Nº 2668 - Maio de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Segurança e Defesa de Portugal – Que Futuro?
Tenente-general PilAv
Alfredo Pereira da Cruz

Portugal não tem, desde os anos 80 do século passado, uma estratégia bem definida sobre a Segurança e Defesa (S&D) do país, não há uma visão estratégica, mesmo quando na Europa se assiste a uma guerra e uma, mais que provável, alteração do ambiente geopolítico e geoestratégico. Os sucessivos governos nacionais nos últimos 20 anos assistiram impávidos ao desenvolvimento da situação internacional, sem denotarem preocupação na deterioração das áreas diretamente ligadas à nossa S&D, particularmente o fortíssimo desinvestimento nas nossas Forças Armadas (FFAA). Estamos a pagar os erros do desinvestimento na segurança e defesa nos últimos 20 anos, nomeadamente, nos recursos humanos, em novos equipamentos militares e respetivos stocks de munições, e na investigação.

As nossas FFAA estão completamente depauperadas e fragilizadas, como nunca aconteceu nos últimos 50 anos de democracia, resultado, como já escrito anteriormente, de décadas de desinvestimento na S&D, faltam os recursos humanos, os recursos materiais e os recursos financeiros, as consequências são uma diminuição acelerada e perigosa das suas capacidades de combate, pondo em causa a segurança, a defesa e a soberania de Portugal.

Portugal não tem uma indústria de defesa sustentada, diria, no estado atual, ser completamente anémica e irrelevante, com algumas exceções na indústria aeronáutica e na construção naval. Embora o país dificilmente venha a ter uma base industrial de defesa forte, por variadíssimas razões, poderá e deverá investir, de forma inteligente e pragmática, na edificação de algumas indústrias de defesa.

Portugal tem uma economia débil, como tal não será possível resolver todas os problemas da S&D, nomeadamente nas Forças Armadas, no imediato e em simultâneo acorrer a todos os setores críticos. Depois de aprovados os documentos legislativos base e enquadrantes da S&D, o CEDN-Conceito Estratégico de Defesa Nacional, a missão das FFAA e as LPM-Lei de Programação Militar, é necessário definir prioridades. Como já afirmado as carências são múltiplas, contudo, talvez as mais graves sejam aquelas diretamente ligadas com os recursos humanos nas Forças Armadas, particularmente, o recrutamento e a retenção na Instituição Militar dos quadros especializados, sargentos e oficiais.

Este artigo é sobre o caminho que deverá ser seguido para a resolução dos graves problemas e limitações das nossas Forças Armadas, particularmente, o recrutamento e a retenção, o investimento e modernização dos equipamentos militares e a definição de uma estratégia para uma indústria de defesa nacional.

A nossa S&D é critica para o desenvolvimento sustentado da nossa economia, basta olhar para o que se passa nos países mais desenvolvidos. Poderá dizer-se que Portugal é um país pequeno no concerto das nações europeias e que não há qualquer ameaça ao nosso país, esse é um pensamento profundamente errado. Há um evidente deficit de literacia dos cidadãos nacionais sobre os assuntos da defesa e da soberania nacional, inclusive dos próprios responsáveis políticos.

Os nossos políticos desconhecem as realidades da S&D, não compreendem a importância dos mares de responsabilidade nacional para uma estratégia coerente da soberania nacional e para o desenvolvimento da economia nacional, ainda não interiorizaram os efeitos e as consequências da guerra na Europa para Portugal. Fica a perceção, talvez errada, da pouca importância que dão a estes assuntos e até um certo menosprezo displicente pelas próprias Forças Armadas e uma grande incúria. Como afirmou o filosofo José Gil, durante a apresentação do livro do GREI “A Reforma da Estrutura Superior das Forças Armadas”, “... os responsáveis políticos nunca se desfizeram da desconfiança profunda que forjaram pelo poder, a atuação e a popularidade que as Forças Armadas e os seus “heróis de Abril” ganharam ao restituir a liberdade à nação...”.

As lacunas nos diversos projetos de reforma das FFAA ao longo dos últimos 40 anos são muitas. Todas as reformas feitas têm sido apenas paliativos que nunca resolveram os problemas essenciais, as reformas têm que ir mais além dos problemas com os recursos humanos e materiais, do financiamento e da estratégia militar. Os portugueses, na sua grande maioria, apoiam e gostam da Instituição Militar, como mostram as diversas sondagens já realizadas, contudo, no seu íntimo pensam que as FFAA são boas para fazerem “evacuações, apagar os fogos florestais e apoiar as populações”, tudo isto é verdade e deveras importante, mas, a essência de quaisquer forças armadas é o combate.

A tão propalada “Defesa 2020” de abril de 2013, em que eram definidas reformas e onde as prioridades apontavam para umas FFAA mais modernas, mais operacionais e sustentáveis e com um edifício conceptual e legislativo coerente e organizado. Passaram mais de dez anos e o que se verifica na realidade, as condições pioraram e nada foi resolvido.

 

Recrutamento e Retenção de Pessoal Especializado nas FFAA

Os problemas com o recrutamento nas FFAA é um dos fatores críticos, no aprontamento dos seus efetivos, mas não o único. O número de cidadãos voluntários para servir nas Forças Armadas em Portugal tem diminuído nos últimos anos de forma assustadora, logicamente diminuindo a sua capacidade de combate. Muito se tem escrito e discutido sobre esta matéria, mas é urgente, ao nível do governo em coordenação com as chefias militares, tomar medidas que resolvam os problemas, que são graves, particularmente no sistema de recrutamento voluntário e, claro, na prontidão e eficácia das FFAA e com consequências para a defesa de Portugal e no contributo para a defesa cooperativa.

Em 1973, no auge da Guerra em África, os efetivos do Exército nos três Teatros de Operações (Angola, Guiné, Moçambique) atingiam o número mais elevado de sempre, com 149.090 homens, dos quais 87.274 (59%) eram efetivos metropolitanos de reforço e 61.816 (41%) de recrutamento local. Como sempre tinha acontecido na sua História Militar, Portugal mobilizou a sua população masculina para conduzir a sua campanha de proteção do Império. Em 1961, foram recenseados (aos 20 anos) 73.366 indivíduos, tendo sido apurados para o serviço militar 64,8% e faltando 11,6% às suas obrigações (faltosos). Os indivíduos apurados, de acordo com as suas habilitações literárias, foram cumprir o serviço militar no contingente geral (88,5%), frequentar o Curso de Sargentos Milicianos (9,5%) ou de Oficiais Milicianos (2,0%). Em 1971, o recenseamento foi efetuado pela primeira vez aos cidadãos masculinos que completavam 18 anos. Os recenseados atingiram os 91.363 indivíduos, tendo sido apurados 72% e registando-se 20,3% (15.664) faltosos

Com o fim da guerra tornava-se impraticável e desnecessário manter um exército tão numeroso, nos anos seguintes, no período entre 1974 e 1982, o efetivo foi reduzido para cerca de 70 mil homens.

No fim dos anos 80 do século passado, o governo, através do MDN, aprovou um novo conceito para uma reforma profunda das FFAA a que foi dado o nome dos 3 “R”, Reestruturação – Redimensionamento – Reequipamento. Destes 3 “R”, apenas o Redimensionamento foi cumprido, e de que forma, em 30 anos as FFAA estão reduzidas a pouco mais de 20 mil militares. Os outros requisitos continuam por cumprir. A redução de efetivos foi feita sem estudos profundos, apenas por razões meramente economicistas.

Os problemas de recrutamento são múltiplos, falta de vontade dos jovens na vida militar, falta de incentivos, salários baixos sem capacidade de competir com o mercado privado e um total desconhecimento sobre a vida militar.

É importante fazer uma análise prospetiva sobre a demografia em Portugal e quantos jovens no futuro serão passiveis de recrutar para o serviço militar. De acordo com dados da PORDATA, Portugal perdeu mais de um milhão de crianças e jovens nos últimos 50 anos e tornou-se no segundo país europeu mais envelhecido; o retrato demográfico mostra que quase 5% dos 1,3 milhões de jovens são estrangeiros. Em 2050, as previsões são menos 600 mil jovens (- 39%), menos 2,4 milhões (-30%) e mais 840 mil idosos (+ 42%). Vejamos a previsão de quantos jovens (homens e mulheres) com mais de 18 anos serão passiveis de recrutar no futuro (Rodrigues 2024):

– 2020: 108 mil;

– 2025: 103 mil;

– 2030: 99 mil;

– 2035: 91 mil;

– 2040: 89 mil;

– 2045: 87 mil;

– 2050: 87 mil.

A Condição Militar impõe deveres que consistem na renúncia a direitos, liberdades e garantias que a Constituição da República Portuguesa (CRP) atribui a todos os cidadãos nacionais e, se necessário, a de dar a vida pela Pátria na defesa de Portugal e dos portugueses. Esta é uma realidade exclusiva dos militares e que não podem ser impostas a qualquer outro cidadão. Será que os jovens conhecem estas realidades? Será que os jovens estão prontos ou querem assumir essas responsabilidades? Será que os princípios de amor à Pátria e de serviço em prole da soberania nacional, ainda estão presentes na realidade de hoje? Estas são questões que precisam de ser analisadas e respondidas.

Como afirmou um dia o israelita Ben Gurion “... o difícil nós fazemos agora, o impossível leva um pouco mais de tempo...”. Os problemas do recrutamento são difíceis e complexos, mas há soluções que poderão ser postas em execução para a resolução da crise. Entre as possíveis soluções indicam-se três, talvez aquelas que possam resolver ou minorar os problemas no médio/longo prazo: o Regime Voluntário (RV); o Serviço Militar Obrigatório (SMO); o recrutamento de estrangeiros. O sistema de recrutamento, qual seja o escolhido para o futuro, pode ser complementado pela montagem de um serviço de reservistas.

 

Regime de Voluntariado

A Lei do Serviço Militar (LSM), aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, vem, na sequência da 4.ª revisão constitucional, estabelecer a transição do sistema de conscrição para um novo regime de prestação de serviço militar baseado, em tempo de paz, no voluntariado. Em 2004, com a regulamentação da Lei n.º 174/99, foi definitivamente implementado o RV. Nos primeiros 10 anos, o voluntariado funcionou razoavelmente, contudo, nos últimos 10 anos, as dificuldades de recrutamento começaram a surgir, tendo exponencialmente aumentado nos último cinco anos e de forma assustadora. As causas principais da dificuldade de recrutamento são fundamentalmente aquelas diretamente ligadas como o baixo nível salarial, não ser competitivo no mercado de trabalho, falta de incentivos que apelem à escolha de servir nas FFAA, o que conduz à falta de vontade de servir nas fileiras, e, sobretudo, o total desconhecimento sobre a vida militar.

O sistema de voluntariado está implementado numa série de forças armadas, na NATO. No caso português tem inúmeras vantagens e poucos inconvenientes, os problemas atuais derivam não tanto do sistema em si, mas fundamentalmente das causas, já expostas anteriormente. As forças armadas ocidentais estão modernamente equipadas com sistemas, equipamentos e sensores, cada vez mais sofisticados, em termos eletrónicos, comunicações e outros sistemas de “high tech”, que cada vez mais necessitam de técnicos e operadores altamente qualificados. Preparar um especialista leva tempo e dinheiro na sua formação, formação essa que é, muitas das vezes, demorada. A permanência mais longa no serviço ativo e o consequente aumento da sua vida nas fileiras é uma das grandes vantagens do regime de voluntariado, inclusive na possibilidade de contratos de longa duração. Uma das desvantagens é o de não cobrir a totalidade dos jovens passiveis de serem recrutados e, claro, estar sujeito à lei da procura e da oferta no mercado de trabalho. A Força Aérea Portuguesa, mesmo durante o tempo da Guerra em África, sempre apostou e com excelentes resultados, no regime de voluntariado, cerca de 80% dos técnicos especializados eram voluntários, cabos e sargentos milicianos, com contratos de 4 e 6 anos. Apenas 20% vinham do contingente geral do Exército, como serviço militar obrigatório, fundamentalmente para tarefas básicas e não especializadas. No caso dos pilotos (oficiais e sargentos) os voluntários, com contratos de 4 e 6 anos, cerca de 90% eram voluntários.

 

O Serviço Militar Obrigatório (SMO)

Analisando a disponibilidade de jovens possíveis de recrutar até 2050, sempre acima dos 87 mil, não parece ser um problema, assumido uma necessidade de recrutamento de três a quatro mil mancebos por ano, o universo disponível de homens e mulheres será mais do que suficiente. Contudo, o SMO tem várias desvantagens, vejamos. Há a perceção que em termos puramente financeiros é mais caro, é claro que serão precisos estudos mais detalhados para confirmar este pressuposto. Serão necessárias mais infraestruturas, mais fardamentos, que têm custos. Uma questão que se coloca, o que fazer com o resto do contingente passível de recrutar? Será necessário criar um Serviço Cívico ou de Cidadania e como escolher uns e outros.

Um dos grandes problemas da sociedade portuguesa em geral, com especial impacto nos jovens, é a total iliteracia sobre as realidades militares e dos assuntos sobre a S&D. A culpa não é tantos dos jovens, mas sim da total inexistência do sistema da educação nacional de fornecer aos jovens um conhecimento sobre as realidades militares, dos assuntos da segurança e da soberania nacional e, claro, da necessidade das forças militares para cumprir estes desideratos, nomeadamente, nos cursos básicos e nas universidades. Por outro lado, os formadores são também eles desconhecedores das realidades da segurança e defesa nacional. O problema dos formadores não é de hoje, já vem muito de trás, com a exceção das universidades ligadas às relações internacionais e aos assuntos de estratégia e defesa, nas restantes há um total desconhecimento e desinteresse reinantes.

Nas discussões e nos estudos do futuro, sobre a realidade da S&D, poderá e deverá ser estudado e discutido em Portugal um Serviço de Cidadania Nacional. Seria importante a criação de um serviço para apoiar a nação nos aspetos de apoio social, serviço público e segurança e defesa, abrindo um espaço à discussão em torno da atualidade de um sistema que permita, em simultâneo, valorizar o jovem cidadão, fortalecer o espírito nacional e reforçar a capacidade do Estado de atuar em áreas de interesse comum, tais como a defesa e segurança, a saúde, a educação, a cultura ou o poder local.

 

Recrutamento de Estrangeiros

Ultimamente, tem-se discutido a possibilidade de recrutamento de estrangeiros para, de alguma forma, complementar o recrutamento de cidadãos nacionais. O recrutamento de estrangeiros em alguns países aliados não é uma novidade, tal acontece na Dinamarca, na Espanha, na Eslováquia, em França, no Reino Unido e nos EUA, entre outros. A Espanha elaborou leis que autorizavam o recrutamento de estrangeiros, fora do âmbito da Legião Estrangeira. A lei nos EUA autoriza o recrutamento de estrangeiros, desde que disponham de autorização de residência. Muito recentemente o Ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, afirmou que o governo alemão poderá a vir a recrutar cidadãos estrangeiros para integrarem o seu exército, tendo acrescentado que o país pretende recrutar mais vinte mil soldados.

Em Portugal, esta possibilidade dos estrangeiros nas nossas FFAA tem sido muito mal recebida por uma quase maioria dos especialistas, pelos políticos e pelos militares, e com alguma razão. Primeiro, para tal acontecer é necessário alterar a nossa Constituição, que é bem clara no seu artigo 275.º “... As Forças Armadas compõem-se exclusivamente de cidadãos portugueses e a sua organização é única para todo o território nacional...”. Segundo, uma das principais características de um serviço militar obrigatório é o de desenvolver e criar entre os militares recrutados princípios de patriotismo, defesa da Pátria e a coesão entre os cidadãos e os militares, algo que se adivinha de enorme dificuldade em cidadãos não nascidos em território nacional, vindos de outras culturas e mesmo de outras religiões.

Portugal, durante a guerra em África, desenvolveu algumas experiências com o recrutamento local, como já afirmado anteriormente, dos 149 mil militares do Exército em África, cerca de 42% eram de recrutamento local. Algumas destas experiências tiveram excelentes resultados, basta citar os comandos africanos na Guiné, os Flechas em Angola e os GEP (Grupos Especiais de Paraquedistas) em Moçambique. Contudo, é importante realçar que todos estes militares indígenas eram, à altura, cidadãos portugueses, embora de culturas e religiões diversas.

É também de questionar quem recrutar e que estrangeiros? Em síntese, poderá afirmar-se que o enveredar por este caminho traria mais problemas aos que, supostamente, iria resolver.

 

Sistema de Reservistas

Muitos países aliados mantêm um sistema de forças militares reservistas, países como o Reino Unido, os Países Baixos, a Noruega, os EUA, entre outros. O objetivo de manter uma força de reservistas é o de dispor de unidades treinadas e qualificadas para, em caso de necessidade, situações de crise, emergências ou guerra, complementarem as unidades do serviço ativo. Cada país tem organizações diferentes e tempos de treino mínimo que devem cumprir por ano, por exemplo, nas forças armadas americanas o tempo mínimo de serviço ativo é de 39 dias por ano. Israel, um país em permanente estado de guerra, desde a sua independência, em 1948, tem um excelente serviço de segurança nacional e muito baseado nos sistemas de reservistas, talvez um dos melhores sistemas de defesa ativa no mundo.

Portugal, como é sabido, não dispõe de um serviço de reservistas organizado, embora a Lei do Serviço Militar n.º 174/99, afirme que “... os cidadãos nas situações de reserva de recrutamento e de disponibilidade podem ser mobilizados para prestarem serviço militar efetivo nas Forças Armadas em casos de exceção ou de guerra, nos termos previstos em lei da Assembleia da República...”, mesmo que esta lei esteja ainda em vigor, mesmo depois do fim efetivo do SMO, em 2004, na prática nada existe ou está organizado.

A criação de um sistema de reservistas em Portugal é uma área que deverá ser estudada e discutida ao nível político. Um serviço deste tipo, devidamente organizado, poderá ser uma solução viável como forma de complementar as forças militares no ativo, que não se prevê que sejam numerosas, nomeadamente em situações de crise, de emergência e na guerra. Economicamente, é uma solução viável, embora tenha custos, mas é importante questionar se os ganhos em operacionalidade não compensarão os custos. Se um dia este sistema vier a ser aprovado, será absolutamente necessário vir acompanhado de legislação, onde fique muito claro que tipo de treino os reservistas terão de cumprir e qual o tempo mínimo anual de serviço ativo nas fileiras.

 

Retenção de Pessoal Especializado nas FFAA

A retenção de militares na estrutura das FFAA é grave e preocupante, talvez mais grave do que as dificuldades do recrutamento. Aos deveres exclusivos dos militares há que acrescentar os sacrifícios de natureza diversa, onde estão incluídos o prolongado afastamento da família, do seu grupo de amigos e da comunidade social, saída da sua zona de conforto e em muitas situações de elevada perigosidade e incerteza. Todas estas desigualdades e deveres exclusivos têm conduzido, por razões básicas de sobrevivência, à saída inopinada das fileiras não só de soldados contratados, mas, com maior intensidade e gravidade, de sargentos e oficiais do quadro permanente, nomeadamente de áreas especializadas e mais competitivas no mercado de trabalho, particularmente, nas áreas de engenharia, tecnologias da informação, medicina e pilotagem, estas as mais críticas, porque haverá outras. As causas são múltiplas, mas, sem ser a única, as condições salariais aparecem como uma das principais, seguidas de queixas sobre o bem-estar, assistência na saúde e no apoio familiar.

A formação de um militar especializado, oficial ou sargento, demora anos, as suas competências e saberes são consolidados no tempo. Mesmo que estes efetivos sejam substituídos por militares com as respetivas habilitações, até chegar ao nível de conhecimento dos militares que saem do serviço ativo demora muito tempo. Estas causas precisam urgentemente de serem resolvidas pelo poder político, não basta virem com discursos explicativos e muitas das vezes manipulativos, é preciso soluções reais e tangíveis. Se tal não for resolvido vai pôr em causa gravemente a capacidade de combate das FFAA.

 

Indústrias de Defesa Nacional

As missões das FFAA derivam do Conceito Estratégico da Defesa Nacional (CEDN) e da Lei de Defesa Nacional (LDN). As missões especificas das Forças Armadas decorrentes das missões enunciadas na LDN são aprovadas pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, sob proposta do Ministro da Defesa Nacional, elaborada com base em projeto do Conselho de Chefes de Estado-Maior.

Portugal precisa de uma clara Visão Estratégica e de desenvolver um novo Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional, onde o mar esteja definitivamente no centro dessa visão e em que seja bem demarcado que Portugal é, por geografia e desígnio, um país Euro-Atlântico. Para a consecução desses objetivos nacionais são necessárias umas Forças Armadas modernas, capazes e habilitadas para a proteção do mar sob a responsabilidade nacional. Em função das realidades aeronavais e da imensidão dos mares de nossa responsabilidade, a prioridade estratégica das capacidades militares deverá ser orientada prioritariamente para as missões de vigilância, reconhecimento e salvaguarda desses mares.

Com a adesão de Portugal à União Europeia o país cuidou mal do equilíbrio que precisava de manter e deixou enfraquecer as suas atividades marítimas, ou seja, as decisões políticas e económicas diminuíram a importância das atividades ligadas ao Mar na economia portuguesa. A prioridade de substituir o Mar pela Europa foi uma decisão de rutura com aproximadamente quinhentos anos da história de Portugal e, ao alterarmos a ideia de que habitávamos “a terra onde o Mar começa, pela ideia da terra onde a Europa acaba”, começámos a reduzir as nossas opções e deixámos de beneficiar daquele que foi sempre o nosso trunfo principal: a geografia.

 

Vulnerabilidades da Modernização das Forças Armadas em Portugal

A maioria dos equipamentos das nossas FFAA, como resultado do desinvestimento na área da S&D, estão a ficar obsoletos e com a necessidade urgente da sua modernização ou substituição. Com uma indústria de defesa anémica e quase irrelevante, Portugal tem de procurar modernizar-se no exterior. Com uma economia débil não é possível a aquisição de sistemas de armas mais modernos num ano, terá de haver um período bastante alargado para efetivamente se conseguir paulatinamente a tão necessária modernização dos meios necessários para cumprir as tarefas militares, provavelmente mais de uma década.

Perante as dificuldades para orçamentar as necessidades dos meios militares, será fundamental e crítico a definição de prioridades para o desenvolvimento das capacidades militares nas Forças Armadas e logicamente os níveis de investimento necessários. São seis as principais prioridades em que se deverão fundamentar os orçamentos de defesa futuros: o Mar; a Defesa Cooperativa; o Bem-Estar da Força; a Cibersegurança/Cyberwar; as Missões de Soberania; e as Missões Humanitárias.

Portugal, não dispondo de uma indústria de defesa minimamente desenvolvida e consolidada, talvez com a exceção de algumas indústrias aeronáuticas e da construção naval, estará sempre dependente da aquisição no exterior dos equipamentos militares pesados, como, por exemplo, carros de combate, aviões e helicópteros, submarinos e outro tipo de equipamentos mais sofisticados.

Para a edificação de uma indústria de defesa nacional, mesmo relativamente pequena, será necessário envolver vários parceiros, incluindo os setores públicos, privados e a as universidades. Para a consolidação de uma base industrial de defesa nacional, o primeiro passo é o da elaboração de uma estratégia, onde estejam envolvidos vários ministérios, como a Defesa, a Economia, a Educação, as universidades. Uma base industrial de defesa nacional, vai obrigar a fortes investimentos em investigação e desenvolvimento (I&D), e isso infelizmente não acontece em Portugal. De acordo com dados da PORDATA, o investimento publico/privado em I&D em Portugal, no ano de 2001, representava 0,8 % do PIB, em 2010, tinha aumentado para 1,5 %, finalmente, em 2022, subiu para 1,7 % do PIB. As empresas do setor privado são quem mais aposta nesta área (62%), com as universidades a representar cerca de um terço (31%), o setor público investe apenas 7 % em I&D. Portugal investe cerca de 70% menos em I&D do que a média dos países da UE. O investimento em I&D na defesa é praticamente irrelevante.

Uma indústria de defesa forte e autónoma em Portugal, mesmo que fosse decidido um forte investimento em I&D, nunca será viável, por duas razões básicas: primeiro, as aquisições pelas FFAA seriam mínimas; segundo, as exportações num mundo altamente competitivo seriam muito difíceis e acabariam por ser deficitárias, não compensando os investimentos e, portanto, inviáveis.

Contudo, a situação não obsta à criação de áreas de “nicho tecnológico”, onde possamos ser competitivos e contribuir para o esforço europeu e aliado na S&D europeia. As universidades portuguesas, nomeadamente as tecnológicas, formam excelentes especialistas nas áreas de engenharia aeronáutica, eletrotecnia e comunicações, software, inteligência artificial, biotecnologia, nanotecnologia e outras áreas. Porque não apostar em duas ou três áreas, que serão o futuro das guerras modernas, nomeadamente a cyberwar, a indústria de drones militares e as comunicações.

Portugal dispõe de bons especialistas em cyberwar e já tem algumas empresas privadas na área de drones, que são reconhecidas internacionalmente. Estas áreas seriam interessantes para desenvolver uma base industrial de “nicho” e dar um contributo importante para a S&D europeia e com capacidade de exportação. Para tal, o estado precisa de investir fortemente com capital publico na I&D, sem isso não é possível o sucesso. É fundamental que o estado assuma a liderança deste processo em parcerias com as universidades e com as empresas privadas, nacionais e internacionais.

 

Conclusão

A S&D em Portugal está num estado critico, as nossas Forças Armadas estão depauperadas, a sua capacidade de combate tende para a insignificância, há um enorme deficit de recursos humanos. O número de cidadãos voluntários para servir nas Forças Armadas em Portugal tem diminuído nos últimos anos de forma assustadora. A retenção de militares na estrutura das FFAA, particularmente oficiais e sargentos especializados, é grave e preocupante, talvez mais grave do que as dificuldades do recrutamento. Portugal não tem uma indústria de defesa sustentada, diria, no estado atual, ser completamente anémica e irrelevante. Com uma economia pequena, Portugal nunca terá capacidade de desenvolver uma indústria de defesa forte. Contudo, podemos desenvolver algumas indústrias de “nicho”, onde temos excelentes técnicos, como as indústrias de drones, cyberwar e comunicações.

 

Bibliografia

Espírito Santo, G. General (2014). Quarenta Anos de Reformas nas Forças Armadas: Uma Avaliação. Revista Militar N.º 2554 – Novembro de 2014.

Lei do Serviço Militar (LSM), aprovada pela Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro.

PORDATA. Indústrias e programas de investigação na defesa. Retirado de: https://www.pordata.pt/portugal/dotacoes+orcamentais+publicas+para+investigacao+e+
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PORDATA. Estatísticas e Dados da População de Portugal. Retirado de: Estatísticas e dados da população de Portugal | Pordata.

Rodrigues, T. F (2024). Demografia em Portugal – Uma Análise Prospetiva. Apresentação SEDES - Observatório Segurança e Defesa.

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