IN MEMORIAM
Renato Marques Pinto: Do Homem de Exceção ao General das Informações
(28 de julho de 1925 – 17 de abril de 2024)
Para recordar o Major-General Renato Fernandes Marques Pinto neste In Memoriam, vou socorrer-me dos contactos pessoais, do seu processo individual (Folha de Matrícula), dos seus artigos e, em especial, do In Memoriam que publicou na Revista Militar em homenagem a Luís da Câmara Pina, com o subtítulo “O Senhor e o General”.
Renato Marques Pinto foi o meu primeiro Comandante, enquanto Brigadeiro, quando assentei praça na Academia Militar, em 1979. Mais tarde, em 2009, tivemos contacto mais próximo, quando me contactou a propósito do artigo que viria a publicar no mesmo ano na Revista Militar, intitulado “As Indústrias Militares e As Armas de Fogo Portáteis no Exército Português”, curiosamente o artigo mais lido na Revista Militar, com 113 372 visualizações, a 26 de maio de 2024. Entretanto, entre 2014 e 2020, enquanto desempenhei as funções de Segundo Comandante (2014-2016) e depois de Comandante da Academia Militar (2016-2020), o meu ilustre antecessor Renato Marques Pinto telefonava-me alguns dias antes de todas as cerimónias para me informar que tinha aceitado o meu convite e para saber da evolução da sua/nossa Academia Militar. Mais recentemente, pediu-me para o apoiar na edição de um livro que tinha escrito ao longo dos últimos anos, na sequência do sucesso do tal artigo sobre “Armas de Fogo Portáteis” e dos incentivos de vários amigos, em especial do Tenente-general José Tavares Pimentel. Visitei-o depois em Oeiras, onde, apesar da idade, e de algumas dificuldades de mobilidade, me recebeu com as qualidades que tanto elogiou o General Câmara Pina: linguagem cuidada, aprumo natural, fidalguia do trato e sentido de humor.
Renato Fernando Marques Pinto, filho de Renato Marques Pinto (que o ensinou «a mexer e a respeitar as armas») e de Camila Queiroz Chumbo, nasceu no Muié, no leste de Angola. Já com 98 anos de idade, e nas conversas que teve comigo em Oeiras, recordava-me, com muita saudade e nostalgia, as terras de Angola, onde nasceu e viveu (tal como eu – seu “patrício” de Luanda) e onde voltou mais tarde, numa comissão de serviço de cerca de cinco anos.
Com 18 anos, assentou praça na Escola do Exército, a 2 de agosto de 1943, tendo terminado o curso de Infantaria em 1945. Fez o tirocínio na Escola Prática de Infantaria (EPI – Mafra) como aspirante a oficial, tendo sido promovido a Alferes, em novembro de 1946. Seguiram-se as promoções aos diferentes postos, respetivamente: Tenente (1949), Capitão (1952), Major (1961), Tenente-Coronel (1967), Coronel (1971) e Brigadeiro (1976).
Depois de ter servido na EPI, durante cerca de quatro anos, seguiu para a Escola do Exército (1950-52). Viria a completar o curso geral de Estado-Maior, em 1954 e, posteriormente, o curso complementar de Estado-Maior, em 1956, com a mais alta classificação de “Distinto”. Ingressou, assim, no Corpo de Estado-Maior, em 1957. Manter-se-ia no Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), até 1963, como professor efetivo dos cursos de Estado-Maior. Entretanto, fez o curso de Informações de Estado-Maior na Escola de Informações Militares do Reino Unido, em 1958 e, em 1962, o curso de Estado-Maior na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos da América. No período do IAEM acumulava funções no Estado-Maior do Exército, num período em que, nas suas palavras, «houve que recrutar, instruir, armar, equipar e transportar para África forças em quantidades muito grandes para um país tão pequeno, tão isolado, tão longínquo e de economia tão frágil». Nesse período, e em especial entre 1961 e 1963, apoiou o General Câmara Pina (então Chefe do Estado-Maior do Exército) nesse esforço enorme e único, até ter sido nomeado para o teatro de operações africano.
Como oficial de Estado-Maior viria então a servir na Região Militar de Angola (1963-68), onde desempenhou as funções de chefe da 2.ª Repartição do Quartel-General da Região Militar de Angola e de Diretor dos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola. Chegado da sua terra natal, foi colocado na 2.ª Divisão (Informações) do Estado-Maior do Exército (onde serviu entre 1968-69) e onde trabalhou com camaradas como “Salazar Braga (Contrainformação), Carvalho Teixeira (Informação) e Almiro Canelhas (Ação Psicológica)”. Foi depois nomeado Adido Militar e Aeronáutico em Londres, função que desempenhou com elevado profissionalismo entre 1970 e 1974 e que considerou como “uma experiência inesquecível”.
Depois do 25 de Abril de 1974, e já como Coronel, cumpriu uma missão particularmente complexa em Moçambique (dezembro de 1974 a junho de 1975), como chefe do Estado-Maior da Região Militar de Moçambique. Chegado a Lisboa, foi nomeado comandante do Regimento das Caldas da Rainha, função que interrompeu na sequência do 25 de Novembro, para chefiar a Divisão de Informações do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Entretanto, promovido a Brigadeiro, em 1976, Renato Marques Pinto terminaria a sua carreira militar como Comandante da Academia Militar, entre 1978 e 1980, num período de grande instabilidade política e militar e pouco antes de passar à situação de reserva, em 1982. Nessa situação manteve-se como professor no Instituto Superior Naval de Guerra, assessor no Instituto da Defesa Nacional e conferencista no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea, até transitar para a situação de reforma, a 31 de dezembro de 1992.
A singularidade da sua longa carreira foi, indiscutivelmente, o facto de ter desempenhado funções da maior responsabilidade em todos os escalões do serviço de informações em Portugal. Prestou serviços de enorme valor a Portugal – infelizmente, muitos deles passaram despercebidos…
Renato Marques Pinto foi louvado pelos diferentes comandos pelas elevadas virtudes militares e qualidades pessoais, pelo elevado sentido do dever, pela ponderação, espírito de iniciativa e pela invulgar cultura geral e militar. E foi agraciado com várias condecorações, de que destaco: Cruz de 1.ª Classe de Mérito Militar com distintivo branco (Espanha – 1956), Oficial da Ordem Militar de Avis (1958), Medalha de Prata de Serviços Distintos (1965), Medalha do Pacificador do Brasil (1973), Grã-Cruz de Mérito Militar com distintivo Branco (Espanha – 1977), Medalha de Comportamento Exemplar Ouro (1981) e Medalha de Serviços Distintos Ouro (1993 – em louvor pelos 49 anos de serviço de uma brilhante carreira militar).
Entretanto, publicou vários artigos sobre armas, informações e História Militar, em especial na Revista Militar (onde foi sócio efetivo desde 1989), de que destaco: “A Ação Psicológica: uma Arma de Combate” (1970); “Nem uma Polegada: o Problema da Irlanda do Norte” (1972); “O Exército Britânico” (1974); “Um Ano no Colégio de Guerra do Exército dos Estados Unidos da América” (1982); “Os Carros de Combate Olhando para o Futuro” (1984); “As Informações na Idade da Informação” (2001); “Luís da Câmara Pina – O Senhor e o General” (2004); “As Indústrias Militares e As Armas de Fogo Portáteis no Exército Português” (2009); “Baixa do Cassange. O Catalisador que levou à Correção de um Erro” (2011) – tradução do artigo “Baixa do Cassange Catalyst for Righting a Wrong”, de John P. Cann; e “A Linha Aérea Imperial” (2012) – tradução, com a colaboração do General Brochado de Miranda, do artigo “The Imperial Airline”, de John P. Cann.
Foi ainda sócio fundador da Associação Portuguesa de Colecionadores de Armas, facto de que tinha muito orgulho, mantendo uma relação muito próxima com os membros da referida associação.
Em termos pessoais, Renato Marques Pinto casou, em 1950, com Maria Virgínia, de quem teve dois filhos, Paulo Alexandre (em 1952) e Susana Filomena (em 1954). Na parte final da sua longa vida, viveu e conviveu muitos anos no Centro de Apoio Social de Oeiras, onde fez muitas amizades.
A apresentação do seu último livro Portugal e as Armas: História das Armas de Fogo Portáteis e das Indústrias Militares, sustentado em dezenas de anos de pesquisa, trabalho e dedicação, teve lugar no dia 27 de março de 2024 no Museu Militar, onde, além do Tenente-general José Tavares Pimentel, seu camarada e amigo de longa data (que o considera «um homem de exceção»), estiveram presentes os seus alunos, como eu e o Chefe do Estado-Maior do Exército (General Mendes Ferrão), os seus camaradas e amigos e a sua filha, Susana Filomena. A edição deste livro, com a qual me comprometi como Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, teve no Mestre João Moreira Tavares o seu grande companheiro de transcrição e revisão. Das suas palavras destaco: «[…] não pretendo glorificar as armas […] Em boas mãos são um fator de liberdade. Sem elas os Estados estariam limitados nas suas opções políticas».
E foi o livro Portugal e as Armas que lhe deu o incentivo à vida, pois menos de um mês depois do seu lançamento, deixou-nos a 17 de abril, com o legado de uma vida exemplar como cidadão e como militar. Tal como os amigos e a família, estive na sua despedida na sua/nossa Academia Militar.
Até sempre, meu General.
Major-general João Vieira Borges
Sócio Efetivo e Vogal da Direção da Revista Militar
Vogal da Direção da Revista Militar. Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar.