Introdução
O ambiente operacional
O fim da guerra-fria, o alargamento da União Europeia, o atentado às torres do World Trade Center e outros acontecimentos recentes, deram origem à configuração de novos espaços de interesse geopolítico.
O crescimento populacional e os movimentos migratórios aliados à escassez de recursos e à degradação ambiental conjugados com a proliferação de armas e agentes de destruição maciça, com o terrorismo internacional, narcotráfico e tecnologias de informação, vislumbram uma menor probabilidade de ocorrência de guerras convencionais dando lugar ao ressurgimento das Operações não Convencionais.
Na “caracterização do ambiente operacional na moderna conflitualidade, o principal ingrediente estratégico parece ser a assimetria associada a um elevado grau de imprevisibilidade, tornando cada vez mais difícil a correcta identificação, caracterização e localização das ameaças e riscos, factos que vieram dar uma relevância acrescida ao emprego de Forças de Operações Especiais (FOpEsp), devido à sua adaptabilidade, modularidade, precisão, nível de prontidão e flexibilidade de projecção”1.
A tecnologia e as forças
A tecnologia no momento presente é importante mas no futuro tornar-se-á indispensável.
“Na prontidão e eficácia do emprego das FOpEsp tem relevância a utilização de equipamentos sofisticados”2. Nomeadamente no comando e controlo, na informação, na vigilância, no reconhecimento, na pesquisa e transmissão de dados e imagem, entre outros. Tal desiderato permite às FOpEsp manter “uma vantagem tecnológica e acompanharem o desenvolvimento de novas tecnologias, sem que para tal se minimize a importância dos recursos humanos”3, para responderem, com a prontidão exigida e que as caracteriza, na prossecução dos objectivos definidos pelos Estados.
Processos de visualizar virtualmente o terreno permitem marcar: corredores aéreos, pontos de infiltração e exfiltração, zonas de lançamento, pontos de extracção, área do objectivo, entre um enumero rol de possibilidades.
A tecnologia de sistemas integrados de georeferenciação permite identificar e localizar pessoal ou material de modo a facilitar a conduta das operações e a salvaguarda da vida humana.
A utilização de novas tecnologias de comunicação e sistemas de informação é indispensável e com elas o planeamento conjunto torna-se mais fácil.
“Em muitos casos a tecnologia de ultima geração será preferencialmente utilizada nas Operações Especiais e pelo seu pessoal”.4 As FOpEsp devem “ser tecnologicamente estimulantes, adaptáveis e inovadoras”.5
Emprego das FOpEsp
A versatilidade das Forças de Operações Especiais
Convém, neste momento, aclarar o que são Operações não Convencionais e Operações Especiais.
Primeiro, derrube a parede imaginária erguida entre as FOpEsp e as outras organizações militares …
Segundo, eduque o resto das Forças Armadas, dissemine um reconhecimento e entendimento sobre as acções das FOpEsp … e a importância das suas missões …
Finalmente, integre os esforços das FOpEsp em todo o espectro das possibilidades militares.
Almirante William J. Crowe Jr, 1986
Operações não Convencionais são um vasto conjunto de operações militares ou paramilitares, realizadas em todo o tipo de ambiente operacional (paz, crise, conflito ou guerra), conduzidas em zonas politicamente sensíveis, em território inimigo ou em território por ele controlado ou ocupado, tendo como ponto comum e mais caracterizador o seu carácter encoberto. Estas operações podem ser conduzidas por militares ou civis com organização diversificada, com a ajuda de grupos e redes de apoio organizadas para o efeito.
As Operações não Convencionais dividem-se em dois grandes grupos: as operações especiais e as actividades irregulares.
As actividades irregulares não são, de momento, a finalidade deste artigo.
Operações Especiais são as acções militares, de natureza não convencional, desenvolvidas em qualquer tipo de ambiente operacional e executadas por forças militares para o efeito organizadas, em cumprimento de missões de âmbito estratégico, operacional ou eventualmente táctico, com elevado grau de independência e em condições de grande risco, de forma independente, em apoio ou como complemento de outras operações militares. As forças militares organizadas, preparadas e treinadas para realizar este tipo de operações designam-se por Forças de Operações Especiais.
As FOpEsp não foram concebidas para vencerem a guerra sozinhas. Não utilizam os princípios da “manobra”, da “massa” e do “choque”.
Elas contribuem para os objectivos definidos: na concepção da “campanha” ou em operações de grande envergadura.
As características psicossociais dos elementos de operações especiais em conjugação com a competência técnica e a capacidade física tornam-nos aptos a desempenhar, com eficiência e eficácia, as missões primárias das FOpEsp.
A qualidade e não a quantidade e os elevados padrões no processo de selecção, formação, preparação, aprontamento e prontidão, garantem o cumprimento das missões atribuídas às FOpEsp.
“Vários factos sobre as operações especiais advertem contra o desdobramento em massa:
A qualidade é mais importante que a quantidade;
As FOpEsp não podem ser fabricadas em série;
As FOpEsp, eficazes, não podem ser criadas após a ocorrência de uma emergência;”6
As FOpEsp constituem um instrumento discreto de poder dos Estados modernos.
As FOpEsp desempenharão um papel mais “significativo nos futuros ambientes de segurança, mais imprevisíveis e menos estáveis”7, sendo “uma opção relativamente barata em comparação com a utilização de grandes forças convencionais”.8
As FOpEsp podem realizar reconhecimentos especiais e vigilância para recolha de notícias de âmbito político, económico, psicológico ou militar.
Elas podem obter informações específicas e de elevada sensibilidade, em complemento com outros métodos ou meios de recolha de informação, materializada pela observação directa dos objectivos podendo recorrer a meios locais e técnicas de HUMINT.
Recolher informações da área de operações para apoio ao processo de decisão; operações de reconhecimento inicial em prol das operações das forças convencionais; aquisição de objectivos que se constituam em alvos militares ou civis de elevada importância, localização e vigilância de reféns, prisioneiros de guerra ou infra-estruturas de prisioneiros políticos.
Efectuar o levantamento de dispositivos, capacidades e intenções de forças militares e grupos irregulares na área de operações: estudo de área, de zona, de objectivo.
Executar acções, com carácter mais violento, sobre alvos humanos ou materiais com a finalidade de os destruir ou neutralizar; acções para libertação e recuperação de pessoal ou material; acções de observação e regulação de tiro e meios provenientes de plataformas marítimas, terrestres ou aéreas e guiamento terminal de munições.
As FOpEsp podem ser empregues no treino, na assessoria e no apoio a forças militares de nações amigas ou aliadas, de forma a prepará-las para determinadas tarefas ou incrementar a sua proficiência em determinadas áreas.
As FOpEsp necessitam de grande mobilidade para poderem responder em tempo oportuno a situações de crise, necessitando fundamentalmente, de um adequado transporte aéreo estratégico e de meios de asa móvel com possibilidades de executarem voos nocturnos, a grande distância e a baixa altitude em condições meteorológicas adversas, podendo ser reabastecidos em voo, entre outros requisitos normais para o cumprimento deste tipo de missões.
As FOpEsp, modernas, constituem uma força conjunta, versátil e discreta “sempre prontas para cumprir a missão e preparadas para responderem aos desafios do mundo incerto e dinâmico dos dias de hoje”.9
As operações militares futuras, envolvendo “FOpEsp, deverão ser conduzidas mais em resposta às ameaças de actores não estatais, do que às de nações-estados”10 sendo que o envolvimento das FOpEsp nelas, “dependerá da percepção pública da ameaça”.11
As FOpEsp dispõem de capacidades únicas que as distinguem das forças convencionais.
Conceito de Emprego
Face às suas possibilidades, o emprego de FOpEsp é considerado em todo o espectro das operações militares, desde o tempo de paz até uma situação de crise ou conflito.
Em tempo de paz podem ser utilizadas como contribuição para melhorar a cooperação mútua, apoiar operações de paz, apoiar regimes democráticos, estabelecer presença avançada, providenciar a identificação e avaliação antecipada de uma situação de crise, treinar forças amigas e desenvolver relações militares.
Numa situação de crise podem providenciar reconhecimentos e avaliação de área, apoiar as opções de carácter militar, garantir capacidades iniciais de C3I, complementar ou reforçar a actividade política e, se necessário, apoiar na transição da paz para a crise, da crise para o conflito, ou vice-versa.
Em tempo de conflito executar todo o tipo de missões próprias das FOpEsp, em todo o espectro das operações militares, para repelir agressões e permitir o fim do conflito. Podem ainda ser empregues para apoiar as actividades pós conflito, na transição para a paz.
Princípios de Emprego
O sucesso e eficácia das FOpEsp depende, do perfeito conhecimento e entendimento por todos aqueles que comandam, planeiam ou requerem o emprego deste tipo de forças, da correcta interpretação e identificação dos princípios de emprego das FOpEsp.
As FOpEsp devem ser empregues, através de uma cadeia de comando simples e clara, em objectivos críticos e de elevado valor, planeadas com grande detalhe apoiando-se em informações precisas e actualizadas onde o sigilo e a segurança são fundamentais quer no planeamento centralizado quer na execução descentralizada.
Modos de Actuação
Os modos de actuação das FOpEsp, dependem das limitações político-militares impostas, podendo assumir um modo aberto, coberto ou discreto.
Capacidade de Comando
A capacidade de comando deve ser exercida através de uma estrutura de C2 que permita o correcto emprego das FOpEsp de forma independente e garanta uma perfeita integração com as forças convencionais.
Um estrutura, que juntando a sinergia das Operações Especiais dos Ramos, exerça o Comando e Controlo dessas FOpEsp.
O Conceito CJTF e a Componente de Operações Especiais
O fim da Guerra entre “blocos”, resultou num benefício imediato para as nações, que se traduziu na possibilidade de poderem reduzir os seus compromissos no esforço militar. No entanto, manteve-se a necessidade de as nações maximizarem os seus meios militares agora reduzidos, numa força de combate coesa. Por sua vez a NATO, também, sentia a necessidade de se reestruturar para poder cumprir missões de gestão de crises, operações de paz e humanitárias, entre outras.
O conceito de Combined Joint Task Force (CJTF) resultou destas necessidades e para dar resposta à capacidade de comando e projecção de forças combinadas e conjuntas. A evolução deste conceito deu origem ao Deployable JTF (DJTF) mais aligeirado para emprego inicial em operações “seabased” ou “landbased”.
Para levar à prática o conceito CJTF, são necessários dois factores elementares:
Capacidade de Comando: Forças Operacionais
O conceito CJTF providência flexibilidade e eficácia para gerar forças em curto espaço de tempo, possibilita a rápida projecção das mesmas, de uma forma multinacional, integrada por forças de vários ramos e com um canal de comando e controlo adequados, garantindo a capacidade de fazer face aos desafios que as nações livres enfrentam.
Na NATO a capacidade de comando é garantida através da estrutura de comandos permanentes, Allied Command Operations (ACO) e Allied Command Transformation (ACT) ao nível estratégico e com o JFC Brunssum, JFC Naples e o JC Lisbon ao nível operacional. Estes comandos dispõem, todos, de células de Operações Especiais.
Em virtude da assimetria ser no futuro a característica determinante na moderna conflitualidade, ressurgiram as Operações não Convencionais, facto que veio dar uma maior relevância ao emprego de Forças de Operações Especiais.
A relevância do emprego de FOpEsp foi materializada na última reunião da NATO, que se realizou em Riga, com a criação de um novo Órgão: o NATO Special Operations Coordination Centre (NSCC) que passou a integrar o ACO.
As forças operacionais e os Comandos das Componentes são disponibilizados pelos Estados-Membros sendo de referir em especial a “atribuição” de algumas dessas forças no âmbito da NATO Response Force (NRF) criada com o objectivo de obter um conjunto de forças prontas (“Standby Forces”), para intervir.
A União Europeia segue os mesmos princípios orientadores em uso na NATO. Dispõe de um conjunto de estados-membros que constituem o Operations Headquarters (OHQ) ao nível estratégico e o Force Headquarters (FHQ) ao nível operacional. Estes comandos dispõem, também à semelhança da NATO, de células de Operações Especiais.
Também na UE as forças operacionais e os Comandos das Componentes são disponibilizadas pelos Estados-Membros que a integram.
Verifica-se, pois, no quadro das organizações de segurança e defesa a que Portugal pertence, a individualização de uma Componente de Operações Especiais nos comandos conjuntos e combinados.
É de realçar que a Componente de Operações Especiais pode ficar, aquando do emprego de forma independente da capacidade de Operações Especiais, sob o Comando directo do NAC/MC no caso da NATO e do OHQ no caso da UE.
Este comando de componente é fornecido pelos Estados Membros.
Assim, nas estruturas organizacionais tanto da NATO como da UE o C2 das OpEsp está devidamente contemplado aos vários níveis de decisão.
Contudo se o problema de C2 das FOpEsp está resolvido a nível da NATO e da UE os países têm de garantir, a nível nacional, a capacidade de C2 das suas próprias FOpEsp.
O Comando de Componente de Operações Especiais que é atribuído pelos países às organizações que integram é levantado a partir dos comandos nacionais com a participação de “augmentes” dos outros países que contribuem com FOpEsp para a Componente de Operações Especiais e é aliás um dos requisitos, entre outros, impostos para um Estado-Membro se poder constituir em Framework Nation (FN) de Operações Especiais.
Comando e Controlo das Forças de Operações Especiais
Alguns dos Estados-Membros que, em ambas as organizações já referidas, se constituem em FN são: os EUA, a Alemanha, o Reino Unido, a França e a Itália. Estes países dispõem de uma estrutura de Comando e Controlo das suas próprias FOpEsp, dos vários Ramos.
Estes Estados-Membros colocam a estrutura de C2, uns a nível político e outros a nível estratégico militar.
O Comando e Controlo das FOpEsp, destes países, estão ao mais alto nível de decisão para emprego em missões de nível estratégico e operacional podendo ser abertas, cobertas e discretas e aceitando riscos físicos e políticos não associados a outros tipos de operações, podendo ser empregues de forma independente ou em complemento de outras acções convencionais.
Estes Estados-Membros têm estruturas de Comando e Controlo das FOpEsp nacionais o que lhes permite constituírem-se em FN.
Portugal assumiu o compromisso em contribuir com um Comando de Componente de Operações Especiais para a UE.
Assim, existe a determinação política - aceitabilidade política - para a criação de uma estrutura de C2, para as FOpEsp, a nível nacional.
Por sua vez o CEDN, o CEM, as MIFAS e o SFN exigem, também, a necessidade de uma estrutura de C2 nacional - aceitabilidade política e adequabilidade militar.
Por último, a cativação de verbas está contemplada na LPM - aceitabilidade política, adequabilidade militar e exequibilidade financeira.
É necessário, então, uma estrutura nacional, que tenha correspondência nos nossos aliados e que garanta uma resposta rápida, flexível permitindo assegurar em tempo oportuno o cumprimento de um conjunto variado de missões e dar resposta a uma diversidade de factores de planeamento.
Uma estrutura de C2 clara e simples, conjunta, aligeirada, modular, versátil e totalmente projectável que constitua uma opção sólida, útil e ajustada ao contexto internacional de emprego, das FOpEsp e ao seu Comando e Controlo.
Conclusões
No âmbito das OpEsp é de todo conveniente acompanhar a evolução, aos níveis estratégico e operacional, tendo como referência e alicerce fundamental a doutrina conjunta da NATO e da União Europeia, preferencialmente, das implicações ao nível dos conceitos, das doutrinas, das capacidades de Comando e Controlo e dos modernos requisitos de empenhamento conjunto e combinado, adaptando-as aos novos ambientes e quadros de actuação.
A nível nacional a aplicação de capacidades de C2, autónomas, é uma medida actual, e de extrema importância para o desenvolvimento de doutrina conjunta e lógica organizativa, que potencia as sinergias das Operações Especiais dos Ramos no quadro do Sistema de Forças Nacional.
É, pois, necessário um Órgão que dote o Sistema de Forças Nacional com uma capacidade de C4I sobre as FOpEsp e meios atribuídos, rentabilizando o seu emprego conjunto ao nível estratégico e operacional, facilitando o planeamento e conduta de operações conjuntas e combinadas, a coesão e a unidade de comando, contribuindo assim para uma das missões específicas das Forças Armadas e para satisfazer os compromissos internacionais assumidos.
Referências
Conceito Estratégico de Defesa Nacional, 2003.
Conceito Estratégico Militar, 2003.
Missões Específicas das Forças Armadas, 2004
Sistema de Forças Nacional, 2005.
Military Committee Special Operations Policy - MC 437/1, June 2006.
EU Special Operations Forces Planning Guide, 2004.
Allied Joint Operations - AJP-3, September 2002.
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* Coronel de Infantaria. Chefe do Núcleo Permanente do Quartel-General Conjunto e Combinado de Operações Especiais (QGCCOE-EMGFA).
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1 Seminário de Operações Especiais - O Emprego de Operações Especiais no Actual Quadro de Conflitualidade, IAEM, 2003.
2 Seminário de Operações Especiais - As Operações Especiais nos níveis Estratégico e Operacional, IAEM, 1998.
3 Idem.
4 Seminário de Operações Especiais - As Operações Especiais nos níveis Estratégico e Operacional, IAEM, 1998.
5 Forças de Operações Especiais: Visão Futura, General Henry H. Shelton, EUA, Military Review, 1997.
6 Forças de Operações Especiais em Tempo de Paz, Coronel John M. Collins, Exército EUA, Military Review, 2001.
7 Forças de Operações Especiais: Visão Futura, General Henry H. Shelton, EUA, Military Review, 1997.
8 Guerra e Antiguerra - Alvin e Toffler, pag. 121, Livros do Brasil, 1994.
9 Forças de Operações Especiais: Visão Futura, General Henry H. Shelton, EUA, Military Review, 1997.
10 Idem.
11 Idem