Nº 2461/2462 - Fevereiro/Março de 2007
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Inovação, Revolução e Transformação Militar em Curso: Contributos para um Enquadramento Conceptual.
Coronel
João Paulo Nunes Vicente
“A Mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original.“
Albert Einstein
 
 
Introdução
 
A natureza interdependente da sociedade actual conduz a que uma acção produza uma multiplicidade de efeitos, requerendo uma harmonização dos vectores de poder.
 
Os novos conceitos de combate centrados em rede e baseados em efeitos assentam em forças ágeis, rápidas e ligeiras; munições inteligentes de precisão; sistemas aéreos furtivos e não tripulados; redes globais de comunicação e informação, ligando sob um comando conjunto as componentes terrestres, navais e aéreas. As tecnologias emergentes fornecem a capacidade de obter um conhecimento holístico do espaço de batalha, enquanto que os novos sistemas de armas de precisão permitem uma destruição precisa e eficaz dos alvos adversários. O génio militar associa essas novas tecnologias a conceitos revolucionários de emprego operacional, procurando a solução para problemas militares e tecnológicos. Aproveitando as vantagens assimétricas, as organizações militares transformam-se, reconfigurando conceitos, estruturas e tecnologias, numa procura sistemática de maior eficácia e eficiência.
 
A vastidão de definições, terminologias e paradigmas que envolvem este novo contexto podem inquinar a interpretação e tolher os esforços de mudança. Nesse sentido é importante adoptarmos um léxico comum, e desse modo atribuirmos o mesmo significado à informação, retirando dela o conhecimento pertinente para conseguirmos interpretar e intervir na realidade internacional. Longe de procurarmos uma explicação una, preferimos apresentar, relacionar e discorrer sobre os conceitos mais marcantes e sua possível evolução.
 
Um desses paradigmas diz respeito à Transformação Militar. No entanto, perscrutando a imensa literatura numa tentativa de clarificação conceptual, surge-nos envolto em dois conceitos fundamentais: Inovação Militar e Revolução nos Assuntos Militares (RAM).
 
Aproveitamos a sugestão de Clausewitz como metodologia de abordagem do assunto em questão1. Do simples para o complexo, partimos dos elementos singulares, agrupando-os por partes, e por fim relacionando-os num todo. No entanto necessitamos de captar, em primeiro lugar, a essência desse todo, para que à medida que avançamos no nosso estudo consigamos relacionar as partes segundo uma perspectiva global. É nessa perspectiva que tentamos perscrutar os conceitos essenciais.
 
 
Inovação Militar
 
Como refere António Telo, “(…) o momento essencial da mudança não é a invenção mas sim a inovação (…) que permite criar uma capacidade que antes não existia”2, e com elas novas formas de organização e de emprego. Sustenta que as grandes épocas de mudança são “necessariamente acompanhadas por reformas organizativas, tácticas, estratégicas e de mentalidades dos militares”3.
 
Segundo um estudo de Gregory Wilmoth4, a inovação só se torna possível quando uma tecnologia é moldada pela acção de doutrinas e organizações, impulsionadas por necessidades específicas de mudança, e quando confrontados com uma escolha. A sua evolução não é linear, como pode deixar transparecer a metáfora da “árvore tecnológica”5, mas antes pelo contrário, as etapas evolucionárias que originam uma tecnologia podem não ser as únicas, e nem sempre as mais eficientes. Por isso, como sugere Wilmoth, os inovadores devem reconhecer que a tecnologia do passado pode evoluir de forma maleável para algo substancialmente diferente, tendo em conta os requisitos futuros. Por vezes, antigas tecnologias são ressuscitadas e impõem-se como inovações revolucionárias6. Em outras ocasiões, parecem ser as mais indicadas e não vingam.
 
Wilmoth concebe que a hierarquia da inovação deve ter início com uma definição das necessidades; a revisão da organização e da doutrina; e posteriormente a identificação da tecnologia disponível. Se a isto lhe adicionarmos uma visão sem imposição de limites conceptuais, teremos os ingredientes necessários para originar uma inovação revolucionária.
 
Encarando a inovação militar como o desenvolvimento de novos conceitos de combate e/ou novas formas de integrar tecnologia (podem incluir novas formas de doutrina, táctica, treino ou apoio)7, é possível compreender que a inovação nem sempre dependa da aplicação de novas tecnologias. Ao associarmos conceitos operacionais inovadores, com novas formas de organizar e tecnologia nova ou existente, torna-se possível a criação de novas capaci­dades que fomentem a eficácia militar.
 
Um exemplo vivo desta linha de pensamento pode ser encontrado na Operação Enduring Freedom (OEF) no Afeganistão, onde se procedeu à combinação de tecnologias experimentais8, com processos revolucionários (emprego de forças especiais; operação conjunta), ao mesmo tempo que se integraram tecnologias e processos por muitos considerados obsoletos (aeronaves com 50 anos ou o regresso da cavalaria).
 
Williamson Murray9 apela para a inovação numa época de recursos escassos e de maior ambiguidade na natureza dos oponentes. À semelhança de outros autores, advoga também o carácter não-linear e complexo do processo de inovação, sustentando que cada época reúne factores indissociáveis e não replicáveis. Defende no entanto, que entre 1920 e 1930 se assistiu a um período semelhante, e que através do seu estudo se poderão melhor compreender e enfrentar os desafios que se aproximam. Sugere, pela análise das evidências históricas, que a inovação militar é mais evolucionária do que revolucionária. Por exemplo, para os alemães, a blitzkrieg (guerra-relâmpago) era o corolário esperado de anos de evolução em termos de inovação. Para os adversários apresentava-se como uma revolução no emprego das forças, segundo princípios de surpresa, rapidez e coordenação entre infantaria, blindados e aviação.
 
Murray10 sustenta que a inovação evolucionária só é possível através do comprometimento organizacional durante o longo período de mudança. Não bastam simples decisões, mas sim influenciar, de forma contínua e profunda a cultura da organização, no sentido de catalisar e abraçar os resultados da inovação. Nesse sentido, entende a cultura militar como factor crucial para o sucesso da inovação. Definindo a cultura militar como a soma dos valores intelectuais, profissionais e tradicionais de um corpo de oficiais, considera-a essencial para a avaliação e resposta a ameaças, para como preparam o combate e inovam. A chave do sucesso reside, não num líder visionário, mas na necessidade de educar e encorajar os militares a inovar. Não criando restrições à sua imaginação. Sustenta por isso, que a educação e os valores são factores críticos para influenciar uma mudança cultural, e com ela abrir caminho à inovação.
 
 
Revolução nos Assuntos Militares
 
Intrinsecamente ligada à definição do conceito de Transformação está um outro com raízes históricas mais profundas: o termo Revolução nos Assuntos Militares.
 
As abordagens transdisciplinares sobre a RAM11 variam na sua classificação de acordo com aspectos históricos, civilizacionais e sociológicos, entre outros. Para aumentar a complexidade conceptual, relacionam este conceito com diversos níveis da ciência militar, desde o estratégico até ao táctico. Nesse âmbito, encontramos os termos, por vezes empregues como sinónimos, de Revolução Militar, RAM e Revolução Técnico-Militar12.
 
A panóplia vastíssima de definições condiciona por isso a nossa análise13. Ao invés de procurarmos apresentar as inúmeras opiniões, julgamos ser importante indicar as diferentes linhas de interacção, tendo por base a definição do processo, a quantificação da sua ocorrência e a sua magnitude.
 
Impelidos por uma tentativa de consenso conceptual, consideramos a RAM como uma disrupção de valores e processos de fazer a guerra e das respectivas organizações, assentes em avanços tecnológicos. Por exemplo, a blitzkrieg14 e a aviação naval (porta-aviões) podem considerar-se inovações disruptivas. No caso do exército alemão, ameaçou e transformou a infantaria. No caso americano tornou obsoletos os couraçados. Actualmente os avanços possibilitados pelas tecnologias de informação, pelo desenvolvimento de sistemas de bombardeamento de precisão, plataformas furtivas (tripuladas ou não) e sistemas espaciais, todos ligados em rede, permitem uma verdadeira transformação do modo de fazer a Guerra.
 
Relativamente à quantificação da ocorrência deste fenómeno, a complexidade aumenta.
 
Murray e Knox avançam a existência de 5 Revoluções Militares - o sistema de estado do séc. XVII; a Revolução francesa; a Revolução Industrial; a 1ª Guerra Mundial e a competição nuclear15.
 
Na sua analogia histórica, Krepinevich16 percorre os padrões de revoluções militares desde a cavalaria ao computador, avançando um total de dez revoluções.
 
Alvin e Heidi Toffler defendem que uma verdadeira revolução militar implica uma mudança das regras, do equipamento, da organização, do treino, doutrina, tácticas entre outras coisas17. Para eles, uma revolução militar ocorre apenas quando uma nova civilização confronta a existência de uma outra, ultrapassada, transformando a sua sociedade, obrigando a uma mudança drástica das suas forças armadas, a todos os seus níveis18. Tendo por base estas premissas, apontam que na história humana apenas ocorreram três revoluções militares associadas com as três vagas: agrária, industrial e informacional19.
 
Numa perspectiva de relacionamento do militar com a sociedade, António Telo20 propõe-nos três grandes revoluções militares, correspondendo à passagem das sociedades medievais para as modernas, destas para as industriais e finalmente para a Idade da Informação.
 
Como é possível constatar pelas classificações em apreço, somos forçados a concordar com Colin Gray, quando este afirma que quantos mais historiadores perscrutam a experiência militar, maior é o número de RAM21.
 
Relativamente à sua magnitude, e segundo Williamson Murray, a maioria das RAM ocorridas na história, envolveram um processo evolucionário22. Mesmo a fase actual da RAM tem ramificações aos anos 70 com o início do desenvolvimento das tecnologias da informação. Analisando o registo histórico constatamos que a tecnologia é apenas um facilitador da inovação militar. No entanto, o modo como a vantagem tecnológica é traduzida em nova doutrina e conceitos operacionais é que define o sucesso de uma nova capacidade militar23. Considera Murray que a sua importância para as operações militares futuras está dependente de uma visão de longo prazo, da cultura, doutrina e organização24. Continua, afirmando que o elemento crucial na maioria das RAM é de natureza conceptual25. Para ele, as inovações radicais, apelidadas de revoluções militares, ocorridas ao longo da história provocaram alterações sistémicas nos planos políticos, sociais e culturais, com consequências imprevisíveis e incontroláveis. A comparação que faz das revoluções militares com um tremor de terra serve para enquadrar as RAM como abalos pré e pós-sismicos.
 
O termo “Revolução” pode por isso induzir em erro, pois define uma mudança que pode ocorrer durante décadas. O seu verdadeiro significado está relacionado com a magnitude e profundidade da mudança, e a implicação dos novos métodos na eficácia das operações militares. Uma mudança dramática no carácter dos conflitos26. Este aspecto evolutivo confere-lhe um atributo de Revolução Militar em Curso27. Poderá afirmar-se que a RAM actual configura a primeira revolução “consciente” da história, motivada por uma atitude pró-activa na sua implementação em vez de permitir uma emergência orgânica28.
 
Apesar das diferenças conceptuais, regista-se um aparente consenso, nos proponentes da RAM actual, acerca do impacto das tecnologias da informação neste processo. Michael Evans29 advoga que a RAM actual diz respeito às consequências resultantes de uma integração acelerada das tecnologias informacionais em sistemas de armas e redes de C2. A partir da sua integração nos sistemas de armas foi possível desenvolver novos conceitos operacionais, e com eles reformular a organização e emprego das forças militares. Desta forma, a RAM actual ficará para sempre ligada com o conceito de Guerra Centrada em Rede (GCR)30, e este constitui-se como um dos objectivos centrais para o processo de Transformação.
 
Também a RAM é uma trindade que envolve o intelecto, a tecnologia e a organização. A tecnologia é o aspecto mais mediático, surgindo como o catalisador da mudança, mas sem aparecer interligada com as outras vertentes, nunca será inovação, não passando de uma simples invenção.
 
 
Transformação Militar em Curso
 
Nestes últimos anos, a RAM abriu caminho à Transformação como racional para os problemas de Segurança e Defesa. Este termo tem ganho popularidade como sinónimo e substituto da RAM. Por essa razão, e pelo facto de ser um conceito em mutação, com significados dependentes do referencial do observador, conseguir uma definição precisa pode tornar-se um pesadelo semântico e ontológico.
 
De um modo abrangente pode ser definida como um conjunto de reformas para aumentar a eficácia das forças militares. Num sentido mais restrito actua como uma revolução militar na arte e ciência operacional31.
Segundo o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América (EUA), o seu mentor e principal promotor, a Transformação “é um processo que molda a mudança de natureza da competição e cooperação militar através de novas combinações de conceitos, capacidades, pessoas e organizações (…)”32.
 
Preferimos, no entanto, a visão de John Garstka acerca da Transformação como uma “mudança intencional e sustentada, por vezes em larga escala, encetada com objectivo estratégico de criar e manter vantagem competitiva, ou de contrariar uma possível vantagem de um competidor existente ou emergente”33. Antevê este processo com quatro dimensões, cada uma delas constituída por módulos de capacidades: as pessoas (inclui as vertentes de pessoal, liderança, educação e treino); os processos (a doutrina); a organi­zação; e a tecnologia (equipamento e instalações)34.
 
Numa vertente operacional, de acordo com Daniel Hamilton, podemos encarar a Transformação como uma mudança no planeamento e condução de operações militares, onde a orientação com base em forças foi substituída por capacidades; onde as operações de desgaste deram lugar aos efeitos; onde a separação entre ramos deu origem à coordenação de operações conjuntas35. Esta actuação conjunta (jointness) e a disponibilidade de infor­mação acerca do espaço de batalha36, configuram a resposta militar à Era da Informação.
 
Acima de tudo, é uma ferramenta para unificar e motivar um compromisso, no sentido de encetar uma mudança. Nesse sentido, o seu significado continuará a evoluir conjuntamente com o desenvolvimento de novas capacidades e com a multiplicação de desafios37.
 
Poderemos então distinguir de forma ténue, que enquanto a RAM envolve mudança de paradigmas, que promovem novas visões, ideias e processos, a Transformação militar centra-se na implementação dessas ideias. Ou seja, traduz os conceitos em capacidades, configurando uma inovação em grande escala. É possível inferir que o sucesso da Transformação implica que as organizações militares fomentem a inovação como competência basilar.
 
 
Conclusão
 
“This is precisely what transformation is about. Here we are in the year 2002, fighting the first war of the 21st century, and the horse cavalry was back…being used in previously unimaginable ways…revolution in military affairs is about more than … building high tech weapons …it is also about new ways of thinking… new ways of fighting.”
Donald Rumsfeld38
 
A pesquisa efectuada na elaboração deste estudo revelou uma vastidão de definições pelo facto de cada entidade, serviço ou organização, executar diferentes funções e missões, apresentando naturalmente diferentes métodos de conceptualização e implementação dos conceitos.
 
Apesar dos conceitos apresentados não serem consensuais, essas aproximações colocam ênfase diferenciada nos seguintes elementos:
- noção da mudança;
- a importância relativa da tecnologia;
- natureza interactiva da mudança revolucionária;
- necessidade de contextos favoráveis detonadores da mudança.
 
Desses conceitos é possível inferir algumas considerações determinantes para a compreensão global do processo de Transformação em curso:
- o termo Revolução qualifica a magnitude da mudança e não a rapidez com que ela ocorre, na medida em que constitui uma disrupção da forma de organizar e de combater;
- não são exemplos de modernização, reestruturação ou adaptação. Envolvem mudanças na magnitude da capacidade militar. Requerem inovações sustentadas ao nível conceptual, tecnológico e organizacional. Implicam a experimentação intencional e a capacidade de aprender com a experiência. Enquanto que a Transformação foi definida na sua génese como uma evolução de capacidades de combate, no sentido de fornecer uma vantagem revolucionária, a modernização diz respeito à substituição de equipamento, sistemas de armas e infra-estruturas no sentido de manter ou melhorar capacidades de combate, actualizar estruturas, ou reduzir custos de operação39;
- isto poderá conduzir à necessidade de inovação perpétua, na medida em que a superioridade militar obtida fomentará a capacidade de aplicação de “poder duro” para obter os fins políticos.
 
Todas as definições convergem para uma trindade de atributos que definem a RAM e como tal a Transformação segundo: inovações tecnológicas; novos processos; e reforma organizacional. Ligando este triângulo estratégico estão como sempre, as pessoas. O que distingue os diversos processos de Transformação Militar em Curso é a ênfase diferenciada na magnitude desta trindade de inovação disruptiva.
 
Concordamos com Murray e O´Leary40 quando sustentam que os militares inovam em tempos de paz e numa atmosfera de ambiguidade, não sabendo quando voltarão a lutar, ou com e contra quem. Levantamos, como eles, algumas questões fulcrais: Qual será o contexto da Guerra futura? Quais serão os seus objectivos? Como se irão preparar as forças inimigas? Quais as mudanças tecnológicas e tácticas que irão ocorrer?
 
Para aqueles que planeiam a Transformação de forças em tempo de paz, as respostas são essenciais mas incertas.
 
Nesta época de globalização do conhecimento é mais fácil estimular a criação de pólos de discussão, de uma forma intelectualmente saudável, no sentido de promover a inovação e a mudança. Perscrutando possíveis respostas, os Institutos de Ensino Militar constituem-se como os locais ideais para emancipar o estudo científico da Guerra, estimulando o pensamento estratégico, educando hoje os Guerreiros do Conhecimento do amanhã.
 
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*      Major Piloto-Aviador. Desempenha funções de Oficial de Operações da BA Nº 11. Mestre em Estudos da Paz e da Guerra pela Universidade Autónoma de Lisboa.
 
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 1 CLAUSEWITZ, Carl - On War. [Em linha]. Tradução de J.J. Graham, publicado por N. Trübner, Londres, 1873. [Consult. 17 Dez. 2006].
   Disponível na WWW: .
 2 TELO, António - O papel dos militares nas grandes mudanças em Portugal. Nação e Defesa. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional. Nº 112 (Outono/Inverno 2005) 126.
 3 op. cit., p. 127.
 4 WILMOTH, Gregory - False-failed innovation. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 17 (Autumn/Winter 1999-2000) 51-57.
 5 Segundo este exemplo, cada tecnologia revolucionária é uma consequência linear de vários avanços tecnológicos, e ao mesmo tempo pré-requisito para outros. Quem não se lembra das horas passadas a jogar Civilization, e da busca incessante por novas tecnologias, que permitissem o desenvolvimento civilizacional e a vantagem sobre os adversários? Para que isso fosse possível, teriam de ser seguidos determinados pré-requisitos tecnológicos. Por exemplo, para obter a pólvora é necessário, em primeiro lugar, desenvolver a capacidade de invenção e de trabalhar o ferro. A invenção apenas ocorre com o domínio da engenharia e da alfabetização, e como tal, cada avanço é consequência linear de outro. A esses avanços se convencionou designar “árvore tecnológica”. op. cit., p. 56.
 6 Por exemplo, o emprego de Operações Baseadas em Efeitos assume-se hoje como factor determinante para o planeamento e execução de operações militares. Não é um conceito novo, mas nunca tinha conseguido ser operacionalizado de forma eficaz. Também a capacidade de reabastecimento aéreo foi tentada nos anos 20, mas abandonada. Retomada após a 2ª Guerra Mundial, constituiu-se como uma capacidade determinante para o emprego do poder aéreo até à actualidade. Analogias semelhantes se verificam relativamente a avanços julgados inovadores, mas que não produziram alterações significativas.
 7 ISAACSON, Jeffrey; LAYNE, Christopher; ARQUILLA, John - Predicting military innovation. RAND Annotated Briefing. Santa Monica: RAND, 1999, p. 8.
 8 Resultantes do desenvolvimento do Programa de Demonstração de Conceitos Avançados de Tecnologia, do Departamento de Defesa norte-americano, foram empregues cerca de 30 produtos experimentais durante a OEF. Desde UAV, sistemas de data-link, armamento de precisão, sistemas de detecção e selecção de alvos, entre muitos outros. PAYTON, Sue - Technological innovations: the ACTD program. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 31 (Summer 2002) 71-76.
 9 MURRAY, Williamson - Innovation: past and future. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 12 (Summer 1996) 51-60. O assunto de inovação militar é desenvolvido de forma profunda na obra de referência com coordenação de MURRAY, Williamson; MILLET, Allan - Military innovation in the interwar period. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
10 ibidem.
11 Para aprofundamento da temática sobre a RAM, sugere-se como bibliografia nacional a leitura da edição da Nação e Defesa, Nº extra série - Abril 2003, assim como os artigos de TELO, António - Reflexões sobre a Revolução Militar em Curso. Nação e Defesa. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional. Nº 103 (Outono/Inverno 2002) 211-249, e de PEREIRA, Carlos - RMA: realidade e utopia. Nação e Defesa. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional. Nº 104 (Primavera de 2003) 149-183. A nível internacional, destacam-se Knox e Murray, Andrew Krepinevich, Eliot Cohen, entre outros. Numa perspectiva globalizante sugere-se a consulta do portal “The RMA debate”.
12 Murray e Knox distinguem a “Revolução Militar” como um processo que afecta tanto a sociedade e o estado, como as instituições militares. Segundo eles, as RAM constituem um processo de inovação militar (uma mudança de nível tecnológico, táctico, organizacional e doutrinário) no sentido de implementar uma nova aproximação conceptual à aplicação da componente militar. Consideram no entanto que a RAM promove um incremento exponencial na eficácia militar. KNOX, MacGregor; MURRAY, Williamson - Thinking about revolutions in warfare. In KNOX, MacGregor; MURRAY, Williamson, eds. - The dynamics of military revolution 1300-2050. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 11-12. Andrew Krepinevich define “Revolução Técnico-Militar” como “uma aplicação de novas tecnologias num número significativo de sistemas militares em combinação com conceitos operacionais inovadores e adaptação organizacional, de uma forma que altera fundamentalmente o carácter e condução dos conflitos”. KREPINEVICH, Andrew - The Military-Technical Revolution: a preliminary assessment. Washington D.C.: Center for Strategic and Budgetary Assessments, 2002, p. 3.
13 Partindo da definição do Marechal soviético Nikolai Ogarchov sobre Revolução Técnico-Militar, Andrew Marshall introduziu o termo de RAM sustentando que os avanços tecnológicos eram complementados por novas doutrinas e organizações. Para Andrew Marshall, por muitos considerado o mentor da RAM ocidental, esta significa uma mudança fundamental abrangente, de como são planeadas e conduzidas as operações militares. Esta mudança na natureza do combate é possível através da aplicação inovadora de novas tecnologias, que quando combinadas com alterações dramáticas na doutrina militar e nos conceitos operacionais e organizacionais, modificam o carácter e condução de operações militares. ROXBOROUGH, Ian - From Revolution to Transformation: the state of the field. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 32 (Autumn 2002) 68-75. Para o analista Richard Hundley da RAND Corporation, uma RAM “envolve uma mudança de paradigma na natureza e condução das operações militares, tornando obsoletos ou irrelevantes uma ou mais competências chave de um actor dominante, ou criando uma ou mais novas competências chave, numa nova dimensão da guerra, ou ambas”. HUNDLEY, Richard - Past revolutions, future transformations. Santa Monica: RAND, 1999, p. 9. Também Michael O´Hanlon nos recorda, que “as revoluções militares são criações intencionais de pessoas. São criadas por uma combinação de avanços tecnológicos, adaptação institucional e inovação no combate”. O´HANLON, Michael - Technological change and the future of warfare. Washington D.C.: Brookings Institution Press, 2000, p. 24.
14 Um dos exemplos históricos mais citado para definir uma época de RAM, refere-se à 2ª Guerra Mundial quando a Alemanha invadiu a França, Bélgica, Luxemburgo e Holanda. Embora representando apenas 7% das forças alemãs, elas tinham sido transformadas como resultado da introdução de viaturas blindadas sobre lagartas, apoio logístico motorizado, e aplicação eficaz da interdição e apoio aéreo próximo. Apesar das partes em confronto terem acesso às mesmas tecnologias, apenas os alemães as associaram a conceitos inovadores de operação e de organização e treino. A conquista de 4 países em cerca de 6 semanas pelas divisões Panzer ficou para a história como a doutrina operacional de “blitzkrieg”, configurando um exemplo paradigmático de RAM. SEARLE, Thomas - A Força Aérea do futuro. Air & Space Power Journal. Montgomery: CADRE. (2º Trimestre 2005) 79-85. Para uma descrição detalhada do conceito “blitzkrieg” e dos seus paralelismos com as operações actuais sugere-se SMITH, Edward - Effects-Based Operations: applying Network-Centric warfare in peace, crisis, and war. Washington D.C.: CCRP, 2002.
15 KNOX, MacGregor; MURRAY, Williamson - op. cit..
16 KREPINEVICH, Andrew - Cavalry to computer: the pattern of military revolutions. The National Interest. New York: The Nixon Center. (Fall 1994) 30-42.
17 TOFFLER, Alvin; TOFFLER, Heidi - War and anti-war: survival at the dawn of the 21st century. Boston: Little, Brown and Company, 1993.
18 op. cit., p. 32.
19 TOFFLER, Alvin - The third wave. New York: Bantam Books, 1981.
20 TELO, António - Reflexões sobre a Revolução Militar em Curso. op. cit., p. 217.
21 GRAY, Colin - RMAs and the dimensions of strategy. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 17 (Autumn/Winter 1997-1998) 51.
22 Por exemplo, o desenvolvimento das tácticas alemãs da 2ª Guerra Mundial teve início no princípio dos anos 20. MURRAY, Williamson, ed. - Army Transformation: a view from US Army War College. Carlisle: Strategic Studies Institute, 2001, p. 11.
23 MURRAY, Williamson - Thinking about innovation. Naval War College Review. Newport: Naval War College Press. 54:2 (Spring 2001) 119.
24 MURRAY, Williamson, ed. - Army Transformation: a view from US Army War College, op. cit., p. 10.
25 MURRAY, Williamson - Thinking about Revolutions in Military Affairs. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 16 (Summer 1997) 70.
26 KREPINEVICH, Andrew - Cavalry to computer: the pattern of military revolutions, op. cit.
27 GARCIA, Proença - Políticas de Defesa Nacional: as novas missões das Forças Armadas. Estratégia. Lisboa: Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Vol. 12 (2000) 413-421.
28 Asia-Pacific Center for Security Studies - Defense Transformation in the Ásia-Pacific Region: meeting the challenge. [Em linha]. Honolulu, 2004. [Consult. 17 Dez. 2006]. Disponível na WWW: .
29 EVANS, Michael - Australia and the Revolution in Military Affairs. Canberra: Land Warfare Studies Centre, 2001, p. 3.
30 Também denominadas Operações Centradas em Rede (OCR). O conceito de Guerra Centrada em Rede, introduzido pelos EUA na década de 90, rapidamente se tornou um requisito operacional para os países com ambição de participar em operações de coligação com forças norte-americanas. Consoante os níveis de ambição, recursos e tradições culturais, foram desenvolvendo adaptações nacionais de um processo de operação conjunta e integrada, dando preferência a segmentos específicos do espectro de conflito: Reino Unido “Network Enabled Capability”; Suécia “Network Based Defense”; Noruega “Network Centric Warfare”; Canadá “Network Enabled Operations”; Austrália “NCW”; Singapura “Knowledge Based Command and Control”; ou mesmo a China através da execução de simulações de operações em rede para treino de comandantes e forças militares. A NATO desenvolve a sua capacidade de operação em rede denominada “NATO Network Enabled Capability” (NNEC).
31 LAMB, Christopher - Transforming Defense. Washington D.C.:National Defense University Press, 2005, p. 2. Relacionando—o com o conceito de inovação, Randolph Miller descreve o processo em curso como resultado de “efeitos cumulativos de uma série de inovações ou efeito sinérgico de algumas inovações significativas que alteram de forma profunda a condução e carácter da guerra”. MILLER, Randolph - U.S. Military Transformation and Experimentation: historical perspectives, prospects, and prescription. Pittsburg: University of Pittsburg, 2002.
32 Tradução do autor do original: “a process that shapes the changing nature of military competition and cooperation through new combinations of concepts, capabilities, people and organizations that exploit our nation’s advantages and protect against our asymmetric vulnerabilities to sustain our strategic position, which helps underpin peace and stability in the world.” US Department of Defence - Transformation planning guidance. Washington, DC: Department of Defense, 2003, p. 3. Segundo a Estratégia de Defesa dos EUA, a Transformação vai muito para além da tecnologia. É uma nova forma de encarar os desafios e oportunidades, adaptando a organização de defesa e reajustando as capacidades para um futuro incerto, ao invés daquele para que estamos preparados. É ainda um esforço para transformar as alianças internacionais, incluindo as capacidades colectivas. National Defense Strategy of the United States of America. Washington D.C.: White House, 2005, p. 10.
33 GARSTKA, John - The Transformation challenge: examining NATO´s Transformation. NATO Review. Brussels: NATO. (Special Issue, Spring 2005) 8.
34 op. cit., p. 9. Na prática, ajustar as capacidades existentes a novas missões; uma cultura de gestão de risco e cooperação inter-agências, com base no julgamento individual, dando cumprimento à intenção do comandante; a vertente tecnológica fornece as capacidades que conjuntamente com a doutrina, a educação e o treino fornecem o enquadramento para a Transformação. HARPER, Gene - Joint Chiefs Chairman takes Transformation message to industry forum. [Em linha]. Washington D.C.: American Forces Press Service, 2003. [Consult. 17 Dez. 2006]. Disponível na WWW: .
35 HAMILTON, Daniel ed - What is Transformation and what does it mean to NATO? In HAMILTON, Daniel ed. - Transatlantic Transformations: equipping NATO for the 21st century. Washington DC.: Center for Transatlantic Relations, 2004, p. 4. Para John Endicott, a Transformação é um termo que designa o processo encetado pelas comunidades militares e de segurança, cada vez que uma mudança sistémica ocorre no sistema internacional de segurança. ENDICOTT, John - Transformation of military affairs in the 21st century. Atlanta: Center for International Strategy, Technology, and Policy, 2004. A nomenclatura conjunta diz respeito a emprego de forças de vários ramos das FFAA. Por outro lado, as operações combinadas referem-se à actuação de várias forças de vários países.
36 Meio envolvente, factores e condições que necessitam de ser compreendidas para aplicar com sucesso o poder de combate, proteger a força, ou completar a missão. Isto inclui ar, terra, mar, espaço e as forças amigas e inimigas envolvidas; estruturas; meteorologia; terreno; espectro electromagnético; e ambiente informacional dentro das áreas operacionais e de interesse. Joint Publication 1-02. Washington D.C.: Department of Defense, 2006. O campo de batalha do passado expandiu-se em resultado dos efeitos da globalização e da Era da Informação, abrangendo actualmente todas as formas de interacção humana, desde o debate político ou condicionamento da opinião pública, até ao combate armado.
37 ASCH, Beth; HOSEK, James - Looking to the future: what does Transformation mean for military manpower and personnel policy? Santa Monica: RAND, 2004, p. 36.
38 RUMSFELD, Donald - Secretary Rumsfeld delivers major speech on Transformation. [Em linha]. 31 Jan. 2002. Washington D.C.: National Defense University. [Consult. 17 Dez. 2006]. Disponível na WWW: .
39 Department of Defense - Network Centric Warfare report to Congress. Washington D.C.: Department of Defense, 2001, p. 2-2.
40 MURRAY, Williamson; O’LEARY Thomas - Military Transformation and legacy forces. Joint Force Quarterly. Washington D.C.: Institute for National Strategic Studies. Nº 30 (Spring 2002) 21.
 
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2007-05-18
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REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia