(…) a ilimitada ambição de quase todos Corregedores, e Juizes que a este desgraçado paiz [ilha de S. Miguel] vem (...)
Eis aqui Exmo. Sr. Por Sua Ordem as horrorosas e principaes cabeças deste formidável monstro devastador (…).
Sargento-Mor Borba Gato,
Mapa da população da ilha de S. Miguel
A primeira razão que motivou esta minha primeira colaboração com a prestigiada e secular Revista Militar, insere-se no dever do homem perpetuar a sua história, porque, mais que fazer um exercício de memória, divulgar o passado, é valorizar o contributo das pessoas e instituições que ao longo dos tempos foram, e são, os motores da construção da Nação.
A segunda, a apresentação deste artigo decorreu do honroso desafio colocado pelo excelentíssimo General José Luiz Pinto Ramalho, presidente da direção da revista, velho camarada de armas e amigo, a propósito do meu pedido de envio da revista n.º 2664 de janeiro de 2024, totalmente dedicada à biografia do Brigadeiro Sebastião José de Arriaga Brum da Silveira (1774-1826), a propósito dos 250 anos do seu nascimento.
Este artigo, intitulado Brigadeiro Sebastião José de Arriaga (1774-1826): a vida de um Digno Filho da Portugal, da autoria do Major-general Rui Fernando Batista Moura, bem estruturado e bem fundamentado, suscitou o meu interesse, porque veio acrescentar muita informação sobre a permanência e atividades deste militar nos Açores como governador da ilha de S. Miguel, entre setembro de 1815 e março de 18211.
A sua permanência nos Açores coincidiu com a do então Major (Sargento-Mor) do Real Corpo de Engenheiros, Francisco Borges da Silva, chefe da Comissão de Engenharia de S. Miguel, chegado do Brasil em 1811, com a missão primária de fortificar a ilha, a fim de garantir condições de segurança para a constituição de um porto franco2 na ilha de S. Miguel. Este militar, foi a figura central da minha dissertação de mestrado em História Insular e Atlântica (séculos XV a XX), apresentada em 2006 na Universidade do Açores, com o título Os Açores, a Guerra e as propostas reformistas de Francisco Borges da Silva nos finais do Antigo Regime (vol. I e II).
Todos os indícios levam a crer que Brum da Silveira era possuidor de um carácter enérgico e inflexível, a que os seus feitos de guerra e distinções não eram alheios, e que frequentemente invocava para reforçar a sua autoridade, que o levou a envolver-se em frequentes conflitos, nomeadamente, com o Governador e Capitão-General dos Açores, com as autoridades civis e com Francisco Borges da Silva.
Aliás, Brum da Silveira terminou o seu mandato de Governador dos Açores de um modo assaz conturbado, vítima das convulsões políticas decorrentes da chamada revolução “liberal” ocorrida em S. Miguel, em 1 de março de 18213. Segundo algumas fontes, foi demitido pelo Governo Interino, porque corajosamente recusou demitir-se e a assinar obediência à Constituição ainda não promulgada (1822), pelo que foi preso no forte de S. Brás até à sua partida para Lisboa, em 26 de março de 18214. Outros relatos destes acontecimentos afirmam que Brum da Silveira, muito relutantemente, acabou por ceder às exigências do Governo Interino de S. Miguel, ficando detido na sua residência até à sua partida para o Reino5.
As relações entre Brum da Silveira e Borges da Silva agudizam-se a propósito da construção de um aquartelamento no interior do forte de S. Brás para instalar um batalhão de infantaria mandado levantar em 1818 pelo Governador e Capitão-General dos Açores, consequência do agravamento das relações com a Espanha, originado pela Guerra Cisplatina a decorrer no sul do Brasil6. Borges da Silva argumentava que não fazia sentido construir um quartel em altura num forte abaluartado, sugerindo que fosse anexado o vizinho convento franciscano de N. Sr.ª da Conceição, onde poderia ser instalada a tropa de infantaria, passando as duas construções a constituir uma espécie de cidadela.
Brum da Silveira não abdicou da sua ideia inicial, e mesmo sem o apoio técnico do engenheiro militar avançou com a obra que ainda não estava terminada em 1820, ano da morte de Borges da Silva.
Curiosamente, esta construção, com uma arquitetura algo amadora, veio descaracterizar profundamente um belo exemplar da fortificação abaluartada renascentista que era o forte de S. Brás (séc. XVI), foi no entanto quem, com a sua capacidade em área coberta, viabilizou a serventia do forte quando este, em meados do século XIX, perdeu a sua utilidade como fortificação. Foi este edifício que impediu as várias tentativas de demolição do forte para a instalação de outros equipamentos públicos, como, por exemplo, a alfândega de Ponta Delgada.
Este desvio inicial do tema central deste artigo, os engenheiros militares e a demografia, pode justificar-se pelo facto de que foi no “casarão” edificado graças à obstinação de Brum da Silveira, que eu exerci durante cerca de 25 anos a minha atividade militar.
Os estudos demográficos da ilha de S. Miguel elaborados pelos engenheiros militares Borba Gato e Borges da Silva, entre 1795 e 1816, ocorrem numa complexa conjuntura nacional e internacional, caracterizada por profundas e rápidas alterações políticas, económicas, militares, culturais e sociais. A Revolução Francesa em 1789, o “terramoto” napoleónico na Europa até 1815, a invasão de Portugal por tropas francesas, a mudança para o Brasil da corte e do governo português em 1807, e o crescente processo de profissionalização dos militares, são alguns exemplos dessas mudanças.
Os trabalhos destes militares no contexto nacional inserem-se no importante contributo prestado à sociedade portuguesa nos séculos XVIII e XIX pelo prestigiado Corpo de Engenheiros Militares por todo o império português, é reconhecido, unanimemente, face ao seu pioneirismo e preparação técnico-profissional, relevada pela ausência de especialistas civis nesta área. A história da Engenharia Militar confunde-se, pelo menos até meados do século XIX, com a história da engenharia portuguesa no seu conjunto.
O espaço de intervenção prioritária dos engenheiros militares era, sem dúvida, a da defesa, em geral, e da fortificação, em particular. Mas o seu papel na sociedade portuguesa manifesta-se muito para além destes campos, abrangendo áreas do saber muito plurais, como a cartografia, reconhecimento do território, inventariação de recursos, estatística, história, urbanismo e, muito particularmente, no chamado “ordenamento civil do território” (planeamento e construção de pontes, aquedutos, itinerários, obras hidráulicas, etc.).
Deste vasto leque de atividades realizadas pelos engenheiros militares no arco temporal em apreço, optei por escolher o tema demografia, por ser uma questão importantíssima nos nossos dias, perante o “inverno demográfico” (envelhecimento) que se faz sentir em algumas sociedades, particularmente nas ocidentais.
A demografia, como ciência que estuda a dinâmica populacional de uma sociedade através dos seus efetivos, estrutura e distribuição das populações, visava, essencialmente, fins administrativos e militares, essenciais à consolidação do Estado no Antigo Regime.
A análise demográfica fundamenta-se nas variáveis natalidade, mortalidade, migrações e envelhecimento, podendo igualmente englobar critérios como a educação, nacionalidade, religião e grupos étnicos.
Thomas Robert Malthus (1766-1834), considerado o “pai” da demografia moderna, contemporâneo dos dois engenheiros militares Borba Gato e Borges da Silva, nos seus ensaios publicados entre 1798 e 1826, releva o princípio de que enquanto os meios de subsistência crescem em progressão aritmética, a população cresce em progressão geométrica, e a melhoria da humanidade seria impossível sem limites rigorosos para a sua reprodução.
Nos Açores, frei Gaspar Frutuoso, na sua crónica Saudades da Terra, continua a ser a referência para a contabilização da população dos Açores no século XVI, continuada no século XVII por outro eclesiástico, frei Agostinho de Mont’Alverne, na sua obra Crónicas da Província de S. João Evangelista das ilhas dos Açores. Embora estes cronistas nos forneçam dados de indiscutível valor, baseados nos registos paroquiais, contudo, quando se referem à quantificação da população, utilizam uma terminologia própria da igreja e da administração da época, como almas, almas maiores e menores, vizinhos, moradores, fogos, etc., e expressões como cerca de, perto de, mais de, que dificultam o cálculo da população de então.
Nas instruções secretíssimas emitidas pelo Conde de Oeiras em 1766 para o primeiro Governador e Capitão-General dos Açores, D. Antão de Almada, no seu ponto 22 determina que Sendo a riqueza dos Estados a do número dos seus habitantes: Deve ser hum dos principaes objectos do vosso cuidado: não só impedireis a extrordinária dezerção, com que se tem despovoado as referidas ilhas, (...) mas tambem promoveres o augmento da Povoação pelos próprios e adequados meyos (...)7.
Nestas instruções, o futuro Marquês de Pombal, detalhava os dados a recolher, tendo como principal fonte demográfica a Igreja, através dos registos paroquiais e os rois de confessados e comungados. Estes registos assumem um valor especial entre as fontes da Demografia Histórica, porque refletiam o ciclo de vida de cada indivíduo: nascimento, casamento e morte.
Ainda neste período, nos Açores, a partir de 1771, os “mapas” populacionais baseados nos registos paroquiais são melhorados com inquéritos feitos casa a casa, realizados pelas autoridades civis.
O “mapa” de Borba Gato e as “estatísticas”de Borges da Silva enquadram-se nesta manifesta preocupação do Estado em quantificar com o maior rigor a movimentação da população baseada em critérios modernos para a sua época.
a. Dados biográficos e atividades
João Leite de Chaves e Melo nasceu em 1748, em Ponta Delgada, na freguesia de S. Roque, e faleceu nesta mesma cidade em 4 de novembro de 1810, sendo sepultado na igreja de S. Francisco9.
Descendente de uma das mais ilustres e antigas famílias micaelenses, era filho de João Leite de Chaves e Melo10 e de mãe inglesa, Maria Joaquina Chaves. Pelo menos, a partir de 1783, passou a adotar o apelido Borba Gato (ou Borbagato). Este facto, provavelmente, estará relacionado com o apelido de ascendentes brasileiros, nomeadamente do Tenente-general Manuel de Borba Gato e de sua mulher, Maria Leite.
Casou em 10 de janeiro de 1793, na igreja de N. Sr.ª dos Anjos, em Lisboa, com Maria Tomazia Vilanova Vilaça da Gama. Deste casamento nasceram quatro filhos, tendo o mais novo, António, nascido em 10 de maio de 1808, ou seja, dois anos antes da morte de Borba Gato.
Fez o seu testamento em 23 de dezembro de 1809, doente, mas lúcido, deitado numa cama do convento franciscano de N. Sr.ª da Conceição de Ponta Delgada, onde residia com o seu filho Francisco Afonso. Neste documento consta que as duas filhas eram educandas no convento da Conceição (Ponta Delgada), a nomeação do tutor para os seus filhos menores, que tinha muitas dívidas, pelo que pede para rezarem algumas missas sufragando a sua alma, mas não (…) quer que por sua alma se faça funeral algum (…). Identifica como únicos rendimentos uma pensão da sua mulher, que seria destinada a pagar as dívidas que tinha contraído no Porto, e a sua pensão do Monte Pio.
Sobre a sua juventude e início da carreira militar pouco se sabe. A documentação disponível, nem sempre clara e muitas vezes não datada, dificulta o entendimento destes aspetos. O Coronel D. João Correia de Sá, seu comandante no 2.º Regimento do Porto, numa informação de 30 de setembro de 1785, que acompanhou um requerimento de Borba Gato, afirma que (…) Ilhas dos Asores passou a America [Brasil] assentar voluntariamente praça quando a guerra se fazia naqulle Estado (…)11. Como o documento indica que tinha cerca de nove anos de serviço, é provável que sua incorporação no exército se tenha efectuado em 1776, com cerca de 28 anos de idade, um pouco tardia para os padrões da época. No seu muito “embrulhado” requerimento que justificou a informação atrás referida, pelo que se presume seja de 1785, informa que era Porta-Bandeira da 8.ª Companhia do 2.º Regimento de Guarnição do Porto e que na (…) ocaziam da Guerra da América (…) largando por esta sobrenatural inclinaçam os seus estudos, os Pais e a Pátria para ir para hum Paiz tam remoto (…)12 e em guerra, se alistou no 2.º Regimento do Porto, provavelmente em campanha no sul do Brasil. Presta serviço na segurança do Rio de Janeiro e, em data não identificada, mas anterior a 1782, por Decreto Real regressa com o seu regimento ao Reino, ficando este naturalmente sedeado no Porto. Não esclarece com que patente foi incorporado, mas atendendo às suas origens sociais e estudos, tinha as condições que satisfaziam os requisitos instituídos por Pombal para prestar serviço como cadete. No entanto, ao alegar que alguns camaradas que tinham sido incorporados com ele e que já eram alferes há seis anos, (…) porque tiveram pocebilidades para se sustentarem na Praça de Cadetes, e o suplicante […] sempre tam pobre, como honrado, pois nelle se contemplam as circonstancias que o Alvará da Creaçam dos Cadetes pede (…)13, coloca algumas reservas sobre as condições como assentou praça. No essencial, o objetivo desta “súplica” era, face às habilitações académicas que entretanto tinha adquirido, ao seu tempo de serviço e às suas qualidades pessoais atestadas pelo comandante do seu regimento, pedir a promoção ao posto de alferes de engenharia, funções que estariam vagas nas 2.ª, 5.ª e 8.ª companhias, onde obrigatoriamente estes especialistas tinham que estagiar.
De facto, depois de devidamente autorizado pelo monarca, Borba Gato matriculou-se em 1782 na prestigiada Academia Real da Marinha, em Lisboa, tendo concluído o curso de matemática em 1785, (…) tendose destinguido demódo nos mesmos estudos (…) nem reprovado nos seos exames, antes sem discrepância de votos aprovado julgandoselhe hum dos provimentos ou partidos destinados aos que se habilitão aos postos de Officiais Enginheiros (…)14.
Já em 1794, como capitão de infantaria com exercício de engenheiro, ainda em serviço na guarnição do Porto, dirigiu nova petição ao monarca, pela qual informa que, perante (…) a situação indigente a que se vê reduzida a caza do seu Pai (…) e (…) sem meios de sustentar sua mulher e filhos (…)15, solicita a sua transferência para a sua terra natal, a ilha de S. Miguel. Reforçava o seu pedido com a necessidade de continuar as obras de reconstrução do forte de S. Brás, na cidade de Ponta Delgada, que tinham sido atribuídas ao Coronel engenheiro João António Júdice, mas que, devido, primeiro, ao seu estado de saúde e, depois, ao seu falecimento, não tinham sido executadas.
No final deste requerimento, acrescenta o curioso argumento de que (…) 2º – o desamparo de hua das principaes famílias de a mesma Ilha, cuja Mai sendo da Nação Ingleza, se faz mais merecedora atenção por se ter baptizado (…)16.
Por patente de 14 de agosto de 1795 é promovido a sargento-mor e em 20 de novembro de 1795 é nomeado para uma comissão de serviço nos Açores com o ordenado de 36.000 réis por mês17.
Um ofício de 24 de julho de 1807 do Secretário Interino do Governo dos Açores, João José Bernardes Madureira, dirigido ao Capitão-General Miguel António de Melo, dá-lhe conta de que era necessário para S. Miguel um engenheiro robusto, activo, prudente, inteligente e zeloso, a fim de levantar a carta topográfica e as plantas da fortificação da ilha, pelo que propõe a substituição do Sargento-Mor João Leite de Chaves e Melo.
Em outra carta de 28 de maio de 1810, dirigida ao Conde das Galveias, o referido governador e capitão-general, reiterava a urgente substituição de Borba Gato, nestes termos: (…) He não só inútil, mas athe oneroza á Real Fazenda, e de nenhuma utilidade para o Real Serviço a conservação do dito Official nestas Ilhas (…)18.
É o seu sucessor, Aires Pinto de Sousa, que em 31 de dezembro de 1810 comunica ao governo, no Rio de Janeiro, o falecimento deste militar, solicitando a sua substituição, porque (…) pela falta d’aquelle hábil Official, fica a Ilha de S. Miguel sem pessoa alguma d’aquelle Côrpo (…)19. Justificava a urgência da sua substituição com a necessidade de empenhar os engenheiros militares nas inspeções das reparações dos edifícios públicos, que de contínuo exigiam vistorias, orçamentos, desenhos e projetos em razão dos estragos que os frequentes terramotos provocavam.
Por sua vez, Borba Gato, através de uma carta enviada em 10 de abril de 1797 a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, expõe ao governante as razões porque não obtém respostas do Governo Interino de Angra e a sua situação pessoal e profissional.
Começa por relevar a importância estratégica dos Açores, que considera (…) a chave da Navegação mais importante do Universo (…) e com os documentos que envia em anexo procura mantê-lo (…) informado não só do estado atual da Ilha, e modos da sua defesa (…)20. Estes documentos referem-se a uma proposta de um singular plano de defesa de S. Miguel baseado nas profissões das populações, à situação da fortificação e da artilharia da ilha e ao Mapa da População, um interessantíssimo estudo demográfico e análise sócio-económica da ilha de S. Miguel.
Implora a D. Rodrigo Sousa Coutinho que, (…) atendendo ao seu estado [defesa de S. Miguel] deplorável, milhore a sorte a q’estão expostas interna, e externamente (…) e (…) igualmente a minha situação, porque sobre extremamente doente, não posso dever mais, nem ter menos (…). Queixa-se amargamente do Governo Interino dos Açores por questionar o pagamento do seu soldo e da imensa fadiga decorrente da sua atividade de campo destinada ao levantamento da carta topográfica de S. Miguel. Curiosamente, como aconteceu com Francisco Borges da Silva, nada se conhece de prático sobre este último trabalho.
A referência neste documento, corroborada por outras fontes, de que Borba Gato padecia de uma grave doença nos olhos, parece justificar as deficiências ortográficas dos seus escritos, que por vezes dificulta o seu entendimento.
b. Mapa da população da ilha de S. Miguel em os anos de 1793 de 1794 e de 1795, comparada com os anos de 1723 e 177221
Este documento, constituído por duas folhas de grandes dimensões, tipo A1, confronta os efetivos populacionais de alguns locais de S. Miguel nos anos de 1793, 1794 e 1795 com os existentes em 1723 e 1772. Estatisticamente bem elaborado, procura demonstrar que o declínio da população micaelense se ficava a dever à emigração dos “casais” para o Brasil e ao excessivo recrutamento militar.
É uma constante em todos os trabalhos de Borba Gato o diagnóstico da sociedade micaelense, nomeadamente nas vertentes económicas e financeiras.
Este não foge à regra, pois afirma e procura demonstrar matematicamente quanto foi danosa a gestão dos dinheiros públicos, responsável pelo declínio demográfico da ilha. Considera os diversos escalões da administração pública como cabeças deste formidável monstro devorador, a Fazenda Pública de caverna e os seus procedimentos como siladas da serpente.
Este tema será abordado com mais detalhe através de uma análise paralela com idênticos estudos feitos por Francisco Borges da Silva, cerca de 20 anos depois.
Mapa da população da ilha de S. Miguel do Sargento-Mor Borba Gato (1.ª folha).
Além deste estudo demográfico, as atividades mais relevantes que foi possível identificar desenvolvidas por este engenheiro militar foram: Mapas dos Castelos e mais Fortes de S. Miguel e do estado da Artilharia respectiva (...)22; Relação dos Castelos e mais Fortes da ilha de S. Miguel do seu estado doda sua Artilharia, Palamenta, Munições e do que mais precisam23; Plano de Defesa para a Ilha de S. Miguel e geral para um armamento em massa24; Mapa circunstanciado do Castelo de S. Brás da Ilha de S. Miguel 25; este último documento integra uma Planta Demonstrativa Iconográfica do Castelo de S. Brás na Ilha de S. Miguel, o Mapa, e estado das peças da Artilharia do Castelo de S. Brás, o Mapa das balas de Artilharia, o seu peso e tamanho, actualmente e Perspectiva da ruina de um baluarte do Castelo de S. Brás.
a. Dados biográficos
A moderna historiografia militar que se debruçou sobre a Engenharia Militar Portuguesa desconhece em absoluto o Tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros Francisco Borges da Silva.
Esta ausência poderá ser justificada pela quase total inexistência de referências a este engenheiro nos arquivos militares, tanto a nível nacional como no âmbito regional26.
Nas listas contemporâneas de oficiais do Exército, no Almanak Militar ou n’A Lista Geral dos Officiaes do Exercito de Portugal nos anos de 1811 a 1818 27, nada consta, o mesmo acontecendo no Catálogo dos Decretos do extinto Conselho de Guerra 28 e na Synopse dos decretos remettidos ao extinto Conselho de Guerra 29. Consultados ainda o Almanch de Lisboa para o anno de MDCCCXIV 30, A Engenharia militar portuguesa na construção do Brasil 31 e a Relação dos Officiaes do Exercito de Portugal para os annos de 1808-1816 32, continua a constatar-se a ausência de Borges da Silva.
Livro Mestre do Regimento de Artilharia nº 1, D1-7, AHM.
Em contrapartida, o seu nome vem referido no Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Construtores Portugueses 33, na Historia Organica e Politica do Exercito Português 34, no Diccionario Historico, Chorographico, Biographico, Bibliographico, Heráldico, Numismático e Artistico 35, na Encyclopedia Portugueza Ilustrada-Diccionario Universal 36, na Enciclopédia Portuguesa e Brasileira 37 e no Dicionário Bibliográfico Português 38. Todavia, as informações inseridas nestas respeitáveis publicações apresentam-se incompletas e, por vezes, incorrectas. Um exemplo: Viterbo situa-o em S. Miguel de 1712 a 1719, ou seja, com um erro de um século.
Estas lacunas resultam, certamente, da ausência de documentos pessoais e apontam claramente para a mesma fonte de informação, o jornal O Investigador Português em Inglaterra, com o qual Borges da Silva colaborou frequentemente.
Francisco Borges da Silva nasceu em Paço de Arcos, à época concelho de Cascais (atualmente de Oeiras), em 10 de maio de 178639, filho de um sargento-mor de artilharia com o mesmo nome40. Pela análise dos documentos de matrícula do pai, conclui-se que teria uma irmã. Francisco Borges da Silva morreu em Ponta Delgada a 25 de novembro de 1820, com 34 anos de idade41. Averbada à margem da sua certidão de óbito, consta que era solteiro e que não deixou testamento. Como residia na freguesia de S. José, em cuja igreja foi celebrado um ofício de nove lições (leituras das Sagradas Escrituras) pela sua alma, é provável que tenha sido sepultado neste templo42.
Nos arquivos, esta foi toda a informação pessoal e familiar que foi possível recolher para a curta vida de Francisco Borges da Silva. Todavia, no que respeita ao seu percurso militar e institucional, dispomos de rica e variada documentação, ilustrativa da sua formação e de um ideário reformista, que procuraremos apresentar de seguida.
Certidão de óbito de Francisco Borges da Silva, Fundo Paroquial de S. José, reg. Óbitos, liv 1813-1823, BPARPD.
b. Percurso profissional e formação de Francisco Borges da Silva
Francisco Borges da Silva assentou praça como cadete aos 13 anos de idade no Regimento de Artilharia da Corte, aquartelado no Forte de S. Julião da Barra e na Feitoria43, jurando bandeira como cadete voluntário em 1 de julho de 179944 e “reconhecido” cadete por Aviso do Marechal General de 11 de setembro de 180045.
Quartel da Feitoria, Coronel Costa Matos,
História do Colégio Militar, Lisboa, 2003.
Em primeiro plano, o quartel da
Feitoria; em segundo plano, o
forte de S. Julião da Barra.
Para melhor compreendermos as origens dos seus conhecimentos técnicos e culturais, temos de recuar um pouco no tempo. Pelas reformas do conde de Lippe e pelo Alvará de 15 de julho de 1763, foram instituídas nos quatro regimentos de artilharia, entre os quais se incluía o da Corte, academias militares ou aulas regimentais, onde se cursavam as aulas de matemática indispensáveis à Artilharia, que então abrangia importantes ramos de Engenharia46. Estas aulas, além de formarem quadros militares de grande valia técnica, viram a sua acção projectada para a sociedade civil (a faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra só foi instituída em 1772), pois nelas foram instruí- dos futuros e famosos professores da universidade, outras escolas superiores e sócios da Academia Real das Ciências, como, por exemplo, os coronéis Frederico Jacob Weinholtz (dinamarquês) e Guilherme de Valleré (francês), os tenentes-coronéis João Python e Luís de Allincourt (franceses) e Miron de Sabionne (suíço). A escolha criteriosa e actualizada dos manuais de ensino e a sua rigorosa aplicação permitiu dar alguma uniformidade ao ensino e, entre outros, destacam-se: na área da Matemática, o Bombardeiro Francês e Ciência dos Engenheiros, de Bernard Forest Belidor (comissário da artilharia em França e conceituado matemático), Mecanismo da Artilharia, de Dulacq (matemático e artilheiro que foi membro da Academia de Ciências de Paris), Memórias de Artilharia, de Surirey de Saint-Remy, e o Ataque e Defesa das Praças, de Vauban, além de obras de La-Valiere (minas) e de La Lorme47. A prevalência das doutrinas francesas no conhecimento militar português da época é dominante, influência nitidamente detectada nos trabalhos de Borges da Silva.
O posterior envolvimento do regimento nos acontecimentos político-militares da época, acrescida da “sangria” de oficiais empenhados na artilharia embarcada, provocou alguma degradação no ensino então praticado, que sofreu um rude golpe com a criação, por Decreto de 2 de janeiro de 1790, da Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho48.
Relação nominal dos alunos do Colégio da Feitoria.
Em 13 de fevereiro de 1802, assume o comando do regimento o Coronel António Teixeira Rebelo que, mercê da sua qualificação técnico-científica49, procura de imediato elevar o ensino praticado nesta unidade, solicitando autorização para ensinar na aula regimental as mesmas matérias ministradas na Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho e o reforço do corpo docente, tendo ambas as pretensões sido concedidas. Embora o rigor histórico faça consentir algumas dúvidas50, tudo indica que foi nesta data, que por iniciativa (particular) de Teixeira Rebelo se iniciaram as aulas para o ensino e preparação militar dos pequenos voluntários (alguns com cinco anos de idade) do Regimento, como se pode deduzir da carta de Teixeira Rebelo datada de 7 de agosto de 1802 para D. João de Almeida e Mello e Castro, Secretário de Esta- do dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (1801-1803), a qual, no seu cabeçalho, afirma: (…) Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor. Ponho na Prezença de vossa Excelência a relação nominal dos Alunos que estão em circunstancias de entrar no pequeno Colégio de educação que Vossa Excelência faz a distinta honra de ser seo Patrono (…)51.
No quinto lugar desta relação de 20 alunos consta Francisco Borges da Silva, 4.ª Companhia, filho de Francisco Borges da Silva, sargento-mor. Indiscutivelmente, foi neste colégio de educação militar, o mais remoto antecessor do Colégio Militar dos nossos dias, que Borges da Silva inicia a sua formação militar e académica. A sua presença neste colégio é confirmada na relação dos alunos respeitante a 1803, data oficial da criação do Colégio Militar52.
Relação nominal do Colégio da Feitoria, 1802.
O posto de cadete foi criado ao tempo do marquês de Pombal pelo decreto de 16 de março de 1757 para ser atribuído aos filhos dos nobres e oficiais superiores do Exército que assentavam praça num regimento, para receberem instrução sobre a arte e disciplina militar e para se tornarem futuros oficiais. Mas estes cadetes, cuja idade mínima e quantitativo por regimento estavam regulamentados, por vezes eram incorporados com tenras idades, não para prestarem qualquer tipo de serviço militar útil, que a sua idade não o permitia, mas, na generalidade, para perceberem um soldo que pudesse socorrer famílias menos abastadas. No caso do Colégio da Feitoria, o que ganhavam servia para pagarem o seu alojamento e alimentação, que revertia para o funcionamento do mesmo, prescindindo assim de auxílios externos. Esta situação foi alterada em 1805 com a atribuição oficial de 100 réis diários por cada aluno53. O Colégio Militar da Feitoria teve um começo difícil, dada a diversidade dos graus de instrução e idades dos seus alunos.
O seu corpo docente era constituído por voluntários que, em acumulação de funções, ensinavam matemática, fortificação, desenho, gramática portuguesa, esgrima, moral e até, por vezes, as primeiras letras para os mais atrasados ou mesmo analfabetos. Aliás, esta dificuldade era comum a todo o ensino em Portugal, que atravessava um período de certa instabilidade. E embora o programa e ensino fossem menos completos do que, por exemplo, o do Real Colégio dos Nobres, era o mais adequado para a rápida habilitação de oficiais das armas combatentes, posteriormente aperfeiçoado quando já integrados nos corpos militares de colocação.
A sua situação melhorou em 1806, após a visita do Príncipe Regente D. João que, impressionado com o trabalho ali desenvolvido, louva os seus responsáveis e atribui aos alunos a quantia diária de 240 réis, em substituição do soldo, e gratificações aos professores. Os seus estatutos vão sendo aperfeiçoados com o decorrer do tempo, mas é com o Alvará que reforma os Estatutos do Real Colégio da Militar da Luz, de 18 de maio de 1816, que sofrem transformações qualitativas importantes, com a introdução de um programa disciplinar muito completo, como a literatura e escrita portuguesa, gramática portuguesa e latina, lógica, metafísica geral e ética, desenho de figuras e arquitectura, história de Portugal e universal, aritmética, álgebra, trigonometria plana e esférica, táctica militar e castrametação, princípios gerais de fortificação permanente e de campanha, etc.54.
Em 7 de dezembro de 1807, foi dada baixa de Borges da Silva do Colégio da Feitoria (…) por se ausentar no tempo do governo francês (…)55. É razoável admitir-se que, dada a proximidade desta data com a partida da corte de Lisboa para o Brasil, em 29 de novembro de 1807, Francisco Borges da Silva tenha sido um dos milhares de portugueses que acompanharam o futuro D. João VI na sua atribulada viagem para terras de Santa Cruz, possivelmente já sob a protecção do conde das Galveias56. Desconhece-se se arribou ao Rio de Janeiro ou a São Salvador da Baía, locais onde a esquadra portuguesa chegou após ter sido separada em duas por um temporal em pleno Atlântico. Esta hipótese confirma-se por uma petição dirigida ao Príncipe Regente (n/d, mas provavelmente de 1813), através da qual Borges da Silva solicita a posse vitalícia de uma capela57 (a falta de dinheiro é uma preocupação permanente na sua vida) e na qual afirma que (…) teve a distincta honra de acompanhar a Vossa Alteza Real na passagem e estabelecimento da Corte na Cidade do Rio de Janeiro: ali servi a Vossa Alteza Real no Corpo d’Engenharia: trabalhos no Archivo Militar: levante de Plantas etc etc o ocuparão constantemente em Comissão no Brazil (…)58. Ficamos assim a saber que Borges da Silva passou a desempenhar funções no Real Arquivo Militar, ou Arquivo, e Depósito das Cartas, e Mapas do Brasil, e mais Domínios Ultramarinos59. A missão deste órgão seria a das construções militares, levantamentos cartográficos, plantas e arquivo para todo o império português, muito embora se verificasse a tendência de alguma descentralização para as províncias mais distantes. Convém enfatizar que, apesar do sentido do vocábulo “arquivo”, verdadeiramente não o era. O seu papel, idêntico ao do Corpo de Engenharia Militar do exército espanhol da época, era acima de tudo uma repartição operativa, do órgão superior de planeamento, de estudo e de fiscalização das atividades a cargo do Corpo de Engenheiros60.
Fragmento do Decreto que cria o Real Arquivo Militar no Rio de Janeiro, 1808.
Livro 267, AHEB.
Com a mesma data da criação do arquivo, ou seja, 7 de Abril de 1808, e através duma carta régia e despacho da mesma data de D. Rodrigo de Souza Coutinho61, é Francisco Borges da Silva integrado no Real Corpo de Engenheiros, para servir no Arquivo Militar com o posto de 1.º tenente62.
Considerando que embarcou para o Brasil em 29 de novembro de 1807 e arribou a S. Salvador da Baía em janeiro de 1808, ou ao Rio de Janeiro em 7 de março do mesmo ano como cadete aluno de artilharia do Colégio de Ensino Militar da Feitoria, passou de cadete aluno a primeiro-tenente do Real Corpo de Engenheiros em cerca de um mês após a sua chegada ao Brasil. Mas será que após frequentar oito anos o colégio de Ensino Militar e com 21 anos de idade, ainda seria cadete? Não foi possível encontrar resposta para esta questão, no entanto, como veremos, este método de promoção era corrente na época.
Embora o Rio de Janeiro de 1808 fosse um centro urbano mais pequeno do que S. Salvador, era a capital administrativa do Brasil desde 1763; teria cerca de sessenta mil habitantes e possuía um porto comercial de consideráveis dimensões, fortemente protegido63. É razoável pensar-se que, passados os choques emocionais e culturais inicialmente sentidos pela corte e acompanhantes, as maiores dificuldades terão sido encontrar alojamentos condignos para alguns milhares de pessoas e organismos oficiais, dado o escasso número de habitações disponíveis e as características topográficas da cidade. Se a estes factores acrescentarmos a necessidade de empregar os inúmeros funcionários civis e militares deslocados para o Brasil e as futuras necessidades da sua “recolonização”64, compreende-se que os governantes tivessem a percepção da necessidade urgente da criação de um corpo de engenheiros65. Como não foi encontrada qualquer outra referência a Borges da Silva nos arquivos brasileiros onde foi conduzida a pesquisa66, a sua promoção deve ter seguido os mecanismos para as promoções em uso à época, que partia de uma petição, iniciativa dos interessados, devidamente acompanhada de cartas abonatórias, de entidades ou personalidades, quanto mais importantes, melhor, sendo muito provável que Borges da Silva tivesse bons contactos próximos da Corte.
Fragmento do decreto que promove a 1º tenente Francisco Borges da Silva, 1808,
Livro 267, AHEB.
Recorrendo ainda à petição atrás referida, afirma Borges da Silva: (…) Vossa Alteza Real por efeito da sua alta Munificencia, o despachar para Secretário do Governo de Angola: e immediatamente Vossa Alteza Real lhe fez nova graça aceitando a demissão que pedio do sobredito lugar (…). Apesar da desnomeação, em outra carta67, Borges da Silva lamenta-se das suas aflições económicas, agravadas pelo empréstimo de 600$000 réis que fez para cobrir as despesas para ir para Angola. As fontes conhecidas não esclarecem os fundamentos desta nomeação nem as razões da recusa deste relativamente importante cargo.
Oficialmente, só voltamos a encontrar referências a Borges da Silva num extenso ofício de 1 de janeiro de 181168 do conde das Galveias para o Governador e Capitão-General Ayres Pinto de Sousa. O Secretário de Estado recomenda ao governante açoriano que tome todas as medidas possíveis para reforçar a segurança das ilhas contra a ameaça francesa, em particular a de S. Miguel, pela sua importância económica e para garantir um clima de confiança a nacionais e estrangeiros que utilizassem o porto franco e depósito a construir naquela ilha, por força do Alvará de 26 de outubro de 1810, a fim de se transaccionarem os produtos comerciais vindos do Império Português, particularmente do Brasil, por impedimento dos portos do Reino ocupados pelos franceses. O ofício refere, entre outros assuntos, que: (…) entre outras Providências que Sua Alteza Real tem determinado, para assim se conseguir foi huma dellas a de destinar para o governo da Ilha de S. Miguel hum Official hábil, activo e inteligente, como se reputa ser José Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque (…) e (…) tem Sua Alteza Real destinado também o Capitam de Engenheiros Francisco Borges da Silva para passar a S. Miguel (…).
Não foi possível identificar as atividades práticas desenvolvidas por Borges da Silva no Real Arquivo do Rio de Janeiro ou, para sermos mais exatos, no Real Corpo de Engenheiros no Brasil69, apesar da vastíssima obra desenvolvida por este Corpo, tanto na área militar (fortificação, reconhecimentos das fronteiras e outros territórios) como na civil (planificação urbana, pontes, estradas, etc.), após a instalação da Corte no Rio de Janeiro.
Francisco Borges da Silva chegou a Lisboa em abril de 1811, onde, por falta de transporte para os Açores, permaneceu 60 dias, tempo que aproveitou para levantar na Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha os instrumentos técnicos e os livros necessários ao cumprimento da sua missão no arquipélago70. Embarcou no bergantim Caçador em 10 de junho de 1811, acompanhado pelo soldado Braz (certamente seu impedido)71 e desembarcou em Angra em 23 de junho do mesmo ano. Nos escassos dias que permaneceu na Terceira, pois em 30 do mesmo mês partiu para S. Miguel, procedeu a um reconhecimento da fortificação da ilha, acompanhado pelo próprio governador e capitão-general e restante oficialidade, a quem deu os seus pareceres, assim como sobre o funcionamento da Academia Militar lá existente, que terão tido aceitação.
Borges da Silva não se coibiu de tecer alguns comentários duros sobre a cidade de Angra e o seu ambiente social: (…) o baixo povo hé pobríssimo; entre os Morgados ainda domina o Feudalismo; e a falta de theatros, e sociedade, e notícias estrangeiras e instrução os força a falar dos outros e por isso reina hua intriga contínua, (…)72.
Este tipo de comentário é transversal a todos os trabalhos produzidos durante a sua permanência nos Açores e decorre da sua vivência e formação intelectual, marcada pelas representações do pensamento iluminista e as decorrentes críticas à sociedade tradicional.
Recordemos que Francisco Borges da Silva tinha 25 anos, era capitão desde 1810 do Real Corpo de Engenheiros, e havia na Terceira um tenente-coronel engenheiro. Porquê então esta deferência para com um jovem capitão? Teria algo a ver com as referências laudatórias retiradas de alguns documentos como, por exemplo, o de um ofício de 19 de junho da Regência (com conhecimento ao capitão-general dos Açores) para a corte, que se lhe referia como tendo a seu cargo (…) huma importante incumbência na Ilha de S. Miguel (…)73, da qual daria conhecimento direto para a corte e ultrapassando assim os canais hierárquicos existentes?74 Quando chegou a S. Miguel, em 30 de Junho de 1811, encontrou uma situação política, social, económica, administrativa e militar característica do Antigo Regime, mais “cristalizado” no tempo pelo isolamento das ilhas.
Em 6 de julho o Tenente-coronel José Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque tomou posse do cargo de governador da ilha de S. Miguel75, sob cujas ordens Borges da Silva formalmente vinha servir, embora ambos viessem mandatados para se ligarem diretamente à corte. É possível que os dois militares já se conhecessem do Brasil, uma vez que foram nomeados na mesma altura e mantiveram um excelente relacionamento até à nomeação de Cavalcanti para governador e capitão-general de Cabo Verde em 1814.
A permanência de Borges da Silva nos Açores, desde meados de 1811 até à sua morte, em 1820, considerados o ritmo das suas atividades e temáticas desenvolvidas, pode dividir-se em três partes distintas: na primeira, abrangendo os anos de 1811 e 1812, dedicou-se essencialmente a atividades militares, particularmente à fortificação, missão primeira da sua nomeação para o arquipélago; na segunda, em 1813 e 1814 privilegiou os assuntos económicos, estatísticos, e literários; na última, de 1815 até à sua morte, corresponde a um certo apagamento, possivelmente como consequência da morte do conde das Galveias (1814) e da saída de funções de Cavalcanti (1815), destacando-se neste período o projecto da rede de faróis de S. Miguel, a construção do forte Gonçalo Velho, em Vila Franca do Campo, a construção (contra o seu parecer técnico) de um aquartelamento para um batalhão no forte de S. Brás e o envolvimento nos violentos diferendos entre o governador da ilha e Capitão-General Francisco de Araújo e o governador de S. Miguel, Coronel Sebastião José de Arriaga Brum da Silveira76.
Foi promovido a major por Decreto Real de 10 de maio de 1814, porque (…) tendo Consideração ao bem que Francisco Borges da Silva, Capitão do Real Corpo de Enginheiros, actualmente empregado na Ilha de S. Miguel, tem dezempenhado a Comissão que ali se acha incmbido e Esperar delle em tudo o que for incarregado Me Servirá muito ao Meu Contentamento: (…)77. A Gazeta de Lisboa n.º 132, de 6 de junho de 1818, na continuação dos Despachos publicados no Rio de Janeiro do mesmo ano, pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, na relação do Officiaes promovidos nas Colonias, no dia da aclamação de D. João VI, consta a graduação de Borges da Silva em tenente-coronel. Confirma este facto o documento de 22 de outubro desse ano, contendo as respostas aos quesitos colocados pelo Governador e Capitão-General Francisco de Araújo ao governador de S. Miguel, Coronel Sebastião José de Arriaga Brum da Silveira como as respostas que se derão pelo Tenente Coronel Graduado de engenharia Francisco Borges da Silva78. A sua certidão de óbito reconfirma que faleceu neste posto.
c. Actividades
Borges da Silva, nos cerca de nove anos que prestou serviço em S. Miguel, além dos estudos na área da estatística que seguidamente iremos detalhar, desenvolveu uma caleidoscópia atividade, das quais se destacam: a fortificação, planos de defesa, reorganização das forças, cartografia, história, geologia, organização civil do território (portos, itinerários, faróis, reabastecimento de água), instrução pública, economia/finanças, etc.
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1 Nesta época, as funções de governador de ilha não estavam legalmente definidas por qualquer Regimento (Regulamento) quanto aos seus limites, situação muito comum no final do Antigo Regime. Os militares nomeados para estas funções vinham na convicção de que o âmbito da sua governação abrangia a administração civil e militar. Mas autoridades civis locais assim não o entendiam e consideravam os governadores de ilha como simples “governadores das armas”, ou seja, tinham funções meramente militares. Esta situação de indefinição quanto às suas competências, avessa ao seu carácter, levou Brum da Silveira a questionar o Governador e Capitão-General dos Açores, Francisco António de Araújo Azevedo sobre este assunto, obtendo como resposta que, para já, se dedicasse somente aos assuntos relacionados com a defesa da ilha, mas que não deixasse de ter “debaixo de olho” a administração civil. Já o Tenente-coronel José Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque, que o antecedeu nas funções de governador da ilha (1811-1815), pediu a sua exoneração por não ver definidas as suas reais prorrogativas, tendo sido nomeado Governador e Capitão-General de Cabo Verde.
2 Porto franco ou “warehousing”, genericamente, porto onde não se cobram direitos alfandegários, tanto na entrada como na saída dos produtos comerciais. Mandado constituir pelo Alvará de 26 de outubro de 1810.
3 Este movimento, cujos autores não defendiam as ideias liberais, mas, sim, a oportunidade da ilha de S. Miguel, a maior, a mais populosa e economicamente mais forte, se autonomizar da preponderância da ilha Terceira, onde estavam concentrados, desde 1766, os poderes militares, administrativos e judiciais na figura do Governador e Capitão-General e a sede da Diocese, constituindo um Governo Interino dependente da Regência, em Lisboa.
4 Vide História da Revolução de 1820, por José de Arriaga, neto de Brum da Silveira. Arquivo dos Açores, vol. III, p. 487, Ponta Delgada, 1981.
5 BPARPD, PSS/MEC/014900006.
6 AHM, 3.ª Div., cx. 105, 9.ª Sec., N.º 3.
7 José Guilherme Reis Leite (introdução e fixação do texto), O Códice 529 do Arquivo Histórico Ultramarino: a capitania geral dos Açores durante o consulado pombalino, Angra do Heroísmo, 1988.
8 O Processo Individual de Borba Gato encontra-se no AHM, 3.ª Div., 4.ª Sec., cx. 98.
9 AHU, Açores, cx. 70, doc. 29. Por este ofício, o Capitão-General Aires Pinto de Sousa comunica ao conde das Galveias, por lapso, o falecimento de Borba Gato em 3 de novembro de 1809 e solicita a sua substituição.
10 Neto de Francisco Afonso de Chaves e Melo, capitão de ordenanças em Rosto de Cão (S. Roque), juiz contador da Fazenda Real de Ponta Delgada e a autor da obra Margarita Animata, Lisboa, 1723
11 AHM, 3.ª Div., 4.ª Sec., cx. 98. Este longo e intermitente conflito entre as coroas de Portugal e da Espanha pela disputa dos territórios da margem esquerda do Rio da Prata, correspondentes ao actual Uruguai, iniciou-se com a fundação da colónia de Sacramento em 1680, chegam a ser incorporados em 1821 na coroa portuguesa. A luta continua com o Brasil independente e só termina em 1828 com a independência do território pela Convenção Preliminar de Paz.
12 Idem.
13 O posto de cadete, a fim dar experiência e formação de raiz aos futuros oficiais, foi criado pelo Alvará de 16 de março de 1757.
14 AHM, 3.ª Div. 4.ª Sec, cx. 98.
15 Idem.
16 Idem. Como já se referiu, a mãe de Borba Gato era inglesa (cujo nome original não foi possível identificar), certamente de credo anglicano, converteu-se à religião católica e adoptou o nome português de Maria Joaquina Chaves.
17 Livro 6.º do Registo Geral da Câmara Municipal de Ponta Delgada, fl. 232, BPARPD.
18 AHU, Açores, cx. 68, doc. 42.
19 AHU, Açores, cx. 70, doc. 29.
20 AHU, Açores, cx. 25, doc. 23.
21 GEAEM, Arm. n.º 2, Prat. 18-A, Pasta 110, doc. 3870. Sobre estas “folhas”, ver Gilberta Pavão Nunes Rocha e Vitor Luís Gaspar Rodrigues, “População, Economia e Sociedade Micaelense em finais do séc. XVIII. O mapa da população de João Leite de Chaves e Melo Borba Gato”, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, vol XLV, Angra do Heroísmo, 1988, p. 285 a 353.
22 AHU, Açores, cx. 25, doc. 23.
23 AHM, 3.ª Div., 9.ª Sec., cx. 105.
24 AHU, Açores, cx. 25, doc. 23.
25 AHM, 3.ª Div., 9.ª Sec., cx. 105.
26 Na década de 1860, nos arquivos militares de S. Miguel nada constava sobre Francisco Borges da Silva. Inocêncio da Silva, Dicionário Bibliográfico Português, tomo IX, Lisboa, 1870, p. 271.
27 Manoel Pedro de Lacerda, Alamak Militar, Impressor do Quartel-General, Lisboa, 1817.
28 Coronel Madureira dos Santos, Catalogo dos decretos do extinto Conselho de Guerra, Lisboa, MCMLIII.
29 General de Brigada Cláudio de Chaby, Synopse dos decretos remettidos ao extinto Conselho de Guerra, Lisboa, Imprensa Nacional, 1889.
30 Almanach de Lisboa para o anno de MCCCXIV, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciências, 1814.
31 General A. De Lyra Tavares, A Engenharia militar portuguesa na construção do Brasil, Rio de Janeiro, Edição SPEME, 1965.
32 AHEB, Rellação dos Officiaes do Exercito de Portugal para os annos de 1808-1816, Livro 167.
33 Sousa Viterbo, Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, Lisboa, vol. I, 1899, p. 118.
34 Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda, Historia Organica e Politica do Exercito Português, vol. VIII: Historia da Engenharia Militar Portuguesa IV Engenheiros Portugueses, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1919, p. 553.
35 Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Diccionario Historico, Chorographico, Biographico, Bibliographico, Heraldico, Numismatico e Artistico, João Romano Torres-Editores, Lisboa, 1912, p. 118.
36 Maximiano Lemos (Dir.), Encyclopedia Portugueza Ilustrada – Diccionario Universal, Vol. X, Porto, Lemos e Sucessor, 1900, p. 142.
37 Enciclopédia Portuguesa Brasileira, vol.28, Editorial Enciclopédia, Lisboa – Rio de Janeiro, p. 787.
38 Francisco Inocêncio da Silva, Dicionário Bibliográfico Português, Tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1973, p. 353.
39 AHM, Livro Mestre do Regimento de Artilharia 1, Registo do Officiaes Inferiores, Cadetes, Soldados da 4ª Companhia d’Artilheiros, D1-7, fl. 98.
40 As diligências efectuadas no IAN/TT, onde estão recolhidos os registos do concelho de Oeiras foram infrutíferas para a localização da certidão de nascimento de Francisco Borges da Silva.
41 BPARPD, Registo Paroquial, Ponta Delgada, São José, Livro de óbitos (1813-1823), fl. 140 v.
42 A primitiva Igreja de S. José, edificada no local onde hoje é o jardim Sena Freitas em meados do século XVII, já em 1840 estava em ruínas, transferindo-se o culto para a franciscana igreja de N.ª Sr.ª da Conceição, passando a designar-se por igreja de S. José. Foi demolida em 1848 para dar lugar à construção, em 15 de Julho de 1861, do teatro Micaelense. As ossadas existentes na Igreja de S. José foram trasladadas para o cemitério da Mãe de Deus e em 28 de Abril de 1860 para o cemitério de S. Joaquim (elementos retirados de Subsídios para a história da paróquia de S. José, percurso histórico-pastoral, 1525/1892, Ponta Delgada). Francisco Borges da Silva foi sepultado na Igreja de S. José, profanada e convertida em teatro público, Inocêncio da Silva, op. cit., p. 271.
43 Na sua origem, em finais do século XVI, era um estabelecimento militar de apoio (estaleiro) para a construção do forte do Bugio. No século XVIII, no mesmo local, é construída uma bataria de costa.
44 O Regimento de Artilharia da Corte foi criado com a reorganização determinada pelo Alvará de 9 de Abril de 1762 como consequência da crise provocada pelo “Pacto de Família” em 1761 e ficou aquartelado no forte de S. Julião da Barra (“ferrolho” da defesa marítima de Lisboa) e por incapacidade de alojamento, na Feitoria. Tinha várias dependências, entre elas, o forte de S. Lourenço da Barra (também conhecido por Bugio) onde serviu por largos anos o Major Francisco Borges da Silva, pai do nosso biografado. Pela reorganização regulada pela Carta de Lei de 19 de maio de 1806, condicionada pela crise que varria a Europa centrada na França Napoleónica, passa a designar-se por Regimento de Artilharia N.º 1, mantendo as mesmas instalações.
45 AHM, Livro Mestre do Regimento de Artilharia N.º 1, Relação dos Officiaes Inferiores, Cadetes, Soldados da 4ª Companhia d’Artilheiros, D 1-7, p. 98.
46 É no seguimento desta ideia que é criada por Carta Régia de 1799 uma Aula de Matemática no Batalhão de Angra, transformada em Academia Militar com estatutos aprovados pelo Príncipe Regente em 19 de novembro de 1810.
47 Marino Sanches Ferreira, Memorial do Regimento de Artilharia da Côrte – Efemérides Regimentais, I Parte, Lisboa, 1954.
48 A Academia Real de Fortificações, Artilharia e Desenho passou a ser o único estabelecimento de ensino onde eram formados os oficiais de Artilharia e Engenharia, ministrando cursos de 4 anos. Foi a precursora da actual Academia Militar.
49 Teixeira Rebelo, a solicitação do Ministro da Guerra, concebeu para a recém-criada Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho um manual para o ensino do material e tiro de artilharia, que elaborou com base no tratado de João Muller (professor de artilharia e fortificação na Inglaterra) que, depois de devidamente adaptado aos materiais em uso no Exército Português, dá origem ao Tratado de Artilharia, em 2 vols., impresso e editado em 1793. Este facto pode indiciar uma deriva da adopção da doutrina inglesa em detrimento da francesa.
50 Sobre este assunto, ver Jaime Duarte de Almeida, O Colégio Militar (1803-1953). Grande edição comemorativa do 150º aniversário da sua fundação, Castor, Lisboa, 1953.
51 José Justino Teixeira Botelho, A fundação e o fundador, Lisboa, Imprensa Nacional, 1903, p. 52 a 53.
52 Jaime Duarte de Almeida, op. cit., p. 260.
53 Ibidem.
54 AHEB, Cartas de Leis e Alvarás – 1808-1821, livro 102, pp. 121 a 170 v.
55 Jaime Duarte de Almeida, op. cit. Anexo – Relação de todos os alunnos do collegio da feitoria com algumas notas Biographicas.
56 D. João de Almeida de Mello e Castro, 5.º Conde das Galveias, Secretário de Estado da Marinha e Ultramar (1809-1814). A amizade deste com Borges da Silva parece deduzir-se da afirmação feita numa carta datada de 12 de junho de 1812, dirigida ao Conde das Galveias: temos direito como cidadãos, e que direito não tem entre estes aquelle que fito em V.Exª há 10 annos, a V.Exª dei tudo? AHU, Açores, cx. 75, doc. 11. Ou nesta outra de 26 de julho de 1812: por V.Exª sahi de Lisboa; a honra, a gratidão, e a amizade a V.Exª me conduzirão, e desterrarão na Ilha de S. Miguel; apartando-me de V.Exª tenho a alma moldada a sensações muito fortes. AHU, Açores, cx.75, doc. 37.
57 Capela, bens vinculados e sujeitos a cargos pios, a cujo sucessor ou administrador está consignada certa quota das rendas que eles produzirem, ficando o excedente para se gastar em obras pias.
58 AHU, Açores, cx. 80, doc. 28.
59 Criado e regulamentado pelo decreto de 7 de abril de 1808. António Delgado da Silva, Colecção da Legislação Portugueza 1802-1810. A esta instituição, génese da futura Engenha- ria Militar Brasileira, cabia entre outras tarefas: (…) a guarda e conservação de todos os mapas e plantas de fortalezas, baterias e artefactos de guerra existentes no Brasil (…) e (…) desenvolvera todas as vistas militares sobre a abertura das Estradas, Direcção dos Rios, e Canais, Navegação, e Posição de Pontes (…), O Director, e mais Engenheiros empregados no Arquivo, ficarão ligados ao maior segredo em tudo o que de sua natureza assim o exigir; fi- carão sujeitos á maior responsabilidade (…). AHEB, Cartas de Leis e Alvarás, 1801-1821, Livro 102, pp. 121 a 170.
60 Sobre esta matéria ver Aurélio de Lyra Tavares, A Engenharia Militar Portuguesa na construção do Brasil, Lisboa, SPEME, 1965.
61 D. Rodrigo Sousa Coutinho, conde de Linhares, Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra em 1808. Tendo já planeado a mudança da corte para o Brasil em 1803, é quem organiza a de 1807. Defendia que Portugal não é a melhor e mais essencial parte da monarquia. Em sua opinião, poderia ser criado na América do Sul um Império a nível mundial. Sobre este assunto veja-se: Maria Beatriz Niza da Silva, “O Império LusoBrasileiro, 1750-1822”, in Nova História da Expansão Portuguesa, vol. VIII, coord. Maria Beatriz Niza da Silva, Ed. Estampa, Lisboa, 1986; Ana R. Clochet da Silva, “Uma Monarquia nos Trópicos. A visão imperial subjacente à migração da Corte portuguesa: 1777-1808”, Cultura-Revista de História das Ideias, II.ª Série, vol. XVIII, 2004, pp. 91 a 119; José Luís Cardoso, “Nas malhas do Império: a economia política colonial de D. Rodrigo de Souza Coutinho”, in José Luís Cardoso (coord.), A economia política e os dilemas do império lusobrasileiro (1790-1822), “Outras Margens”, Lisboa, 2001, pp. 63 a 109.
62 AHEB, Decretos e Cartas Regias 1808-1809, N.º 1, Livro 267, p. 6 a 6 v.
63 Teria sido por esta razão e, quiçá, pela maior distância à Europa, que a corte declinou o pedido dos habitantes da S. Salvador para a sua fixação nesta cidade.
64 Sobre este assunto, ver Patrick Wilcken, Império à deriva. A corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821, Porto, Civilização Editora, 2006.
65 O Real Corpo de Engenheiros só teve o seu Regulamento atribuído por Portaria dos Governadores do Reino de 12 de janeiro de 1812.
66 AHEB, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, etc.
67 AHU, Açores, cx. 72, doc. 13.
68 BPARAH, Capitania Geral dos Açores, Livro 3.º do registo das ordens expedidas pelas Secretarias de Estado ao Governo das Ilhas dos Açores, fl. 81 vº a 84.
69 Nos arquivos iconográficos do AHEB, já totalmente digitalizados, não foi possível localizar qualquer trabalho de Borges da Silva.
70 AHU, Açores, cx. 17, doc. 25.
71 AHU, Açores, cx. 71, doc. 22.
72 AHU, Açores, cx. 72, doc. 9.
73 AHU, Açores, cx. 11, doc. 27.
74 A propósito do envio de um relatório para o capitão general, afirma (…) copia delle a remeto para a Secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos; aonde sou obrigado a participar tudo que he tendente á minha comissão (…). BPARAH, Capitania Geral dos Açores, Ilha de S. Miguel, Governador, correspondência, mc.3 doc. s/n.
75 José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Tenente-coronel de Infantaria, é nomeado Governador da Ilha de S. Miguel por três anos, por despacho de 30 de dezembro de 1810. AHU, Açores, cx 70, doc. 28. Vem do governo do Rio Grande do Norte, é irmão do capitão Francisco Paula da Cavalcanti, dirigente da Maçonaria no Brasil. Logo em 20 de Agosto de 1811 (com menos de dois meses de mandato), desesperado, escreve ao conde das Galveias pedindo-lhe (…) por tudo quanto há de Sagrado, que não queira que faça hum triste papel e que me tire daqui, para qualquer outro emprego (…), porque (…) O demasiado orgulho da Nobreza deste Paiz, filho da summa ignorância em que ella jaz, a tem feito não se querer submeter ao Governador e apoiando-a por isso os Ministros, que neste cazo fazem cauza comum com ella, para se subtraírem á subordinação (…). Afirma ainda que (…) Não há disciplina nas Tropas, não se administra a Justiça rectamente, não há policia [fiscalização] em algum ramo da Administração Pública, em huma palavra, reina a mais insolente Anarchia (…) e termina afirmando (…) concluo que, na dependência que este Governo está do Geral destas Ilhas, he fizicamente impossível, que possa ser util ao serviço do Estado, e a mim próprio (…). AHU, Açores, cx. 72, doc. 19. Em 10 de outubro do mesmo ano volta a solicitar à mesma autoridade a atribuição de um Regimento (Regulamento) que regule as suas funções, porque está convicto (…) que não devo ser considerado como simples Governador de Praça. AHU, Açores, cx. 74, doc. s/n. Não deve ter tido muito sucesso com estas exposições, pois em Fevereiro de 1816 o Capitão-General Aires Pinto de Sousa solicitava à corte o dito Regimento para (…) que defina a sua autoridade, Jurisdição, especialmente na parte politica, civil, e económica (…), AHU, Açores, cx. 89, doc. 8. Calvalcanti, em 14 de julho de 1811, tinha enviado ao conde das Galveias as medidas necessárias ao reforço militar da ilha e no âmbito económico propõe a criação em S. Miguel de uma Junta da Fazenda, embora subordinada à de Angra, para mais rapidamente acorrer às despesas com a defesa. AHU, Açores, cx. 72, doc. 6.
76 O Tenente-coronel graduado em coronel Brum da Silveira tomou posse como governador de S. Miguel na Câmara Municipal de Ponta Delgada em 20 de setembro de 1815. Acordãos da CMPD 1811-1817, BPARPD, fl.61.
77 BPARAH, Capitania Geral dos Açores, Liv. 7 do Registo de nombramentos e patentes, fls. 299 a 299 v.
78 AHU, Açores, cx. 107, doc. 22.