Nº 2673 - Outubro de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Durante a elaboração desta edição da Revista Militar, a opinião pública foi confrontada com um incidente, apelidado de novela por um dos intervenientes, verificado no aeroporto militar de Figo Maduro, mal esclarecido, deficientemente divulgado e não assumido pelos participantes. Foi dado a conhecer pela Comunicação Social, publicitando esta, também, que o Senhor Primeiro-ministro tinha referido, a propósito, que a definição do posicionamento político das Forças Armadas perante o Poder Político, tinha ficado perfeitamente clarificado com a Revisão Constitucional de 1982.

Paralelamente, insinuou-se que a divulgação da notícia tinha partido das Forças Armadas e ficava a pairar, no indefinido, o que levaria estas, e sob que interesse oculto das mesmas a não deixar “morrer” o assunto, alimentando, de certo modo a polémica sobre o referido incidente, tecendo sobre este ponto diversas teorias especulativas, porque não dizê-lo, algo conspiratórias.

Sobre a primeira observação, importa referir que a posição das Forças Armadas sobre a sua inserção na estrutura do Estado estava, naquela data de 1982, perfeitamente assumida, face à extinção do Conselho da Revolução que se antecipava, perante a revisão constitucional e relativamente à qual a Instituição Militar evidenciou um total alheamento dos trabalhos parlamentares.

Sobre esta matéria, convém ler o livro editado pelo Instituto da Defesa Nacional, Edição Cosmos, Lisboa 2000, de autoria de Carlos Blanco de Morais, António de Araújo e Alexandra Leitão, com coordenação de Jorge Miranda e Carlos Blanco de Morais. Os autores referem e passo a citar: “não deixa de ser a este propósito [estudo do regime jurídico da defesa e das forças armadas], significativo, que os comentários pontuais e artigos episódicos que têm aflorado o domínio em análise se projectem dentro de uma linha garantística, a qual exibe como ordem de preocupações, os fundamentos da subordinação do poder militar ao poder político, as limitações que o Direito da defesa determina aos direitos fundamentais dos cidadãos bem como a onerosidade dos deveres que a estes últimos são impostos” e, mais à frente, “Como exemplos confirmativos desta mesma asserção podemos mencionar a problemática da limitação do âmbito material das competências dos tribunais militares e a ulterior extinção destes últimos em tempo de paz; a compressão da autonomia decisória dos CEMs; a redução de efectivos e dos encargos financeiros com o pessoal das Forças Armadas: a desconstitucionalização do serviço militar obrigatório; e a flexibilização das restrições aos direitos dos militares”.

A realidade recente demonstra que, ao longo dos últimos vinte anos, em particular durante o período da “troika” e através da Reforma 20-20, as situações mencionadas pelos autores se agravaram, quer no que toca aos constrangimentos impostos pelo Ministério das Finanças à acção de comando e de gestão dos Ramos, pelos respectivos CEM, quer relativamente a um claro desinvestimento nas Forças Armadas, com evidentes reflexos no reequipamento e na modernização e conservação das infraestruturas e a uma crise de falta de recursos humanos, que configurou uma situação de verdadeira emergência institucional, capaz de pôr em causa o cumprimento das Missões Constitucionais.

Desde a data da publicação da obra, relativamente à reflexão dos autores, quanto a “uma crónica deficiência da política de mobilização social da defesa nacional”, verifica-se que esse deficit motivador se agravou e parece propagar-se a outros centros de pensamento e de decisão, inclusive político, com visões enviesadas do significado do conceito jurídico de “subordinação”. A prática tem permitido confirmar a perceção de um entendimento político mais amplo, claramente contrário e excessivo quanto ao espírito jurídico daquele conceito, perceção essa que choca com a visão, que é perfeitamente clara e diferente a nível militar, sobre esta matéria, designadamente quanto aos seus limites, quer políticos quer deontológicos, quer também sociais, particularmente naquilo que é inaceitável em termos institucionais.

Quanto à insinuação referida pela Comunicação Social, nada de escondido existe, nas reações do ambiente militar, verificadas sobre o tema. Essa reação apenas se fundamenta no que atrás foi referido e no facto de as Forças Armadas apenas esperarem respeito, serem tratadas com consideração e igualmente dignificadas perante a Sociedade, como uma Instituição Nacional, estruturante do Estado, tão antiga como a nossa nacionalidade, designadamente por aqueles que têm responsabilidades políticas a nível do Estado.

Gerar artigo em pdf
2025-01-23
807-809
55
55
Avatar image

General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2025
by COM Armando Dias Correia