Realizou-se no passado dia 28 de fevereiro de 2024, nas instalações da Revista Militar, em Lisboa, o 1.º workshop da Revista Militar 2024, dedicado ao relevante tema “O Conflito da Rússia-Ucrânia. Impactos para a Defesa Nacional em Portugal”, e que contou com a presença de prestigiados oradores convidados das Instituições da Defesa Nacional e dos três ramos das Forças Armadas. O evento foi organizado em torno de dois painéis temáticos, dedicados, respetivamente, no 1.º painel, à “Economia de Defesa e Inovação Tecnológica” e, no 2.º painel, aos “Desafios Tecnológicos e da Inovação. Reflexos nos Sistemas de Armas e suas implicações para a Lei de Programação Militar”, em Portugal.
O workshop iniciou-se com palavras de boas-vindas por parte do Presidente da Direção da Revista Militar, General José Luíz Pinto Ramalho, que, em seguida, contextualizando a agenda do evento, apresentou, brevemente, uma análise geopolítica do contexto internacional e nacional de segurança, salientando a premência de se analisar a evolução do principal conflito que temos na Europa, desde 24 de fevereiro de 2022, e identificar quais os possíveis impactos para as Forças Armadas e para a Defesa Nacional em Portugal.
Neste âmbito, destacou que, no contexto dos recentes desenvolvimentos do conflito no teatro de operações da Ucrânia, assiste-se a uma “revolução” na forma de fazer a guerra, mais ao nível do desenvolvimento tecnológico dos sistemas de armas do que ao nível do emprego tático e operacional de forças. Destacando-se o uso massivo de drones, a relevância do poder aéreo, o uso de armas com recurso à inteligência artificial, emprego de artilharia guiada de longo alcance e elevada precisão, e ainda a aplicação de vetores em profundidade, que têm sido desequilibradores ao nível tático-operacional. Neste contexto, salientou ainda que os Estados são cada vez mais confrontados com a necessidade de acelerarem a revolução tecnológica das suas Forças Armadas, apostando na Economia de Defesa e no reforço das capacidades militares como condição de resiliência dos Estados… onde Portugal não deverá ser exceção.
Face à evolução tecnológica crescente, a capacidade das Forças Armadas se adaptarem e ganharem vantagem estratégica neste domínio é tida como um fator decisivo no campo de batalha. Neste inovador paradigma, o acesso à informação continua a ser fulcral no apoio à decisão e o acesso a dados em tempo real tornou-se fator de vantagem tática, pois as operações aos baixos escalões dependem de informação que provém, muitas vezes, de empresas civis ou civis-militares que têm, neste contexto, um papel relevante. É o caso da empresa “PALANTIR”1 que emergiu no âmbito da CIA e faz análise de dados e fornecimento de informação estratégica crítica a vários países da Aliança, sendo empregue também na Ucrânia, dando corpo a uma política de cooperação internacional e partilha de dados em tempo real, fundamental no contexto da transformação digital em curso, envolvendo o uso de tecnologia civil e transversal à sociedade no apoio às operações militares correntes no nível tático-operacional.
Na guerra, a Ucrânia tem garantido o funcionamento dos serviços centrais do Estado no apoio à sua população e na vertente da política externa na ligação aos “aliados”, permitindo um fluxo contínuo de comunicações por satélite, muito por via do incondicional e fundamental apoio da empresa STALINK2, de Elon Musk, praticamente desde o início do conflito, e ainda da GEOSAT3, empresa portuguesa que fornece imagens de satélite para apoio às operações militares, entre muitas outras empresas internacionais envolvidas neste tipo de parcerias estratégicas.
Esta simbiose entre o civil-militar, entre Empresas-Estado e entre o que é tecnologia civil e militar, de duplo uso, tem caracterizado este conflito como um laboratório tecnológico e um centro de estudos e experimentação operacional sobre o que será a nova forma de fazer a guerra e a nova forma do emprego da tecnologia informacional e de gestão de dados e conhecimento ao serviço da decisão político-estratégica e da capacidade de planeamento, condução e coordenação das operações militares ao nível operacional.
As Indústrias de Defesa associadas aos Estados são desafiadas pelas grandes empresas multinacionais a apostarem no desenvolvimento de tecnologias disruptivas emergentes, assente na emergência do “novo” espaço, na cibersegurança e ciberdefesa, no uso de inteligência artificial para gerar informação (e contrainformação)… muito em uso atualmente pelo governo da Federação Russa, e com visível impacto no conflito Ucrânia-Rússia.
Ao nível operacional, o emprego de tecnologias de baixo custo e de fácil uso têm tido adesão de empresas e consórcios civis e militares, gerando informação de nível tático e congregando dados numa macro plataforma de situation awareness que é gerido pelas entidades militares ucranianas e que tem permitido, com relativo êxito, conduzir operações militares aos baixos escalões, empregando drones como meio indireto de alcançar tropas entrincheiradas ou viaturas em movimento, tornando mais fácil, de baixo custo e com maior grau de eficácia e eficiência operacional.
O uso de drones neste conflito é mesmo, unanimemente, reconhecido pelos oradores, como a “arma” principal que tem tido mais relevo ao nível tático-operacional e que tem alterado a forma de planear e conduzir as operações militares, e que está presente no emprego de fogos diretos e indiretos e com influência na manobra operacional.
O uso de tecnologias disruptivas, nomeadamente por via da inteligência artificial na guerra cognitiva, gerando perceções coletivas e no acesso aos dados e ao conhecimento, tem alterado também o padrão das operações militares, e veio transformar o paradigma do envolvimento do Estado no apoio às suas Forças Armadas e consequentemente na necessidade de atualização das capacidades que acompanham a evolução tecnológica dos sistemas de armas, dos sistemas de informação e nos mecanismos de apoio à decisão.
Neste contexto, como exemplo, sabemos que o sistema de comunicações de crise – SIRESP –, em Portugal, é apresentado como um sistema resiliente e mais acessível, interoperável e que pode operar, no limiar da transformação tecnológica, num mundo disruptivo em mudança, onde o acesso ao 5G e futuramente ao 6G, irá colocar maiores desafios ao Estado e às nossas Indústrias de Defesa e Centros de Investigação e Desenvolvimento.
A guerra da Rússia-Ucrânia veio ensinar-nos e “obrigar” os Estados e as Empresas a apostarem na inovação tecnológica, na criação de sistemas de gestão de informação resilientes, pois o comando e controlo, o acesso à infor-
mação estratégica em tempo real, e a capacidade de atuar em profundidade tornou-se essencial em contextos de guerra ou de crise.
Em suma, parece ser unânime, até pelo debate gerado no período pós-apresentações, que a guerra da Federação Russa com a Ucrânia veio elevar a relevância estratégica da segurança como fator de desenvolvimento e com impacto na segurança coletiva e cooperativa onde todos dependemos de todos, mas onde todos temos de contribuir com mais e melhores Forças Armadas e capacidades militares, onde as Indústrias de Defesa contribuem para o reforço da prioridade que o Estado deve dedicar à Defesa Nacional e à capacitação das Forças Armadas como fator de resiliência nacional.
Este painel vem na sequência do primeiro painel e procura, tendo em vista as inovações tecnológicas e os múltiplos desafios que se colocam para a Indústria de Defesa Nacional e em concreto para as Forças Armadas, resultante da guerra entre a Federação Russa e a Ucrânia, procurar identificar potenciais implicações para os sistemas de armas e capacidades militares. Alterações que tenham ou possam vir a ter, direta implicação na Lei de Programação Militar4 em curso, pois que esta, no que refere ao seu objeto, salienta que “…a presente lei tem por objeto a programação do investimento público das Forças Armadas em matéria de armamento e equipamento, com vista à modernização, operacionalização e sustentação do sistema de forças, contribuindo para a edificação das suas capacidades, designadamente as que constam do anexo à presente lei, da qual faz parte integrante…”.
No sentido de se conseguir uma análise por sistemas de armas e contemplando visões distintas dos Ramos nas operações conjuntas em ambiente complexo, foi analisado o impacto das lições já identificadas no conflito na Ucrânia e aprofundado não só como serão as novas tipologias de armas, as inovadoras técnicas e a arte operacional, mas principalmente analisar que capacidades são primordiais em cada sistema de armas e de forças, e identificar possíveis ajustamentos e alternâncias à Lei de Programação Militar vigente. Pois que “…a presente lei visa ainda, respeitando as regras aplicáveis à contratação nos domínios da defesa e da segurança, potenciar o investimento na economia nacional, através das indústrias da defesa, do apoio à inovação e ao desenvolvimento, e da criação de emprego qualificado, constituindo-se como uma alavanca para o desenvolvimento da Base Tecnológica e Industrial de Defesa…”.
Neste contexto, a designada “Força Terrestre” no Exército Português assume as características de uma força flexível, adaptável, assente no soldado e atuando em armas combinadas que na sua transformação apostam em forças médias, complementadas ainda com forças ligeiras e de operações especiais, integrando meios de apoios proporcionais e capacidade de comando e controlo, estando grandemente assente nas tecnologias disruptivas e na Inteligência Artificial. Aspetos que configuram o desafio de estarmos ao nível das demais Forças Armadas da Aliança que irão operar em conflitos no futuro como condição necessária e obrigatória para a nossa segurança.
O emprego de sistemas autónomos e remotos no Exército é uma realidade transversal ao emprego operacional, em que o apoio civil e humanitário de emergência pode ser visto também como um fator de integração nos sistemas de gestão de crise, e pode vir a estar integrado em forças de apoio humanitário de emergência. Esta complexidade envolveu a criação de vários órgãos dedicados que foram operacionalizados para desenvolver, estudar, testar e validar as inovações tecnológicas nacionais, como contributo para o desenvolvimento de novos sistemas de modulação e simulação em apoio da eficácia operacional e da resiliência do Exército Português.
Pretende-se, assim, responder melhor aos compromissos internacionais assumidos por Portugal, e que constam no desenho estratégico integrado do Exército na atual Lei de Programação Militar 2022-34 que assenta em três áreas chave para o seu desenvolvimento estratégico-operacional.
No Exército Português, considerado um sistema de sistemas, aposta-se numa plataforma que assenta no soldado, mas que se complementa em torno de capacidades na designada “Força da Próxima Geração”. A constituição desta força será financiada pela Lei de Programação Militar que tem atribuído 1.236 milhões de euros para doze anos (três quadriénios), o que corresponde somente a cerca de 44% das necessidades levantadas pelo ramo. Como “novidade”, refere-se que, no primeiro quadrimestre, devem ser obtidos 180 milhões de euros de receitas próprias, nomeadamente através da venda de imóveis afetos ao Exército, o que pode ser um potencial constrangimento ao levantamento desta força e do “novo” Exército.
Por outro lado, o Poder Aéreo é, no contexto da guerra Rússia-Ucrânia, aquele que tem sido mais exigente em termos de emprego operacional, sendo, contudo, uma relativa surpresa o facto da Força Aérea Russa não conseguir ter superioridade aérea no teatro de operações e os sistemas de defesa aérea da Ucrânia conseguirem superar e neutralizar os ataques da Rússia. É pois conhecido que a Rússia não tem armamento de precisão nem uma doutrina atualizada em razão dos avanços tecnológicos, e que o nível de treino dos pilotos é inferior ao que é exigido nos nossos padrões nacionais e na NATO.
Esta é uma guerra atípica onde o poder aéreo é praticamente inútil e sem ligação com a componente terrestre, sendo que o insucesso da Ucrânia é divido principalmente à incapacidade de bater alvos em profundidade… e, neste contexto, os prometidos F-16 serão um reforço da sua capacidade aérea. Os 100 a 120 aviões que serão "doados" por alguns países da Aliança (Portugal não fornece aeronaves, mas participa na formação de pessoal especializado para operar e manter os aviões) poderão fazer a diferença no campo de batalha, no futuro.
Sabemos que a tecnologia é um multiplicador de forças e as guerras do futuro estarão na base assentes na guerra convencional, tal como estamos a constatar no conflito da Rússia-Ucrânia, embora existam mais dois domínios operacionais inovadores, como são o espaço e o ciberespaço, que importam relevar e integrar no ambiente operacional.
Neste contexto, o futuro da Força Aérea passa por apostar nos drones e no espaço, sabendo-se que a superioridade aérea será sempre um requisito operacional e esta só se consegue com meios aéreos de última geração. Assim, parece ser comummente aceite que Portugal deve apostar no reforço tecnológico da sua Força Aérea e apostar na inovação e capacitação tecnológica dos seus sistemas de navegação, comunicação e de combate e não ficarmos numa segunda linha de modernização e numa segunda linha de emprego operacional no quadro das operações aéreas no seio da NATO.
Também a Marinha Portuguesa enfrenta desafios atuais de modernização, igualmente tendo em linha de conta as lições identificadas na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, bem como outros conflitos regionais em outras partes do mundo, principalmente onde os meios navais têm outra preponderância e são a vetor decisivo. Sabemos que a evolução tecnológica exponencial do armamento está a impactar o nível tático e operacional, sendo que muitos desafios se colocam ao processo transformacional com vista a conseguir responder, mais e melhor, às múltiplas ameaças híbridas que dominam o espaço marítimo de superfície e subsuperfície.
Neste contexto, a proteção do mar é uma das responsabilidades da Marinha Portuguesa, e implica, no quadro das suas missões de soberania, o patrulhamento constante da nossa ZEE. A Marinha Portuguesa teve como missão, em 2023, acompanhar e fiscalizar 46 navios suspeitos que cruzaram as nossas águas, sendo 31 de natureza combatente, essencialmente meios navais russos, representando uma ameaça constante para Portugal e para a Aliança, e que importa acautelar no futuro. Aspeto que terá tendência para crescer e que só teremos capacidade de exercer soberania no mar com uma Marinha de Guerra mais e melhor preparada para esta nova realidade operacional que recoloca o Oceano Atlântico como espaço de interesse estratégico global.
Neste contexto, importa disponibilizarmos capacidades para combatermos as novas ameaças híbridas que nos colocam, diariamente, à prova, sendo que é fundamental produzirmos efeitos utilizando o espectro cibernético, espacial e focados no futuro; sendo que a automatização de sensores, a análise de dados e a aplicação de Big data, o uso de sensores, a robotização da guerra e a inteligência artificial, colocam-nos o enorme desafio de acompanharmos estas mudanças e mantermos o esforço de adquirir novas capacidades na luta antissubmarina e meios navais que permitam o apoio à política externa e na segurança dos espaços marítimos de responsabilidade e interesse nacional.
O projeto de mudança em curso na Marinha Portuguesa assenta num alinhamento cooperativo no quadro das alianças de que Portugal faz parte, mas está primariamente focado no capital humano, mantendo e recrutando, para poder atuar em múltiplas tarefas operacionais, mas complementarmente modernizar e renovar a esquadra, inovar na tecnologia e nos processos, e ainda operar de forma holística, distribuída e simbiótica em prol da segurança marítima nacional.
Uma Marinha Portuguesa renovada para 2030 implica criar inovadores modelos de plataformas navais de superfície que sejam logisticamente sustentáveis e multimodais, sendo exemplo a plataforma multi-propósito, designada de NRP D. João II, que poderá revolucionar as operações navais no futuro, tendo simultaneamente capacidades anfíbias, drones e helicópteros, podendo atuar em guerras de alta intensidade e em missões de vigilância nas nossas águas territoriais.
Outros meios navais estão em aquisição e contribuirão para a modernização na Marinha Portuguesa, prevendo-se que esteja concluído o processo operacional em 2028, o que implicará dotar os navios da tecnologias mais modernas, pois que estes programas de modernização devem ser vistos como um investimento na Marinha e no país, abrindo espaço para que a indústria naval portuguesa possa também ser alavancada e constituir-se como um contributo sólido e sustentado para a economia nacional. Em suma, é um paradigma novo moldado por uma revolução tecnológica que foi acelerada pelas lições navais identificadas no conflito da Rússia-Ucrânia e que importa analisar, compreender e integrar como instrumento de valorização das Forças Armadas e em concreto da Marinha Portuguesa.
Em conclusão, releva-se que é comummente aceite pelos oradores neste 1.º workshop da Revista Militar 2024, que o Estado deve definir uma maior prioridade para a Defesa Nacional e para as suas Forças Armadas, investindo na sua evolução tecnológica, na maior capacitação e operacionalização dos seus sistemas.
Neste processo dinâmico e contínuo, as Indústrias de Defesa Nacional podem desempenhar um papel relevante no processo de capacitação de umas “novas” Forças Armadas, que se pretendem mais resilientes para fazer face a um novo paradigma de conflitualidade onde as operações conjuntas e combinadas, e nomeadamente a criação de novas valências tecnológicas nas Forças Armadas para permitir a sua operação em ambientes complexos, são uma realidade exigível.
Esta mudança implica uma cooperação estratégica no desenvolvimento de novas capacidades e necessariamente uma maior aposta na indústria nacional e nas Forças Armadas, pois estas continuam a ser o garante da nossa liberdade, independência, e consistentemente com a visão política de que Portugal é uma nação que aposta na segurança europeia e global como fator de desenvolvimento nacional.
Direção da Revista Militar
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3 https://www.geosat.space/pt/
4 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei-organica/1-2023-219991254