A “impossibilidade” das Relações UE/NATO.
O aprofundamento das relações NATO/UE, tema constante do programa da Presidência Portuguesa da UE no segundo Semestre de 2007
1. Introdução
Este trabalho resultou dum grito de alma lançado pelo autor no final da última reunião do NATO/UE Capabilities Group realizado em Bruxelas, depois de verificar mais uma vez que as relações ao nível Político Militar entre as duas Organizações vão de mal a pior, estando a desenvolver Políticas de Segurança e Defesa de “costas completamente voltadas uma para a outra”, facto que à primeira vista parece um paradoxo, uma vez que os países que integram ambas as Organizações são na sua maioria os mesmos.
Sempre que nos Grupos de Trabalho da UE, encarregados de desenvolver a Política Europeia de segurança e Defesa (PESD) se pretende referir à NATO, esta é sempre designada pela “Outra Organização”, evitando sempre referir o acrónimo NATO, como se o pronunciar do mesmo fosse uma “heresia”.
Longe vão os tempos em que se definiu o “Helsinki Headline Goal 2003”, que referia que a UE devia iniciar um processo de Desenvolvimento de Capacidades Militares, para utilizar quando a “NATO as a whole is not engaged”, evitando desenvolver “unnecessary duplications”), para fazer face às Missões designadas por Petersberg. Analisando sumariamente este objectivo poderíamos induzir, que a UE deveria iniciar um processo de desenvolvimento Capacidades Militares que fossem Complementares às existentes na NATO, evitando a todo o custo a sua duplicação por ser desnecessária. Estes objectivos, alguns designados de forma implícita e outros explícta, consubstanciavam inicialmente a “vontade política” de que as duas Organizações “NATO e UE “trabalhassem de “mãos dadas” ao invés de “costas voltadas” uma para a outra.
Começando o trabalho por um breve “Enquadramento Estratégico” do mundo actual, iniciamos a análise, propriamente dita, pela posição dos protagonistas nas duas Organizações; abordando de seguida os principais problemas que se põem na actualidade ao aprofundamento das relações entre as duas Organizações, consequência dum dos últimos alargamentos da UE a Chipre e a Malta; nos capítulos seguintes tentamos mostrar quais têm sido as principais linhas gerais de desenvolvimento da PESD, a maioria das vezes, desenvolvida propositadamente em contraposição às posições dos EUA e da NATO; para de seguida comparar e analisar o processo de Planeamento de Forças da NATO e da UE, área em que consideramos essencial que haja uma cooperação estreita entre ambas as organizações, pois em ambas as organizações as forças militares que para elas foram disponibilizadas pelos países são na maioria as mesmas; continuamos o trabalho por uma breve análise da primeira Operação Militar da UE com recurso a meios NATO, a operação “Althea” a decorrer no TO da Bósnia, realçando o perfeito entendimento existente entre as duas Organizações no Terreno; para o terminar com uma referência NATO/UE Capabilities Group.
Uma vez que Portugal vai exercer a Presidência da UE no 2º Semestre do corrente ano, e que um dos temas em destaque no Programa da PESD para a Presidência Portuguesa é o “Aprofundamento das relações NATO/UE”, tecemos algumas breves considerações acerca da forma como o podemos desenvolver.
Esta “impossível” relação institucional actualmente existente entre as duas Organizações, constitui-se como “o paradigma” das relações transatlânticas, recordando-nos a parábola Bíblica do Antigo Testamento relativa aos dois irmãos desavindos “Caim e Abel”, que como sabemos no final não teve um final feliz, muito embora os dois intervenientes fossem descendentes dos mesmos progenitores e tivessem sido educados tendo por base os mesmos princípios.
2. Breve enquadramento Estratégico
Os grandes princípios e valores da Civilização Ocidental das quais se destacam a Democracia e o respeito pelos Direitos do Homem são as “pedras angulares”1 da Civilização Ocidental sobre os quais assentam todos os seus princípios e valores. A América do Norte (EUA/Canadá) e a Europa são os paladinos da Civilização Ocidental e como tal deverão ser os defensores incondicionais dos seus princípios e valores, devendo estes estar sempre na base das suas relações com as outras Civilizações, com diferentes concepções da realidade, diferentes valores, hábitos e culturas.
É necessário ter sempre em consideração, malgrado algumas divergências políticas pontuais que possam existir conjunturalmente entre os principais responsáveis políticos dos Estados Membros Europeus e dos órgãos da UE (Comissão e Parlamento Europeu), e os EUA e Canadá, que o que nos une é superior ao que nos separa e que as diferenças de percepção e de actuação política, que possam eventualmente existir entre os dois lados do Atlântico são meramente conjunturais.
O perfeito entrosamento e a complementaridade entre a União Europeia e os EUA/Canadá é essencial, pois consubstancia em termos políticos a relação transatlântica que se quer e deve preservar. É necessário a todo o custo evitar uma rotura entre os dois lados do Atlântico, que poderá levar “in extremis” à formação de dois blocos antagonistas, com o perigo que isso acarretaria para a Paz Mundial.
Neste contexto Portugal deve assumir-se, como até aqui tem feito, como a “Charneira” ente a UE e os EUA e não como a fronteira entre estes dois Continentes devendo a sua posição nas duas Organizações ser consentânea com este objectivo.
Deve evitar-se a todo o custo o regresso à política Europeia do final do século XIX/inícios do século XX, em que no Continente Europeu existiam diversas potências que tentavam de todas as formas desequilibrar a balança de poder entre elas, a seu favor. Atribui-se a Bismarck (“Kaiser” da Prússia) a seguinte afirmação, “Onde existem duas ou mais que duas potências tenta ser a única”. Esta política esteve na origem de vários conflitos e guerras, tendo mesmo levado no século passado ao eclodir de duas Guerras Mundiais. Deve-se aprender com os erros do passado, devendo por isso evitar-se a todo o custo a criação de dois blocos antagonistas entre os dois lados do Atlântico, facto que poderia levar a um conflito “fratricida”.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial os EUA conseguiram “Estabilizar e Reconstruir” a Europa, utilizando como uma das ferramentas principais o “Plano Marshall”, que concedia aos Estados Europeus avultadas contrapartidas financeiras para patrocinar o seu desenvolvimento2. A Europa foi um exemplo de sucesso de “Reconstrução e Desenvolvimento” protagonizado pelos EUA devido às contrapartidas financeiras disponibilizadas, aliadas à existência de quadros (recursos humanos) capazes de trabalhar desenvolvendo as organizações e serviços necessários.
Após a Segunda Grande Guerra Mundial surgiram duas Organizações de Segurança e Defesa para a EUROPA, nomeadamente a União da Europa Ocidental (UEO) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
A UEO nunca teve grande relevância no âmbito da Segurança sendo sarcasticamente sido designado nos meandros das relações internacionais, alguns anos após a sua formação, como a “Velha Dormente”. Actualmente a UEO “quase” que se extinguiu, com o aparecimento da PESD, pois quase todas as suas valências foram assumidas pela UE3.
A NATO é uma Organização Política e de Defesa que nasceu duma necessidade de defesa, em que a componente militar era essencial, tendo em vista fazer face ao poder da URSS. Cerca de cinquenta anos após a sua formação, a NATO ganhou a “Guerra-fria” contra o “Pacto de Varsóvia”, facto que levou ao colapso do mesmo, e à implosão da URSS e do regime político que o sustentava. O fim do Império liderado pela URSS foi materializado com a queda do “Muro de Berlim”.
No período recente a NATO iniciou um processo de “Transformação” para fazer face às novas ameaças, estando como todas as Organizações a adaptar-se ao novo Contexto Estratégico Internacional, pretendendo vir a desempenhar um papel principal na construção da “Nova Ordem Mundial”, que tarda em definir-se.
Desde que a UE foi implementada, após a assinatura do Tratado de Maastricht, altura em que deixou de ser uma Comunidade fundamentalmente baseada na Economia (Comunidade Económica Europeia) como factor de coesão e desenvolvimento e se transformou, ou está a transformar numa União Política, iniciou o desenvolvimento da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) no âmbito do seu Segundo Pilar, ou seja inserida na Política Externa de Segurança Comum (PESC)4. O primeiro pilar da UE, que foi o seu traço fundamental de coesão durante as últimas décadas, funciona muito bem, e os segundos e terceiros pilares da União Europeia estão actualmente num processo acelarado de aprofundamento e de desenvolvimento.
A União Europeia, só após a Cimeira de Berlim em 1999, iniciou efectivamente a edificação da PESD, estando desde essa altura em constante processo de concepção e de desenvolvimento das ferramentas necessárias à sua operacionalização, estando a “dar os primeiros passos”, que desde o início pretendemos que sejam firmes e seguros e em complementaridade com a NATO.
Ambas as organizações, NATO e UE, nos seus “conceitos estratégicos”5 se pretendem afirmar como actores globais no mesmo Contexto Internacional, facto que em nossa opinião poderá estar na génese da dificuldade do estabelecimento e da normalização das relações institucionais de Cooperação e de Complementaridade que são desejáveis que se estabeleçam e normalizem. Nalgumas partes do Globo, poderão existir “Interesses” divergentes, por parte de ambas as Organizações facto que, como sabemos, do estudo da Estratégia, poderá levar à geração de situações de conflito indesejáveis.
A visão várias vezes expressa por alguns analistas, que a UE no desenvolvimento da PESD se deveria especializar tendo em vista realizar operações militares em ambiente mais “Soft”, enquanto que a NATO se deveria especializar para realizar operações militares em ambientes mais “Hard” deveria ser, em nossa opinião, um dos caminhos a seguir para evitar o eclodir de conflitos entre ambas as Organizações. Esta ideia foi inicialmente transposta para o “Helsinki Headline Goal 2003” da UE, primeiro objectivo de desenvolvimento de Capacidades da UE definido na Cimeira de Helsínquia, quando neste se afirmava que a UE só deveria intervir quando a “NATO as a Whole is not Engaged” e que só deveria desenvolver um Processo de Capacidades para fazer face às Missões designadas por Petersberg, evitando desenvolver meios em duplicado entre ambas as Organizações.
3. As posições dos protagonistas na NATO e na UE
a. A posição Francesa
Vou-me alongar um pouco mais a explanar a posição francesa do que as posições de outros Estados Membros, porque este Estado Membro da UE é um dos membros mais activos na construção da PESD, tendo uma visão muito peculiar do desenvolvimento da mesma.
Um dos grandes mitos da História de França actual é, em nossa opinião, Napoleão Bonaparte. Quem visite a França consegue perceber que Napoleão personifica, ainda hoje em dia, o espírito e a maneira de estar francesa, passados que foram cerca dois séculos sobre a sua deposição, consequente da derrota das suas Forças em Waterloo6.
Na época de Napoleão e sob a sua batuta a França projectou-se na Europa conquistando-a, tendo escrito “páginas de Glória” da sua História.
A conquista da Europa foi feita pela Força das Armas, tendo-se Napoleão revelado na conduta da Guerra um grande General, um dos poucos génios militares de todos os tempos, concomitantemente como governante e estadista revelou-se como um ditador interna e externamente e um déspota em relação à gestão dos países ocupados, tendo pilhado grande parte dos seus tesouros.
Os Franceses na actualidade perdoaram ao seu “Caudillo”, a sua actuação política e escrevem o seu nome bem alto na História do País, em contraposição com a actual posição Alemã, que demonstra vergonha pelos actos bárbaros cometidos no seu passado recente, nomeadamente da sua actuação na Segunda Grande Guerra Mundial, bem como demonizam a actuação política do ditador que a personificou, Adolf Hitler.
O outro grande mito da História Francesa é o General Charles de Gaulle, Presidente da República Francesa no final da Segunda Guerra Mundial. A sua acção política foi extremamente marcante na época, pois devolveu à França a sua grandeza e afirmou-a no contexto das nações, como Grande Potência Mundial vencedora da Guerra, tendo devido a esse facto conseguido um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em termos de Segurança e Defesa, a França entrou na NATO, desde a sua génese, embora só na parte Política da Organização, pretendendo manter desde o início, uma Capacidade de Defesa “Autónoma” em termos Convencionais e inclusivamente Nucleares.
A França, durante o período designado por “Gaullista”, foi um dos Estados Membros fundadores da Comunidade Económica do Carvão e do Aço, Organização precursora da Comunidade Económica Europeia e mais tarde da União Europeia, sendo sempre desde o início da sua participação neste modelo de construção da Europa, a sua mais acérrima defensora, tendo sido sempre apologista da política designada por “Step by Step”, em que na UE se devem dar pequenos passos mas seguros no sentido de se atingir a União Política.
Outro dos grandes mitos, não da História mas da cultura francesa são o “Obélix” e o “Astérix”, célebres personagens da Banda Desenhada, idealizadas por “Uderzo e Gosciny”, que em resumo personificam a irredutibilidade de uma pequena aldeia Gaulesa perante o Império Romano, leia-se nos dias de hoje a irredutibilidade perante o “Império Americano”.
A posição da França que se tem assumido umas vezes como catalizador e outras vezes de motor da edificação da União Europeia, não é consentânea sendo mesmo paradoxal, com os resultados negativos obtidos na votação do referendo relativo à aprovação da “Constituição Europeia”7, documento considerado como a pedra angular da edificação política da “União”.
Actualmente, em termos militares, a sua posição em relação à NATO mantém-se com algumas “nuances”. Embora continue oficialmente a não fazer parte integrante desta estrutura8, a França disponibilizou a utilização de um Quartel-General de Corpo de Exército Nacional (Francês aberto à participação Multinacional9), localizado em Lille, para a Estrutura de Forças da NATO em High Readiness Force, e autorizou também, que fosse disponibilizado o EUROCORPO HQ, Comando Multinacional de que a França faz parte integrante para a mesma estrutura de Forças.
Em termos Militares em relação à UE, a França é um dos Estados Membros mais empenhados e activos na construção da PESD, estando sempre a tentar manter um grande distanciamento em relação à “Outra organização”10. Todos os Membros presentes dos Grupos de Trabalho da União Europeia tentam, na elaboração de quaisquer documentos relativos à PESD, apagar “desesperadamente” qualquer referência à NATO.
Em termos de contribuição com Forças para o último Catálogo de Forças da União Europeia (FC06), a França é um dos três Estados Membros da UE, que para ele mais contribuíu, não tendo a sua contribuição sido mais elevada, devido a um acordo estabelecido entre os três Estados Membros Europeus com maiores Capacidades Militares, nomeadamente a França, a Inglaterra e a Alemanha, no sentido de as suas contribuições se equipararem, não excedendo uma determinada percentagem do total das Capacidades requeridas, tendo em vista encorajar os outros Estados Membros a contribuírem com mais forças para a UE e a consequentemente desenvolverem mais Capacidades Nacionais.
b. A posição dos EUA
“Os EUA fazem parte da Europa” esta frase, “que é mais um “statement” político, foi expressa por um embaixador dos EUA em Espanha numa conferência proferida em Jaca, organizada conjuntamente pela Universidade de Saragoça e pela Academia Militar Espanhola, no ano de 2005.
A afirmação política proferida na citada conferência constitui, em nossa opinião, um dos “Statements” políticos mais importantes que ouvimos a propósito dos interesses dos EUA na Europa, constituindo-se como o “paradigma” da posição dos EUA, em relação à importância que para eles assume o Continente Europeu. Este “Statement” político pretende afirmar que os EUA e a Europa são uma realidade una e indissociável.
Partindo do pressuposto, expresso na afirmação política referida, em que os EUA se assumem politicamente como parte integrante da EUROPA, os EUA estão sempre desconfiados das posições Francesas que geralmente são integradoras no sentido da construção duma União Política11, pois consideram esta posição como uma ameaça aos seus interesses.
A NATO para os EUA é a Aliança Política de Defesa por “Excelência” do Mundo Ocidental, que possui experiência acumulada de cinquenta anos e que demonstrou já capacidade para vencer a Guerra-Fria e para se adaptar ao novo Contexto Internacional e às novas “ameaças” à segurança internacional.
Para os EUA o desenvolvimento da PESD da UE, deveria ter como objectivo desenvolver Capacidades Militares credíveis por forma a poder constituír-se como o braço armado Europeu da NATO, com o qual poderia repartir o trabalho Estratégico, cada vez mais exigente do mundo actual.
Os EUA gostariam de olhar para a Europa à luz da Parábola do filho pródigo que um dia há-de regressar à casa paterna, após ter desbaratado a fortuna que lhe havia cabido em herança12 por morte da mãe.
c. A Posição do Reino Unido
As posições do Reino Unido têm sido desde sempre na UE concernentes com a sua desconfiança e oposição em relação à construção de uma União Política na Europa, tendo-se constituído desde sempre como o paladino na UE do aprofundamento e estreitamento das relações Transatlânticas. As suas posições de desconfiança e de cepticismo em relação à construção europeia em geral e em particular à construção da PESD13, têm a ver com diversos factores Históricos e Geográficos que não são do âmbito deste trabalho.
A posição Inglesa na UE e no mundo, em relação aos grandes problemas internacionais têm sido, na maioria dos casos, uma posição de “alinhamento” com a maioria das posições expressas pelos EUA.
Ultimamente houve uma aparente mudança de actuação dos representantes Britânicos nos Grupos de Trabalho da UE que integram relativos à PESD, pois começaram a participar activamente em todos os “Grupo de Trabalho” do Conselho e em todos Órgãos de decisão da PESD, bem como colocaram cidadãos de nacionalidade Britânica a ocupar posições chave nos Órgãos do Conselho relacionados com a PESD, designadamente no lugar de Director no Estado-Maior da União Europeia (EUMS), e na Chefia da Agência de Defesa Europeia (EDA).
Esta “nova postura” do Reino Unido em relação à PESD, deixando os seus representantes nacionais de ter uma atitude passiva passando a ter uma atitude interveniente e activa é premeditada, pois como nos afirmaram sucessivas vezes em relações bilaterais entre Estados-Maiores de Defesa14, “só participando activamente na construção da PESD poderemos influenciar as decisões em favor dos nossos interesses A política até à altura seguida de não participação activa na UE, tem-nos levado a acatar decisões com as quais não temos concordado, tem sido semelhante à atitude da “Avestruz” que esconde a cabeça e não quer saber do que se passa à sua volta quando se sente ameaçada, facto que não tem dado bons resultados”.
d. A posição Alemã
No início da década de oitenta do século XX os Alemães tiveram uma posição muito alinhada com a posição Francesa. Como resultado dessa aproximação foi criada uma Força Multinacional designada por EUROCORPO, de que os principais contribuintes são precisamente os Franceses e os Alemães.
Actualmente a Alemanha, após a sua reunificação conseguida em grande parte devido ao apoio político recebido pelos EUA, tem tido uma posição muito alinhada com a NATO e muito empenhada no estreitamento das relações NATO/UE. Na UE têm defendido sempre as posições relativas à não duplicação desnecessária de meios e capacidades militares entre as duas Organizações, bem como têm defendido que as relações entre ambas devem ser de complementaridade, devendo ser aprofundadas. Pensamos que esta posição se deve para além da dívida política que têm em relação aos EUA, a uma posição maturamente pensada no sentido de evitar um eventual dispêndio de recursos financeiros desnecessários.
No Programa da Presidência Alemã, actualmente a Presidir à UE, encontra-se como um dos temas em destaque a desenvolver, o tema relativo ao aprofundamento das relações UE/NATO. Os Alemães após analisarem e constatarem a dificuldade actual de desenvolver este tema no actual contexto das relações entre as duas Organizações, poucas acções estão a desenvolver nesse sentido.
e. Alinhamento dos outros Estados Membros
Para além da posição particular da Dinamarca que em relação à PESD, faz questão de não participar nem integrar nenhum Grupo de Trabalho15, posição semelhante à da França em relação à NATO, integrando a sua estrutura política mas não a sua estrutura militar, alguns Estados Membros têm posições mais concernentes com a posição de privilegiar o aprofundamento das relações Transatlânticas, ou seja posições mais Atlantistas (neste grupo destacamos a Inglaterra, Portugal16, e a Holanda, e mais recentemente a Alemanha e a maioria dos Estados Membros provenientes do antigo Pacto de Varsóvia), outros Estados Membros defendem posições mais Europeístas e Integradoras, (neste Grupo destacamos a França, o Luxemburgo e a Bélgica), sendo que a maioria dos outros, ora vinte e sete Estados Membros, não manifesta nenhuma posição de alinhamento em especial, manifestando a sua posição de acordo com os interesses dos projectos que vão sendo apresentados.
4. Outros problemas da actualidade no que concerne à aproximação entre as duas Organizações
Os principais problemas na actualidade e que são de certa forma responsáveis pelo problema da difícil cooperação entre a NATO e a UE em termos de PESD são os seguintes:
- O problema da Turquia17, que pertence à NATO e não pertence à UE, muito embora pretenda entrar nesta última Organização.
A Turquia tem tomado posições na NATO, que dificultam que se aprofunde e desenvolvam as “desejáveis” relações entre as duas Organizações. Estas tomadas de posição têm sido utilizadas pela Turquia como principal instrumento de pressão para forçar a sua entrada na UE como Estado Membro de pleno direito.
A maioria destas posições turcas na NATO são relativas ao bloqueio sistemático de troca de informação, mesmo que não classificada, entre as duas Organizações, impedindo assim que se estabeleça um desejável clima de transparência e de confiança.
- A Grécia18 por seu turno na União Europeia tem uma posição semelhante à da Turquia na NATO, utilizando todos os recursos e argumentos possíveis visando impedir a entrada da Turquia na UE.
- O problema de Chipre está relacionado com o problema da disputa entre os Cipriotas Turcos e os Cipriotas Gregos, consequência da invasão da Ilha por parte da Turquia na década de sessenta do Século passado.
A União Europeia alargou-se recentemente ao Chipre, tendo o Estado liderado pelos Cipriotas Gregos, apoiados pela Grécia, sido reconhecido pela UE como o Estado legítimo que governa o território, em detrimento da facção Cipriota Turca apoiada pela Turquia. Após este alargamento da UE a Turquia tem exercido pressão na NATO no sentido de dificultar/impedir a elaboração de qualquer tipo de acordos inclusive os de Segurança19 entre a Organização e o Estado Cipriota.
- Malta também é um dos novos Estados Membros que não estabeleceu acordos de Segurança com a NATO, pois assinou um acordo com Chipre solidarizando-se com este, facto que impede que lhe seja transmitida também qualquer informação classificada proveniente desta Organização.
5. As principais linhas gerais do desenvolvimento da PESD
a. Desenvolvimento de Capacidades
Com o início da PESD desenvolvida no âmbito do Segundo Pilar da União Europeia, o Pilar que é responsável pela Política Europeia de Segurança Comum (PESC), a UEO que até à data se ocupava de todos os assuntos de Segurança e Defesa no Espaço Europeu praticamente esvaziou-se de conteúdo20. A NATO que estava efectuando uma política de aproximação à UEO, no sentido de a “integrar” como o seu braço armado na Europa, praticamente perdeu o seu interlocutor.
O Helsinki Headline Goal 2003 (HHG 2003), primeiro objectivo de desenvolvimento de Capacidades Militares definido no âmbito da PESD, referia que as Capacidades Militares que iriam ser desenvolvidas, no período entre 2000 e 2003, só deveriam ser usadas pela UE quando a “NATO as a Whole is not engaged”, bem como referia que deveriam ser evitadas todas as duplicações desnecessárias (“to avoid unnecessary duplications”) entre as duas Organizações.
Estas duas frases consensuais21 inseridas na definição do primeiro objectivo político de desenvolvimento de Capacidades Militares, são eminentemente políticas tendo na sua génese sofrido diversas alterações, tendo em vista acomodar os interesses de todos os Estados Membros da UE.
Estas duas frases do HHG 2003 tiveram por parte dos diferentes Estados Membros diversos significados, nomeadamente para os Estados Membros com posições mais Atlântistas estas frases expressavam que a UE só deveria desenvolver uma Capacidade Militar que actuasse em complementaridade com a Capacidade Militar da NATO, não devendo desenvolver Capacidades Militares duplicadas, e por esse facto desnecessárias, uma vez já existirem as mesmas Capacidades na “outra Organização”22.
Para a França e para alguns Estados Membros mais Europeístas a frase “unnecessary duplications” tinha um sentido muito diferente, pois segundo eles há duplicações que eventualmente poderão ser necessárias.
Em termos práticos sempre que no processo de desenvolvimento de Capacidades Militares na UE é levantada uma questão relativa à necessidade de se desenvolver determinada Capacidade Militar existente na “Outra Organização”, a França coloca sempre a questão da sua eventual necessidade.
Tanto o HHG 2003 como o Headline Goal 2010 (HG 2010), objectivo político de desenvolvimento de capacidades definido em 2003 para ser atingido em 2010, definem que as Capacidades Militares a desenvolver no âmbito da PESD só devem fazer face às Missões de Petersberg.
Quando foram desenvolvidos os cenários genéricos de actuação da UE23, inicialmente tendo como base os cenários desenvolvidos pela UEO, foram definidos e desenvolvidos no “Helsinki Headline Catalogue” os cenários de Separação de Partes pela Força, (“Separation of Parties by Force” - SOPF), o cenário de Prevenção de Conflitos (“Conflict Prevention” - CP) e o Cenário de Assistência Humanitária (“Humanitarian Assistance” - HA) que se sub dividia em dois sub-cenários, respectivamente o sub-cenário de Assistência Humanitária (“Humanitarian Aid” - HA) e o sub-cenário de Evacuação de Forças e de cidadãos da UE de Zonas de Conflito (Evacuation Operations - Evacops).
No desenvolvimento do HG 2010, no novo Catálogo de Requisitos da UE (RC05) introduziu-se e desenvolveu-se mais um cenário de desenvolvimento de Capacidades, nomeadamente o de Estabilização e Reconstrução (“Stabilization and Reconstruction” - SR), bem como se separou “realmente” o cenário de HA (inicialmente sub-dividido em dois sub-cenários) em dois cenários independentes - Ajuda Humanitária (“Humanitarian Aid”) e Operações de Evacuação (Evacops). O “Terrorismo” foi assumido como consubstanciando uma ameaça transversal a todas as Operações Militares em qualquer cenário, pelo que as forças a projectar num qualquer conflito em que a UE venha a participar, deverão possuir um nível de protecção muito elevado.
O cenário de SOPF, elaborado por Especialistas em desenvolvimento de Capacidades provenientes dos Estados Membros da UE24 no RC05,25 sub-divide-se em dois sub-cenários, um sub-cenário de SOPF que necessita de uma maior Capacidade Militar por parte da UE, uma versão mais robusta, e um sub-cenário que necessita de uma menor Capacidade Militar, uma versão mais ligeira.
A necessidade de elaborar um sub-cenário que necessita de um maior número de Capacidades Militares, mais robusto, para efectuar uma SOPF, tem na sua base as pretensões Francesas, expressas pelos seus representantes a nível técnico nos Seminários de desenvolvimento do novo “Requirements Catalogue” (RC05).
A descrição deste sub-cenário de SOPF, mais parece a descrição dum conflito de elevada intensidade do que um cenário referente à descrição duma operação de SOPF no âmbito das missões designadas por Petersberg, originando a que os Requisitos Operacionais definidos no RC 05 sejam por esse facto muito superiores.
O nível de ambição da UE, consubstanciado nos cenários de Concorrência (Concurrency 1 e Concurrency 2) definidos nas “Strategic Planning Assumptions” do RC05 é em nossa opinião também bastante elevado.
b. “European Security Strategy”
O Documento designado por “European Security Strategy” (ESS), também conhecido por “Documento Solana”, e que veio à luz do dia em plena crise do Iraque26, pretende dada a inexistência formal dum “Conceito Estratégico” na UE, substituir-se a este. No ESS são referidas quais as grandes orientações Estratégicas em termos de Segurança e Defesa para a UE.
Os pontos mais importantes deste documento referem que a Organização das Nações Unidas é a Organização por “Excelência” legitimadora, em termos de Direito Internacional de todas e quaisquer intervenções que a UE venha eventualmente a efectuar no Mundo27, e que a UE deveria desenvolver “Forças de Reacção Rápida” para disponibilizar prioritariamente para a ONU, para intervirem de preferência no Continente Africano.
Este documento segundo vários analistas, saindo em plena crise do Iraque e referindo que a UE só deverá entrar num conflito desde que previamente autorizada e legitimada pela ONU, numa altura em que a coligação liderada pelos EUA estava a intervir militarmente no Iraque sem essa legitimação formal, abriu mais o fosso já existente entre as duas Organizações, pois foi interpretado no outro lado do Atlântico como uma condenação política formal dessa mesma intervenção.
c. NATO Response Force/Battle Group
Os conceitos e operacionalização das Forças de Reacção Rápida foram quase desenvolvidos simultaneamente em ambas as Organizações. Na NATO foi desenvolvido o Conceito de NATO Response Force (NRF) e na União Europeia o Conceito de Battle Group (BG)28.
Em termos muito genéricos a NRF é baseada numa força terrestre de escalão Brigada (cerca de 5 000 militares da Força Terrestre) e seu respectivo HQ reforçado, sendo o seu efectivo no total de cerca 20 000 militares. O BG por seu lado é baseado num “Force Headquarter” (FHQ) que comanda uma força terrestre de escalão Batalhão, com os elementos de Apoio de Fogos, de Serviços e de Combate necessários para apoiar e sustentar a Operação, o total de efectivos varia entre 1 500 militares (conforme é expresso no conceito) a 3 000 militares no total, (contribuição dum BG de que Itália é “Framework Nation”). A parte da componente aérea e naval deverá ser a necessária para efectuar a Operação não sendo definida no conceito. O conceito de BG é um conceito eminentemente terrestre, que está a ser aperfeiçoado para que nele se incorpore convenientemente a componente aérea e naval.
Os Ingleses tendo em vista conciliar esta duas forças e conceitos distintos, que só têm em comum o facto de serem de Intervenção Rápida, ou seja com prazos de intervenção num TO muito curtos, tentaram em vão transformar o conceito de BG numa força capaz de integrar parte da NRF, devendo cada NRF possuir dois ou três BG(s) na composição da sua componente terrestre. Esta posição não teve acolhimento em nenhuma das duas Organizações.
d. Quartéis-Generais Operacionais (OHQ)
Em plena crise do Iraque a França secundada pela Bélgica e pelo Luxemburgo lançou a ideia de levantar um Quartel-General Operacional (OHQ) para a UE em Tervuren29. Esta ideia teve imediatamente a oposição firme dos EUA, que mandaram chamar todos os embaixadores dos Estados Membros da União Europeia, credenciados em Washington, para lhes expressar o seu mais veemente desagrado com esta posição, tendo exercido efectivamente o seu “poder de influência” nos seus mais firmes aliados europeus, para que estes se opusessem, nos órgãos de decisão da UE, veementemente a essa ideia por eles considerada como fracturante da relação entre as duas Organizações30.
Pelo facto de não existir um QG Operacional na EUROPA foram disponibilizados para o Catálogo de Forças da UE (FC06) cinco Quartéis-Generais Nacionais que se reforçados com pessoal multinacional, poderão ser utilizados pela UE em operações independentes, que decorram fora do âmbito dos definidos nos tratados de “Berlim Plus”, ou seja em operações militares a desenvolver sem recurso aos meios de comando e controlo da NATO.
O dispêndio de recursos financeiros em equipamento para levantar e desenvolver cinco QG(s) nacionais para fazer face às exigências da UE31, efectuado exclusivamente pelos Estados Membros que contribuíram com esta Capacidade no FC06, foi extremamente elevado e acima de tudo desnecessário, pois de acordo com os Requisitos Operacionais estabelecidos no RC05 a UE só necessita de um OHQ32.
Estes cinco OHQ nacionais estão equipados com todas as Capacidades e Tecnologia descritas no RC05, não possuindo no entanto todo o pessoal nacional e multinacional para os guarnecer em permanência. O pessoal encontra-se pré-designado em “Ordem de Batalha” nos seus Estados de origem, sendo “mobilizados” em caso de necessidade, leia-se em caso de operações e de exercícios.
A Célula de Planeamento Civil Militar (Operations Center)33 existente no edifício do Estado-Maior da União Europeia (EUMS) e deste dependente organicamente nasceu após a falência da ideia de se levantar um Quartel-General Operacional (OHQ) em Tervuren para a UE. A missão principal e única desta célula de Planeamento Civil e Militar (Operations Center) é na actualidade, a de efectuar “Strategic Advance Planning” ou seja a de só efectuar o planeamento de eventuais operações em que a UE possa ter que vir a intervir34.
É um dos objectivos de alguns Estados Membros liderados pela França, que esta Célula de planeamento Civil Militar (Operations Center) seja um embrião dum “OHQ”, ou seja que possa um dia, depois de “aumentado” vir a possuir as Capacidades necessárias para Comandar uma Operação Civil Militar da União Europeia, no âmbito do novo conceito definido por CMCO.
Por enquanto esta célula de planeamento Civil Militar está espartilhada no edifício do EUMS não podendo, até por falta de espaço físico, vir expandir-se no futuro. A maioria dos oitenta elementos necessários para o seu funcionamento são oficiais, “double hated”, provenientes do “European Union Military Staff” (EUMS).
A Bélgica já disponibilizou parte das instalações da Academia Militar Belga, infra-estrutura que fica situada em frente do actual edifício onde se encontra localizado o EUMS, para albergar o Gabinete do “Chairman” do Comité Militar da UE que actualmente funciona no edifício do EUMS, bem como disponibilizou o espaço físico necessário para se poder alargar a Célula de Planeamento Civil e Militar.35
Em termos puramente conceptuais a União Europeia, muito genericamente, pode efectuar operações recorrendo a três diferentes estruturas de Comando Operacional (OHQ) de distintas proveniências nomeadamente, utilizar o SACO36 e toda a estrutura de comandos da NATO dele dependente (esta utilização só foi possível como veremos mais tarde, após a assinatura dos acordos de Berlim Plus), utilizar um dos cinco Comandos Operacionais (OHQs) disponibilizados pelos Estados Membros no FC0637, ou utilizar a Célula de Planeamento Civil Militar da UE, (esta última hipótese está como vimos ainda longe de se poder vir a concretizar, embora esteja referida em diversos documentos conceptuais da UE).
e. A Obrigatoriedade do Consenso nas decisões concernentes à PESD
O Problema do consenso que é necessário obter em relação a todos os assuntos na área da PESC/PESD faz com que não seja possível, nesta área em particular, ultrapassar posições irredutíveis de alguns Estados Membros da União Europeia.
O facto de todas as decisões terem de ser consensuais obriga a que tenha que haver um cuidado extremo e não raras as vezes uma negociação prévia para a elaboração de cada parágrafo em todos os documentos concernentes à PESD.
Muitas das vezes as afirmações expressas nos diversos documentos relativos à PESD são dúbias, passíveis de várias interpretações, por serem frutos deste interminável processo negocial.
A escolha dos elementos para a Presidência dos Grupos de Trabalho, por parte do Estado Membro que exercer a Presidência da UE, deve ser muito criteriosa uma vez que estes elementos devem ter muito “tacto” e capacidade de dirimir conflitos.
6. Desenvolvimento de Capacidades (UE)/Planeamento de Forças (NATO)/tentar a aproximação possível
a. “Top down approach” versus “Bottom up approach”
Tanto na NATO como na UE os países contribuem com as suas forças para as duas Organizações duma forma voluntária, na NATO no entanto a forma como é desenvolvida e estabelecida esta contribuição é designada por “Top Down approach” e na UE por “Bottom up approach”.
Na NATO o “North Atlantic Council” (NAC) define qual o “Goal” a atingir pela Organização no Ciclo de Planeamento de Forças seguinte. A definição do novo “Goal” é informada por vários órgãos da Organização, desde o International Staff (Branch de Planeamento de Forças) dependente do NAC, ao Military Comittee e respectivo International Military Staff, ao SACO que toma em consideração o trabalho desenvolvido pela agência designada por NC3A, que utiliza as ferramentas de análise operacional de que dispõem para efectuar um trabalho de rigor o mais científico possível.38
Após a definição do “Goal” estabelecido pelo “NAC” é determinada qual a contribuição que cada nação deve dar para se atingir o mesmo de acordo com os critérios de proporcionalidade estabelecidos, que entram em linha de conta entre outros factores com o PIB de cada nação. A cada nação é feita uma proposta designada por proposta de Força (“Force Proposal”) que depois de negociada se transforma em Objectivo de Força (“Force Goal”). A este processo que é dirigido pela Organização, no processo de planeamento de Forças, designa-se por “Top Down approach”.
Na UE, após definido pelo Conselho da UE o objectivo político designado por “Headline Goal”39, os Estados Membros participam activamente na elaboração do Catálogo de Requisitos Operacionais (RC)40, após o que contribuem com forças voluntariamente para o Catálogo de Forças (FC), e colaboram na realização do Progress Catalogue (PC), este conceito em que participam activamente todos os Estados Membros, através dos seus representantes no Grupo de Trabalho designado por “Headline Goal Task Force” (HTF), designou-se por “Bottom up approach”.
b. Alterações ao processo de Planeamento/desenvolvimento de Capacidades
Na NATO algumas alterações estão a ser introduzidas no processo de Planeamento de Forças, nomeadamente a introdução recente do conceito de planeamento por Capacidades, o alargamento do Ciclo bianual de Planeamento de Forças para quadri-anual bem como estão a ser introduzidos elementos do Planeamento Operacional e de Geração de Forças no processo de Planeamento de Forças tendo em vista torná-lo mais realista41. Até à data o Planeamento de Forças na NATO estava completamente desligado do planeamento Operacional e do processo de Geração de Forças.
Na UE não existem ciclos de desenvolvimento de Capacidades Militares pré definidos, como sabemos foi estabelecido em 2000 um “Goal” para 2003 e em 2003 foi estabelecido um novo “Goal” para 2010. Neste novo processo de desenvolvimento de capacidades para se atingir o HG 2010, foram também introduzidos elementos provenientes do Planeamento Operacional, designadamente na determinação do Risco Operacional que a não existência de determinadas Capacidades Militares na UE pode provocar42.
c. DPQ/HGQ
O “Defence Planning Questionary” (DPQ) é um questionário que as Nações pertencentes à NATO têm obrigatoriamente de responder para que esta consiga compreender efectivamente quais as contribuições nacionais com Forças que foram entregues para a Organização pelas diferentes nações, para no final a NATO poder verificar se cada nação cumpriu ou não o objectivo de força (“Force Goal”) que negociou, com cada nação de “per si”. A compreensão destas contribuições e do seu valor é complementada com conversações bilaterais entre o “International Staff” e as nações e trilaterais entre o “IS” o “SACO” e as nações, onde os diversos especialistas de todas as áreas específicas de planeamento de forças, são chamados para clarificar as dúvidas pendentes da Organização a respeito das contribuições.
O “Headline Goal Questionary” (HGQ) é o documento da UE que pretende determinar quais as contribuições nacionais dos Estados Membros, não para verificar como no caso do DPQ se as nações cumpriram um determinado “Force Goal”43, mas para entender a qualidade das contribuições nacionais (armamento, equipamento, treino, pessoal etc). O HGQ é também complementado com Diálogos de Clarificação em que participam elementos do EUMS e dos Estados Membros.
Neste último “Ciclo”44 de planeamento de Forças da UE para se atingir o HG 2010, foi decidido que a base de dados da NATO designada por NDPASS fosse utilizada também pela UE e que o DPQ e o HGQ deveriam ser “harmonizados”. Tal facto traduziu-se numa aproximação entre as duas Organizações numa área bastante importante, a área do Planeamento de Forças/Desenvolvimento de Capacidades.
Ficou até à presente data comprovado que é possível utilizar-se, com sucesso, a mesma base de dados e que essa base de dados comportava as respostas aos DPQ e ao HGQ, após evidentemente algum trabalho de compatibilização.
No “Ciclo” de desenvolvimento de Capacidades da UE, actualmente em desenvolvimento, foi também utilizada, com bastante sucesso a ferramenta de análise operacional existente na Agência NC3A da NATO para ajudar a elaborar o RC 05.
Esta aproximação a nível técnico, efectuada com sucesso, entre as duas organizações parece-nos importante que continue e que se aprofunde, uma vez que o “Set” de Forças disponibilizado para ambas as organizações é o mesmo, assim como é o mesmo o pessoal que trabalha nas bases de dados dos Estados Membros/Nações que pertencem a ambas as Organizações, não sendo por isso desejável que estes elementos trabalhem com dois sistemas diferentes.
d. O trabalho do painel de especialistas do HTF/STP/OA Tools
A França condicionou o seu acordo de permitir, que no processo em curso de desenvolvimento de capacidades da UE, se utilizasse o NDPASS da NATO45 e que se harmonizassem os questionários destinados às nações46, bem como que se recorressem às ferramentas de Análise Operacional para o desenvolvimento do RC05, existentes na agência da NATO designada por NC3A, à elaboração de dois estudos sobre a viabilidade de serem desenvolvidas ferramentas próprias na UE, nomeadamente uma nova base de dados assim como novas ferramentas apropriadas de análise operacional,47 por forma a serem utilizados em futuros processos de desenvolvimento de Capacidades Militares na UE.
O HTF foi o Grupo escolhido, para sobre a forma de “Specialist Technical Panel” (STP) iniciar e desenvolver estes dois estudos técnicos.
O Estudo relativo ao eventual desenvolvimento duma nova base de dados (Information Gathering Tool), está já muito desenvolvido e apresenta fundamentalmente duas opções para ulterior decisão superior, ou continuar com a solução “interina” de recorrer ao NDPASS da NATO com as devidas adaptações, ou desenvolver uma nova ferramenta a partir do nada.
Relativamente ao outro estudo em curso, foram já elaborados questionários técnicos dirigidos a todos os Estados Membros e à Agência NC3A da NATO, para que estes respondessem se possuíam ou estavam a desenvolver Ferramentas de Análise Operacional, que pudessem ser adaptadas ao Processo de Desenvolvimento de Capacidades da UE. Caso a resposta dos destinatários fosse afirmativa estes teriam de responder ao Questionário técnico enviado, até finais de Janeiro do corrente ano, para serem analisados pelo STP, tendo em vista a entrega do trabalho de análise e respectivas opções em Julho de 2007.
Qualquer decisão que venha a ser tomada, pelo PSC48, baseada nos estudos supra referidos, que não opte pela opção de trabalhar em colaboração com a NATO utilizando o NC3A e o NDPASS é uma decisão que vai implicar um maior afastamento entre as duas organizações, bem como a nosso ver é uma duplicação desnecessária de meios já existentes e devidamente testados e comprovados ao longo dos últimos cinquenta anos.
7. Berlim Plus/Operações/Exercícios
a. Acordos de Berlim Plus
Durante os primeiros anos do desenvolvimento de Capacidades Militares entre o ano 2000 e 2003, enquanto não foram estabelecidos os acordos designados por “Berlim Plus”, havia um total desconhecimento na UE sobre quais os meios comuns da NATO que poderiam ser postos à disposição da UE. Entende-se por meios comuns, os meios pagos com os fundos comuns da NATO, ou seja os meios pagos de forma percentual e predeterminada pelas nações que fazem parte da Organização49. O desconhecimento destes meios comuns poderia levar a uma duplicação desnecessária dos mesmos50 entre as duas Organizações.
Os acordos de Berlim Plus em termos práticos e resumidamente possibilitaram que fosse utilizada a estrutura de comandos NATO, para comandar Forças da União Europeia em operações reais.
O “Deputy Commander” do SACO, que é sempre um oficial dum país da UE, assume-se como comandante Operacional, utilizando as capacidades do seu Estado-Maior para efectuar o planeamento e a conduta da Operação ao nível Operacional. Uma Célula do EUMS de ligação será colocada no SACO enquanto durar a operação. O FHQ poderá ser da União Europeia, podendo no entanto também ser utilizados como FHQ um dos comandos NATO de Força existentes, nomeadamente, o de Nápoles, o de Lisboa ou o de Brunsen, o que pode teoricamente, ser uma oportunidade de actuação do “nosso” comando de Oeiras, na condução duma operação da UE em África.
b. Operação Althea
A operação “Althea” na Bósnia consubstancia o sucesso da primeira operação efectuada no âmbito dos acordos de “Berlim Plus”, ou seja com recurso à estrutura de comandos da NATO, em que o OHQ é o SACO e o FHQ é o EUFOR HQ (FHQ da União Europeia constituído de forma“ad hoc”). Dado que as reservas de Forças da NATO são comuns para a operação no TO da Bósnia e no TO do Kosovo, existia concomitantemente com o EUFOR HQ51 na Bósnia um Quartel-General da NATO para planear a utilização das reservas.
A operação em curso está a sofrer reduções em número de efectivos, estando prevista a sua diminuição para uma força de escalão Batalhão no terreno com dois batalhões em reserva.
Dado que se tem revelado muito difícil construir a relação entre as duas Organizações a nível político, todas as esperanças recaem no sucesso da Operação da Bósnia e noutras operações que provavelmente se seguirão, para se construir uma relação de confiança tentando-se assim através dum “Bottom up approach” aprofundar a relação entre as duas organizações.
c. Exercícios
No corrente ano estava programado realizar-se o primeiro exercício de CMX entre as duas organizações, foi ainda realizada a “Inicial Planning Conference” após o que foi adiada a realização do exercício e mais tarde cancelada. A tentativa de realização do primeiro exercício comum resultou num falhanço rotundo devido aos problemas levantados pela NATO, alegadamente por não existirem “Acordos de Segurança” entre a Organização e Malta e Chipre, facto que impede que estes países tenham acesso à informação classificada da NATO.
Actualmente e em substituição deste “1º Exercício Comum/CMX”, estão-se envidando esforços no sentido de se realizar uma “NATO - EU Related Activity (tipo Seminário), que poderia vir a decorrer no Período da Presidência Portuguesa. Malta e Chipre já afirmaram que irão em princípio bloquear na UE a realização desta actividade.
8. NATO/EU Capabilities Group/HTF PLUS (a nível de experts)
a. NATO/EU Capabilities Group
Este grupo, único fórum estabelecido de carácter permanente entre as duas organizações, pretende ser um fórum que fomente a confiança e a troca de informações relevantes, contribuindo para que o desenvolvimento de Capacidades Militares, em ambas as organizações seja complementar. Estes objectivos do grupo nunca foram alcançados, uma vez que as duas Organizações parecem querer continuar de costas voltadas.
As agendas das reuniões são quase sempre inócuas e debatem assuntos que não são importantes sendo mesmo contra produtivos para a assumpção dos objectivos pretendidos.
A título de exemplo do mau relacionamento e das tensões existentes neste Grupo vou-me referir a uma das últimas reuniões do mesmo como um caso que considero paradigmático deste desentendimento institucional.
Na reunião em questão havia como é usual dois pontos de agenda importantes, respectivamente a apresentação de um “Briefing” por parte da UE e a apresentação de outro “Briefing” por parte da NATO.
A UE fez uma apresentação relativa ao processo em curso de Desenvolvimento de Capacidades Militares, fazendo-o com algum detalhe. A NATO em contrapartida apresentou um “Briefing” relativo ao processo de reestruturação da Guarda Costeira dos Países Baixos.
No final da reunião na parte de perguntas e respostas, a representante da França questionou a pertinência da apresentação da NATO, alegando que o Grupo de Capacidades da UE/NATO era um grupo que deveria tratar de Capacidades Militares e que a Capacidade apresentada pela NATO era uma Capacidade mais do âmbito Civil do que Militar, por seu lado o representante dos EUA referiu que o tema era pertinente e que a Capacidade apresentada era muito relevante.
Este caso é mais um exemplo do desentendimento constante em relação aos tópicos em agenda para a reunião e à dificuldade de se encontrarem temas que sejam considerados interessantes e profícuos para debater por ambas as Organizações. As questões debatidas neste Grupo de Trabalho mais parecem um diálogo de surdos do que com um “fórum” importante para fomentar a confiança entre as duas organizações, razão última da sua existência.
b. HTF Plus
Durante o primeiro “Ciclo “ de desenvolvimento de Capacidades o HTF reuniu-se diversas vezes com a NATO a nível de “experts” sobre dois formatos, um formato em que o Grupo se reunia na forma de plenário com os responsáveis do “Branch” de Planeamento de Forças do IS da NATO para trocar informações de carácter geral, e outro formato ao nível de “experts” em que diversos especialistas, oriundos do na altura ainda SHAPE, auxiliavam os especialistas provenientes dos mais diversos Estados Membros na elaboração do Catálogo de Progresso.
Na prática a grande maioria dos “experts” provenientes do SHAPE eram oficiais de nacionalidade Turca, que assim cumpriam o duplo objectivo de auxiliar o trabalho da UE e concomitantemente recolher informações sobre o primeiro processo de desenvolvimento de capacidades da União Europeia.
O HTF plus teve o mérito de fomentar a cooperação ao nível militar entre as duas organizações, estando planeada a sua reactivação durante o período da Presidência Alemã, pelo que veremos também com agrado a continuação dos trabalhos do HTF sobre a forma de HTF plus, durante o período da Presidência Portuguesa da UE.
9. A primeira “Troika”
Pela primeira vez na história da UE uma “troika”52, constituída por três Estados Membros nomeadamente a Alemanha, Portugal e a Eslovénia, foi encarregue de estabelecer um programa conjunto para as três Presidências, por se ter constatado que um período de seis meses, era insuficiente para dar início, desenvolver e finalizar a maioria dos objectivos políticos que um determinado Estado Membro se propõem desenvolver no período de exercício da sua Presidência.
Sendo um dos objectivos políticos estabelecidos no programa da “Troika”53 para a PESD o aprofundamento das relações entre a NATO e a UE, é essencial que se operacionalize este objectivo em termos práticos a todos os níveis desde o político ao táctico, devendo os três Estados Membros fazer todos os esforços para conseguirem nos Grupo de Trabalho que Presidem/integram, tentar de todas as formas evitar que se tomem decisões que possam eventualmente levar a que se “cave um fosso” entre as duas Organizações. Este trabalho é contínuo e implica que os Presidentes/Representantes nacionais nos Grupos de Trabalho apresentem propostas concretas (designadas por “Food for Thought” na UE), no sentido de aprofundar as relações NATO/UE, bem como se preparem para através da sua liderança, conseguir estabelecer os consensos necessários para que os diversos documentos de trabalho relacionados com a PESD, sejam elaborados tendo em vista a assumpção da tão almejada vontade de aprofundar as relações entre as duas Organizações.
Em termos políticos, durante a Presidência Portuguesa estava pensada a realização dum Seminário da UE /NATO nos Açores, tendo em vista relançar-se politicamente o tema do aprofundamento das relações entre ambas as Organizações. Em princípio esta iniciativa já não vai ter lugar, uma vez que foi considerado não ser a altura política mais propícia para a levar a cabo. Em linguagem “equestre” dizemos que nunca se deve empurrar para cima duma resistência, deve-se sim variar o trabalho para mais tarde o poder tentar de novo.
Em termos Político Militares a Presidência do Grupo designado por “EU Capabilities Group” deve ser exercida com muita prudência e cautela, quer no planeamento quer na conduta das mesmas, escolhendo ou influenciando nas duas organizações os temas das intervenções, tendo em vista que estas sejam relevantes para a consecução do objectivo a que se propõem, que relembremos, é o de fomentar a confiança e a transparência entre as duas organizações, através da troca de informações e de actividades relevantes no domínio do desenvolvimento de Capacidades Militares.
Durante o período da Presidência Alemã, como vimos, os alemães já agendaram reunir o grupo “ HTF Plus”, que se encontrava inactivo desde o ano de 2002, para nele se discutirem ao nível de “experts” militares, as principais questões relativas ao desenvolvimento de Capacidades Militares que se pretende desenvolvam em Complementaridade nas duas Organizações. Parece-nos que esta iniciativa deve continuar durante o período da Presidência Portuguesa da UE, devendo estas reuniões à imagem do NATO/EU Capabilities Group ser preparadas com muito cuidado.
10. Conclusões
Por uma questão de sistematização vou tirar conclusões capítulo a capítulo, extraindo dos mesmos as partes que considero mais significativas do texto, abordando no final possíveis soluções políticas para o Problema.
a. Breve enquadramento estratégico
Os grandes princípios e valores da civilização Ocidental das quais se destacam a Democracia e o respeito pelos Direitos do Homem são as “pedras angulares” da civilização Ocidental, onde se baseia todo o seu desenvolvimento conceptual e onde se devem basear as relações com as outras civilizações na actualidade.
O entendimento e a complementaridade entre a União Europeia e os EUA/Canadá é essencial, uma vez que este entendimento consubstancia em termos políticos a relação Transatlântica que se quer e deve preservar, sendo necessário a todo o custo evitar uma rotura que poderá levar “in extremis” à formação de dois blocos antagonistas, com interesses divergentes, com o perigo que isso acarretaria para a Paz Mundial.
Cabe aos Estados Membros/Nações que integram ambas as organizações, em primeira instância trabalhar no sentido de que o fosso que se está a cavar entre as duas Organizações se mitigue, fazendo com que as duas Organizações se complementem no sentido de poderem vir a repartir entre si o trabalho Estratégico que é necessário realizar.
Portugal a este respeito deve defender a relação Transatlântica e o consequente aprofundamento das relações NATO/UE.
b. As posições dos protagonistas na NATO e na UE
Os protagonistas na actualidade dos principais desentendimentos e divergências políticas entre a América do Norte e a UE são os Estados Unidos da América (EUA) e a França.
A posição peculiar da França em relação à NATO, de não querer desde o inicio integrar a parte militar da Aliança, pretendendo manter sempre uma Capacidade de Defesa Autónoma, aliada à sua indómita vontade de construir uma plena “União Política” na Europa, tornam-na um dos principais protagonistas do aparente desentendimento que grassa entre estas duas Organizações.
A posição dos EUA sintetizada na frase “Os EUA fazem parte da Europa”, constitui um dos “Statements” mais relevantes que consubstancia a posição dos EUA em relação à importância que o Continente Europeu assume na definição da sua Política Externa, pretendendo afirmar que os EUA e a Europa são uma realidade una e indissociável.
Muito embora estes dois países tenham algumas posições divergentes, tal facto não tem acarretado, até à data, problemas inconciliáveis entre eles. Quando é necessário estes dois Países conseguem entender-se e conciliar posições.
c. Outros problemas da actualidade no que concerne à aproximação entre as duas Organizações
Os problemas derivados da Turquia exercer pressão na NATO para desta forma entrar na UE, e da Grécia tentar impedir que a Turquia seja aceite na UE como Estado Membro, aliados aos problemas correlacionados de Malta e de Chipre, novos Estados Membros da União Europeia de não terem acesso a nenhuma informação Classificada proveniente da NATO em virtude de não terem assinado “Acordos de Segurança” com esta Organização, minam completamente as já de si difíceis relações entre ambas as organizações, impedindo mesmo que haja um entendimento entre as duas Organizações.
d. As principais linhas gerais do desenvolvimento da PESD
Como pudemos constatar o desenvolvimento da PESD tem-se efectuado de costas voltadas para a NATO, facto que em nossa opinião começa a ser irreversível, em parte devido ao facto de na UE relativamente à PESD, todas as decisões terem de ser tomadas por consenso. O Problema do consenso que é necessário obter em relação a todos os assuntos na área da PESC/PESD faz com que não seja possível, nesta área em particular, ultrapassar posições irredutíveis de alguns Estados Membros da União Europeia.
O facto de todas as decisões terem de ser consensuais obriga a que tenha que haver um cuidado extremo e não raras as vezes uma negociação prévia para a elaboração de cada parágrafo em todos os documentos concernentes à PESD.
e. Desenvolvimento de Capacidades (UE)/Planeamento de Forças (NATO) - tentar a aproximação possível
O desenvolvimento de Capacidades Militares (UE)/Planeamento de Forças (NATO), é uma área em que consideramos essencial que haja uma cooperação estreita entre ambas as organizações, pois em ambas as organizações as forças militares que para elas foram disponibilizadas pelos países são na maioria dos casos as mesmas.
As grandes diferenças a nível de Planeamento de Forças (designação NATO), e desenvolvimento de Capacidades (designação UE), nas duas Organizações são baseadas no método para a contribuição com Forças por parte das Nações/Estados Membros, nomeadamente no caso da NATO “Top Down approach” e no caso da UE “Bottom up approach”.
Conseguiu-se no actual processo de desenvolvimento de capacidades, que a NATO desse permissão à UE para utilizar a sua base de dados designada por NDPASS bem como que fossem harmonizados os DPQ e HGQ. O NC3A, Agência da NATO, foi também contratado pela UE para desenvolver os requisitos operacionais constantes no RC05, utilizando as suas ferramentas de Análise Operacional.
A utilização da base de dados da NATO, a harmonização dos questionários e a utilização das ferramentas de análise operacional da Agência NC3A da NATO, foi um grande passo no caminho do aprofundamento das relações NATO/UE, nesta área tão importante que é o “Desenvolvimento de Capacidades Militares”.
Qualquer eventual decisão que venha a ser tomada no futuro que não utilize as ferramentas utilizadas neste último processo de desenvolvimento de Capacidades, será uma decisão que implicará um maior afastamento entre as duas organizações, bem como a nosso ver é uma duplicação desnecessária de meios já existentes, devidamente testados e comprovados ao longo dos últimos cinquenta anos.
f. Berlim Plus/Operações/Exercícios
Muito embora nos pareça inviável, há uma corrente que preconiza que uma das hipóteses para aproximar as duas Organizações uma vez que o entendimento político parece cada vez ser mais difícil de obter, que poderá ser viável tentar explorar o sucesso alcançado na prática ao nível das Operações Militares. Tentar estreitar as relações a partir dum sucesso a nível operacional, um “Bottom up approach”.
g. NATO/EU Capabilities Group/HTF PLUS (a nível de experts)
Com o principal objectivo de fomentar a transparência e a troca de informação entre as duas organizações foi criado o NATO EU Capabilities Group, grupo que normalmente reúne quatro vezes em cada Presidência.
Os objectivos do grupo nas reuniões nunca foram alcançados, parecendo um diálogo de surdos, não debatendo nenhum assunto importante, devido ao facto das agendas das mesmas serem quase sempre ou inócuas debatendo assuntos sem importância, sendo mesmo contraproducentes para a assumpção dos objectivos pretendidos.
O HTF Plus, fórum que já não se reúne desde 2002, teve o mérito de fomentar na altura a cooperação ao nível militar entre as duas organizações, estando planeada a sua reactivação durante o período da Presidência Alemã. Veremos com agrado a continuação dos trabalhos do HTF sobre a forma de HTF Plus, durante o período da Presidência Portuguesa da UE.
h. A primeira “Troika”
Pela primeira vez na história da UE uma “troika” constituída por três Estados Membros da UE, (a Alemanha, Portugal e a Eslovénia), foi encarregue de estabelecer um programa conjunto das três Presidências. Pretende-se com a elaboração deste programa conjunto dar continuidade e finalizar as políticas lançadas por um Estado Membro no período da sua Presidência, por se ter constatado que um período de seis meses, período que dura uma Presidência na UE, era insuficiente para estabelecer e desenvolver qualquer tipo de política.
É essencial durante o período em que decorre a “troika”, período em que são executadas as políticas planeadas em conjunto pelos três Estados Membros, participar activamente em todos os trabalhos de desenvolvimento da PESD em curso, não abandonando repentinamente os trabalhos e consequentemente os Grupos de Trabalho, após o período da Presidência Portuguesa, tendo em vista dar um sinal positivo e de interesse na continuação das políticas traçadas em conjunto pelos três Estados Membros.
i. Possíveis soluções para desbloquear politicamente as relações entre as duas Organizações
As soluções que preconizamos para desbloquear a “impossível relação” entre as duas Organizações, são de médio/longo prazo respectivamente, o consenso deixar de ser obrigatório na área da PESD; admitir a Turquia como Estado Membro da UE num futuro alargamento, pois só assim ela deixará de bloquear todas as aproximações entre as duas Organizações na NATO, deixando em princípio de se opor à assinatura de Acordos de Segurança entre a NATO, Malta e Chipre.
Em nossa opinião só a conjugação destas soluções poderão resolver o problema de fundo.
Volto no final do artigo a referir, à laia de conclusão, que as actuais relações entre a NATO e a UE nos recordam a parábola Bíblica do Antigo Testamento relativa aos dois irmãos desavindos Caim e Abel, relação tumultuosa que como sabemos no final não teve um final feliz, muito embora os dois intervenientes fossem descendentes dos mesmos progenitores e tivessem sido educados tendo por base os mesmos princípios.
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* Tenente-Coronel de Infantaria. Sócio Efectivo da Revista Militar. Actualmente em reforço da MILREP PO em Bruxelas para a Presidência Portuguesa da UE.
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1 Referência a Jesus Cristo quando indicou Pedro como seu sucessor na terra, “Tu és Pedro a pedra angular sobre a qual edificarei a minha Igreja”.
2 Portugal foi dos poucos Estados Europeus que não quis aproveitar estes recursos disponibilizados pelo Plano Marshall.
3 Ainda existe uma sede desta Organização em Bruxelas, nesta UEO tinha assento a Turquia que actualmente por não pertencer à UE não tem influência no desenvolvimento da PESD.
4 Esta é a razão porque ainda não existem Conselhos da União Europeia de Segurança e Defesa independentes dos das Relações Exteriores, sendo os diplomatas que lideram todo o processo da PESD com assento no “Political Security Comittee” e no seu Grupo de Trabalho - Political Military Group (PMG).
5 A UE como veremos não possui formalmente um Conceito Estratégico no entanto na falta deste documento formal, o “European Security Strategy”, documento Solana, é considerado como o seu substituto.
6 Não deixa de ser curioso que em Waterloo, localidade hoje pertencente ao Reino da Bélgica, o local da Batalha se designe por “Bout de Napoleon” em vez da “Vitória de Wellington” e que a principal estátua no recinto seja o da figura de Napoleão.
7 Este resultado do referendo só pode ser entendido como uma reacção interna de oposição ao Governo Francês da altura.
8 Posição aparentemente paradoxal de não querer pertencer à estrutura militar da NATO e contribuir com forças para esta organização, muito embora condicionadas na sua utilização a uma prévia autorização política.
9 Portugal foi convidado oficialmente pelo Estado Francês a participar com elementos neste Quartel-General, estando em estudo o seu provimento.
10 “Outra Organização” - forma como é tratada a NATO na União Europeia.
11 Das duas vezes que Portugal se encontrou com os EUA em conversações bilaterais entre Estados-Maiores notou-se sempre uma desconfiança dos EUA em relação às posições Francesas na UE.
Os oficiais dos EUA, sempre liderados pelos respectivos oficiais generais chefes de delegação, questionaram-nos amiúde acerca da construção Europeia e em especial do desenvolvimento da PESD, referindo-se sempre com alguma curiosidade por vezes, e outras com algum sarcasmo à peculiaridade da posição Francesa e à contrariedade que esta lhes provocava. Portugal em sua opinião no âmbito da construção europeia deveria, como país aliado e amigo dos EUA, ter como posição na UE a de privilegiar sempre as relações transatlânticas, não se deixando embarcar em nenhum “canto do cisne” contrário a essa posição.
12 Parábola do “Filho Pródigo” constante do Novo Testamento da Bíblia.
13 O não aceitar do Euro como moeda oficial não abdicando da Libra, é um dos exemplos mais marcantes em minha opinião do Cepticismo da Inglaterra, e da desconfiança em relação à construção da UE.
14 Leia-se Ministério da Defesa Britânico e Estado-Maior General das Forças Armadas de Portugal.
15 Na ocasião da sua última presidência da União Europeia, todos os Grupos de Trabalho a desenvolver assuntos relativos à PESD foram presididos pela Grécia, Estado Membro que havia efectuado a Presidência da UE no semestre anterior.
16 Portugal historicamente sempre privilegiou as relações com a potência Marítima.
17 Os EUA apoiam incondicionalmente a entrada da Turquia na União Europeia, por razões de solidariedade com um dos seus aliados mais influentes na área do Médio Oriente, quer durante o período da Guerra-Fria quer na actualidade.
Não querendo ser exaustivo as principais vantagens da adesão da Turquia à UE são:
- A posição geográfica da Turquia é actualmente tão importante para o Mundo Ocidental como durante o período da Guerra-Fria, pois está projectado que será um dos pontos de passagem e de acesso ao mar dos “pipelines” de gás natural e de petróleo provenientes da Ásia, bem como deverá ser um dos países nas proximidades da Região Médio Oriente, que em conjugação com Israel poderão servir de Catalizador ao desenvolvimento regional e à sua pacificação.
- A de dar um sinal de abertura da UE a um país Islâmico moderado, em que há uma separação real entre o poder Temporal e o do Estado, e onde vigora um regime “democrático”, embora um pouco musculado.
As principais desvantagens da adesão da Turquia à UE são:
- A entrada da Turquia na UE, país de cariz Islâmico, poderá tornar a Europa mais vulnerável e com maiores dificuldades em transformar-se efectivamente numa União Política.
- A dimensão geográfica da Turquia a sua elevada população associada à sua elevada pobreza constituem uma das grandes ameaças e entraves à entrada da Turquia na UE, pois teme-se uma “invasão demográfica” consequência da política de livre circulação de pessoas e bens no espaço da UE.
- O facto da Turquia ser um país Islâmico em conjugação com a história recente das guerras e invasões perpetuadas pelo “Império Otomano” na Europa de que os Turcos actuais são herdeiros, ainda hoje tem repercussões sendo influenciadoras da posição de reserva expressa por alguns Estados Membros.
18 Como sabemos actualmente existem várias disputas territoriais com a Turquia por causa de algumas Ilhas e à respectiva delimitação do mar territorial.
19 Acordos considerados essenciais para que o Chipre possa receberem informação classificada proveniente da NATO.
20 O tratado que estabeleceu a UEO ainda se mantém. A UEO ainda é no espaço Europeu a única organização de segurança e defesa que de acordo com o seu tratado possui uma cláusula relativa à “Segurança Colectiva”, bem como ainda é um “fórum” Europeu onde está representado o Estado Turco.
21 No âmbito da PESD tem que haver consenso entre todos os Estados Membros para se tomarem decisões.
22 Forma como normalmente é designada a NATO na UE.
23 Cenários essenciais para se poder a partir da sua definição iniciarem qualquer processo de desenvolvimento de Capacidades Militares.
24 Reunidos em três seminários designados por CJPP.
25 De acordo com o documento designado por “Capability Development Mechanism”, sempre que é definido um objectivo de desenvolvimento de capacidades na UE têm que ser desenvolvidos três documentos estruturantes, o Catálogo de Requisitos (RC) o Catálogo de Forças (FC) e o Catálogo de Progresso (RC).
26 Alguns países Europeus liderados pela França não apoiaram a intervenção da coligação liderada pelos EUA no Iraque, facto que provocou uma grave crise política entre a UE e os EUA, que ainda hoje tem consequências.
27 Muitos analistas consideraram que esta posição era uma chamada de atenção à posição que os EUA estavam a tomar com a intervenção no IRAQUE, não formalmente legitimada em termos de Direito Internacional pela ONU.
28 O conceito de BG surgiu na UE como consequência da primeira intervenção da França, e mais tarde da UE na República Democrática do Congo. A primeira intervenção Francesa neste território foi executada com uma força muito semelhante à posteriormente conceptualizada no âmbito do BG da UE.
29 Quartel-General de nível Operacional o mesmo nível que o SACO da NATO.
30 Foi referido que o Secretário de Estado da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld teria utilizado a expressão “never” em relação ao levantamento do Quartel-General da União Europeia em Tervuren. Como forma de pressão em relação á posição expressa pelo Reino da Bélgica de apoio ao levantamento dum OHQ para a UE em Tervuren, parece ter sido inclusivamente levantada a hipótese de deslocar o QG da NATO de Bruxelas para outra nação NATO.
31 Devido ao número de operações simultâneas que a UE pretende realizar expressas no RC05.
32 Só se entende este grande dispêndio de recursos financeiros efectuado pelos Estados Europeus com maiores Capacidades Militares, pelo facto de estes quererem competir entre si, como se duma questão de orgulho nacional se tratasse.
33 A Célula de Planeamento Civil e Militar e o Centro de Operações da UE têm os mesmos militares na sua composição e partilham o mesmo espaço físico, a sua denominação também é um assunto político delicado.
34 A delimitação da missão desta célula de Planeamento Civil/Militar não foi fácil pois implicou uma dura batalha política entre os Estados Membros com posições mais Atlantistas e os com posições mais integradoras. A ideia de levantar um OHQ na UE não morreu, e parece-nos que irá avançar a curto prazo.
35 Os países com posições mais Atlantistas na UE têm medo que um eventual alargamento do espaço físico da Célula de Planeamento Civil e Militar possa ter como consequência a prazo a criação dum OHQ. Se a Célula não se puder expandir pela falta de espaço o problema pode chegar a não se colocar, num futuro próximo.
36 Nova designação do SHAPE - Supreme Alied Command for Operations (SACO).
37 A operação da União Europeia na República Democrática do Congo é um dos exemplos em que a UE não recorreu aos meios da NATO para efectuar uma operação com êxito.
38 Estes órgãos intervêm na definição do objectivo a atingir de forma concorrencial, não havendo uma sequência pré definida.
39 Desconhecemos como é estabelecido, embora saibamos que a Estrutura Militar da UE nem sequer é consultada.
40 Os três documentos estruturantes do desenvolvimento de Capacidades de acordo com o CDM são como sabemos o RC; FC e PC documentos já anteriormente referidos.
41 O planeamento de forças era até à data realizado duma forma independente do planeamento operacional e do processo de Geração de forças. O planeamento de forças desenvolvia-se a um nível estratégico enquanto que o planeamento operacional se desenvolvia ao nível operacional, não havendo inter penetrações entre eles.
42 Os três documentos estruturantes do desenvolvimento de Capacidades na UE são o Catálogo de Requisitos, o Catálogo de forças e o Catálogo de Progresso. Cabe à Presidência Portuguesa da UE no segundo semestre de 2007 a responsabilidade de finalizar o processo de avaliação dos riscos operacionais que é uma das partes integrantes do Catálogo de Progresso.
43 Pois na UE não é negociado nenhum “Force Goal”.
44 Como sabemos a UE não tem ciclos definidos em termos de tempo, no entanto desde a definição dum objectivo político (Goal) até ao fim do Catálogo de Progresso podemos dizer que é um ciclo de desenvolvimento de Capacidades.
45 O NDPASS é uma aplicação informática baseada no Microsoft 2002. O objectivo da parte de recolha de informações é recolher dados duma forma sistemática e consistente para que posteriormente possam ser analisados e produzir um livro por nação (nation based concept) com o objectivo de participar no Processo de Planeamento de defesa da NATO.
46 Designadamente o “Defence Planning Questionary” e o “Headline Goal Questionary.
47 Baseado nos princípios definidos em Nice relativos à importância da Autonomia da UE nos processos de tomada de decisão.
48 Political Security Comittee.
49 Como sabemos a maioria das nações da NATO pertence à UE, e tendo dispendido avultados recursos financeiros, para adquirir algumas capacidades comuns no âmbito da NATO, nomeadamente os “AWACS”, e comparticipado no levantamento da estrutura Superior de Comandos NATO, não pretendiam despender mais recursos nas mesmas Capacidades agora no âmbito da UE.
50 Lembro-me que na altura estávamos a elaborar o Helsinki Progress Catalogue (documento que lista as lacunas existentes na UE) e necessitávamos saber quais os meios comuns que a NATO poderia ceder à UE, tendo em vista nas conclusões do trabalho afirmar que algumas das lacunas existentes na UE poderiam ser facilmente resolvidas caso tivéssemos acesso a alguns meios comuns da NATO, em suma inverter eventuais prioridades de “procurement”.
51 A maioria dos elementos do EUFOR HQ, no primeiro Semestre de 2007 pertencem à EUROFOR, que deste maneira está treinando o seu pessoal e dando o seu contributo real para a primeira operação da UE com recurso aos meios comuns da NATO.
52 Não é ainda uma verdadeira “troika” pois a presidência não se exerce duma forma tripartida durante o período de um ano e meio, neste caso só o programa foi estabelecido em conjunto. Espera-se que após a aprovação da Constituição Europeia onde consta esta figura designada por “Troika”, se iniciem verdadeiramente as Presidências conjuntas de três Estados Membros por um período de 18 meses.
53 Durante o período da Presidência Portuguesa da UE, é muito importante que este tema seja aprofundado uma vez que Portugal fez muita força para introduzir este objectivo político no programa da “Troika”.