Nº 2679 - Abril de 2025
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Das Companhias de Emboscada à Brasilidade
Coronel
Cláudio Ricardo Hehl Forjaz

A Guerra do Brasil, conhecida como Guerra do Açúcar, teve início em 1624 com a invasão holandesa à colônia luso-americana. A Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie – WIC), representando a República das Províncias Unidas, almejava conquistar as terras do açúcar: Zuickerland. A chegada de uma poderosa frota em maio de 1624 diante da capital do Estado do Brasil, desencadeou uma série de eventos que transformaram esse torrão1.

Após a tomada de Salvador, no dia 10 de maio2, os mercenários encontraram resistência por parte dos luso-brasileiros, que não aceitaram de forma pacífica a presença estrangeira em suas terras. A batalha pela soberania do açúcar e controle sobre sua produção e escoamento foi intensa e sangrenta, marcando cada dia com conflitos e adversidades. A abnegação dos habitantes locais, apoiados por civis, clérigos e militares, impediu que os neerlandeses alcançassem plenamente seus objetivos estratégicos.

O período entre a queda de Salvador, em maio de 1624, e a sua restauração, em março de 1625, foi caracterizado por embates contínuos e pela determinação por parte dos locais em manter sua autonomia e cultura. Os eventos desse período revelam a importância da resistência e união da população local diante das tentativas de domínio territorial pelo estrangeiro.

Assim, a história da Guerra Brasílica é um testemunho da determinação do povo brasileiro em defender suas terras, culturas e identidade diante de adversidades e ameaças externas. O legado desse conflito perdura até hoje, reforçando a brasilidade e a resiliência do povo frente a todos os desafios.

 

1. A organização da resistência

A organização da resistência na Bahia durante a invasão foi crucial para a defesa da região perante os ataques piratas e ocupações estrangeiras. Após a chegada dos batavos, o povo baiano foi obrigado a se retirar para o interior, buscando refúgio no Recôncavo. A união de senhores e escravos, colonos e colonizados, nativos e imigrantes foi imperativa diante da ameaça comum3.

Diante da ausência de autoridade governamental e da necessidade de agir rapidamente, as lideranças locais aplicaram pela primeira vez na história brasileira as “Vias de Sucessão” e elegeram Matias de Albuquerque Coelho, governador de Pernambuco, para governar Santa Cruz4 e Antão de Mesquita de Oliveira, ouvidor-geral e chanceler do Tribunal da Relação, como seu comandante. Este aceitou a missão, repartindo suas obrigações com o capitão Lourenço Cavalcanti de Albuquerque e com João de Barros Cardoso, um senhor renomado de engenho do Recôncavo. No entanto, a ineficácia do jurista como líder em tempos de conflito levou os comandantes à sua substituição pelo Bispo Dom Marcos Teixeira de Mendonça. O religioso mostrar-se-ia à altura para liderar a resistência contra o usurpador5.

Feito isso, precisavam mostrar ao germânico que agora a luta seria diferente. Numa primeira contagem, Dom Marcos percebeu que seu efetivo era de aproximadamente 1.400 colonos e 250 índios. Seria com eles que tentaria recuperar Salvador (SOUTHEY, 1965, p. 115). Ele manteve Cavalcanti de Albuquerque como coronel, nomeando Belchior Brandão seu auxiliar. A fim de fortalecer seu contingente, convocou gente das fazendas e engenhos locais.

Assim, a resistência organizada na Bahia ia demonstrando a importância da coesão e da ação conjunta em tempos de crise, mostrando que, unidos, poderiam superar as adversidades e defender sua terra com bravura.

 

1.1 A força terrestre na Bahia antes da invasão batava

A presença militar na Bahia antes dessa investida era composta por diferentes tipos de tropas e expedições que refletiam a mobilidade e as estratégias defensivas dos ibéricos no Novo Mundo. Em 1549, 600 voluntários desembarcaram na Bahia com Tomé de Souza, representando a primeira tropa composta por elementos regulares trazidos de Portugal. Na segunda metade do século XVII, as tropas de Presídio e de Ordenanças desempenhavam funções distintas, sendo a primeira responsável pela defesa das guarnições e a segunda decorrente da organização sebástica estabelecida anteriormente6. As expedições eram essenciais para conquistar territórios, reconhecer áreas e expulsar piratas, constituídas de brancos, índios aliados e mamelucos.

As adversidades enfrentadas pelas primeiras gerações brasileiras, marcadas pela incerteza, conflitos com bucaneiros e hostilidades com selvagens, contribuíram para forjar um sentimento de pertencimento e valorização do território. Mesmo diante da superioridade em armamento e doutrina militar dos invasores germânicos, a defesa da Bahia foi reforçada com a aliança estratégica com os autóctones, fundamental para conter o avanço dos intrusos.

Diante da redução das forças de defesa e da necessidade de repensar as estratégias frente aos invasores, a presença dos índios como aliados estratégicos se mostrou crucial para equilibrar as forças e impedir a expansão dos inimigos. A união entre os colonos e os nativos demonstrou a importância da cooperação e da adaptação às circunstâncias desafiadoras da época.

 

1.2 Um aliado fiel e corajoso

A interação cultural entre portugueses e indígenas desempenhou um papel significativo na história do Brasil, especialmente no contexto dos conflitos bélicos contra estrangeiros. A mestiçagem e a aliança entre brancos e índios não apenas estabeleceram laços fundamentais, mas também facilitaram a catequização e integração das tribos indígenas à vida colonial. Esse apoio mútuo foi crucial para a resistência e o desbravamento das terras brasileiras.

A influência da cultura indígena se estendeu para além das relações sociais, chegando à linguagem, alimentação, vestuário e até mesmo às táticas de combate. Enquanto na Europa as batalhas eram baseadas em formações rígidas, os luso-brasileiros adotaram a astuta técnica de tocaia, inspirada na habilidade dos indígenas em emboscar seus inimigos. Essa estratégia inovadora e eficaz revelou-se essencial nos confrontos.

A mobilidade e conhecimento do terreno dos indígenas foram explorados pelos colonizadores, que contavam com sua expertise para conduzir emboscadas e explorar as táticas nativas de combate. As armas dos gentios, como flechas, punhais e clavas, foram incorporadas às forças coloniais, contribuindo para a eficácia militar dos luso-brasileiros.

Além disso, as defesas aprimoradas, inspiradas nas técnicas indígenas, como paliçadas, espinhos e armadilhas, demonstraram a adaptação dos colonizadores ao ambiente hostil. Contudo o ponto mais importante é que os lusitanos conseguiram obter o apoio efetivo dos ameríndios, em especial dos tupinambás, que habitavam aquela parte da Bahia.

A chamada guerra brasílica, caracterizada pela inovação técnico-militar dos autóctones, evidenciou a importância da colaboração e da adaptação dos luso-brasileiros às estratégias indígenas. Sem eles ao seu lado, teria sido impossível vencer qualquer combate no Brasil, quer fosse uma simples expedição militar ou defesa de propriedades ou quer fosse uma longa guerra contra estrangeiros, como ocorreria nas invasões holandesas7.

Essa sinergia cultural e estratégica entre portugueses e indígenas não apenas moldou o curso dos conflitos no Brasil, mas também revelou a capacidade de adaptação e inovação das forças coloniais diante de desafios imprevisíveis. A contribuição dos índios brasileiros foi fundamental para a construção de uma história marcada pela diversidade e resiliência.

Com uma ferocidade nata dos tupinambás, não é de se estranhar que os primeiros ataques contra os invasores, quer no interior da cidade, quer contra os que ultrapassavam os muros atrás de saque ou de comida, tenham partido deles. Agindo para vingar mortes de parentes que tombaram na batalha, os tupinambás foram os primeiros a imprimir o pavor aos mercenários da WIC 8.

 

2. Surgem as companhias de emboscada

Articulando com destreza, os remanescentes construíram uma espécie de cordão de isolamento, que aos poucos foi sufocando os batavos e dentro da cidadela. Por mar e por terra os luso-brasileiros não dariam trégua ao invasor usurpador, não o deixando explorar seu potencial, nem o potencial local.

Estabeleceu-se então um verdadeiro sistema de guerrilhas. Este método, embora incipiente, já era do conhecimento dos colonos, uma vez que muitos haviam sido atraídos pelas emboscadas dos gentios e ainda estava vivo na memória de alguns as perdas sofridas pelas expedições emboscadas pelos franceses e seus índios aliados durante décadas de lutas para expulsá-los das nossas capitanias setentrionais, especialmente da Paraíba.

 

2.1 Os primórdios da Guerra Brasílica

No processo de colonização do Brasil, a interação entre os portugueses e os povos indígenas desempenhou um papel crucial. Desde o início dos contatos, houve uma mistura de atitudes amigáveis e hostis por parte dos autóctones, que influenciaram significativamente a história colonial brasileira. Questões como alimentação, contato social, idioma, religião, conflitos e diversas formas de interação moldaram a convivência entre os primeiros colonos e os nativos.

À medida que os colonos se afastavam dos centros urbanos, as relações com os indígenas se intensificavam. Muitos luso-brasileiros mantinham estreitos laços com os ameríndios, seja por meio de mestiçagem, como os mamelucos, ou através da catequização. As expedições exploratórias rumo ao sertão, especialmente na Bahia, Pernambuco e São Paulo, eram ambientes nos quais essa parceria se mostrava eficaz. Essas jornadas tinham como objetivos expulsar estrangeiros, capturar indígenas ou procurar preciosidades.

Um aspecto militar fundamental nessas expedições era o desenvolvimento de técnicas que viriam a moldar a guerra no Brasil. Durante a conquista da Paraíba na década de 1580, os luso-brasileiros nordestinos foram introduzidos a táticas como emboscadas, deslocamento rápido de tropas e o conhecimento detalhado do terreno, características que guiariam a posterior guerra brasílica9.

As táticas de combate irregulares adotadas pelos tupis e tapuias representaram desafios significativos para os colonos, exigindo habilidades de sobrevivência em território hostil. A necessidade de enfrentar guerrilhas eficientes levou os mazombos a aprimorarem suas próprias técnicas militares, combinando esses ensinamentos com a experiência de comandantes locais e aliados nativos em Pernambuco, resultando em um equilíbrio nas ações.

Essa troca de conhecimentos e adaptação às condições de guerra evidencia a complexidade das relações entre os colonizadores e os povos indígenas, marcando não apenas um período de conflitos, mas também de aprendizado mútuo e construção de estratégias militares inovadoras.

 

2.2 A versão luso-brasileira da Guerra Brasílica

A forma de combate mencionada tem como objetivo principal instilar inquietação e provocar a morte no inimigo, visando minar sua vontade de resistir ou de se aventurar para além dos limites da capital. Essa abordagem de combate marcou o surgimento da Guerra Brasílica, versão brasileira do conflito armado, que se mostrou uma estratégia nacional única e deu origem ao que conhecemos hoje como Estratégia da Resistência.

Diferentemente do cenário europeu, onde as grandes formações podiam ser alinhadas facilmente entre campos abertos e pastagens, o território americano se apresentava coberto por densas florestas, arbustos, rios e uma variedade de obstáculos naturais que inviabilizavam a tradicional formação quadrada do terço, típica das batalhas do Velho Mundo. Além disso, fatores como a indumentária volumosa e pesada, a escassez de alimentos e munição, o clima quente e úmido, a presença de doenças tropicais, somados à diversidade de idiomas falados pelos mercenários, tornavam os desafios complexos.

Por outro lado, os habitantes locais estavam adaptados ao clima e ao terreno tropical, vestiam-se de forma leve e possuíam conhecimentos sobre como sobreviver na natureza. Com décadas de convivência em um ambiente de luta e trabalho árduo, colonos, nativos e escravos tinham familiaridade entre si. Ademais, as expedições frequentes, conhecidas como entradas e bandeiras, que exploravam o interior do território, contribuíram para a organização das forças locais e sua efetiva utilização em combate.

Como não havia na Bahia um terço organizado, e sim, diversas guarnições de fortes, foi mais rápida a adesão à ideia de se organizarem as forças com base nas milícias pré-existentes. Depois de algum debate, optou-se por criar uma estrutura mais leve, ágil e adequada ao terreno e aos meios de que dispunham. A unidade padrão criada foi a companhia de emboscada.

Elemento básico de combate, a companhia de emboscada era composta por um efetivo variável (de 25 a 40 militares), comandada por cidadãos de destaque. Estes inicialmente foram escolhidos dentre os mais fiéis e destacados da comunidade, civil e militar com alguma experiência em combates contra os gentios ou os franceses, ou ainda aqueles que já haviam passado nos corpos de ordenanças ou eram membros das tropas de presídio.

No processo de dar corpo à tropa, a formação incluiu ameríndios guerreiros aliados, colonos experientes no uso de armas e escravos de confiança, que foram convocados e treinados. À medida que as atividades se desenrolavam, surgiram combatentes capazes de assumir o comando de uma companhia.

Neste reduzido núcleo militar coexistiam colonos, índios e negros provenientes das mais diversas origens e classes sociais. Não raramente, indivíduos permaneciam semanas a serviço da unidade, adiando suas obrigações nos campos e plantações. Alguns conciliavam o período de serviço com suas tarefas diárias. O pagamento em dinheiro era inexistente, com exceção dos militares, os quais recebiam somente quando estavam em repouso, em algum forte. A alimentação era provida pelos engenhos e fazendas próximas, onde também eram tratados os feridos. Vale ressaltar que, sem recursos financeiros, a administração da resistência não podia arcar com os custos referentes ao pagamento e à alimentação da tropa, geralmente custeados pela fortuna pessoal de seus integrantes, geralmente o comandante.

A partir de um grupo selecionado de combatentes, as primeiras companhias de emboscada foram organizadas. Estas unidades de combate, altamente móveis, tinham como missão observar os movimentos do oponente, emboscá-los e atormentá-los, sitiando-os, interceptando suas vias de comunicação e suprimento, enfim, restringindo seus movimentos e limitando sua iniciativa.

As primeiras ações de emboscada contra os invasores aconteceram quando alguns deles se aventuraram fora dos portões da cidade e para as bandas da várzea de Tapuípe, em busca de alimento ou de saque. Segundo testemunhas, as tocaias levadas a cabo pelos grupos de Francisco de Castro, George de Aguiar e Manuel Gonçalves mataram quase 2 dezenas de flamengos10.

 

3. Os intrusos tentam expandir seus limites

Após ocuparem o porto e o perímetro urbano de Salvador, os mercenários demonstraram interesse em fortalecer suas defesas e expandir seu território para dominar as áreas canavieiras, sendo esse o principal objetivo de seu ataque à Bahia. Procuraram estabelecer contato pacífico com a população, oferecendo trocas de escravos por alimentos frescos e até mesmo concedendo passaportes para aqueles que desejassem negociar suprimentos e açúcar. Infelizmente, a adesão foi limitada, envolvendo principalmente indivíduos que já mantinham relações prévias com os invasores ou escravos abandonados.

Com o consumo diário dos suprimentos trazidos na invasão e a propagação de doenças entre suas fileiras, tornou-se essencial estabelecer uma rotina de abastecimento por meio da produção local. As áreas mais favoráveis para tal empreendimento eram as mais próximas, no Recôncavo Baiano e em Itaparica.

Um dos primeiros pontos estratégicos ocupados pelos holandeses foi o forte São Felipe, também conhecido como de Nossa Senhora de Monserrate. Erguida em 1586, durante o governo de Manuel Teles Barreto, estava localizada aproximadamente a uma légua ao noroeste das muralhas de São Salvador, na ponta norte da península de Itapagipe. Originalmente construído para proteger um portilho próximo, o forte contava com 3 bocas de fogo à época da invasão holandesa, quando foi prontamente tomado pelos flamengos após a queda de Salvador. Visando controlar os movimentos dos invasores, os baianos cavaram três trincheiras nas proximidades e as guarneceram.

Devidamente consolidados no terreno conquistado e com o domínio das águas, o coronel frísio resolveu incursionar pelas bandas do Morro de São Paulo. Tal elevação, situada na outra margem da entrada da baía, era estratégica para dar alerta sobre aproximação de navios sobre a capital, além de dominar as rotas aquáticas das bases de abastecimento meridionais dos baianos, como nas regiões de Cairu, Boipeba e Camamu.

Em junho começaram os preparativos, com embarque de 400 mercenários e marinheiros, suprimento e material destinado à missão. Na manhã de 12 de junho sua força levantou âncoras. A movimentação anormal no porto despertou a atenção dos espiões e sentinelas milicianas, que deram alerta. Era chegada a chance de tentar retomar a cidadela. O dia para o ataque ficou marcado para 13 de junho, dia de Santo Antônio, o santo de maior devoção popular no Brasil, à época. Mas antes teriam que conquistar o mosteiro do Carmo, onde havia um posto avançado de observação guarnecido por duas famílias de moradores pró-WIC, que alertariam a cidade por meio de badaladas de sino, ali instalado11.

Enquanto isso, como os ventos contrários tinham jogado a frota invasora para o interior da baía e o som da batalha os havia alertado para o que estava acontecendo em Salvador, Van Dorth preferiu retornar, desembarcando perto do forte de Santo Antônio. Ao perceberem a aproximação da força batava sobre sua retaguarda, os nativos se retiraram, pois perceberam que a cidadela era bem defendida e com força de contra-resposta. No ataque tombaram cerca de 10 luso-brasileiros e 4 mercenários (LAET, 1912, p. 52).

Entretanto, esse contratempo não foi em vão. Em reunião os líderes militares decidiram que, embora a conquista da cidade fosse complicada, cercá-la poderia ser uma estratégia eficaz para derrotar o usurpador, debilitando-o por meio do desgaste e da escassez de recursos. Assim, os locais foram aprimorando suas habilidades, aprendendo com as duras experiências por que passavam. Além disso, os luso-brasileiros se davam conta de que a cooperação mútua havia sido essencial para eliminar de uma vez por todas as separações entre eles.

Em relação aos agressores, esse evento intensificou suas suspeitas de que apenas conseguiriam se manter em Salvador se suas defesas fossem aprimoradas e se houvesse um suprimento de alimentos nas proximidades ou enviado pela República. Persuadidos de que não poderiam se expandir para o interior, decidiram se apegar à área que haviam conquistado. Diante desse cenário, o general mercenário ordenou medidas que desestimulassem os baianos a atacarem suas posições.

 

3.1 Mudando a base de operações

O ensinamento extraído do combate de 13 de junho é crucial para entender táticas de cerco e defesa em cenários de guerra. A decisão de cercar a capital e evitar ataques frontais demonstra uma mudança de mentalidade, onde a paciência e a observação se tornam fundamentais. A escolha da região do Rio Vermelho para estacionar as tropas é significativa, pois não só proporciona uma posição vantajosa em termos de defesa e de receber suprimentos e reforços 12.

A fim de estabelecer pontos estratégicos ao redor da capital recém-perdida, como primeira medida os baianos implementaram uma eficiente vigilância, baseada numa série de postos avançados, com uma reserva pronta a atuar onde se fizesse necessário. Cada posto tinha linha de visada do outro, de modo a que, em percebendo a aproximação do inimigo, dava sinal ao próximo, e assim, rapidamente se avisava ao seu capitão, e a seguir, ao cabo comandante da frente (VIEIRA, 2024, p. 27 e 28).

Segundo relatos seiscentistas, nesse momento nas cercanias de Salvador existiam 27 capitães de emboscada e 25 companhias. O exército da resistência, cuja espinha dorsal era esta citada força, seria comandado por dois “coronéis”: Antônio Cardoso de Barros e de Lourenço Cavalcanti de Albuquerque.Com a chegada de mais moradores e índios, eles organizaram suas forças13.

Mas o exército defensor não poderia ter sucesso sem o apoio imprescindível de meios materiais, em especial, de suprimentos, e de pessoal. Para manter uma força compatível, o bispo determinou que cada freguesia enviasse cerca de 20 homens para o Rio Vermelho. Esses e o restante do arraial e dos postos avançados eram abastecidos de carne, peixe, frutas, farinhas, e outros produtos enviados do Recôncavo, além de vinho e azeite, que vinham de Pernambuco em barcos até a terra de Francisco Dias de Ávila, e depois por terra ao arraial (SALVADOR, 1954, p. 146 e 147). Deste modo, negava-se ao adversário o interior. Sem fontes de recursos e mantimentos necessários à manutenção dos conquistadores, seu sistema logístico colapsou14.

 

3.2 O combate das Águas dos Meninos

A transição para o emprego eficaz da emboscada, priorizando a surpresa em vez da força bruta, foi uma estratégia decididamente inovadora e eficaz. Essa mudança de tática foi fundamental para estabelecer um padrão de resistência que se mostraria legitimamente capaz de enfrentar os invasores.

No início da tarde do dia 17 de junho, o coronel Van Dorth, cumprindo seu plano de inspeção das defesas e de reconhecimento de itinerários, resolveu verificar como estava seu posto avançado pelas bandas de Itapagipe, que dias antes tiveram alguns mercenários mortos enquanto pescavam. Foi o começo de uma bem sucedida emboscada que o derrotaria15.

A morte do coronel Van Dorth foi um ponto de inflexão nesta campanha. Sua eliminação não apenas desestabilizou a liderança neerlandesa, mas também serviu para fortalecer a confiança dos milicianos locais. O ato de expor sua cabeça em uma estaca não foi apenas um gesto de triunfo, mas foi essencial para consolidar a ideia de que poderiam triunfar sobre os soldados de fortuna.

A emboscada, com sua estratégia de desgaste, marca uma mudança significativa na abordagem das tropas luso-brasileiras, mostrando que a guerra não seria apenas uma questão de números, mas também de táticas engenhosas e do uso eficaz do conhecimento do terreno. A capacidade dos defensores em se mobilizarem rapidamente e a confiança resultante desse sucesso foram determinantes para a continuidade da resistência.

A partir desse episódio até o final da campanha, no ano seguinte, as fileiras das companhias de emboscada só aumentariam de efetivo e de glórias, muitos estudiosos a consideram como a mais significativa vitória das armas baianas nesta fase da campanha e um ponto de inflexão da campanha neerlandesa na Bahia. Esse combate não apenas solidificou a reputação das companhias de emboscada, mas também evidenciou a crescente capacidade dos brasileiros em se organizarem autonomamente, o que foi crucial para os desdobramentos da guerra a partir daquele ponto. Eles se tornaram mais ousados em suas incursões, sendo um reflexo da maturidade na defesa de seu torrão.

De imediato, a força da resistência foi disposta no terreno próxima aos dois portões da cidade: o do Carmo e o de São Bento. A zona de ação setentrional, onde fica o mosteiro de Nossa Senhora do Carmo, era comandada por Manuel Gonçalves, enquanto a meridional, onde fica o de São Bento, por Francisco de Padilha. Cada um desses destacamentos se fracionou em 6 companhias de emboscada, empreendendo verdadeiras ações de guerrilha. Na reserva dos elementos em primeiro escalão, em condições de atuar como pronta-resposta, acudindo a todas as partes, estava Lourenço de Brito, capitão dos aventureiros (SALVADOR, 1954, p. 403).

Croqui que mostra a localização do Arraial do Rio Vermelho, principal centro de resistência dos baianos contra os invasores holandeses O Bispo-Soldado dispôs seu contingente de modo a concentrar suas ações sobre os acessos dos portões do Carmo, ao norte, e de São Bento, ao sul. Nas cercanias da sede da WIC nas Américas, em especial nos caminhos que demandavam aos seus portões, que as contendas se concentrariam.

Fonte: Estado-Maior do Exército (1998).

 

O sítio foi se estabelecendo diante dos acessos à cidadela, a vanguarda do exército defensor operou e nas cercanias da sede da WIC nas Américas, em especial nos caminhos que demandavam aos seus portões, que as contendas se concentrariam. Como não dispunham de armamento e meios adequados a uma operação de sítio convencional, adotariam uma alternativa heterodoxa, com base nos princípios da surpresa e massa, bases da de emboscada. Com o tempo, esse tipo de operação foi se consolidando por meio de inúmeros embates, geralmente com significativas perdas da parte dos germânicos, não só de gente e material, mas principalmente, de seu moral16.

 

3.3 Novas investidas e novas derrotas dos invasores

Após a morte do General, o Conselho de Guerra mercenário se reuniu no Mercado Velho e, por consenso, decidiu quem seria o seu sucessor. O major Albert Schoutten, que venceu o forte de Santo Antônio da Barra, foi encarregado de assumir o comando das forças da WIC no Brasil. Albert ascendeu ao posto de coronel, enquanto seu irmão Arnt Schoutten (Willen, segundo alguns autores), agora na posição de capitão-mor, assumiu as responsabilidades do novo líder. Assim como seu predecessor, ele manteve-se focado nas defesas da cidade antes de se aventurar em viagens pela baía ou pelo interior.

Schoutten implementou o plano para reforçar as defesas da cidade e proteger a área urbana de um ataque direto aos muros da cidade do lado continental. Como seu antecessor, ele continuou dando atenção às defesas da cidade antes de se arriscar em incursões pela baía ou pelo interior17. A fim de proteger o perímetro urbano de um ataque frontal aos muros da cidade do lado continental, o chefe neerlandês pôs em prática o plano de se construir obras de defesa complementares com base em diques, atividade que eram experts em sua terra natal18.

Em fins de julho, estando segurada capacidade de defesa de Salvador, a armada invasora da WIC resolveu enveredar por outras águas19. No porto ficaram 4 belonaves (Provincie van Utrecht, Samson, Tijger e Groeningen) com missão de defensa da baía de Todos os Santos e de apoio às incursões anfíbias.

 

3.4 Assaltos anfíbios

Temendo que os baianos chegassem muito perto da cidadela, os holandeses resolveram realizar algumas investidas pela “terra de ninguém”, a fim de ocupá-la, por segurança. Nesse período, os holandeses mudaram de postura. Projetando poder pelo mar, passando a incursionar pelos engenhos, só que para saqueá-los e queimá-los20.

Em 24 de agosto, percebendo que as companhias de emboscada se apoiavam mutuamente nos assaltos, uma companhia de mercenários investiu sobre uma casa nas cercanias do forte São Felipe, onde antes morava seu capitão e família, levando picões a fim de derrubá-la. Essa foi mais uma escaramuça que lhes custou caro21.

Sabendo do fracasso nas proximidades da capital, os usurpadores decidiram retomar a perseguição em outros locais da baía. Eles tinham como alvos favoritos a ilha de Itaparica, as comunidades próximas ao morro de São Paulo e os pomares próximos a Salvador, onde fizeram algumas incursões para conseguir alimentos e saquear. Infelizmente para eles, a maioria terminava em derrota, com baixas expressivas22. O mesmo ocorreria com a incursão batava ao engenho que havia em Sepetiba, cerca de uma légua e meia de Salvador, custando cerca de 20 vidas aos intrusos (VIEIRA, 2024, p. 30).

Cientes de que não cometeriam mais assaltos no Recôncavo sem uma resposta adequada, os integrantes da WIC optaram por explorar as regiões do morro de São Paulo, particularmente a ilha de Boipeba, a vila de Cairu e Camumu. Nesta operação, houve pesada luta para os guerrilheiros recuperarem 1 embarcação portuguesa. Ao chegarem ao arraial com meia dúzia de peças de artilharia, o bispo foi informado do incidente. Então determinou que o capitão Francisco de Castro avançasse com algumas equipes de emboscada para lá, a fim de salvaguardar a embarcação durante o processo de descarregamento. Também ordenou ao capitão Agostinho de Paredes que navegasse pelos canais, com o intuito de prevenir a atividade das embarcações de grande porte23.

No dia 3 de setembro, nova tocaia dos invadidos e nova derrota dos invasores, desta vez, na frente meridional. Naquele dia, combatentes liderados pelos capitães Antônio Machado, Antônio de Moraes, Francisco Brandão e Francisco Padilha, desbarataram um contingente batavo que colhia frutos no pomar de Cristóvão Vieira24. Dom Marcos Teixeira ficou tão contente que comemorou a vitória com uma grande festa, cujo ápice foi a exaltação à liderança e coragem da gente da terra, agraciando com mimos e solicitando a El-Rei o manto de Cavaleiro a alguns comandantes (DONATO, 2001, p. 484).

Tais baixas fizeram renascer no invasor seu temor de ficar limitado às lides urbanas e com uma situação logística cada vez mais precária, se valendo unicamente de sua distante sede para reabastecimento. Enquanto os mercenários enfrentavam uma crise atrás da outra devido ao sucesso das operações das companhias de emboscada, os mazombos prosseguiam na sua sanha de lenta e progressivamente ir fechando o cerco sobre seus inimigos. Um trecho que passou a ser perigoso aos mercenários foi o que ia do Portão sul, o de São Bento, até a Vila Velha, na entrada da barra.

Em 13 de Setembro de 1624, nas proximidades de São Bento, os baianos fizeram uma incursão contra um destacamento da WIC que transitava por esse caminho25. No dia 1.º de outubro, na região do Calvário (Santo Antônio Além do Carmo), outra tocaia aumentou as perdas dos sitiados. Infelizmente para eles, a constante guerrilha ia reduzindo-lhe a vontade de se atrever até em fazer a ligação com o forte de Santo Antônio, isolando-o cada vez mais.

Em suma, quase todas as expedições holandesas que se aventuraram fora dos limites de Salvador eram alvo das eficientes companhias de emboscadas, o que contribuiu para que as guarnições isoladas resistissem por pouco tempo ou fossem evacuadas. Assim os limites da Terra Batávica iam diminuindo26.

 

4. O socorro dos irmãos

Enquanto na Bahia o povo se esforçava para deter o avanço dos invasores germânicos, em Pernambuco, seus habitantes foram surpreendidos com a queda da capital do Estado do Brasil. O novo governador-geral enviou mensageiros a todo o Brasil e à Europa a fim de informar seus colegas e superiores dos últimos acontecimentos, arregimentou os aptos, providenciou o suprimento dos defensores, criou um sistema de transporte baseado nos caminhos marítimos e terrestres para manter o fluxo de abastecimento permanente. Tal decisão logo se mostraria clarividente, visto que em 1625, uma frota de reforços neerlandesa iria fundear na baía da Traição e de lá expulsa por locais27. O próprio emissário que trouxe as notícias de Salvador, Antônio de Morais, chefiaria o socorro.

O passo seguinte ocorreu em 9 de maio, quando nomeou o então capitão-mor da Paraíba, Francisco Nunes Marinho de Eça, para ser o Capitão-mor do Arraial do Rio Vermelho, com poderes sobre Ilhéus, Porto Seguro e Sergipe. Este experiente capitão, veterano de campanhas nas Índias e na Paraíba se preparou, embarcou provisões e cerca de trinta soldados, chefiados por Antônio Carneiro Falcato, partiu em 2 caravelões para a Bahia, aportando no Sergipe e depois, por terra, chegou ao Arraial em meados de setembro. Ele assumiu o comando das forças da resistência e daria seu quinhão para deter a ganância daquela Companhia Comercial.

Porém no início de outubro de 1624 sofremos um grande revés. Acometido por doença, no dia 8, falecia a força impulsora da defesa da Capitania Real e alma da heroica resistência até então empregada contra os holandeses: o bispo Dom Marcos Teixeira de Mendonça. Aglutinador de todas as vontades e esforços que forjaram a vitória das armas luso-brasileiras e que foi o embrião do futuro Exército Patriota. Graças a sua atitude, o invasor foi contido.

Coube ao recém-chegado capitão-mor substituiu o falecido bispo à frente da resistência baiana. Francisco Nunes Marinho prosseguiu inteligentemente com as ações de guerrilhas, em especial sobre as posições isoladas dos germânicos, apesar das deficiências logísticas dos defensores. Ciente de que as ações anfíbias da WIC poderiam mudar o jogo, resolveu se antecipar a elas28.

Equacionado o problema no ambiente aquático, voltou às atenções para o terrestre. Novas fortificações de campanha foram construídas pelos sitiantes, com o intuito de observarem e instigarem os movimentos adversários. Destas posições, puderam atirar flechas e executarem tiros de arcabuz sobre as muralhas da cidade. Tais medidas logo se fizeram sentir, pois em 18 de outubro aproveitaram para dar batismo de fogo na Fonte Nova a alguns reforços recém-chegados, incluindo um grupo de negros comandados por Antônio de Brito Correa (BEHRENS, 2004, p. 79).

Dia a dia crescia o ânimo dos luso-brasileiros, enquanto decrescia o dos holandeses29. A situação revertera. Em maio, os estrangeiros detinham a iniciativa, agora os nativos é que se assenhoraram dela. Apesar de ainda se manterem com uma ligeira superioridade numérica, a iniciativa das ações tinha passado para as mãos dos defensores do Solo Sagrado, deixando os mercenários, ainda mais numerosos, desgastados psicologicamente e restritos a manobrarem dentro dos muros circundantes da localidade. No mesmo mês em que assumiu o comando das tropas locais, o capitão-mor mandou fazer setenta escadas para escalar a fortaleza de São Filipe, em Itapagipe. Seu intuito era conquistá-la e apoderar-se da pólvora, a fim de utilizá-la nos assaltos das forças de resistência.

No dia 3 de dezembro de 1624, chegou ao Arraial do Rio Vermelho Dom Francisco de Moura, brasileiro de Olinda e veterano das campanhas das Índias e do Cabo Verde, recentemente nomeado por El-Rei Capitão-Mor do Recôncavo. Ele seria responsável por dirigir a reação até a chegada dos reforços ibéricos, em acelerado aprestamento30.

Para festejar a chegada de reforços tão significativos e as boas novas do envio de forças restauradoras, os moradores do arraial fizeram uma festa, inclusive dando salva de seis tiros. O destacamento de mercenário foi tocaiado no caminho pela companhia do capitão Lourenço de Brito, perdendo um sargento morto e um soldado capturado.

O período em que esse capitão-mor liderou os mazombos foi só até a chegada da armada luso-espanhola, a famosa Jornada dos Vassalos, no princípio de abril de 1625, o suficiente para reforçarem sua valentia e mostrarem para os batavos quem é que mandava no campo de batalha.

 

5. Fecha-se ainda mais o cerco sobre Salvador

O novo Capitão-Mor do Recôncavo manteve a continuidade das operações da guerra brasílica, mas ciente da necessidade de agilizar as ações preparatórias para apoiar as operações futuras da frota restauradora, Francisco de Moura enviou seu engenheiro, Francisco de Frias, para reconhecer a zona de ação do Carmo, a fim de estudar onde seria melhor construir fortificações de campanha para melhorar o cerco31.

Em meados de dezembro, ciente da chegada dos reforços de além-mar e precisando ter noção do poder do corpo mercenário, os luso-brasileiros resolveram inovar: fazer uma finta de modo a expor o inimigo, sem se expor a ele. Os inimigos os aguardaram lá por horas, mas os comandantes nativos simplesmente realizaram algumas escaramuças e retornaram a seus postos, tendo obtido as informações do que desejavam32.

Acima, planta da defesa da cidadela batavo-sulamericana, de autoria do capitão e engenheiro militar responsável por aquelas fortificações de campanha, Joos Coecke. Ela seguiria em carta dezembro de 1624: “(...) havia cerca de 1.600 soldados, dentre esses uma companhia de negros, cerca de 550 marinheiros e também 12 navios bem equipados e prepararam 3 navios de fogo, para usar contra os espanhóis. A cidade estava bem fortificada com valas e bastiões e bem provida de armamento e munição. No lado norte havia uma bateria muito forte com 10 canhões; no lado sul encontram-se 10 canhões, 21 canhões perto da igreja que atiram ao longo dos barrancos. Em volta da cidade há mais de 60 canhões e diariamente se ocupam com fortificações. A água em torno da cidade tem 2 varas de profundidade e está fechada com um dique que o inimigo não tem como destruir, pois, está protegido por entrincheiramentos e por cercas. Na plataforma sobre a água há 12 canhões; é feita de madeira e pedra natural e o parapeito é de tijolo de cerâmica da Frísia”.

Fonte: Magalhães e Xavier (2022).

 

Dias depois, em 30 de dezembro, companhias de emboscada enfrentaram os frísios que, desembarcando de suas belonaves, tentaram saquear o engenho de açúcar de Itaparica, a fim de conseguirem suprimentos. Mais uma vez, as forças luso-brasileiras inviabilizaram tal tentativa33.

Para evitar novas operações anfíbias da WIC pela baía de Todos os Santos, este militar pôs em execução um plano ousado. A fim de completar o sítio às forças intrusas, perturbando sua única via que lhe restava livre, organizou uma flotilha com uma dezena de canoas e lanchas armadas, capitaneadas por João de Salazar. Cruzando a baía, estas barcas vigiavam as movimentações das belonaves adversárias e comboiavam embarcações que supriam o Recôncavo e o arraial. E foi fazendo frente a um assalto anfíbio dos flamengos que ocorreu a última ação do ano34.

1624 foi tão ruim para os invasores que, além das derrotas sofridas frente às companhias de emboscada, receberam de presente de Natal a confirmação, trazida numa mensagem de uma nau portuguesa capturada, de que uma poderosa frota ibérica seguiria para libertar a Bahia.

O ano de 1625 mal começava para os usurpadores e a crise tomou dimensão “animal”35. No início de março, depois do carnaval, o comandante mercenário Albert Schotten caiu adoentado e em dias veio a falecer. Ele foi substituído por seu irmão, até então capitão-mor Arnt Willem Schoutten, feito coronel. Ernst Kijf assumiu o subcomando, promovido a capitão-mor36.

No dia 13 de março, ancorou um navio zelandês que desembarcou reforços e material de construção. Então os sitiados começaram a erguer uma torre de vigia na área do portão do Carmo. Na manhã chuvosa do dia 17 de março, a companhia do capitão Bastefeld, com cerca de 120 mercenários, escoltou dezenas de negros para retirar material do Calvário, uma área de casario que havia na área da ermida de Santo Antônio Além do Carmo37.

Em fins de março de 1625, a frente se estabilizara e ambos os contendores aguardavam a chegada de vultosos reforços de seus países. A luta prometia ser grande, pois de um lado os ibéricos pretendiam recuperar a capital da colônia luso-americana, de outro, os neerlandeses pretendiam manter um porto que, desde sua tomada, havia recebido aproximadamente 680 embarcações, a maioria da Companhia das Índias Ocidentais (FERREIRA, 1945, p. 91).

De um lado, os sitiados dispunham de aproximadamente 1.600 soldados, incluindo uma companhia de negros armados, e 550 marinheiros. Já do lado sitiante havia cerca de 1.400 guerreiros em armas contra o invasor, além de outros luso-brasileiros que em breve chegariam à Bahia para ajudar38. Era essa a situação geral quando a esquadra ibérica da Jornada dos Vassalos se posicionou toda dentro da baía de Todos os Santos, pronta para ultimar a expulsão dos invasores da Bahia. Estava postergado, pelo menos momentaneamente, o sonho dos holandeses de se tornarem senhores da Zuickerland. Porém isso é assunto para discorrermos em outra oportunidade.

 

6. Aspectos conclusivos

A História e os mais renomados historiadores nos mostram que a guerra é, antes de tudo, a luta de duas vontades, vencendo-a quem por mais tempo conserva a fé inabalável na vitória final, mesmo que isso tenha ocorrido numa terra pouco povoada, num rincão periférico de um mundo novo, no linear do século XVII. No decorrer deste artigo observamos que a cada troca de comando nas forças luso-brasileiras, a estratégia de emprego das forças de resistência prevalecia a mesma, havendo apenas o aperfeiçoamento das ações táticas, objetivando um melhor desempenho das companhias de emboscadas que culminaram no sítio completo dos invasores, impactando a campanha. E mais, muitos dos reforços enviados de outros rincões do Brasil iriam, mais tarde, servir de base a outras companhias de emboscada, que confrontariam com o mesmo ardor e êxito o intruso holandês até sua expulsão derradeira, em 1654. Por isso, os impactos sociais, econômicos, políticos e militares das companhias de emboscada extrapolaram, em muito, sua missão militar.

Na verdade, na espinha dorsal da guerra brasílica é que se forjou um núcleo de sentimento real de defesa da sua terra a qualquer custo e até de ascensão social, sementes do nativismo brasileiro. Por fim, dentro destas formações militares, as noites de constante vigília, as agruras do dia a dia, o desconforto de viver e dormir exposto ao frio e à chuva, enfrentando toda sorte de doenças, tendo animais selvagens ou selvagens mercenários ao seu encalço, recorrendo à sua defesa física ao uso do que tinha em mãos, tudo sustentado com farinha de guerra e água pouco potável, numa vida sentida e vivida por aquele pequeno grupo, forjaria uma camaradagem mais que fraternal. Após uma maior concentração de meios e melhor assimilação das técnicas da guerra brasílica, em especial com o implemento de uma guerrilha letal, e reforçados por um novo bloqueio naval de naus ibéricas, os luso-brasileiros partiriam para a ofensiva final, vencendo os intrusos e consolidando-se no terreno. Foram, em última análise, a ação das companhias de emboscada o elemento decisivo no enfrentamento da mais séria ameaça à unidade brasileira em seus mais de 500 anos de existência, e capital da nossa vitória na Guerra do Açúcar.

 

7. Referências

ALDENBURGK, Johann Gregor. Relação da Conquista e Perda da Cidade do Salvador pelos Holandeses em 1624-1625. Recife: 1913.

BEHRENS, Ricardo Henrique Borges. A capital colonial e a presença holandesa de 1624-1625. Salvador: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, 2004.

CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. Coleção Biblioteca Básica Brasileira. Brasília: Senado federal, Conselho Editorial, 2002.

DONATO, Hernâni. Dicionário das Batalhas Brasileiras. São Paulo: IBRASA, 2001.

DUTRA, Francis A. Matias de Albuquerque: Capitão-mor de Pernambuco e Governador-Geral do Brasil. 1976. Disponível em . Acesso em: 20 maio 2001.

ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO. História do Exército Brasileiro v. 1. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 1972.

FERREIRA, Aurélio Alves de Souza. História Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1945.

FREYRE, Francisco. Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica. Coleção Pernambucana Vol. 5. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

JÚNIOR, Antônio de Souza. Do Recôncavo aos Guararapes. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1998.

LAET, Johannes de. Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Occidentaes, desde o começo até o final do anno de 1636. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 30, pp. 02-165, 1912.

MAIOR, Armando Souto. História do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1977.

MAGALHÃES, Pablo A. Iglesias; XAVIER, Lucia F. Werneck. O Plano da Cidade de Bahia no Brasil: um mapa inédito de Salvador durante a ocupação holandesa (1624). Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, v. 117, jan./dez., pp. 111-140, 2022.

MENEZES, Francisco Henrique da Conceição. Os hollandezes na Bahia. Salvador: Livraria e Typographia do Commercio, 1922.

MORAES, Alexandre José Mello. Chronica Geral do Brazil – tomo primeiro. Rio de Janeiro: B. L. Garnier Livreiro-Editor, 1886.

SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. Salvador, 1627.

SOUTHEY, Robert. História do Brasil. São Paulo: Editora Obelisco, 1965.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História das Lutas com os Holandeses no Brasil – desde 1624 até 1654. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2002.

 

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1 Maiores detalhes sobre a primeira batalha de Salvador, podem ser encontrados no artigo do mesmo autor, publicado na Revista Militar Nr 4, de Abril de 2024, da página 293 à 326 (N. A.).

2  Segundo dados da WIC, os invasores enfrentaram na primeira batalha de Salvador cerca de 1.600 homens, sendo 550 soldados profissionais, comandados por 7 capitães, e mais de 1.000 milicianos, sendo 8 cabos. Ocuparam uma cidade comcerca de 1.400 casas, 3 conventos, o colégio dos jesuítas e 2 igrejas, além dos 2 portões de entrada (LAET, 1912, p. 49).

3  Durante a batalha, aproximadamente 12.000 moradores abandonaram Salvador em direção a comunidades rurais ao norte. Muitos se refugiaram na antiga aldeia do Espírito Santo de Ipitanga (a 6 léguas ao norte, onde hoje é Camaçari), ou em São João, além de buscar abrigo em fazendas e engenhos próximos. Entre os fugitivos havia 450 colonos armados e 250 índios, organizados em 6 companhias, sob o comando dos capitães Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, Lourenço de Brito Correa, Francisco Barbuda, Diogo da Silva, Belchior Brandão e Belchior da Fonseca (FREYRE, 1977, p. 82 e 83).

4  Para casos como este, era previsto abrir-se as “Vias de Sucessão”. Reunia-se um conselho e cada um votava secretamente. Juntados todos os papéis, eram abertos e feita a contagem, como o mais votado sendo o sucessor (MAIOR, 1977, p. 120).

5  Apesar de idoso, desenvolveu-a com máxima energia. Aproveitou a oportunidade para formar uma força de resistência e uma rede de espionagem (BEHRENS, 2004, p. 88).

6  Na Bahia se instalaram 1 sargento-mor, auxiliado por 3 capitães e 1 ajudante; 2 Companhias de Presídio; a Guarda do Governador, com cerca de 20 soldados e comandada por 1 dos 3 capitães; as Ordenanças, com cerca de 1.000 infantes e 50 cavalarianos. Conforme o Livro que dá Razão do Estado do Brasil, no final do século XVI, cada companhia tinha 1 capitão, 1 alferes, 2 sargentos, 2 tambores, 10 mosqueteiros, 40 arcabuzeiros, 1 pajem de gineta (ordenança do capitão), e 1 embandeirado do alferes. Os elementos de serviço e outras tropas que constituíam a guarnição de algumas fortificações baianas estavam assim distribuídas: a) os fortes de Itapagipe e Santo Antônio, em Salvador, tinham cada, 1 capitão (comandante), 1 condestável (responsável pela artilharia), 1 tambor, 1 cabo de esquadra e 12 soldados; e b) a Milícia paga era composta por alguns oficiais como vigias do mar e barra, procurador dos índios forros, 1 alferes de gente e cavalos, etc (ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO, 1972, p. 92).

7  “Índios e mamelucos formaram a muralha movediça, viva, que foi alargando em sentido ocidental as fronteiras coloniais do Brasil ao mesmo tempo em que defenderam, na região açucareira, os estabelecimentos agrários dos ataques de piratas estrangeiros. Cada engenho de açúcar nos séculos XVI e XVII precisava manter em pé de guerra suas centenas ou pelo menos dezenas de homens prontos a defender contra selvagens ou corsários a casa de vivenda e a riqueza acumulada nos armazéns: esses homens foram na sua quase totalidade índios ou caboclos de arco e flecha” (FREYRE, 1933, p. 131).

8  Segundo relatos do padre Antônio Vieira (2024, p. 23 e 24), quatro dias após a tomada de Salvador, grupos de indígenas passaram a atacar a cidadela em busca de vingança. Dias depois, menos de 20 deles surpreenderam alguns mercenários numa casa de palha nas proximidades da Vila Velha. No mesmo período, perto de São Bento, colonos e ameríndios tocaiaram um grupo de estrangeiros, matando 7 ou 8, dentre eles um capitão, e aprisionando 2.

9  Não foi só na Paraíba que ocorreram tocaias nativas. Na baía de Todos os Santos, uma ilha passou a se chamar Ilha do Medo por causa das emboscadas que os indígenas brasilianos efetuavam ao atacar canoas dos colonos que tentavam desembarcar (MORAES, 1886, p. 51).

10 Vários afro-descendentes se destacaram nesta campanha. O mais conhecido foi Manuel Gonçalves Dória, um mulato soteropolitano que liderou grupos de moradores nas tocaias contra os invasores. Ele se destacaria em combate como um dos mais versáteis capitães de emboscada, tendo combatido durante toda a Guerra do Brasil. Depois chefiaria um terço de homens pardos na Bahia, em Pernambuco e até em Angola. Outro destaque foi um escravo chamado Bastião entrou na cidade, mas como carregava com um facão na cintura, ameaçaram-no de enforcamento caso não entregasse a arma. Temendo a forca, Bastião sacou de seu facão e esfaqueou um flamengo, fugindo em direção ao arraial da resistência. Perseguido por mercenários ele, como bom conhecedor da região, os conduziu até um atoleiro onde matou mais 4 e prendeu 1 (SALVADOR, 1627, p. 144 e 146).

11 Na madrugada, um grupo de cerca de meia centena de índios flecheiros e colonos arcabuzeiros, chefiados por Francisco Dias de Ávila, investiu sobre o mosteiro. Como os defensores não quiseram abrir as portas, os silvícolas derem urros de ataque. Eles foram tão alto, que acabaram alertando as sentinelas frísias. Ao amanhecer, os luso-brasileiros investiram contra a cidadela, mas foram detidos pelos neerlandeses, que alertados, já haviam ocupado boa parte dos seus postos de combate (SALVADOR, 1627, p. 144).

12 O famoso padre Antônio Vieira, na época um seminarista, escreveu que no Rio Vermelho se concentravam tropas, pessoal de administração e religiosos, tendo o bispo à frente. Ali recebiam o sacramento e a justiça, se curam os enfermos e os feridos, e se armazenavam e distribuíam os mantimentos para os soldados. Os baianos construíram um ancoradouro, defendido com cava, trincheiras e plataformas nos passos de mais importância, nas quais assentaram algumas peças de uma nau capturada ao inimigo (BEHRENS, 2004, p. 77 e 78).

13 As forças da resistência baiana ficaram assim distribuídas: algumas dessas companhias de emboscada tiveram atuação intensiva e outras que aparecem esporadicamente, em ações maiores; as companhias dos capitães Vasco Carneiro e Gabriel da Costa, que defendiam uma trincheira localizada em Itapagipe, diante da fortaleza de São Felipe, ocupada pelos intrusos; e a companhia de aventureiros do capitão Lourenço de Brito, já formada antes da invasão, constituiria a reserva geral. Além das já citadas, existiam outras companhias de emboscada ocupando áreas estratégicas fora da região de Salvador. Já a companhia de Antônio de Brito Correa, que teve seu batismo de fogo defendendo o Forte Novo de São Felipe, no dia 9 de maio, era heterogênea, formada por pretos, brancos e vermelhos. (SALVADOR, 1627, p. 146). Para sustentar tantos guerreiros era necessário grande gasto, mas como a Fazenda Real na capitania estava sem condições, o bispo encabeçou as despesas (VIEIRA, 2024, p. 28).

14 Segundo Aldenburgk, como havia permanecido muitos escravos na capital conquistada, os holandeses embarcaram algumas dezenas deles e tentaram trocá-los por comida no interior da baía. Como os moradores se negaram, eles atacaram as propriedades e roubaram animais, embarcando-os e levando-os para a cidadela. Em outra tentativa, os escravos acabaram dispersados ou aprisionados pelos nativos (BEHRENS, 2004, p. 65 e 66).

15 Tudo começou quando uma sentinela baiana viu um destacamento de aproximadamente 200 homens da Companhia saindo pelo Portão do Carmo, alertou seus companheiros. Ciente do poderio do adversário e de que ele já estaria protegido nas muralhas do forte, o comandante local, que bem conhecia o local, reuniu suas forças e preparou uma surpresa para quando os incautos germânicos retornassem a Salvador, bem no local onde estariam mais vulneráveis e sem condições de se socorrerem. No final da tarde, quando os batavos já estavam seguros de que chegariam na cidadela antes do anoitecer, eles foram surpreendidos por uma chuvarada de flechas. Esta emboscada ficou conhecida como “o combate das Águas dos Meninos” Durante a peleja, Van Dorth foi morto e Padilha aproveitou para avançar sobre ele e o degolar. Ao perceberem a morte de seu líder, a vontade dos mercenários lutarem arrefeceu e eles correram para a proteção de seus muros. Constatada a vitória, os luso-brasileiros voltaram a guarnecer suas trincheiras e seu comandante se dirigiu para o Rio Vermelho, levando a cabeça do chefe invasor para ser posta em exposição (DONATO, 1999, p. 484) (BEHRENS, 2004, p. 90 a 93).

16 Nesse roçar matos e derribar casas houve alguns encontros, os guerreiros dos capitães Lourenço de Brito e Antônio Machado mataram uma vez 4, e os de Lourenço de Brito e Luiz de Siqueira eliminaram outros tantos (SALVADOR, 1954, p. 402).

17 Joos Coeck, capitão e engenheiro militar, foi o responsável pela fortificação da cidadela conquistada. Em novembro de 1624, ele concluiu um relatório sobre seus trabalhos, intitulado Grontteijc-keninge van de stadt BAHIA in Brasilien (Plano da Cidade da Bahia no Brasil), com mapas e descrições detalhadas das obras de fortificação de Salvador, muitos deles empregando sistemas defensivos de engenharia hidráulica (MAGALHÃES, XAVIER, 2022, p. 111 e 112).

18 O primeiro, protegendo a face norte da cidadela, represando as águas do rio das Tripas, próximas ao convento de São Francisco, e que hoje não existe mais, pois foram canalizadas em galerias subterrâneas na rua da Vala, na região da baixa do Sapateiro. O outro, bem maior, tinha um traçado circundando todo o vale que se estendia do portão de São Bento ao do Carmo, o dique do Tororó foi fruto do represamento das águas do rio Urucaia, um dos mananciais que corria ao longo da cidade e a abastecia. O plano era represar as águas correntes provenientes de Nossa Senhora de Guadalupe, de São Bento, de Palmas etc uma área mais baixa, por meio de uma barragem face ao convento de São Francisco e ali instalar uma bateria de canhões. (BARRETTO, 1958, p. 187 e 188).

19 Depois de desembarcar víveres suficientes para abastecer as embarcações de passagem e habitantes da cidadela até o final do ano, o grosso da frota invasora e os principais prisioneiros de guerra zarparam em direção ao Velho Mundo, tendo no comando o almirante Jacob Willekens. Outra parte, uma flotilha de 5 navios e algumas chalupas, comandada pelo vice-almirante Pieter Heyn, rumou para Angola transportando um contingente comandado pelo capitão Funck (ALDENBURGK, 1913, p. 179).

20 Desejosos de vingarem seus companheiros tombados em Itapagipe, um destacamento frísio com 200 mercenários partiu do forte de Monte Serrat e investiu, no dia 1 de agosto, contra uma capela que servia de posto de vigilância dos nativos, e depois assaltou cinco engenhos da região. No engenho da Freguesia, os flamengos tomaram 50 caixas de açúcar, queimaram as casas e a igreja, fugindo assim que os defensores, comandados por Manuel Gonçalves e apoiados por André de Padilha. Depois o coronel Lourenço Cavalcanti com 40 homens, que os fizeram embarcar, matando e ferindo alguns holandeses. Já preparados para possíveis ações do inimigo, quando este se fez presente no segundo engenho, foi surpreendido ao desembarcar por Agostinho de Paredes e seus arcabuzeiros (SALVADOR, 1627, p. 157). Segundo o livro História da Guerra Brasílica, 65 holandeses teriam tombado nessa incursão (FREYRE, 1977, p. 86). Dentre as baixas dos intrusos estava seu comandante, capturado no combate pelas forças do capitão Manoel Gonçalves (FERREIRA, 1945, p. 90).

21 Liderados pelo comandante do setor, Manuel Gonçalves, as tropas dos capitães Jorge de Aguiar, Luís Pereira de Aguiar e Pero do Campo, de tocaia no mato, a atacaram quando viram alguns germânicos subindo para destelhar a instalação. Os poucos intrusos que sobreviveram à escaramuça, se retiraram para dentro de Salvador (DONATO, p. 484).

22 Certo dia, uma nau batava rumou para a Ponta da Cruz, na ilha de Itaparica, onde mercenários se abasteciam de óleo de baleia. Na frente da erminda havia uma cruz de madeira, que foi derrubada pelos soldados de fortuna. Ao seguir pelo caminho indicado pela cruz arqueada, encontraram moradores da ilha liderados por Afonso Rodrigues e Pero de Campos. O saldo da peleja foi de 8 zelandeses mortos e da captura de 2 lanchas, armadas com 5 roqueiras. Com o tempo, aquela cruz foi sendo venerada, com os baianos fazendo dela relíquias para curar enfermidades (SALVADOR, 1627, p. 148) e (DONATO, 2001, p. 322). Em uma incursão naval à região do morro de São Paulo, o capitão comandante da expedição à ilha de Boipeba, veio ao seu encontro Antônio de Couros, senhor de um engenho local, conhecido seu e desejoso de negociar. Depois, rumaram para Camamu, levavam negros que haviam tomado dos navios capturados vindos de Angola e que desejavam trocar por alimento em um engenho dos padres jesuítas. Ao contrário do morador, os índios não dialogaram, matando à flechadas quase 10 mercenários, além de retomarem uma nau de 350 toneladas carregada de vinho da Ilha da Madeira, que conseguiram capturar e fugir a salvo pelo rio de Matuim. O único sucesso dos bandidos foi nas terras de Manuel Mendes Mesas, onde tomaram algumas ovelhas, que viram andar no pasto (SALVADOR, 1627, p. 148).

23 Um tempo depois, os zelandeses fundearam uma belonave entre a ilha dos Frades e a de Maré, enviando lanchas para tomar barcos ibéricos. Também tentaram roubar mantimentos dos engenhos localizados no rio Iaguaripe e na Ilha dos Frades. Por quase um mês o capitão Cornélio Corneles navegou pelos canais com seus mercenários. Por fim, regressaram ao porto, sem nenhum botim (SALVADOR, 1627, p. 148 e 149).

24 As companhias dos capitães Antônio Machado e Antônio de Moraes, com 50 guerreiros cada, investiram sobre um poderoso destacamento mercenário que protegia o grupo de escravos batavos, enquanto colhiam fruto. Segundo Antônio Vieira, tombaram na batalha 45 mercenários e dentre os capturados estava 1 sargento, sofrendo somente 1 morto (VIEIRA, 2024, p. 31). Já frei Salvador afirma que na peleja mataram 9 mercenários e capturado 2 oficiais, perdendo dois luso-brasileiros e alguns feridos (SALVADOR, 1627, p. 147). Outra publicação da época relata a morte de 23 invasores junto à muralha (FREYRE, 1977, p. 86). Alguns historiadores afirmam que o coronel Albert Schouten tombou neste encontro (MENEZES, 1922, p. 153). Aldenburgk (1913, p. 186) relatou que o contra-ataque neerlandês foi realizado por 300 mercenários, comandados pelo capitão-mor Arnt Schouten. Enquanto isso, lá pelas bandas do Carmo, na frente norte, Manuel Gonçalves e seus capitães caíam sobre os invasores que se atreviam além de suas muralhas, usando seu valor individual. Próximo ao portão do Carmo eles mataram uma vez 6, e outra 3. Dias depois, atacaram canoas da guarnição do forte de São Filipe, eliminando 1 e capturando 3, sendo um o cabo do forte. Em outra ocasião, um corajoso negro subalterno de Pero de Campo, capturou, sob pesado fogo do forte São Felipe, seu batel de vigilância (SALVADOR, 1627, p. 147).

25 Segundo o Padre Antônio Vieira, os luso-brasileiros vigiavam incessantemente as posições adversárias. Expostos às intempéries, desde o frio ao calor infernal. Padecendo de fome e de sede, usando folhas como pratos e púcaros como copos. Permaneciam imóveis, esperando o mais sensível movimento do rival para cair sobre ele como uma ave de rapina. Segundo registros flamengos, eles perderam 7 ou 8 mercenários, sendo um deles, um capitão, além de 2 capturados pelos luso-brasileiros. Uma das companhias de emboscada era de Antônio de Brito Correa (JÚNIOR, 1998, p. 18 e 19).

26 Para investigar a acusação de Bartolomeu Pires, que denunciava o feitor de um engenho situado em frente à ilha de Maré, Antônio Cardoso de Barros armou uma armadilha. Durante a refeição, os guerreiros atacaram e eliminaram diversos holandeses, incluindo o comerciante, além de capturar outros que não conseguiram escapar. Seis meses depois, um dos grupos emboscadores liderados por Antônio Cardoso de Barros lançou um contra-ataque contra os invasores; os sobreviventes fugiram para suas embarcações (SALVADOR, 1627, p. 147 e 148).

27 Em 8 de agosto de 1624, os governantes do reino, D. Diogo de Castro, conde de Basto, e D. Diogo da Silva, conde mordomo-mor, enviaram duas caravelas a Pernambuco, comandadas pelos capitães Francisco Gomes de Mello e Pero Cadena, com aproximadamente 120 homens de guerra, 50 quintais de pólvora, 1.100 pelouros de ferro de toda a sorte, 20 quintais de chumbo em pão, 1.300 arcabuzes de Biscaia aparelhados, 14 quintais de chumbo em pelouros, duzentas lanças e piques de campo, quatro arrobas de morrão. Eles foram recebidos com grande entusiasmo (SALVADOR, 1627, p. 157). O governador-geral ordenou aos governadores do Maranhão, Francisco Coelho de Carvalho; do Rio Grande, Francisco Gomes de Melo; e o do Rio de Janeiro, Martim de Sá, para que enviassem mantimentos e reforço militar. O último contingente enviado pelo ele e que chegou a lutar na Bahia foi composto por cerca de 130 homens. Muitas pessoas de posse organizaram destacamentos às suas próprias expensas como Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque, que junto com seus irmãos João e Felipe, parentes e amigos, atendeu ao chamado de Matias de Albuquerque e completou um navio com 200 homens, a ponto de zarparem para a Bahia no início de 1625, onde combateu com tanta bravura que a 11 de agosto o próprio rei dirigiu-lhe uma carta de agradecimento. Outro exemplo foi o do Capitão Antônio de Moraes, que organizou pessoalmente uma companhia de cavaleiros e que somente num combate, eliminou 23 frísios (DUTRA, 2001).

28 Francisco Nunes posicionou 2 embarcações de vigília face ao alto mar, uma na altura da praia de Itapuã e outra diante do Morro de São Paulo, a fim de alertarem sobre incursões anfíbias dos sitiados, bem como às naus ibéricas da ação de belonaves batavas (SALVADOR, 1627, p. 156).

29 Aldenburgk (1913, p. 186), mercenário da WIC na conquista de Salvador, escreveu sobre julgamentos por furtos, duelos e assassinatos entre seus companheiros, com penas capitais. Essas evidências mostram a queda do moral e da disciplina na força invasora.

30 Dom Francisco de Moura, nascido em Olinda, Pernambuco, tinha experiência em assuntos coloniais como ex-governador do Cabo Verde e veterano de campanhas na Índia e Flandres. Ele veio comandando uma flotilha ibérica composta por 3 caravelas, trazendo a bordo 150 homens de guerra, 300 arcabuzes aparelhados, 50 quintais de pólvora, 10 de morrão, vinte e 9 de chumbo em pão, 150 formas de fazer pelouros. Na bagagem vinha também a notícia do envio de um socorro aos baianos na forma de uma poderosa armada ibérica. Tal informação elevou, em muito, o alento dos combatentes, agora certos de que a queda de Salvador seria uma questão de tempo. Essa flotilha aportou primeiro em Pernambuco, onde a ela se juntou os reforços de Manuel de Souza de Sá (capitão-mor do Pará) e Feliciano Coelho de Carvalho (filho do governador do Maranhão). A esses dois, Matias de Albuquerque, agora oficialmente nomeado Governador-Geral do Brasil, entregou 6 caravelões abastecidos com os mantimentos trazidos pelas caravelas. Também com o fidalgo olindense vieram os primeiros reforços enviados pelo Reino, entre eles os experientes Manuel de Sousa de Sá e Feliciano Coelho de Carvalho. Além do apoio em pessoal, trouxeram uma boa quantia em dinheiro, cerca de 80.000 cruzados, para provimentos da guerra. De Pernambuco, seguiram para a Casa da Torre e de lá para o Rio Vermelho, lá chegando a 3 de dezembro de 1624 (BEHRENS, 2004, p. 83 e 84).

31 Percebendo a movimentação do lado de fora da cidadela, os mercenários intervieram com cerca de 180 europeus. Segundo Freyre (1977, p. 90), no confronto contra os 66 das companhias de emboscada dos capitães Manuel Gonçalves e Gabriel da Costa, os mercenários perderam 5 soldados mortos, além dos feridos, contra 3 baianos caído. No retorno, o arquiteto disse a D. Francisco que os luso-brasileiros eram para tão valentes e estavam com a moral tão alta que não havia mister fazer fortificações artificiais, pois sem elas remetiam aos inimigos como leões, uma vez que estes estavam em inferioridade numérica de quase 3 para 1. A crescente quantidade de armas capturadas ia atestando isso (SALVADOR, 1627, p. 158).

32 Um escravo capturado pelos invasores foi mutilado e enviado de volta a Salvador com uma mensagem do Capitão Padilha, convidando o capitão-tenente Francisco, que havia servido com Van Dorth, a confrontar os guerreiros locais em campo aberto próximo ao portão de São Bento. Os flamengos mobilizaram cerca de 300 homens armados e se organizaram para o combate, que não ocorreu (ALDENBOURGK, 1913, p. 191).

33 Uma força de mais de 300 estrangeiros, liderada pelo capitão Kjif, desembarcou em busca de saquear o engenho de Sebastião Pacheco, utilizando diversos barcos. No entanto, foram surpreendidos por emboscadas de Paulo Coelho e Antônio de Brito Correa, que, protegidos por trincheiras e bagaços de cana, atiraram contra os invasores, impedindo o desembarque. Diante da resistência, os mercenários recuaram. Em resposta ao sucesso defensivo, o capitão-mor decidiu reforçar a proteção nas bases de suprimentos, construindo fortificações para os engenhos do Recôncavo e encarregou Manuel de Souza D’Eça de inspecionar e melhorar as defesas dos demais engenhos, que viria a comandar (VARNHAGEN, 2002, p. 61).

34 A flotilha baiana dificultava o desembarque de suprimentos dos intrusos e atacava aqueles que tentavam desembarcar em praias e portos. Em uma das ações, o capitão Francisco Padilha e seu primo, Antônio Ribeiro, nadaram até um bergantim ancorado e o capturaram, levando-o para o rio Vermelho. Ao explorarem a embarcação, descobriram que era a barca de Diogo Furtado, de onde retiraram algumas peças de bronze e roqueiras. Para emboscar os holandeses que planejavam recuperar a barca, Padilha escondeu a companhia dele e do capitão Francisco de Castro nas matas. Temendo a emboscada, os holandeses decidiram abandonar a tentativa de resgatar a embarcação (SALVADOR, 1627, p. 159).

35 Segundo uma testemunha que sofreu as privações do cerco, a irresponsabilidade do coronel Willem Schouten era imensa, pois enquanto festejava o carnaval a bordo dos navios de guerra em companhia de oficiais, os alimentos escasseavam na cidade, a ponto dos soldados comerem animais como cavalos, cães, gatos e, quando estes rarearam, lagartos. Para agravar, a falta de gatos desencadeou uma praga de ratos tão desagradável, que as ratazanas mordiam quem adormecesse (ALDENBURGK,1913, p. 199 e 200).

36 Diferente dos comandantes anteriores, Arnt só focou no reforço das defesas da cidadela, demolindo as construções ainda existentes nas suas imediações e se preparando para um cerco prolongado, enquanto aguardava a chegada dos reforços da República das Províncias Unidas. Seu comando seria alvo de críticas por parte de todos, sendo destituído durante os combates finais de recaptura da capital baiana (LAET, 1912, p. 53).

37 O primeiro assalto partiu dos combatentes de Jordão de Salazar, que estavam na ermida. Logo depois, Francisco de Padilha, levando junto as companhias de Jorge de Aguiar e de outros capitães, veio reforçar o ataque. A batalha se travou sob a chuva, e como essa inviabilizou o emprego de armas de fogo, o choque dos contendores se deu corpo a corpo. Os luso-brasileiros mataram 9 holandeses, ferindo outros tantos, sendo que 1 capitão morreria dias depois. Os locais tiveram 2 mortos e 12 feridos. Além disso, recolheram do campo de batalha 18 mosquetes, 2 alabardas, 1 tambor e algumas espadas. O combate só cessou quando centenas de soldados de fortuna saíram da fortaleza para acudir seus camaradas. No final, só levaram de volta os corpos de seus camaradas (SALVADOR, 1627, p. 159).

38 Dentre outros reforços enviados por Matias de Albuquerque para a zona de guerra estavam os pernambucanos de Jerônimo de Albuquerque Maranhão, filho do capitão-mor que em 1613 expulsara os franceses do França Equinocial, e os enviados pelas capitanias mais meridionais, tendo à frente Salvador Corrêa de Sá e Benevides, filho do governador do Rio de Janeiro e futuro libertador de Angola, que chegaria em Salvador poucos dias antes da Jornada dos Vassalos, após ter ajudado os capixabas a derrotarem uma flotilha comandada por Piet Heyn, que no início do ano de 1825 tentara assediar o Espírito Santo (FERREIRA, 1945, p. 91).

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by COM Armando Dias Correia