Nº 2669/2670 - Junho/Julho de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Conflito Rússia-Ucrânia. Impactos e oportunidades para a Defesa Nacional
Prof. Doutor
José Borges

1. Introdução

A invasão de territórios ucranianos pela Rússia, em 2014 e em 2022, reto­mou a guerra nas fronteiras orientais da Europa e reavivou tensões diplo­mático-económicas entre o Ocidente e a Federação Russa. Este conflito desencadeou uma crise regional e tem suscitado preocupações entre as na­ções ocidentais, motivadas pela violação das normas e do direito interna­cional pela Rússia, contribuindo para a instabilidade global que, eventual­mente, poderá ditar o fim da “pax europaea”. No dia 7 de outubro de 2023, o grupo islâmico palestiniano Hamas encetou uma campanha de ataques terroristas contra Israel. Israel respondeu com uma escalada de campanhas militares na Faixa de Gaza com efeitos devastadores para as populações e para o território. A deslocação do centro de gravidade da globalização para o espaço do “Indo-Pacífico”, o tom incrementalmente as­sertivo, expansionista e autoritário da China e as dinâmicas dos naciona­lismos concorrentes na região devem alterar a ordem internacional, con­duzindo à multipolarização dos centros de poder e à consequente redefinição do papel e influência da União Europeia (UE).

Estes aspetos conjunturais combinados, nomeadamente, a invasão russa e a atrição resultante, os ataques terroristas do Hamas e as respostas exacerbadas de Israel, a fragmentação da ordem mundial com o centro de gravidade em deslocação para o espaço do Indo-Pacífico, acentuam uma tendência de incerteza conjuntural com riscos, consequências e desafios, cujos resulta­dos são ainda imprevisíveis para a geoeconomia e para as geometrias de segurança e defesa do Ocidente. Se as implicações geopolíticas e militares para a Ordem Mundial ainda se estão a desenvolver, sendo difícil avaliar plenamente os potenciais resultados, Portugal, devido à localização geo­gráfica, situação interna favorável, em termos das condições de segurança e estabilidade, e enquadramento geopolítico, poderá beneficiar dos reajustes motivados pelas tensões e mudanças recentes, contribuindo, também, para o reequilíbrio e a estabilidade da ordem mundial.

No âmbito do seminário “O Conflito Rússia-Ucrânia. Impactos para a Defesa Nacional em Portugal” organizado pela Revista Militar, este artigo procura apresentar contributos pela identificação de áreas de potencial interesse para a Defesa, tendo por referência o trabalho do autor em atividades de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (IDI).

 

2. Atividades de IDI nas áreas da Defesa

O tema das atividades de IDI da Defesa é vasto e abrangente. Em benefício do foco e conteúdos apresentados neste artigo, a apresentação nas próximos secções desenvolve-se em linha com as competências profissionais e os interesses pessoais de IDI do autor. O mesmo contribuiu ativamente para os dezassete estudos e projetos apresentados a seguir. Estes estudos e projetos ligados às áreas da Segurança e Defesa foram desenvolvidos, ou estão em desenvolvimento, nos últimos doze anos, desde a entrada do autor para os quadros do Exército como docente da Academia Militar (AM) em 2012.

Os estudos e projetos apresentados neste artigo foram desen­volvidos em consórcios, integrando parcerias com outras enti­dades dos Sistemas Científico e Tecnológico (SCT) nacionais/europeias e da Base Tecnológica e Industrial de Defesa (BTID).

Neste contexto, o autor participou na definição e concetualização de estu­dos e projetos, promovendo as candidaturas e captação de financiamento (maioritariamente) competitivo, e contribuindo para a respetiva execução e desenvolvimento. Estes estudos e projetos focam áreas diversas, incluindo a engenharia mecânica em sentido clássico, e.g., os projetos ligados às áreas da balística e impacto de alta velocidade/alta energia, ou outras áreas ligadas à especialidade de sistemas e engenharia em sentido lato, nomeadamente a cibersegurança e a ciberdefesa, a inteligência artificial, o apoio à decisão e os sistemas de comando e controlo.

Os projetos apresentados neste artigo envolvem competências, capacidades e recursos (humanos e materiais) das Forças Armadas (FFAA) e de várias entidades civis dos Estados-Membros (EM) da UE. Não sendo possível citar todos os investigadores, engenheiros, oficiais e demais pessoal, devido a ­limitações de espaço, procurou-se destacar em cada secção a oportunidade e a justificação de cada projeto, evidenciando as parcerias e a síntese dos esforços cooperativos necessários à execução e resultados potencialmente relevantes para a Defesa Nacional.

 

3. Projetos cooperativos nas áreas da balística e do impacto de alta velocidade

O trabalho de IDI e de projeto de engenharia nas áreas da balística requer uma aprendizagem contínua, bem como a colaboração na resolução de problemas em equipas multidisciplinares, proporcionando desafios e desenvolvimentos que poderão ter um impacto significativo para a Seguran­ça e Defesa. Requer equipas com competências e maturidade em disciplinas nucleares, nomeadamente a balística, a matemática, a física, a química, os materiais, o projeto mecânico e outras áreas das engenharias. São também necessárias resiliência e perseverança na confrontação entre o processo que medeia a aplicação da teoria, projeto e fabricação dos produtos, e o rigor da prática e a gestão das frustrações e sucessos na experimentação.

Os desafios intrínsecos à IDI nas áreas da balística e respetivas aplicações práticas são muito significativos. A incorporação de inovação tecnológica é caraterizada pelo acesso limitado à informação e à propriedade industrial, e por barreiras de entrada de natureza tecnológica, organizacional, proce­dimental e legal. Igualmente requerem capacidades de fabrico e testagem específicos, e práticas de segurança muito rigorosas. Apesar destes desafios, as contribuições nestas áreas constituem motivos de interesse e atratividade, o que motiva a realização de atividades de IDI.

Esta secção apresenta nove projetos tecnológicos: desenvol­vimento de munições de artilharia; projeto, fabrico e análise do desempenho de materiais em condições de impacto balístico; gestão do ciclo de vida das munições. Termina descrevendo dois projetos de edificação de capacidades no Aquartelamento da Academia Militar na Amadora (AAMA).

 

3.1. Desenvolvimento de munições de artilharia

A presente secção apresenta três projetos de IDI ligados ao projeto, produção e testagem de munições: projeto FIREND – Projétil de Artilharia para o combate de incêndios; projeto BALSIM – Simulador de balística para projéteis de Artilharia; projeto PolyShell – Polymeric Shell for Field Artillery.

 

3.1.1. Projeto FIREND

A idealização do projeto FIREND – Projétil de Artilharia para o combate de incêndios, remonta a 2005. O desenvolvimento do FIREND enquanto projeto de IDI com financiamento atribuído, ocorreu entre 2016 e 2020. O projeto contou com apoio financeiro atribuído pelo Ministério da Defesa Nacional (MDN), através da Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN), para a realização de projetos cooperativos de investigação e desenvolvimento1. Este projeto foi desenvolvido em consórcio pelas entidades representadas na figura 1.

Figura 1 – Consórcio de desenvolvimento do projeto FIREND.

 

O projeto FIREND propôs projetar, desenvolver e fabricar um meio complementar para o combate de incêndios florestais, baseado no emprego de obuses da Artilharia de Campanha. Igualmente, o projeto procurou promover a criação e agregação de capacidades e conhecimento visando sustentar o desenvolvimento de munições de artilharia em Portugal. O âmbito deste projeto de IDI sofreu algumas alterações durante a execução, justificadas pela constatação do baixo desempenho do projétil no combate de fogos florestais devido à relação volume versus eficácia dos químicos/agentes de extinção que são legalmente autorizados para o combate de incêndios florestais no território nacional. Caso se considerem fogos industriais de mag­nitude e impacto severos, ou em instalações críticas, em que os químicos de extinção apresentam melhor desempenho na relação eficácia/volume, estima-se que a capacidade de projeção remota do projétil FIREND poderá constituir um vetor de transporte muito relevante para melhorar as condições de segurança do combate.

O principal resultado tangível do projeto FIREND foi o protótipo de um projétil de artilharia, ver figura 2, com a componente estrutural fabricada em materiais poliméricos e um enchimento de produtos sólidos ou líquidos, como por exemplo químicos funcionais com emprego no combate de incêndios. Este projétil disponibiliza um vetor de transporte que permite projetar o enchimento para um alvo remoto, resultando na dispersão do produto na zona de impacto. A distância entre a boca de fogo e o alvo é determinada mediante os elementos de tiro resultantes do cálculo de Artilharia, sendo fisicamente majorada pela massa do projétil.

Um produto derivado do projeto FIREND é a granada de treino de Arti­lharia PolyShell, apresentada na secção 3.1.3, fabricada com materiais poliméricos e metálicos, que se encontra em fase de industrialização.

Figura 2: Detalhe do projétil FIREND.

Fonte: projeto FIREND

 

Um resultado não tangível do projeto FIREND, talvez o mais relevante, foi a capacitação dos elementos do consórcio de desenvolvimento nas atividades de projeto, fabrico, análise e experimentação de projéteis de Artilharia.

Dado o potencial de industrialização dos resultados do projeto FIREND, houve um cuidado especial com o controlo de informação, publicitação dos entregáveis e divulgação externa do mesmo. No entanto, o FIREND enquadrou dezasseis trabalhos académicos nas áreas da Engenharia Mecânica2,3, Engenharia de Polímeros4 e Engenharia Eletrotécnica5. O financiamento da DGRDN/MDN contribuiu para suportar os custos dos parceiros com a execução do FIREND, incluindo a requalificação das capacidades do Laboratório de Engenharia Mecânica Militar (LEMM) e o lançamento do Cen­tro de Competências em Balística (CCB), ambos localizados no AAMA.

 

3.1.2. Projeto BALSIM

O projeto BALSIM – Simulador de balística para projéteis de Artilharia, desenvolveu-se, como projeto de ID entre 2015 e 2016, constituindo um subprojecto do projeto FIREND. O projeto teve continuidade em termos de trabalhos académicos6,7 e originou publicações8. Contou com apoio financeiro do Exército através dos fundos anuais para execução de projetos de IDI.

O principal objetivo do BALSIM foi desenvolver um simulador de balística, focando as componentes de balística interna e externa, e a respetiva compa­ração de desempenho com o software comercial PRODAS – Projectile Rocket Ordnance Design & Analysis System, da empresa Arrow Tech9. Este projeto permitiu à equipa de investigação ganhar competências teóricas e analíticas para a compreensão dos fenómenos ligados à análise de desempenho e ao projeto de munições de artilharia.

O BALSIM permitiu integrar conhecimento científico abrangente que serviu para analisar e compreender a dinâmica complexa dos comportamentos do projétil, tanto no interior da arma de fogo (balística interna) como durante o voo (balística externa). Ao incorporar modelos físicos detalhados e técnicas computacionais avançadas, o simulador disponibilizou a capacidade para apoiar exercícios de artilharia, permitindo realizar previsões das trajetórias em função dos elementos de tiro.

Esta ferramenta e as competências adquiridas apoiaram funções ele­mentares de projeto do FIREND, enquadrando também os Trabalhos de Inves­tigação Aplicada de cadetes da Arma de Artilharia da AM e a atividade de publicação. Serviu também como um recurso crítico para apoiar atividades de investigação e desenvolvimento, permitindo o aperfeiçoamento de modelos balísticos e a avaliação de diferentes geometrias e caraterísticas de munições, reforçando o compromisso de integrar tecnologia de ponta no treino e desenvolvimento militar, elevando assim os padrões de investigação com aplicações nas áreas da balística.

 

3.1.3. Projeto PolyShell

O projeto da granada PolyShell – Polymeric Shell for Field Artillery, visa a industrialização de um conceito de granada inerte para emprego na Artilharia de Campanha e teve como ponto de partida os resultados, conhecimentos e capacidades adquiridos no desenvolvimento do projétil FIREND. A fase inicial deste processo de industrialização contou com o CINAMIL – Cento de Inves­tigação, Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar, do IPCA – Insti­tuto Politécnico do Cávado e Ave e da Moldit – Indústria De Moldes, S.A.

Figura 3 – Lote de granadas inertes PolyShell testado no Regimento de Artilharia N.º 5.

Fonte: projeto PolyShell

 

As granadas são fabricadas com materiais poliméricos e metálicos. Os ensaios realizados com as granadas, das quais se exemplifica um lote na figu­ra 3, permitiram aferir o bom desempenho aerobalístico das mesmas, seme­lhante ao das granadas HE 155 mm utilizadas pelo Exército. A utilização da granada PolyShell poderá contribuir para reforçar o treino da Artilharia de Campanha no Exército.

 

3.2. Projeto, fabrico e análise do desempenho de materiais em con­dições de impacto balístico

Esta secção apresenta quatro projetos de IDI ligados ao projeto, produção e ensaios de materiais com função balística, nomeadamente: projeto ProtBal – Desenvolvimento e teste de proteções balísticas, ALIR_mcs – Advanced Lightweight Impact Resistant materials, components and structures for UAVs; AMUT – Desenvolvimento e teste de proteções balísticas; IMPACT I – Improved Impact Resistance of Lightweight Defence Structures.

 

3.2.1. Projeto ProtBal

O projeto exploratório ProtBal – Desenvolvimento e teste de proteções balísticas, visou projetar e fabricar amostras de materiais com alto desempenho balístico, e a respetiva testagem mediante normas civis e STANAGS, figura 4. O projeto foi desenvolvido em parceria entre o CINAMIL e o INEGI – Insti­tuto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial do Porto. O ProtBal foi executado entre 2015 e 2016. O projeto enquadrou trabalhos académicos desenvolvidos por Aspirantes de Infantaria e de Engenharia Mecânica Militar. Contou com apoio financeiro do Exército através dos fun­dos anuais atribuídos à execução de projetos de IDI.

Figura 4 – Análise computacional e experimental dos provetes ensaiados no projeto ProtBal.

Fonte: projeto ProtBal

 

O projeto contemplou as etapas normais de desenvolvimento de produto em engenharia, contemplando o levantamento de requisitos operacionais e normas para realizar ensaios, projeto e análise computacional, fabrico e testa­gem dos laminados e placas metálicas em carreira de tiro com instru­mentação. Com este trabalho pretendeu-se reforçar as competências da equipa para a produção e teste de materiais em situação de emprego real, bem como as capacidades de modelação e simulação dos mesmos para adquirir competências, técnicas e procedimentos para trabalhos futuros.

A análise computacional incidiu na modelação por elementos finitos dos elementos balísticos (proteções e projétil) tendo como objetivo a simulação numérica da sua interação em condições de impacto. O trabalho experimen­tal foi realizado no campo de tiro da Escola das Armas, onde foram testa­dos os alvos com os materiais compósitos produzidos e com placas de alu­mínio, com diferentes combinações. A análise de resultados permitiu comparar e avaliar as diferenças entre as estimativas teóricas e as suas limitações com as observações experimentais do tiro real.

 

3.2.2. Projeto ALIR_mcs

O conceito de desenvolvimento do projeto ALIR_mcs – Advanced Light­weight Impact Resistant materials, components and structures for UAVs, foi o de identificar as seções vulneráveis de veículos não tripulados, e.g., aeronaves não tripuladas, protegendo especificamente estas zonas com painéis de elevado desempenho, sem que tal represente um acréscimo superlativo da massa total do veículo. O consórcio constituído pelas entidades que constam da figura 5 desenvolveu o projeto Alir_mcs entre 2016 e 2019.

Figura 5 – Consórcio de desenvolvimento do projeto ALIR_mcs.

 

O projeto ALIR_mcs com referência POCI-01-0247-FEDER-017751, foi cofinanciado pelos programas Com­pete 202010, Portugal 2020 e Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

Figura 6 – Detalhes do alojamento e montagem da placa de micropiloto do UAV na zona de proteção conferida pelo painel compósito do ALIR_mcs.

Fonte: projeto ALIR_mcs

 

O ALIR_mcs desenvolveu e validou uma solução compósita de baixo peso com capacidade de resistir a solicitações de impacto de alta energia (impacto balístico de calibre de 9 mm a uma distância de 15 m sem penetração do material estrutural) visando proteger as zonas críticas dos veículos. Igualmente, desenvolveu um sistema de monitorização que permite aferir, em tempo real, o estado estrutural da aeronave.

Os painéis resultantes do projeto, ver figura 6, possuem caraterísticas de peso e resistência ao impacto que permitem a sua aplicação na pro­teção das estruturas que alojam as cargas críticas (payloads), e.g., aviónica, câ­maras, etc. Este projeto enquadrou diversos trabalhos académicos11,12.

 

3.2.3. Projeto AMUT

O projeto exploratório AMUT – Advanced Multithreat CombaT system visou o desenvolvimento de um sistema avançado de proteção a ameaças múltiplas para o soldado apeado ou agentes de segurança. O conceito empregue no AMUT baseou-se numa proteção modular multicamada, onde a camada interior confere proteção individual multiameaças (projeção de estilhaços, impacto, corte, perfuração e balística), podendo integrar outras funções, e.g., gestão térmica e a camada exterior confere as funções habituais de um fardamento figura 7. Os materiais têxteis utilizados incrementam a performance (resistên­cia mecânica, respirabilidade, conforto, flexibilidade, modularidade, leveza e facilidade de limpeza e conservação) podendo ser integrados numa arquitetu­ra global que visa conferir proteção, ergonomia, conforto, funcionalidade e durabilidade geral. Acresce ainda o estudo estético e da imagem corporativa.

Figura 7 – Conceito modular multifunções do projeto AMUT.

Fonte: projeto AMUT

 

Este sistema permite responder a ameaças emergentes no atual contexto de ataques em áreas edificadas, nomeadamente, ameaças provenientes de engenhos explosivos improvisados ou ameaças de objetos potencial­mente perigosos, tais como facas, objetos pontiagudos e armas afiadas, bem como proporcionar proteção balística.

O projeto AMUT foi desenvolvido entre 2019 e 2022 numa parceria entre o CINAMIL, o CITEVE – Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário e a Possible Answer S.A. O projeto contou com apoio financeiro do Exército através dos fundos anuais para execução de projetos de IDI.

 

3.2.4. Projeto IMPACT I

O projeto IMPACT I – Improved Impact Resistance of Lightweight Defence Structures, conta com um consórcio constituído por vinte e duas entidades de seis EM da UE. O projeto deverá arrancar no último trimestre de 2024, prolongando-se a execução pelos 36 meses seguintes. O IMPACT I é um projeto Category B (CAT B) da Agência Europeia de Defesa (EDA), já aprovado pelos EM participantes, mas cujos termos de desenvolvimento estão em fase final de conclusão. Por este motivo, o projeto ainda não tem referência.

Os projetos CAT B incluem atividades de IDI realizadas por um ou mais EM em áreas de interesse comum. São geralmente realizados no âmbito de CapTechs sem procedimento concursal. Os governos do EM cofinanciam os trabalhos das entidades nacionais no consórcio internacional. Os resultados são partilhados apenas entre os países participantes.

O principal objetivo do IMPACT é desenvolver estruturas resistentes ao impacto, visando melhorar o desempenho global e prolongar o respetivo tempo de vida útil. Estes requisitos são particularmente relevantes para as estruturas compósitas e as juntas adesivas, uma vez que representam uma potencial vulnerabilidade para a integridade estrutural em caso de carga de impacto, e são aplicadas numa vasta gama de sistemas de defesa, incluindo os domínios aéreo, marítimo, terrestre e espacial, e em diferentes cenários de carga, desde a queda de ferramentas, a colisão com aves e os detritos de degelo até aos impactos balísticos ou de hipervelocidade.

O projeto IMPACT 1 avaliará a aplicabilidade destes sistemas, leves e resistentes ao impacto para aplicações de defesa com desempenho e tempo de vida melhorados.

 

3.3. Gestão do ciclo de vida de munições

Esta secção apresenta dois projetos de IDI transversais para as áreas da balística. O projeto PREMIUM – Prediction models for implementation of muni­tion health management, foca a gestão do ciclo de vida das munições. O projeto EUDETCODE – European Detonation Code, foca o desenvol­vimento de aplicações computacionais para simular a detonação de materiais energéticos.

 

3.3.1. Projeto PREMIUM

À semelhança do projeto descrito na secção 3.2.4, o projeto PREMIUM – Prediction models for implementation of munition health management, é um projeto de IDI CAT B da EDA13, com referência B.PRJ.RT.85814, com exe­cução entre 2021 e 2025.

O principal objetivo do PREMIUM é desenvolver uma plataforma de apoio à decisão, cuja arquitetura é apresentada na figura 8, para entidades gestoras de materiais energéticos e munições, armazenados em paióis ou em transito dentro de veículos (terrestres, aéreos ou navais) no território nacional, ou armazenados em paióis temporários, projetados para teatros de operações no estrangeiro, ou em transito.

A ferramenta de apoio à decisão a disponibilizar pelo PREMIUM tem por base a utilização de modelos de envelhecimento e desgaste dos materiais energéticos e munições empregues pelas FFAA Europeias. Compreender os mecanismos ligados ao envelhecimento e ao desgaste dos materiais energé­ticos e munições é o fator crítico para implementar sistemas semiautomáticos fiáveis e eficazes no apoio à gestão e utilização.

Os objetivos específicos do PREMIUM incluem um conjunto de atividades muito relevante para compreender, automatizar e disponibilizar ferramentas de apoio à decisão para a gestão do ciclo de vida de munições e materiais energéticos por entidades civis ou militares, e.g., o Exército. O início do projeto permitiu recolher informação sobre técnicas, testes e modelos usados na avaliação e previsão do envelhecimento de munições.

Figura 8 – Arquitetura do sistema de apoio à decisão do PREMIUM.

Fonte: projeto PREMIUM

 

Nas iterações seguintes, elementos do consórcio caracterizaram os materi­ais e munições em análise no projeto em ambiente laboratorial, antes, du­rante e depois dos testes de envelhecimento acelerado ou natural. Com base nos dados obtidos nestes testes, é possível desenvolver modelos de predição do ciclo de vida para munições e materiais energéticos. Em paralelo, foram instrumentados veículos militares e cunhetes com os Health and Usage Monitoring System (HUMS). Nesta atividade participam os três Ramos das FFAA Portuguesas. Os HUMS permitem monitorizar os sistemas e inventariar os dados recolhidos online para produzir modelos capazes de gerar informação útil para o processo de decisão.

Figura 9 – Consórcio de desenvolvimento do projeto PREMIUM.

 

Em paralelo com a recolha de dados e construção de modelos, a última parte do projeto foca a integração dos modelos de envelhecimento num sistema de apoio à decisão multicritério que permitira racionalizar a utilização dos stocks e avaliar os potenciais benefícios (ambientais, económicos, segu­rança, desempenho, etc.) desta nova abordagem de gestão de materiais energéticos e munições.

O projeto PREMIUM é desenvolvido pelo consórcio apresentado na figura 9, pertencentes a quatro EM da UE e Suíça. Pretende-se que os produtos do projeto PREMIUM contribuam para o desenvolvimento de ferramentas de apoio à decisão na gestão de stocks de munições, contribuindo tam­bém para a harmonização dos procedimentos a adotar na gestão dos mate­riais energéticos e munições no espaço da UE e Suíça.

 

3.3.2. Projeto EUDETCODE

O projeto EUDETCODE – European Detonation Code, é também um pro­jeto de IDI CAT B da EDA15, com referência B.PRJ.RT.878 e execução entre 2022 e 2026. O projeto tem por objetivo agregar conhecimento, dados, códi­go fonte e protocolos experimentais, e estabelecer uma plataforma para a partilha destes elementos de forma eficaz e segura entre os EM da UE.

Figura 10 – Consórcio de desenvolvimento do projeto EUDETCODE.

 

O projeto EUDETCODE, desenvolvido pelas entidades do consórcio re­presentadas na figura 10, pretende disponibilizar um repositório com curado-ria de dados, código fonte e protocolos experimentais. A plataforma comum do projeto, a disponibilizar para os EM participantes no mesmo, apoiará a defesa e a base industrial europeias no que respeita à competitividade dos materiais energéticos e reforço da cooperação intra-UE.

Atualmente, existem na Europa conhecimentos e competências fragmen­tados no que diz respeito ao desempenho dos materiais energéticos e à sua modelação e simulação. Diferentes EM utilizam códigos distintos de detonação, que cobrem parcialmente as necessidades da indústria e dos investigadores europeus. Deste modo, a comunidade europeia de defesa identificou a ne­cessidade de uma ferramenta computacional para prever com exatidão o desempenho de materiais energéticos, e.g., explosivos ou cargas propulsoras. Este código de detonação é utilizado de forma rotineira na conceção e ava­liação de ogivas, sistemas de propulsão e de lançamento e no domínio da balística interna. Constitui também uma ferramenta relevante para estudos fundamentais de materiais energéticos, bem como outras aplicações de explosivos em contexto civil ou estudos de segurança.

O principal produto do EUDETCODE é uma aplicação integrada, que será iterativamente melhorada através do trabalho contínuo em novas metodologias de modelação e experimentação para a calibração e validação dos modelos, ver figura 11. O código permitirá também simular diversos materiais energéticos, exigindo especial atenção às propriedades que cons­tituem um desafio do ponto de vista da modelação, e.g., efeitos cinéticos, composições de baixa densidade, etc.

Figura 11 – Conceito de desenvolvimento do EUDETCODE.

Fonte: projeto EUDETCODE

 

3.4. Centro de Competências em Balística

O Centro de Competências em Balística do Exército, em incubação desde 2017 e em processo de instalação no AAMA desde 2021, tem como principal finalidade apoiar novos desenvolvimentos nas áreas associadas à balística que, embora sendo uma arte milenar, suscita na conjuntura atual um interesse crescente em contextos ligados à IDI, à capacidade industrial, ao emprego operacional, ao suporte dos processos de aquisições e processos ligados à gestão do ciclo de vida dos produtos.

As funções do CCB estão estruturadas em termos de quatro pilares nucleares: apoio às atividades de ensino e formação; suporte ao desenvolvimento de projetos de IDI cooperativa por investigadores do CINAMIL, dos restantes Centros de Investigação Militar e demais entidades do SCT e BTID nacionais; apoio aos processos aquisitivos de materiais com função balística, e.g., equipamentos de proteção balística; suporte à gestão do ciclo de vida de materiais com função balística.

O CCB será constituído por um laboratório de impactos balísticos, dotado com a capacidade de testar materiais em condições de impacto de alta velocidade/alta energia, utilizando sistemas de projeção baseados em materiais energéticos (pólvoras) ou gases (comprimidos ou liquefeitos). Salienta-se que, de entre as diversas instituições do SCT nacional, a AM/Exército destacam-se para a edificação e gestão desta capacidade, visto que há manipulação de materiais e sistemas cuja utilização é intrínseca ao contexto militar. Os projetos descritos nas Secções 3.1 a 3.3 deste artigo são enquadrados e contribuem para as atividades do CCB.

 

3.4.1. Apoio às atividades de ensino e formação

Este vetor será materializado pela disponibilização de laboratórios para a realização de atividades de formação e treino dos cadetes da AM ou das outras unidades orgânicas autónomas do Instituto Universitário Militar, incluindo a realização de Dissertações ou Trabalhos de Investigação Aplicada. Esta capacidade permitirá preparar Oficiais mais qualificados e proficientes nas áreas técnicas da balística e táticas, que mais tarde irão ingres­sar nos quadros permanentes do Exército e restantes FFAA, mas também cumprir com as exigências da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior em termos da formação experimental em contexto laboratorial.

 

3.4.2. Suporte ao desenvolvimento das atividades de IDI

Em 2023, a EDA atualizou o Plano de Desenvolvimento de Capacidades16 (CDP) de acordo com as prioridades identificadas pelos Ministérios da Defe­sa dos EM participantes. O CDP de 2023 identifica duas áreas prioritárias de desenvolvimento que são críticas para suportar a inovação tecnológica na Defesa, nomeadamente, os materiais avançados e as técnicas de fabrico digi­tal, por exemplo o fabrico aditivo.

O CCB já apoia projetos nas áreas de desenvolvimento de materiais avançados e respetivas testagem para a função balística. Em particular pretende dar continuidade ao desenvolvimento e testagem de novos materiais avançados com caraterísticas adequadas para emprego em contexto militar, que permitam melhorar a capacidade de sobre­vivência em termos de proteção, monitorização, ocultação, engano e camu­flagem dos soldados e materiais militares.

De igual modo, o Laboratório de Engenharia Mecânica Militar instalado na AAMA dispõe já de capacidades de fabrico por deposição/remo­ção de material. Prevê-se que, no futuro próximo, estas técnicas de fabrico descentralizado contribuam para a sustentação da operacionalidade das Forças Destacadas em teatros remotos, cujas cadeias de abastecimento apresentam elevada complexidade.

O CCB pretende dar continuidade a este apoio, disponibilizando competências e capacidades que permitam a integração de consórcios aptos para desenvolver projetos cooperativos nas áreas de interesses do Centro em aplicações relevantes para a Defesa.

 

3.4.3. Apoio aos processos aquisitivos

As atividades de contratação pública de materiais e sistemas para a Segu­rança e Defesa requerem um tipo de serviço que pode iniciar com o apoio à preparação da especificação técnica dos cadernos de encargos, passando pela validação das amostras apresentadas pelos concorrentes para seleção mediante critério e normas aplicáveis, terminando com o apoio à aceitação dos produtos entregues pelos fornecedores pela aferição da consistência da qualidade con­tratualizada por amostragem das entregas. O CCB poderá apoiar as entidades adjudicantes neste processo, disponibilizando competência técnica e capacida­des de análise e verificação do cumprimento dos requisitos e normas aplicáveis.

 

3.4.4. Suporte à gestão do ciclo de vida

Desde a aquisição ao abate há todo um ciclo de vida dos produtos que carece de avaliações periódicas que permitam aferir o estado dos materiais e equipamentos empregues nas áreas da Segurança e Defesa. O controlo dos produ­tos ao longo do ciclo de vida expectável, quando sustentado por procedi­mentos técnicos, normas e boas práticas, é crítico para uma gestão apoiada em informação da vida útil, permitindo a aferição do estado dos materiais e sistemas para, eventualmente, assegurar a sobrevida ou o abate antecipado do produto por já não cumprir as normas e critérios aplicáveis. Tais ativida­des poderão traduzir acréscimos de valor significativos, seja por estenderem a vida útil de produtos conformes, seja pelo abate antecipado de produtos em condição irregular.

 

3.5. Laboratório de Engenharia Mecânica Militar

O LEMM – Laboratório de Engenharia Mecânica Militar, é uma estrutura integrada no Departamento de Ciências Exatas e Engenharias da AM, destinada a apoiar as atividades de ensino da AM, as atividades de IDI do CINAMIL e outras necessidades da AM, como por exemplo o fabrico de peças em acrílico ou o fabrico de equipamentos de proteção individual distribuídos à comunidade nos tempos da pandemia COVID1917. O autor deste artigo tomou posse como Diretor do LEMM em outubro de 2014.

Desde 2014, a infraestrutura que antes servia como depósito de equipamentos desatualizados e/ou inoperacionais, descontextualizada da função de um laboratório estruturante para as atividades de Engenharia Mecânica na AM e no Exército, foi progressivamente atualizada. Hoje, o LEMM dispõe de capacidades mo­dernas que versam diversas especialidades de engenharia. O projeto mecânico suportado por meios computacionais, nomeadamente estações de trabalho com software para desenho e modelação geométrica, análise por elementos finitos, balísti­ca, equipamento de digitalização, etc. O fabrico empregando metodologias e equipamentos atuais, e.g., o fabrico aditivo com diversas tecnologias, o fabrico subtrativo por comando numérico computorizado, o corte laser, etc. A experimentação utilizando instrumentação de ­medida, e.g. câmaras de alta velocidade, cronógrafos balísticos, sensores piezoelétricos para medição das pressões internas em peças de artilharia. Em complemento, o LEMM também recebeu uma rede e equipamentos de ar comprimido, e equipamentos oficinais para apoiar as atividades do laboratório.

Este esforço de modernização e capacitação foi sustentado financei­ramente por projetos de IDI desenvolvidos pelos utilizadores do LEMM.

 

4. Projetos cooperativos nas áreas do apoio à de­cisão e comando e controlo

As tarefas da Defesa Nacional incluem a defesa militar do País, nos domí­nios marítimo, terrestre, aéreo e ciberespaço, as operações multinacionais, a resposta a catástrofes humanitárias e a cooperação, de forma integrada, com as Forças e Serviços de Segurança18. Os projetos que visam desenvolver ca­pacidades de duplo uso contemplam tanto uma vertente de aplicações civis como uma vertente de aplicações militares. No entanto, as aplicações de natureza militar devem ser tratadas com um nível de segurança especial19. Deste modo, o desenvolvimento de projetos de duplo uso com potencial aplicação na resposta a catástrofes humanitárias, deve ser uma atividade nu­clear no seio das FFAA, evidenciando o compromisso com o serviço e apoio à população.

Esta secção apresenta dois projetos direcionadas para as áreas de emergência e proteção civil que, pela natureza dos objetivos e inovações tecnológicas desenvolvidas, são igualmente extensíveis a aplicações no con­texto militar, dando corpo ao conceito de duplo uso. Os projetos apre­sentados são o THEMIS – distributed Holistic Emergency Management In­telligent System e o OVERWATCH – Integrated holographic management map for safety and crisis events.

 

4.1. Projeto THEMIS

O projeto THEMIS – distributed Holistic Emergency Management Intelligent System, foi desenvolvido entre 2016 e 2020 pelas entidades nacionais repre­sentadas na figura 12. O projeto teve por objetivo melhorar as capacidades para a gestão de catástrofes através da aplicação de tecnologias de informação avançadas e de Inteligência Artificial (IA).

Figura 12 – Consórcio de desenvolvimento do projeto THEMIS.

 

O THEMIS contou com apoio financeiro atribuído pelo MDN para a realização de projetos cooperativos de investigação e desenvolvimento20. Para além dos produtos de projeto, o projeto THEMIS enquadrou também trabalhos académicos21 e publicações22.

Um dos objetivos principais do THEMIS foi melhorar o conhecimento situacional durante as operações de resposta a catástrofes. Para o efeito, a plataforma utiliza metodologias de IA para recolher, analisar e apresentar dados em tempo real provenientes de fontes diversas, ver figura 13, fornecendo uma imagem abrangente e atualizada da situação no teatro de operações à equipa de comando e demais pessoal empenhado.

Esta capacidade permite que as equipas de intervenção compreendam melhor o âmbito e o impacto da catástrofe, identifiquem áreas críticas que requerem atenção imediata e façam o despacho eficaz dos recursos.

Figura 13 – Conceito de integração de fontes e utilizadores adotada no projeto THEMIS.

Fonte: projeto THEMIS

 

O THEMIS disponibiliza ainda ferramentas para apoiar o despacho dos recursos e meios envolvidos na operação. Os sistemas de apoio à decisão integrados no THEMIS utilizam metodologias de processamento de grandes volumes de dados, permitindo gerar informação útil que visa apoiar o processo de decisão do comandante, avaliando modalidades de ação e prevendo potenciais resultados com base nos dados locais e em tempo real.

As operações militares envolvem frequentemente ambientes complexos e dinâmicos em que o conhecimento da situação, o apoio à decisão e a agilidade organizacional são fundamentais. O potencial de duplo uso do projeto THEMIS é uma vantagem significativa. Embora concebido principal­mente para a gestão de catástrofes em meio civil, as capacidades do sistema são igualmente aplicáveis em cenários de defesa. A aplicação do THEMIS em contextos militares poderá melhorar a ação de comando no teatro de operações constituindo uma ferramenta versátil que estabelece uma ponte entre as aplicações civis e de defesa.

 

4.2. Projeto OVERWATCH

O projeto OVERWATCH – Integrated holographic Management Map for Safety and Crisis Events 23, visa desenvolver uma plataforma avançada de apoio à decisão para gestão de emergências e catástrofes, melhorando a gestão dos dados ao longo do ciclo de vida, desde a ingestão e harmonização até ao processamento e exploração. O principal produto do projeto é um sistema holográfico integrado para apoiar as operações de gestão dos meios de com­bate a incêndios rurais e inundações, recorrendo a IA. O projeto decorre entre 2022 e 2025. A figura 14 apresenta as entidades do consórcio interna­cional do OVERWATCH. O projeto conta com cofinanciamento da UE, no âmbito do programa Horizonte Europa, com referência 101082320 – HORIZON­-EUSPA-2021-SPACE24.

Figura 14 – Consórcio de desenvolvimento do projeto OVERWATCH.

 

O conceito nuclear do OVERWATCH consiste no processamento e dispo­nibilização de informação do terreno, em 2D e 3D, para completar o conhecimento situacional do teatro de operações permitindo avaliar a evolução e os impactos diretos e indiretos das áreas afetadas. O projeto integra vários componentes, nomeadamente: módulo de ingestão de dados e apoio à decisão baseado em IA; serviços baseados na observação da Terra para a gestão de risco de inundação ou de incêndio; bolha de comu­nicações de emergência; caixas de areia virtuais baseadas em realidade aumentada. A fusão de dados do terreno, disponíveis em cartografia digi­tal com camadas de metadados resultantes da observação terrestre, com os serviços do Galileu e Copernicus, e dados extraídos do vídeo recolhido em tempo real por veículos aéreos não tripulados (UAV), câmaras estáticas ou outros meios aéreos/terrestres, permite gerar o ambiente 3D que irá alimentar o módulo de realidade aumentada. Outras características do OVERWATCH incluem a monitorização de eventos em tempo real utilizando o vídeo recolhido nos espectros visível, térmico e hiperespectral, e a gestão de operações com base em caraterísticas dinâmicas do dispositivo no terreno.

O sistema permitirá a mobilização e despacho dos meios de salvamento adequados em função da gravidade do incidente, permitindo a imersão virtual das equipas de gestão de crises no mundo real através de dispositivos de realidade aumentada. Além disso, facilitará a monitorização precisa das localizações do pessoal e dos meios nos teatros de operações.

A plataforma OVERWATCH suporta a colaboração entre vários tipos e funções de utilizadores, gerindo diversas fontes de informação e integrando outros sistemas de gestão de crises para criar uma visão global e cooperativa da crise. As suas capacidades estendem-se a aplicações civis e de defesa, oferecendo uma orientação proactiva e perspicaz para moldar planos de implementação adequados para diferentes públicos. Ao melhorar o conheci­mento situacional e a tomada de decisão, em tempo real, o OVERWATCH poderá contribuir para melhorar a gestão de emergências e crises numa vasta gama de cenários. Em linha com o projeto apresentado na secção 4.1, o OVERWATCH apresenta um elevado potencial de duplo uso na Defesa.

 

5. Projetos cooperativos nas áreas da cibersegu­rança e ciberdefesa

A presente secção apresenta um conjunto de estudos e projetos de IDI direcionadas para as áreas da cibersegurança e ciberdefesa. Estas iniciativas contaram com o apoio financeiro da EDA, do Programa Europeu de Desen­volvimento da Indústria de Defesa (EDIDP) e do Fundo Europeu de Defesa (EDF). O detalhe dos estudos e projetos é apresentado, em cada caso, nas secções seguintes.

 

5.1. Estudo Cybersecurity in the Defence Supply Chain

O estudo Cybersecurity in the Defence Supply Chain visou avaliar o estado da cibersegurança das cadeias de abastecimento de produtos eletrónicos na Defesa, abordando a natureza complexa e multifacetada da produção e integração de componentes e equipamentos nas redes e sistemas de informação da Defesa. Este estudo foi solicitado pela EDA através do Operational Budget (OB) com referência Lot.1, SC 01 – 19.CAP.OP.30225. O estudo foi desenvolvido pelo consórcio identificado na figura 15, entre dezembro de 2020 e novembro de 2022.

Figura 15 – Consórcio de desenvolvimeto dos três estudos do Lot.1 – 19.CAP.OP.302.

 

A dependência crescente das missões e operações militares dos sistemas e tecnologias de informação requer garantias relativamente à cibersegurança, especialmente nas aplicações de defesa que priorizam a gestão do risco. O estudo abordou questões relacionadas com a cadeia de abastecimento, nomeadamente: a fraca responsabilização dos fabricantes; a heteroge­neidade das capacidades de teste nos EM da UE; as limitações dos esfor­ços atuais de teste e a dependência de componentes de hardware e soft­ware produzidos fora da UE.

Figura 16 – Quadro de conceitos do estudo Cybersecurity in the Defence Supply Chain.

Fonte: estudo Cybersecurity in the Defence Supply Chain

 

Para mitigar estes riscos, o projeto realizou um estudo exaustivo e de­senvolveu uma aplicação protótipo de acordo com quadro de conceitos da figura 16. O estudo foi estruturado em três pacotes de trabalho. O primeiro pacote envolveu a concetualização da análise de cibersegurança nas cadeias de abastecimento da defesa, culminando num quadro concetual apresentado num relatório com conceitos e melhores práticas. O segundo pacote focou o desenvolvimento de uma abordagem de gestão do risco da cadeia de abaste­cimento, fornecendo diretrizes teóricas e práticas. O terceiro pacote de trabalho integrou os produtos dos primeiros pacotes para criar um protótipo de dashboard interativo de gestão do risco, na forma de aplicação para a Web. Este painel de controlo permite aos decisores introduzirem parâmetros de modelação da situação em análise, resultando índices de risco que demonstram a aplicação prática da abordagem proposta.

O estudo visou identificar vulnerabilidades potenciais e boas práticas empregues nas cadeias de abastecimento da Defesa, procurando melhorar a resiliência, autonomia, segurança e colaboração entre parceiros. Os resultados do estudo permitem robustecer a cibersegurança dos sistemas da Defesa dos EM da UE, podendo servir de base para definir políticas, estratégias, capacidades tecnológicas e parcerias no espaço da UE e dos respetivos parceiros tecnológicos.

 

5.2. Estudo Cyber Defence and Electromagnetic Warfare convergence

A guerra eletromagnética (EMW) é uma parte integrante das operações militares desde o início do século XX. As tecnologias do cibe­respaço, mais recentes, ganharam preponderância e omnipresença nas últimas duas décadas. Em particular, os países anglo-saxónicos têm desenvolvido conceitos e doutrina no sentido de concretizar a convergência entre a EMW e as Operações no Ciberespaço que são interdependentes e sinérgicos, cunhando o termo CEMA – Cyber Defence and Electromagnetic Activities.

O estudo “Cyber Defence and Electromagnetic Warfare conver­gence” visou avaliar o estado e as perspetivas dos EM da UE, institucionais, do SCT e BTID, relativamente à convergência das CEMA. Este trabalho tratou­-sede um OB Study, com referência Lot.1, SC 02 – 19.CAP.OP.302, tendo sido desenvolvido pelo consórcio identificado na figura 15. Este estudo focou a criação e análise das capacidades e das principais partes interessadas, ana­lisando a literatura fundamental e a IDI sobre o CEMA nos EM da UE e países anglo-saxónicos. Foi realizado um workshop de consulta e validação com as partes interessadas. O estudo decorreu entre dezembro de 2020 e novembro de 2022.

As operações no ciberespaço e espetro eletromagnético (EME) requerem tecnologias ofensivas/defensivas complexas e podem visar alvos remuneratórios nestes domínios, como os sistemas de informação de suporte ao comando e controlo. Adicionalmente, as operações no ciberespaço dependem da liberda­de de manobra no EME, crucial para a conetividade das redes digitais a longa distância. Assim, as manobras ofensivas podem beneficiar da convergência das capacidades da CEMA, enquanto as manobras defensivas devem considerar fatores como vulnerabilidades dos respetivos sistemas e a capaci­dade de resistência/resiliência às operações ofensivas da convergência CEMA.

Figura 17 – Quadro de conceitos desenvolvido no âmbito do estudo CEMA para a EDA.

Fonte: estudo CEMA

 

As conclusões do estudo apontam para que esta convergência exige ajus­tamentos na doutrina, na formação e nas estruturas organizacionais dos EM da UE para obter vantagens operacionais no campo de batalha. O ambiente eletromagnético é disputado e contestado por atores que pretendem obter superioridade no campo de batalha utilizando atividades cibernéticas e eletromagnéticas combinadas. No entanto, a validade dos conceitos e emprego da CEMA continua a ser objeto de análise. A figura 17 apresenta um quadro de conceitos que sintetiza e densifica a convergência CEMA.

O estudo CEMA contribuiu para direcionar a IDI e os desenvol­vimentos tecnológicos futuros da BTID e SCT europeus, conduzindo a uma forte convergência das capacidades para satisfazer os requisitos operacionais existentes e emergentes na UE.

 

5.3. Estudo AI in cybersecurity

A ubiquidade e caráter intrusivo dos sistemas baseados em IA é uma realidade também nas áreas da Defesa. Tal constatação é reconhecida no CDP da EDA, o qual priorizou a IA26 como uma capacidade estratégica potenciadora de outras capacidades e de suporte transversal aos vários domínios operacionais. A integração, informada e consciente, destes sistemas na De­fesa na UE assume um caráter de prioridade, alinhada com conceitos fundamentais para a Segurança e Defesa dos EM da UE, e com poten­ciais impactos para as questões de soberania ou autonomia estratégica.

O estudo AI in cybersecurity, com referência Lot.1, SC03 – 19.CAP.OP.302, tratou-se de um OB Study da EDA e foi desenvolvido pelo consórcio identificado na figura 15. O estudo decorreu entre dezembro de 2020 e novembro de 2022 enquadrado pelo projeto EDA Cyber Ranges Federation. O âmbito do estudo focou a utilização das capacidades disponibilizadas pela IA em exercícios de ciberdefesa a desenvolver em Cyber Ranges (CR), um tópico avançado que é aplicado em contextos comerciais e militares para aumentar o realismo e a eficácia da formação e treino nas áreas de ciber­segurança e ciberdefesa para o pessoal militar e civil que serve nas FFAA. O estudo identificou três casos de uso das capacidades de IA na Defesa.

A utilização das capacidades da IA no apoio à decisão pela seleção de modalidades de ação ótimas/subótimas elencadas a partir de um espaço de possibilidades para atingir objetivos específicos, incluindo a aplicação de estratégias, a aprendizagem baseada em dados e a adaptação à mudança.

A geração de cenários com base em IA pela criação de interações dinâmicas durante o exercício, como tráfego de rede ou registos de máquinas.

A disponibilização de agentes autónomos com funções defensivas (Blue Team) ou ofensivas (Red Team) baseados em IA para cenário, complementando os participantes humanos e aumentando o realismo dos exercícios.

Embora os dois primeiros casos de uso sejam relativamente comuns, o terceiro oferece um elevado potencial de desenvolvimento e progressão.

Os produtos do estudo AI in cybersecurity visaram apoiar os comandantes militares e os decisores civis visando a identificação de ferramentas (exis­tentes no mercado ou lacunas), a definição de requisitos para exercícios com CR e recomendações para (potenciais) novos projetos na EDA.

 

5.4. Projeto CD TEXP

O projeto CD TEXP – Cyber Defence Training and EXercises Platform, com referência EDA 18.CAT.NPI.033, visou desenvolver uma plataforma de Learning Management System (LMS) para apoiar e coordenar a formação e treino nas áreas da ciberdefesa para os EM da UE disponibilizando as funcionalidades representadas na figura 18. O CD TEXP suporta também ligações externas com CR para disponibilizar exercícios técnicos na plataforma e com plataformas de TableTop eXercises (TTX). Os TTX permitem integrar exercícios de simulação baseados na resposta a incidentes no ciberespaço. Estes exercícios destinam-se ao de­senvolvimento de capacidades de tomada de decisão, especialmente no nível estratégico, podendo também ser direcionados aos restantes níveis. Para além de avaliar a capacidade de resposta e a continuidade de negócio das organizações, os TTX permitem também aferir a conformidade dos processos organizacionais com normas e boas práticas, identificar poten­ciais vulnerabilidades nos processos internos, e aferir a gestão do risco or­ganizacional mediante cenários simulados em ambiente controlado.

Figura 18 – Funcionalidades da plataforma CD TEXP.

Fonte: projeto CD TEXP

 

A plataforma CD TEXP disponibiliza um ambiente de aprendizagem efi­ciente, estável, escalável e com funções avançadas de formação e aprendiza­gem. O projeto permitiu o apoio da EDA ao projeto CAT B EDA Cyber Ranges Federation (CRF) e ao projeto PESCO EU Cyber Academia and Inno­vation Hub (CAIH). O projeto permitiu também reforçar a cooperação em matéria de requisitos harmonizados, a promoção da investigação e das inovações tecnológicas no domínio da ciberdefesa e a assistência coletiva a países terceiros no desenvolvimento das suas capacidades para gerar resiliência no domínio da ciberdefesa. O fornecimento dos conteúdos e/ou exercícios específicos a disponibilizar no CD TEXP estava fora do âmbito do projeto. No entanto, a plataforma disponibiliza ferramentas para desen­volver e distribuir estes conteúdos em formatos padrão, e.g., SCORM.

Figura 19 – Consórcio de desenvolvimento da plataforma CD TEXP.

 

O projeto foi desenvolvido pelo consórcio identificado na figura 19. A EDA entregou a plataforma CD TEXP à DGRDN/MDN em maio de 202227. O CD TEXP será empregue para facilitar a colaboração e disponibilização de conteúdos de formação e treino nas áreas da cibersegurança e ciberde­fesa no âmbito do projeto PESCO EU CAIH28, liderado por Portugal.

 

5.5. Projeto PANDORA

O projeto PANDORA – Cyber Defence Platform for Real-time Threat Hun­ting, Incident Response and Information Sharing 29, foi cofinanciado pela UE, através do EDIDP, um dos programas que precedeu o EDF, com referência EDIDP-CSAMN-SSS-2019-006-PANDORA. O projeto iniciou em 1 de dezembro de 2020 e teve uma duração de 24 meses. O projeto foi desenvolvido pelo consórcio representado na figura 20.

Figura 20 – Consórcio de desenvolvimento da plataforma PANDORA.

 

O PANDORA foi o primeiro projeto do EDIDP a encerrar com sucesso30, tendo atingido um nível de maturidade tecnológica (TRL) de 7 (protótipo demonstrado em ambiente operacional). Os produtos do PANDORA contribuíram para o projeto PESCO Cyber Threats and Incident Response Information Sharing Platform (CTISP), liderado pela Grécia.

A figura 21 apresenta uma perspetiva geral da arquitetura do sistema PANDORA. A plataforma disponibiliza funcionalidades com interesse para aplicações nas áreas da Defesa, em particular para o reforço da capacidade de ciber­defesa da UE no âmbito do projeto CTISP, tendo por base uma solução do tipo deteção e resposta de endpoint (EDR) desenvolvida, especificamente, com requisitos das FFAA dos EM da UE.

Para além de permitir a proteção dos dispositivos que integram os sistemas de informação das redes militares, através de uma solução EDR, o projeto PANDORA integra outras funcionalidades. Integra módulos de análise, dete­ção e classificação de ameaças baseados em IA. Permite aplicar políticas de cibersegurança em tempo real para combater as ameaças à medida que estas são identificadas. Esta resposta em tempo real é crítica no contexto militar, em que a velocidade e a eficácia dos controlos de resposta podem afetar significativamente o sucesso da missão e a integridade operacional.

Figura 21 – Arquitetura da plataforma PANDORA.

Fonte: projeto PANDORA

 

A plataforma incorpora também uma infraestrutura de partilha de infor­mações sobre ameaças entre grupos de confiança, nos âmbitos da UE e NATO, direcionado para as FFAA, entidades institucionais e indústria da especia­lidade, promovendo uma abordagem colaborativa para a ciberdefesa dos sistemas militares. Esta partilha de informação melhora o conhecimento situacional e permite coordenar respostas às ameaças no ciberespaço, re­forçando assim a segurança e resiliência coletivas dos parceiros.

A plataforma PANDORA foi testada com casos de utilização relevantes para a defesa, nomeadamente, a integração e avaliação da plataforma em cenários que emulam a aplicação de cibersegurança em ambientes de tecnologias de informação e operacionais (IT/OT) e a cibersegurança de redes de sensores militares (IOMT). O cenário IT/OT integrou duas redes: a intranet de uma organização e um sistema de controlo e aquisição de dados SCADA que emula os sistemas de controlo e automação de um navio de guerra. O cená­rio de IOMT visou a integração de sensores em rede com um sistema de comando e controlo. Estes casos de estudo de IT/OT e IOMT demonstraram a aplicabilidade prática e eficácia do PANDORA em cenários reais, garantin­do que a solução desenvolvida é teoricamente sólida e operacionalmente viável, fornecendo uma ferramenta fiável que permite reforçar a resiliência de sistemas militares críticos.

 

5.6. Projeto ACTING

O projeto ACTING – Advanced European platform and network of cyber­security training and exercises centres31, pretende reforçar as capacidades de ciberdefesa dos EM da UE pelo desenvolvimento de uma plataforma destinada a federar uma rede de CR disponibilizados por fornecedores institucionais (e.g., estabelecimentos do SCT ou FFAA da UE) ou privados (indústria da especialidade). O projeto é desenvolvido pelo consórcio representado na figura 22, sendo cofinanciado pela UE no âmbito do EDF, com referência 101103208 – ACTING – EDF-2021-CYBER32. O projeto iniciou em dezembro de 2022 e tem uma duração de 48 meses.

O ACTING visa desenvolver a plataforma que permitirá federar uma rede de CR com o objetivo de disponibilizar serviços de exercícios de ciber­segurança e ciberdefesa para as FFAA da UE. As funcionalidades em desen­volvimento permitirão incorporar métodos e técnicas sofisticados de simu­lação de utilizadores (Blue Team/Red Team) baseados em IA, análise automática do desempenho dos utilizadores e dos CR federados na platafor­ma, disponibilização das métricas e índices de desempenho, e avaliação do contexto situacional do exercício. O consórcio do ACTING está também a criar uma linguagem de fonte aberta para desenvolver cenários (SDL) que permite a exportação/importação entre CR de fornecedores distintos.

Figura 22 – Consórcio de desenvolvimento do projeto ACTING.

 

A existência de uma SDL abrangente e, eventualmente, adotada de forma massiva pelos fornecedores de serviços de CR na UE é essencial para normalizar o desenvolvimento e execução dos exercícios de cibersegurança e ciberdefesa, garantindo uma coerência entre os diferentes fornecedores.

O projeto ACTING permitirá coordenar vários fornecedores de serviços de CR, o que constitui uma caraterística basilar para as estratégias de ciber­defesa, estruturadas e unificadas das FFAA da UE. Ao promover esta coordenação, o projeto promove a cooperação entre utilizadores, melhoran­do a prontidão geral das FFAA.

A disponibilização de ferramentas automáticas para simular utilizadores e analisar o desempenho contribui para a gestão dos exercícios, permitindo identificar lacunas nas capacidades e competências dos participantes/equipas. Tal informação é crítica para identificar estratégias e necessidades de formação e treino para os participantes e para as organizações.

O projeto ACTING poderá reforçar as capacidades de cibersegurança/ ciberdefesa da UE, disponibilizando uma infraestrutura para formação avançada e exercícios, permitindo a colaboração eficaz baseada no desenvolvimento de tecnologias de ponta. A figura 23 sintetiza o conceito, aplicações potenciais, pacotes de trabalho e partes interessadas do projeto.

Figura 23 – Conceito do projeto ACTING.

Fonte: projeto ACTING

 

6. Discussão

Os estudos e projetos apresentados nas Secções anteriores são concre­tizações das iniciativas do autor nas respetivas áreas de competências e interesses, que resultam de trabalho cooperativo desenvolvido em consór­cios alargados, em tópicos ligados às áreas da defesa ou de duplo uso.

Os consórcios de sete projetos são constituídos por entidades nacionais; os consórcios de três estudos e sete projetos são constituídos por entidades internacionais. No total, estes dezassete consórcios envolvem mais de cem entidades dos EM da UE, Reino Unido e Suíça.

O financiamento destes estudos e projetos inclui fontes nacionais (Exército, DGRDN e programa P2020) e fontes internacionais (CAT B da EDA, OB Study da EDA, EDIDP, Horizon e EDF). Os produtos e a propriedade industrial dos projetos concluídos tramitaram para as enti­dades financiadoras ou para entidades designadas por esta.

O projeto PolyShell é autofinanciado com verbas próprias/saldos de outros projetos. Deste modo, o projeto retém a propriedade industrial para o consórcio de desenvolvimento e para os autores dos produtos.

Os produtos de três projetos (CD TEXP, PANDORA e ACTING) concorrem para os projetos PESCO CTISP, PESCO EU CAIH e CAT B EDA CRF.

As iniciativas apresentadas nas secções anteriores pretendem demonstrar que é possível desenvolver IDI nas áreas da Defesa em Portugal, de forma continuada, sustentada, abrangendo tópicos distintos e consórcios alargados que mobilizam o SCT e a BTID na generalidade da UE. Para tal, é necessária uma rede, que deve ser constantemente acarinhada e alargada e requer empreendedorismo e contacto próximo. O autor reconhece os esforços das FFAA para desenvolverem e apoiarem atividades de IDI. No entanto, subscreve que a IDI “não acontece por decreto”, antes alicerça-se em ambientes e cultura organizacionais, que devem ser semeados e nutridos, para cres­cer e dar frutos. Como a IDI é impossível sem pessoas é, obviamente, es­sencial incentivar e reconhecer os atores do ecossistema, dando-lhe auto­nomia e depositando confiança. Assim, o autor identifica e reconhece outros atores nas FFAA que desenvolvem IDI igualmente relevante para a Defesa Nacional. As tecnologias e os produtos resultantes desta IDI podem reverter para o benefício das FFAA Portuguesas, desde que os decisores político-militares e as próprias FFAA se encontrem disponíveis para as integrar, em parcerias construtivas e com flexibilidade organizacional.

Naturalmente, as entidades que constituem as FFAA Portuguesas têm perspetivas próprias sobre as áreas tecnológicas e as capacidades que pre­tendem modernizar ou sustentar, eventualmente, recorrendo aos parceiros nacionais. Para tal, é necessário que as FFAA conheçam as capacidades ins­taladas na BTID e no SCT nacionais e, também, que estes conheçam os pla­nos para a edificação das capacidades e os investimentos programados para a Defesa Nacional, e.g., enquadrados na Lei de Programação Militar33.

O imperativo de apoiar o esforço de guerra ucraniano tem mobilizado parte dos recursos da Defesa na UE, particularmente sistemas de armas e munições, que os EM cedem para apoiar o esforço de guerra ucraniano. A reposição destes recursos nos EM e Aliados, bem como a continuidade do apoio ao esforço de guerra ucraniano, desafiam as respostas e exaurem as capacidades atuais da indústria de defesa europeia. Independentemente das leituras políticas, esta é uma oportunidade efetiva para a BTID portuguesa.

 

7. Conclusões

Eventualmente, o principal impacto da guerra na Ucrânia nas dinâmicas de oferta e procura é evidenciar as debilidades da Europa para ser autónoma na sua defesa, o que convoca as FFAA, a BTID e o SCT para que cooperem, ajustando e comunicando as expetativas, os planos, as capacidades e, se possível, redirecionarem disponibilidade produtiva para sustentarem uma economia de defesa europeia.

No âmbito nacional, compete aos decisores políticos definir e fazer implementar estratégias objetivas e eficazes que maximizem o potencial de desenvolvimento de uma economia de defesa, alicerçada na IDI nacional e na industriali­zação dos seus produtos em parcerias com benefício mútuo. Estas estratégias devem ser tangíveis, mensuráveis e alinhadas com as aspirações e interesses nacionais, para as quais são necessários quadros legislativo e regulamentar favoráveis à inovação. Compete às lideranças militares e às FFAA apoiar estes esforços. A concretização destes designios exige-nos a todos comprometimento, visão e disponibilidade para a adaptação.

Desde a Segunda Guerra Mundial, Portugal enquadrou a sua políti­ca externa em alianças e organizações que têm contribuído para a afirma­ção, estabilidade e desenvolvimento económico do País. Estas iniciativas resultaram na participação em organizações multilaterais, na integração europeia e na continuidade da ligação transatlântica. A participação na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) desde 1949, e na Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1955, permitiu projetar Portu­gal no contexto internacional, levando à consolidação dos pilares nacionais em matérias da política externa, segurança e defesa. A integração de Portugal na UE, desde a adesão às Comunidades Europeias em 1985 até a geometria atual, assegurou o acesso a fundos comunitários e ao mercado europeu, de que resultaram crescimento económico e desenvolvimento.

É legítimo assumir que a Ucrânia e as suas gentes sintam as mesmas expetativas e ansiedades que os portugueses nas últimas décadas. Há cerca de dois anos iniciei uma colaboração científica com pares ucranianos e gregos, em áreas ligadas à criptografia com aplicações na cibersegurança de sistemas de UAV. Recentemente, recebi em Lisboa um colega ucraniano sénior, pois para os jovens é quase impossível sair do país. Assisti, comovido, ao relato das condições de vida em Kiev. Com o colega ucraniano, pude testemunhar a dor de todo um povo para o qual, eventualmente, não perder mais já é ganhar.

 

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1 https://files.diariodarepublica.pt/2s/2016/08/165000000/2692826929.pdf

2 Calado, J. (2013). Projecto de um projéctil de calibre 155 mm para combate a incêndios. Orientadores Luís Reis e José Borges. Dissertação de Mestrado, Mestrado Integrado em En­genharia Mecânica Militar, Academia Militar e Instituto Superior Técnico, Lisboa

3 Fonte-Boa, R. (2014). Análise de balística externa de um projétil de calibre 155 mm. Orien­tadores José Pereira e José Borges. Dissertação de Mestrado, Mestrado Integrado em Enge­nharia Mecânica Militar, Academia Militar e Instituto Superior Técnico, Lisboa

4 Oliveira, M. (2019). Otimização de um projétil balístico em materiais poliméricos, para comba­te a incêndios. Orientadores Ricardo Simões e António brito. Dissertação de Mestrado, Mestrado em Engenharia de Polímeros, Escola de Engenharia da Universidade do Minho, Guimarães

5 Mesquita, A. (2015). Sistema de gestão de energia e ativação de uma espoleta eletrónica. Orientadores Pedro Santos e António Baptista. Dissertação de Mestrado, Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Militar, Academia Militar e Instituto Superior Técnico, Lisboa

6 Figueira, R. (2018). Programa de Tiro para o obus M114A1 155mm/23. Orientadores José Borges e Humberto Gouveia. Trabalho de Investigação Aplicada, Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Artilharia, Academia Militar, Lisboa

7 Correia, B. (2020). Programa de Cálculo da Balística Externa para o Obus M114A1 155mm/2. Orientadores José Borges e Humberto Gouveia. Trabalho de Investigação Aplicada, Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Artilharia, Academia Militar, Lisboa

8 Gouveia, H., Borges, J. (2024). The Impact of Numerical Shifts on the Field Artillery Firing Accuracy. In: Rocha, Á., Fajardo-Toro, C.H., Rodríguez, J.M.R. (eds) Developments and Advan­ces in Defense and Security. MICRADS 2023. Smart Innovation, Systems and Technologies, vol 380. Springer, Singapore.

9 https://arrowtechassociates.com/

10https://www.compete2020.gov.pt/destaques/detalhe/Proj17751-ALIRmcs

11Ferreira, J. (2015). Proteção Balística do Soldado de Infantaria. Orientadores José Borges. Trabalho de Investigação Aplicada, Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Infan­taria, Academia Militar, Lisboa

12Bernardino, A. (2018). Impactos balísticos em UAS. Orientadores José Borges e Jorge Ma­galhães. Trabalho de Investigação Aplicada, Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Infantaria, Academia Militar, Lisboa

13https://eda.europa.eu/news-and-events/news/2021/11/25/eda-s-munition-health-management­project-expands

14https://files.dre.pt/2s/2021/08/156000000/0004100042.pdf

15https://eda.europa.eu/docs/default-source/posters/16---eda-eudetcode-eda-european-detonation-code.pdf

16https://eda.europa.eu/what-we-do/EU-defence-initiatives/priority-setting

17https://academiamilitar.pt/cinamil-produzi-700-kits-epi.html

18https://www.defesa.gov.pt/pt/defesa/organizacao/forcasarmadas

19Coelho, A. (2021). O “Duplo Uso” – uma questão de terminologia. Revista Militar nº 2629/2630, pp. 131-146.

20https://files.diariodarepublica.pt/2s/2016/08/165000000/2692826929.pdf

21Ramos, H. (2016). Decision support system for emergency management. Orientadores José Borges e João Sousa. Dissertação de Mestrado, Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Militar, Academia Militar e Instituto Superior Técnico, Lisboa

22Simões Marques, M., Correia, A., Nunes, I.L. (2020). Design of Disaster Management Intelligent System – A Review of the Applied UCD Methods. In: Nunes, I. (eds) Advances in Human Factors and Systems Interaction. AHFE 2020. Advances in Intelligent Systems and Computing, vol 1207. Springer.

23https://overwatchproject.eu/

24https://cordis.europa.eu/project/id/101082320

25https://etendering.ted.europa.eu/cft/cft-display.html?cftId=5291

26https://eda.europa.eu/what-we-do/EU-defence-initiatives/priority-setting

27https://www.defesa.gov.pt/pt/pdefesa/ciberdefesa/projetos/cdtecp

28https://eda.europa.eu/news-and-events/news/2022/05/25/eda-developed-cyber-training-platform-handed-over-to-portugal

29https://www.pandora-edidp.eu/home

30https://defence-industry-space.ec.europa.eu/edidp-eu-funded-cyber-defence-platform-successfully-demonstrated-2022-12-08_en

31https://acting-project.eu/

32https://ec.europa.eu/info/funding-tenders/opportunities/portal/screen/opportunities/projects­details/44181033/101103208/EDF

33https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei-organica/1-2023-219991254

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2024-11-02
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REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia