defesa das nações e serve de referência para a CARD, a PESCO e o EDF, sendo o respetivo processo de implementação apoiado pelos Casos de Contexto Estratégico, enquanto referência à geração de projetos colaborativos de desenvolvimento de capacidades (EDA, 2018b).

Os casos de contexto estratégico estabelecem onze prioridades para o desenvolvimento de capacidades, destacando-se as capacidades de combate terrestre e as capacidades multidomínio. As primeiras, incluem o aumento da proteção da força e o desenvolvimento de plataformas terrestres, com prioridade para os STNT. As segundas, focam-se na inovação tecnológica para melhorar as capacidades militares futuras, com prioridade para a IA, para os SNT de combate e para os sistemas multirrobôs, entre outros (EDA, 2018b). Das atividades estratégicas da UE, releva-se o desenvolvimento de equipas Homem-máquina para melhorar o desempenho operacional e reduzir o risco, e o desenvolvimento de sistemas multirrobôs, por serem pequenos, económicos e difíceis de neutralizar como um todo (EDA, 2021b).

A CARD recomenda o desenvolvimento colaborativo de capacidades da próxima geração, em áreas como a IA, SNT e a robótica (EDA, 2020c). A montante, a IA para a Europa (Comissão Europeia [CE], 2018) refere que sendo a IA integrável em dispositivos físicos, tem figurado nos programas I&D da UE desde 2004, com enfoque na robótica, aludindo a parcerias público-privadas para o seu desenvolvimento. Ademais, a Estratégia da UE para a União de Segurança (CE, 2020) refere que a IA, a robótica e as novas tecnologias serão exploradas por criminosos, devendo ser integradas na política de segurança a fim de salvaguardar os direitos fundamentais.

Para analisar os desenvolvimentos de STNT na UE, importa considerar os projetos de capacidades de combate terrestre e multidomínio tutelados pela EDA, enquanto organismo que apoia o desenvolvimento de capacidades de defesa e a cooperação militar entre os países da UE (UE, 2022), sendo que R. Cordeiro (entrevista por e-mail, 13 de março de 2022) considera que os programas europeus em curso poderão acelerar a integração no Exército de soluções já testadas. Dos projectos da EDA, verifica-se a aposta em multirrobôs terrestres para transporte autónomo em terreno acidentado e em STNT de combate de elevada autonomia para fins de mobilidade, navegação e perceção situacional, comunicações, comando e controlo, cooperação e efeitos letais (EDA, 2022), bem como o investimento em STNT para apoio à mobilidade e transporte de carga de pelotões de infantaria (EDA, 2020a).

 

A abordagem da OTAN: Apesar do desenvolvimento e integração das capacidades tecnológicas serem da responsabilidade das nações, a OTAN tem um papel preponderante na promoção de uma estratégia coletiva – através do Conceito Estratégico da OTAN (NATO, 2010) – baseada na avaliação do impacto das ameaças tecnológicas à Aliança (NATO, 2020). Sabendo que o desenvolvimento de RSA tem permitido reduzir custos, aumentar a oferta, miniaturizar sistemas e melhorar a IA e a interação Homem-máquina (NATO STO, 2021), a Agenda NATO 2030 (NATO, 2020) veio fomentar uma nova era de crescimento global, no seio de ameaças cada vez mais imprevisíveis, entre as quais as tecnologias disruptivas. Neste contexto, para além do compromisso de consulta política da OTAN em assuntos de TED, os aliados concordaram em lançar um Acelerador de Inovação em Defesa para o Atlântico Norte (DIANA), bem como um fundo multinacional para inovação, destinado a investir em start-ups focadas no duplo uso e em TED críticas para a Aliança. Concomitantemente, a estratégia da OTAN para as TED (NATO, 2021) foca-se no desenvolvimento de tecnologias de duplo uso e na criação de fóruns de partilha de informação relacionada.

Por fim, refira-se a Agenda para o Desenvolvimento de Capacidades de Combate (WDA), decorrente da definição do Conceito Base da OTAN sobre o Combate do Futuro, despertando o interesse do desenvolvimento de capacidades com recurso a fundos da OTAN (EMGFA, 2022a). Não obstante, J. Moreira (entrevista por e-mail, 17 de março de 2022) considera que ainda não se conseguiu consolidar a ligação das iniciativas europeias com os desenvolvimentos decorrentes da WDA.

Dos projetos da OTAN relacionados com TED, sobressaem as áreas tecnológicas que convergem para a RSA, nomeadamente a autonomia, IA e big data (NATO STO, 2019), verificando-se esforços para: desenvolver STNT para evacuação de feridos e reabastecimento sanitário (NATO STO, 2022a); analisar os impactos éticos, legais e morais das novas tecnologias operacionais (NATO STO, 2022b); integrar SNT em unidades operacionais (NATO STO, 2022d); maior interoperabilidade entre STNT e sistemas de C2 através de dados obtidos de fontes abertas (NATO STO, 2022e); avaliar a mobilidade e o grau de confiança de STNT (NATO STO, 2022f); avaliar sistemas multirrobôs em variadas tipologias de operações e na integração com sistemas de armas correntes (NATO STO, 2022c); para integrar vários graus de autonomia em STNT dispersos no espaço e no tempo, em pequenas equipas ou em sistemas multirrobôs (NATO STO, 2022g).

 

6. Desenvolvimento nacional de sistemas não tripulados

A abordagem do EMGFA: A Diretiva Estratégica do EMGFA 2021 | 2023 estimula parcerias nacionais e internacionais para maximizar oportunidades, e define o objetivo estratégico Dinamizar a Inovação e a Transição Digital nas FA, a fim de implementar novas tecnologias e incentivar o desenvolvimento de projetos de inovação de aplicação conjunta (EMGFA, 2021). Por sua vez, a Diretiva Estratégica para a Inovação nas FA (DEIFA) 2022 | 2023 (EMGFA, 2022), alude à economia de meios e à sinergia de esforços entre o EMGFA e os Ramos para se edificar capacidades disruptivas, tendo em conta a Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID). São destacados três objetivos estratégicos relevantes (EMGFA, 2022):

i) Estimular o desenvolvimento cooperativo e colaborativo de tecnologias, soluções e sistemas, explorando parcerias com o Defesa, a Academia e a Indústria, e salvaguardando as iniciativas com relevância estratégica conjunta;

ii) Incrementar o contributo da inovação para a prontidão operacional, explorando novas tecnologias no âmbito da simulação e treino na Defesa, assentes em IA e SA;

iii) Modernizar as capacidades militares de duplo uso através da inovação aberta e da incorporação de tecnologia disruptiva, promovendo capacidades militares de duplo uso a fim de manter a competitividade e a relevância das FA, a nível nacional e internacional, evitando-se a obsolescência e vulnerabilidades nas FA.

Relativamente aos projectos, destaca-se a aposta no desenvolvimento de: STNT para apoio às forças de operações especiais (evacuação sanitária e transporte de cargas); microsSistemas Aéreos Não Tripulados (SANT) de controlo remoto para reconhecimento em espaços confinados; SANT de pequeno porte para anti SANT e reconhecimentos em enxame; e SANT de grande porte para missões autónomas de IVR, transporte de carga, busca e salvamento (EMGFA, 2021a). Existe ainda um grupo de trabalho conjunto para edificar a robotização nas FA (J. Moreira, op. cit.).

 

A abordagem do Exército: A Diretiva Estratégica do Exército 2021-2022 (Exército, 2021) alude à integração da tecnologia no planeamento de forças, à concetualização da digitalização e robotização da FT, à implementação de um polo tecnológico no Exército e à dinamização do desenvolvimento colaborativo de capacidades. Para o efeito, instiga à participação e liderança de projetos colaborativos, à exploração de fontes externas de financiamento e à dinamização da BTID. Não obstante, Camilo (op. cit.) considera que não existe uma estratégia clara para a robotização e que, como agravante, o assunto está limitado pela escassez de pessoal especializado e pela consequente dependência externa para desenvolver STNT.

Por sua vez, o Plano de I&D no Exército 2021-2022 (Exército, 2021), atribui prioridade a STNT multiusos e incentiva sinergias com o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) e a BTID, especificando que os SA, os enxames de SANT e a IA são áreas prioritárias; e que a IVR, o C2, a sobrevivência e a proteção terrestre são capacidades prioritárias. Considere-se ainda o Conceito para a Capacitação do Exército no Âmbito da Automatização e Robotização (Exército, 2019), que refere que até 2019 a estratégia genética e organizacional do Exército afeta à RSA se focalizou nos SANT, considerando ser adequado explorar STNT. Para tal, aponta a edificação de centros de conhecimento em STNT, a participação em projetos de I&D, o desenvolvimento de doutrina de RSA e a inscrição de projetos de STNT na Lei de Programação Militar (LPM). Todavia, conforme referido por G. Gomes (entrevista presencial, 24 de fevereiro de 2022) “o conceito está aprovado, mas não tem recursos alocados e está muito focado nos meios aéreos”.

Analisando os projetos de edificação de capacidades e tal como validado por A. Carqueijo (op. cit.), constata-se que no âmbito da robótica, a edificação de capacidades tem-se cingido essencialmente ao emprego de SANT para IVR. Contudo, de acordo com G. Gomes (op. cit.), “atualmente está em estudo no Estado-Maior do Exército (EME), um projeto de robotização de plataformas terrestres” enquadrado no âmbito da força da próxima geração, em que um dos pilares é a robótica terrestre. Por fim, no âmbito da I&D, constata-se que não existem nem estão previstos projetos de investigação de SNT (Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar [CINAMIL], 2022), devido, provavelmente, à inexistência de verbas que viabilizem o desenvolvimento de STNT, ou até pela própria resistência institucional à mudança.

 

7. Integração de sistemas terrestres não tripulados no Exército

Os desafios à integração de STNT no Exército advêm da análise dos resultados anteriores, devidamente conjugados na matriz SWOT1 (Quadro 1).

 

Quadro 1 – Matriz SWOT

 

Fatores positivos

Fatores negativos

Ambiente interno

Potencialidades (P)

P1: Melhoria das capacidades de combate terrestre e multidomínio.

P2: Incremento das capacidades militares, através de equipas Homem-máquina, multirrobôs e SA multiusos.

P3: Apoio à mobilidade e proteção, através de STNT autónomos vocacionados para CASEVAC2, reabastecimento sanitário e IVR.

P4: Redução do risco humano.

Vulnerabilidades (V)

V1: Resistência à mudança.

V2: Inexistência de uma estratégia clara para a robotização.

V3: Necessidade de pessoal altamente especializado.

V4: Dificuldade em obter financiamento.

V5: Incapacidade atual para liderar projetos de robótica terrestre.

V6: Restrições técnicas de C2.

V7: Escassez de projetos específicos para o desenvolvimento de STNT.

Ambiente externo

Oportunidades (O)

O1: Sistemas de duplo uso.

O2: Âmbito da UE: projetos da EDA, e mecanismos da PESCO e do EDF.

O3: Âmbito da OTAN: projetos afetos à WDA e o recurso ao DIANA.

O4: Âmbito nacional: recurso à BTID, ao SCTN e a projetos colaborativos de capacidades.

O5: Âmbito do EMGFA: grupo de trabalho conjunto e a DEIFA.

O6: Âmbito do Exército: conhecimento gerado aquando do desenvolvimento dos SANT.

Ameaças (A)

A1: Competição por recursos humanos especializados.

A2: Inexistência de verbas que permitam o desenvolvimento de STNT.

A3: Dependência externa para desenvolver e sustentar STNT.

A4: Restrições éticas e legais.

 

A partir das potencialidades identificadas, procura-se maximizar as oportunidades, reduzir as ameaças e mitigar efeitos, e impedir que as vulnerabilidades se tornem num risco para as oportunidades ou em ameaças ainda mais perigosas (Quadro 2).

 

Quadro 2 – Desafios resultantes da análise SWOT

#

Fórmula

Descrição

1

(P1 + P4) x O1 x (V1 + V4)

Reduzir o risco humano e melhorar as capacidades de combate terrestre e multidomínio, investindo em sistemas de duplo uso para dirimir a resistência à mudança e a dificuldade em obter financiamento.

2

P2 x (O2 + O3) x V7 x A2

Desenvolver equipas Homem-máquina, SA multiusos e multirrobôs, explorando projetos da UE e da OTAN e recorrendo aos respetivos mecanismos de financiamento e desenvolvimento, contornando a escassez de projetos nacionais e a inexistência de verbas específicas para o desenvolvimento de STNT.

3

(P2 + P4) x A4

Não tolerar que a ambição de robotizar a FT coloque em causa qualquer disposto legal nacional ou internacional, nem colida com a aceitação ética das soluções.

4

P3 x (O4 + O5) x V5 x A3

Fomentar a I&D em STNT autónomos para CASEVAC, reabastecimento sanitário e IVR, recorrendo à BTID e ao SCTN, envolvendo o grupo de trabalho conjunto, considerando as orientações da DEIFA e acautelando a geração de massa crítica para liderar projetos e reduzir a dependência externa.

5

O6 x V6 x A1

Envolver o pessoal que integrou equipas de projeto de SANT, explorando redes de contactos, lições aprendidas e o conhecimento gerado, a fim de ultrapassar eventuais restrições técnicas de C2 afetas ao desenvolvimento de STNT, impedir a competição por recursos e promover sinergias com as partes interessadas.

6

V3 x (A1 + A2 + A3)

Impedir que a necessidade de técnicos para operar STNT iniba o desenvolvimento destes sistemas, pois tal poderá agravar as ameaças resultantes da competição por recursos, da indisponibilidade de verbas e da dependência externa.

 

Face ao exposto, responde-se à QC – como melhorar a integração de STNT no Exército? – tecendo os seguintes contributos, sob a forma de proposta:

– Desenvolver STNT para CASEVAC, reabastecimento sanitário, transporte de cargas e IVR, e com capacidade para apoiar missões de busca e salvamento terrestre. Os sistemas devem ser multifuncionais, interoperáveis com outros STNT e com equipas tripuladas, económicos e resistentes a climas extremos;

– Desenvolver orientações para a adoção de RSA no Exército e, na sequência, um Plano para o Desenvolvimento e Integração de STNT;

– Estimular a participação em projetos de desenvolvimento de STNT, procurando sinergias entre a Defesa, a BTID e o SCTN, desenvolvendo-se um grupo de trabalho conjunto e acautelando a geração de massa crítica necessária à liderança de projetos. Devem ainda ser criadas condições para obter financiamento em sede de LPM, estimular a participação em projetos de I&D nacionais (e.g., através de atribuição de prémios) e explorar as oportunidades conferidas pelos projetos da UE e da OTAN, tendo como nível de ambição a liderança de projetos internacionais;

– Para salvaguardar os dispostos do direito internacional, bem como a responsabilização humana sobre condutas maquinais, devem ser integrados juristas nos projetos de desenvolvimento de STNT para assegurar a legalidade dos sistemas e evitar o investimento em soluções que não se venham a coadunar com a lei.

 

8. Conclusões

As TED apresentam oportunidades e riscos para a Defesa. O crescente aumento das capacidades e da autonomia dos STNT conduzem ao incremento do emprego de sistemas multirrobôs e de equipas Homem-máquina em conflitos, bem como à redução de custos, à integração de STNT em sistemas de sistemas e à interoperabilidade entre STNT e unidades táticas. Importa, portanto, salvaguardar a questão ético-legal e incrementar a confiança nos SA.

Considerando os desenvolvimentos de STNT na UE e na OTAN, verifica-se um esforço nacional em acompanhar esta demanda e em particular do Exército, apesar deste apenas dispor de STNT controlados remotamente para fins EOD, não existindo projetos em curso para desenvolver novos sistemas, nem financiamento para o efeito. Face ao exposto e considerando os benefícios que resultariam da integração de STNT autónomos no Exército, considerou-se oportuno propor contributos para tal, analisando as tendências de emprego de RSA a longo prazo e as iniciativas de desenvolvimento destes sistemas na UE, na OTAN, no EMGFA e no Exército.

Face às tendências de emprego de RSA a longo prazo, conclui-se que a redução de produtividade resultante do envelhecimento da população deverá ser revertida à custa do desenvolvimento tecnológico, com destaque para a IA e para a autonomia. Estas tecnologias proliferarão no seio de populações concentradas em megacidades e conduzirão ao decréscimo de envolvimento humano na tomada de decisão, alterando a dinâmica dos conflitos e originando problemáticas ético-legais. Como resultado, a RSA tenderá a ser essencialmente utilizada no âmbito de apoio de serviços, IVR e em climas extremos, desenvolvendo-se a aprendizagem autónoma, a miniaturização de sistemas, a integração de formas sofisticadas de IA, sistemas com comportamento de enxame e equipas Homem-máquina, a custos tendencialmente reduzidos.

Quanto ao desenvolvimento de STNT na UE e na OTAN, conclui-se que para a UE o combate terrestre e multidomínio são duas das prioridades estratégicas para o desenvolvimento de capacidades, verificando-se o investimento em sistemas Homem-máquina, multirrobôs e de elevada autonomia, para apoio à mobilidade e transporte de carga de pelotões de infantaria. Por sua vez, ciente que a IA e a autonomia são potencialmente disruptivas, a OTAN tem vindo a avaliar o impacto das ameaças das TED, a apostar no desenvolvimento de STNT para CASEVAC e reabastecimento sanitário, e a integrar SNT com vários graus de autonomia em unidades operacionais e em sistemas de armas correntes, com ênfase para IVR. Ao nível dos SA procura aumentar o nível de confiança e assegurar a questão ético-legal.

A seu turno, a nível nacional, conclui-se que devem ser promovidas sinergias entre o EMGFA, os Ramos, a BTID e o SCTN, a fim de se edificarem capacidades assentes em tecnologias disruptivas de duplo uso. Na sequência, o EMGFA lidera um projecto para o desenvolvimento de STNT em apoio às forças de operações especiais (transporte de material e CASEVAC). Por sua vez, no âmbito do Exército, pretende-se incorporar as variáveis tecnológicas no planeamento de forças, esperando-se um conceito para a digitalização e robotização da FT, a participação em projetos colaborativos, a liderança de projetos PESCO e a exploração de fontes de financiamento externas. Verifica-se ainda que o Exército tem interesse em STNT multiusos, enxames de SANT e IA, considerando como capacidades prioritárias, a sobrevivência, a protecção da FT, a IVR, a aquisição de objectivos e o C2 terrestre. Para o efeito e sabendo que a estratégia genética e organizacional do Exército está focada em SANT e não em STNT, está prevista a edificação de centros de conhecimento em STNT, a participação em projetos de IDI, o desenvolvimento doutrinário de RSA e a inscrição de projetos na LPM.

Por último e a fim de melhorar a integração de STNT no Exército, propôs-se o desenvolvimento de STNT para fins de CASEVAC, reabastecimento sanitário, transporte de cargas e IVR, com capacidade para apoiar missões de busca e salvamento, através de sistemas multifuncionais, interoperáveis, económicos e resistentes a climas extremos. Propôs-se também o desenvolvimento de diretrizes estratégicas para a adoção de RSA no Exército e de um plano para a integrar na FT, estimulando-se ainda a participação em projetos de STNT envolvendo a Defesa, a BTID e o SCTN, e integrando juristas para salvaguardar as questões ético-legais.

 

9. Considerações finais

A investigação realizou-se no Curso de Estado-Maior Conjunto 2021/22 e contribuiu para a evolução do Exército, dado que atualmente se verifica o seu resultado prático. De facto, nestes dois anos, foi criada a Estratégia de Inovação do Exército, o Conceito para a Robotização do Exército, a Diretiva de IDI do Exército, o projeto de robotização de plataformas terrestres (o autor é investigador), o projeto Automated Modelling Identification and Damage Assessment of Urban Terrain (projeto da PESCO liderado pelo Exército) a rede do ecossistema de inovação do Exército e a consequente integração na rede de inovação das FA e na NATO Innovation Network. Foram ainda organizados dois eventos de modernização, dois seminários de inovação e um exercício de experimentação tecnológica. Destaca-se ainda a reorganização do Exército para a inovação, tendo sido criada a Divisão de Inovação e Doutrina do EME (onde o autor exerce funções), a Célula de Gestão de Fontes de Financiamento no Gabinete do Exmo. Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, o Centro de Experimentação e Modernização Tecnológica do Exército, e o Centro de Capacitação Tática, Simulação e Certificação. Trata-se, portanto, de um estudo que foi consequente, sendo ora publicado numa versão reduzida e sem a atualização dos dados que lhe deram origem, de modo a manter a coerência e a integridade científica da investigação.

 

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1 Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats.

2 Casualty Evacuation.

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Major

João Amílcar Rodrigues Marques

Mestre em Engenharia Militar pela Academia Militar. Membro efetivo da Ordem dos Engenheiros.

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