“O mais importante factor é o crescimento económico o qual, para além do mais, deve-se materializar através da melhoria gradual das condições de vida da população. Só quando a população conseguir ver os reais benefícios e as vantagens do actual sistema político, é que poderemos alcançar a verdadeira estabilidade. Porque é que o nosso povo nos apoia? Porque alcançámos um progresso, de facto um notável progresso, nos últimos dez anos... Esta não é meramente uma questão económica, é na verdade uma premência e um assunto político.”1
“Os orçamentos de defesa possuem muitas componentes, e a forma como cada um destes itens é categorizado varia de país para país... A principal razão de tal procedimento não reside na forma como o orçamento é determinado, mas sim devido a profundos factores de natureza social, económica e política.”2
“A transparência é uma ferramenta dos fortes para ser usada contra os fracos”.3
Sabe-se que a análise dos orçamentos de defesa ajuda a que se tentem compreender a política de defesa e os actuais e futuros planos de segurança e defesa de um país a médio/longo prazo. Com efeito, a dimensão do orçamento face ao produto interno bruto (PIB), a doutrina de emprego operacional das forças armadas, para não referir a relação entre as chefias militares e o poder civil e forma como esta pode condicionar a alocação de fundos são factores de suma importância.
Numa perspectiva mais concreta, quando se analisam os orçamentos de defesa de um Estado pretende-se identificar, ou na pior das hipóteses vislumbrar, as prioridades de modernização militar, a distribuição das verbas por áreas funcionais (pessoal, equipamento, manutenção, etc).
A análise ao orçamento do Exército Popular de Libertação (EPL) é necessariamente um exercício afectado de várias limitações, sendo a maior delas a pouca transparência dos números apresentados pelo governo chinês que trata este assunto quase como um segredo de Estado, para além do facto de os métodos estatísticos adoptados por Pequim não serem idênticos ao empregues internacionalmente gerando discrepâncias acentuadas. Assim vemo-nos frequentemente perante divagações e extrapolações que reforçam o carácter dúbio - mais ou menos alarmista - de toda e qualquer análise que se possa fazer sobre esta temática, o qual resulta de evidências específicas como:
(1) a enorme dimensão dos meios humanos do EPL e das forças paramilitares, bem como o seu acelerado processo de modernização em curso;
(2) a pujança do seu crescimento económico e as suas implicações em termos de paridade de poder de compra, quando se efectuam análises comparativas quanto à real dimensão do seu orçamento de defesa;
(3) a disponibilidade de fundos por parte da China em moeda estrangeira (em 2006 foram as maiores do mundo, somando cerca de 300 mil milhões de dólares)4 capazes de corresponder, ainda que de forma mais ou menos acentuada, às aquisições de equipamento e tecnologia estrangeira5;
(4) a manipulação da contabilidade militar no que às despesas concerne, uma vez que nem todas as verbas extras obtidas pelo EPL são incluídas na parametrização governamental; e
(5) o contributo financeiro para o orçamento de defesa efectuado por outros Ministérios como o da Segurança (entre outros), governos provinciais e locais, e agências civis ligadas à investigação e desenvolvimento tecnológico, o qual não é contabilizado como fazendo parte daquele.
Sinteticamente aquilo que sabe em termos oficiais pode-se resumir a:
(1) as despesas militares oficiais que são divulgadas anualmente em Março aquando da aprovação do orçamento anual do Estado;
(2) a percentagem do orçamento face ao PIB; e
(3) uma descrição genérica da distribuição percentual das verbas nas áreas de pessoal, operações e manutenção, e equipamento.
O que não se sabe sobre o orçamento de defesa:
(1) Quais as verbas atribuídas a cada um dos ramos do EPL;
(2) Quanto é que é gasto em programas de desenvolvimento de armamento;
(3) Que proporção é atribuída para a manutenção de equipamento e armamento;
(4) Que proporção é atribuída ao treino operacional;
(5) Que proporção é atribuída para o moral e bem-estar do pessoal.
Independentemente dos truques de “engenharia financeira” que caracterizam os actuais fundos acometidos à defesa nacional, o incremento dos mesmos pode ser atribuído em grande parte ao aumento das despesas com os salários, operações e treino, e aquisição de novos armamentos e equipamentos. Por mais que se cruzem informações e se confrontem fontes primárias e secundárias, a estimativa do orçamento de defesa chinês continua a não passar disso mesmo - uma estimativa. A margem de erro dessa avaliação é demasiada elevada para que igualmente se extrapolem linhas de força concretas e consolidadas quanto a uma estratégia objectiva de aquisição e modernização de armamento, respectivas prioridades e intenções de emprego, ainda que algumas tenham vindo a ser avançadas.
Assim sendo, a análise do orçamento defesa chinês deverá ser sempre efectuada sob uma perspectiva moderada e anódina, baseada exclusivamente em factos, pois em termos militares, o bom senso aconselha-nos sempre a nunca confundir quantidade com qualidade e intenções com capacidade.
A primeira citação da autoria de Deng Xiaoping ilustra a importância que o poder político chinês associa à necessidade de um permanente e equilibrado crescimento económico como meio de assegurar a sua sobrevivência e validar a sua legitimidade à frente dos destinos da Nação. Desde os finais da década de 70 que a China tem vindo a obter sistematicamente elevadas taxas de crescimento económico (se comparadas com a média mundial). O seu produto interno bruto (PIB) aumentou entre 1981-91 uma média de 9% e entre 1991-95 cerca de 11.6%.6 Esta taxa sofreu um ligeiro decréscimo em 1996, devido à necessidade de Pequim em controlar a inflação (que passou de 21.7% em 1994, para 14.8% em 1995 e 6% em 1996)7 tendo caído para um ainda assim impressionante valor de 9.7%. Apesar da crise financeira asiática e das catastróficas inundações ocorridas no seu território em 1998, o governo conseguiu cumprir o valor de crescimento anual do PIB entre os 8 e os 9%, correspondentes ao seu 9º Plano Quinquenal (1996-2000). No ano de 2001, o crescimento económico real de Pequim situou-se nos 7.3% (abaixo dos 8% de 2000) tendo a então liderança de Jiang Zemin e Zhu Rongji, de acordo com o 10º Plano Quinquenal, estimado que a taxa anual de crescimento média até 2010 se situasse em torno dos 8%.8 O 11º Plano Quinquenal (2006-2010) aprovado em Março de 2006 pela Congresso Nacional Popular por proposta da liderança de Hu Jintao e Wen Jiabao tem como principal meta um crescimento em 45 por cento do actual produto interno bruto.9
No entanto, fortes dúvidas persistem entre as mais diversas instituições financeiras internacionais (como o Banco de Desenvolvimento Asiático, e firmas de auditoria como a ADB e a CLSA de Hong Kong entre outras) quanto à fiabilidade dos números e estatísticas económicas apresentadas pelo governo chinês, uma vez que estas continuam a ser mais um instrumento político do que científico. Por razões de natureza estrutural intrínsecas ao funcionalismo operativo do regime de Pequim, permanece uma tendência para empolar optimalmente os resultados económicos obtidos, ou para atenuar as debilidades económicas de que a China padece, não obstante o impressionante crescimento económico verificado nas últimas duas décadas.
Indicadores e estatísticas globais à parte, uma análise mais detalhada das particularidades económicas chinesas, permite descortinar um dualismo fragilizante, assente na desproporcionalidade do crescimento entre as províncias costeiras e as suas congéneres do interior, as quais mantêm condições sócio-económicas quase semelhantes às de meados do século passado.10 Se para muitos observadores, a China pode vir a ser a maior potência económica mundial do século vinte e um, esta ascensão a verificar-se, será feita à custa de uma dinâmica que terá tanto de disparidade económico-geográfica interna quanto de planeamento centralizado.
A actual versão chinesa de um sistema capitalista, vulgarmente designado de “socialismo de mercado” é uma miscelânea aparentemente contraditória de elementos operativos, cuja economia se pode subdividir em sete componentes: o sector estatal; o sector militar; o sector do poder autárquico local; o sector do investimento estrangeiro e das joint-ventures; o sector privado autóctone; a agricultura camponesa, e por fim o sector informal (ou mercado negro).11 Apesar de interligados, estes sectores não deixam de apresentar mecânicas internas específicas, que normalmente se exprimem por intermédio de lógicas de desenvolvimento e de estabelecimento de prioridades bem diversas entre si, que em caso extremo poderão colocar em xeque o notável crescimento económico de Pequim. Sob esta perspectiva, a influência do sector militar (mais concretamente do braço económico do Exército Popular de Libertação) assume-se como um vector cuja autonomia e liberdade de acção não foram questionadas ou consideravelmente limitadas pelo poder político até 1998. Tal liberdade de acção prendeu-se fundamentalmente com razões de carácter económico que implicaram a alocação de limitados recursos financeiros ao Exército Popular de Libertação (EPL) por intermédio da rubrica de “despesa militar”, e a premência associada à necessidade de modernização do aparelho militar chinês.
Tal processo foi iniciado em 1981, quando a Comissão Militar Central promulgou uma directiva denominada de “Directiva Tendente a Limitar as Despesas Militares e a Implementar Rigorosamente a Simplificação Administrativa e a Prática Económica”, na qual estipulava como preocupações fundamentais para a produção militar a sua consolidação industrial e agrícola.12 Em 1983, aquando da realização de uma conferência do Departamento Geral de Logística (DGL) do EPL, seria aprovado aquilo a que se designaria como “o grande salto em frente” no enquadramento legal conferido ao envolvimento comercial dos militares, o qual criaria uma dinâmica imparável com a qual o actual governo ainda hoje tem algumas dificuldades em limitar e que se designou pelo modelo de “um Exército, dois sistemas”.13 Em 1986, seriam criados o sub-departamento de gestão da produção - sob a alçada do DGL - o qual substituiria o Small Leading Group da Produção e do Comércio Militar que dependia directamente da Comissão Militar Central, com o intuito de avaliar e supervisar o volume e as práticas contabilísticas das unidades militares.14 A constituição destes dois sub-departamentos materializou o início da primeira grande campanha de rectificação das práticas e do envolvimento económico do EPL. No ano seguinte seria publicado o primeiro regulamento de auditoria do EPL, fruto das experiências acumuladas pelos departamentos militares de fiscalização financeira. Entre 1988 e 1989, seria conduzida uma nova campanha de rectificação, a qual, entre outras medidas determinou que todas as empresas militares que laborassem sem autorização cessassem imediatamente a sua actividade, e promulgou aquilo a que daí para a frente passou a ser designado como a directiva dos “dez nãos”.15
Em 1991, a Comissão Militar Central promulgaria um documento no qual estipulava quatro medidas determinantes para a consolidação das actividades comerciais do EPL e para o combate à fraude e à evasão fiscal por parte das empresas militares. Primeiro, determinou a separação entre as empresas geridas por militares e as respectivas unidades (bem como do pessoal civil e militar que nelas trabalhava). Segundo, todas as empresas deveriam ser colocadas sob o controlo do mais elevado departamento logístico do ramo ou serviço a que pertencessem. Terceiro, todos os sub-departamentos dos (então) três departamentos gerais deviam cessar todas as suas actividades empresariais, delegando-as nas respectivas chefias. E por último, as unidades operacionais de escalão igual ou inferior ao de Divisão deveriam transferir todas as suas actividades comerciais para o respectivo Grupo de Exército ao qual pertencessem.16
As reformas económicas de Deng Xiaoping e a sua “viagem imperial” (nanxun) às zonas económicas especiais (ZEE) do sul da China, em 1992 com o intuito de redinamizar a “economia socialista de mercado”, validaram ainda mais e ao mais alto nível a prossecução por parte do EPL de actividades de carácter económico - resultante parcialmente das políticas de conversão de indústrias de defesa - como meio de atenuar a asfixia orçamental sofrida, e de ao mesmo tempo lograr prosseguir com a sua política de reequipamento, algo de imprescindível após o “choque doutrinário e tecnológico” resultante da Guerra do Golfo, que colocou a nu e destruiu de forma particularmente violenta o “sonho romântico e então ainda residual” de uma China a defender-se de um atacante, com base única e exclusivamente nos seus recursos humanos quase que ilimitados, socorrendo-se em último e desesperado caso, das suas forças nucleares estratégicas.
O reforço do aval dado por Deng para que o EPL pudesse formar uma holding do tipo “EPL S.A.” - ao abrigo de uma das várias “campanhas de rectificação” do envolvimento comercial dos militares - permitiu que para além do aparelho militar chinês se encontrar íntima e naturalmente ligado à produção de armamento, uniformes e veículos de combate, este distendesse ainda mais o alcance das suas actividades económicas, para o sector dos serviços e do ramo imobiliário, algo de muito mais rentável financeiramente.17 Com efeito, após o périplo de Deng pelas ZEE, sucederam-se as visitas do topo da hierarquia militar, tendo em Julho de 1992, o DGL invertido a sua anterior política de maior rigor, fiscalização e controlo das actividades comerciais das unidades militares, em prol de uma maior “abertura e flexibilidade” empresarial, fundamentais para o cumprimento das directivas de crescimento económico preconizadas pelo “Pequeno Timoneiro”. Entre as novas medidas exaradas, as empresas militares de serviços puderam passar a competir no mercado civil, o que exponenciou logo no segundo semestre desse ano as margens de lucro do EPL em 19.88 por cento.18
Tal abertura levou a que este “polvo comercial” atingisse uma tal dimensão - a determinada altura deixou de ser eficazmente controlado quer pelos Estados-Maiores quer pelo poder político central - o que conduziu a que dois anos depois se começassem a questionar aspectos tão importantes para o bom funcionamento da instituição castrense como a moral, o profissionalismo e a capacidade técnica dos militares chineses, fruto da perversidade de um modelo de “Um Exército, dois sistemas” que incubava no seu interior crescentes casos de corrupção e de fuga ao fisco, o que não permitia ao poder central extrair os correspondentes dividendos fiscais resultantes de tão “febril empresariado”.19 Após a adopção progressiva de novas e rigorosas regras de auditoria e de consolidação das empresas militares (ao abrigo da terceira campanha de rectificação - 1993-95) que levaram à formação de grandes conglomerados sectoriais, tornou-se evidente as reticências que tanto o Presidente chinês, Jiang Zemin, como o seu Primeiro Ministro, Zhu Rongji, arvoravam face ao envolvimento comercial dos militares na economia, focalizando a necessidade de uma inflexão da anterior política sectorial dinamizada por Deng Xiaoping e Yang Shangkun.
Ainda que não se consiga divisar com clareza o processo que conduziu à decisão de afastar o EPL das actividades comerciais, esta terá sido uma decisão perfeitamente ponderada e que já vinha amadurecendo desde o final da terceira campanha de rectificação (1996). Duas versões circulam entre a comunidade de analistas de segurança. A primeira, baseia-se no rumor da alegada ira de Jiang Zemin ao receber um relatório descriminando as “excessivas” actividades ilegais de seis empresas do EPL e da Polícia Popular Armada, as quais durante a crise económica asiática de 1998, dedicaram-se entre outras acções ao contrabando de petróleo, o que terá privado o Estado de centenas de biliões de renminbi em taxas e impostos (contribuindo para o aumento da deflação) e que se não fosse imediatamente atalhado poderia pôr em causa a liquidez financeira dos dois monopólios estatais geográficos de negociação do crude. A segunda versão centra-se em Zhu Rongji. De acordo com fontes de informações norte americanas, em 17 de Julho de 1998, durante uma conferência organizada pelo EPL e destinada a aperfeiçoar as medidas de combate à corrupção, o Primeiro Ministro chinês acusou o grupo empresarial Tiancheng, pertença do DGL, de práticas de corrupção e de fuga aos impostos. Alegadamente, Zhu terá comentado particularmente que “sempre que os inspectores alfandegários tentam acusar ou prender os prevaricadores, surgem sempre poderosos chefes militares que inibem tal acção”. Perante a celeuma provocada e o descontentamento das mais altas patentes militares, Jiang surgiria quatro dias depois na mesma conferência em apoio de Zhu, mencionando que algumas unidades e indivíduos estavam envolvidos em actividades ilícitas e prejudiciais ao Estado.20
Em 22 de Julho de 1998, Jiang Zemin decretaria o afastamento progressivo do EPL das actividades comerciais, passando as indústrias sob a sua exploração para a alçada do Estado, dos governos locais ou mesmo para o sector privado. Como compensação o EPL receberia um proporcional reforço do seu orçamento anual de defesa e uma indemnização pelas perdas de fundos resultantes do seu desinvestimento comercial.21 No entanto, ainda hoje se reconhece que tal política se encontra longe dos objectivos determinados, uma vez que o EPL cedeu numa primeira fase apenas as empresas não lucrativas, sendo as mais rentáveis geridas por Oficiais na reserva, ou por familiares de Oficiais no activo em nome dos respectivos departamentos ou unidades a que pertencem. Outro esquema adoptado foi o da reclassificação das empresas, passando-as a designar como civis.22 Ao EPL foi autorizada a retenção e exploração das quintas agrícolas, dos serviços de saúde (hospitais militares podem atender pacientes civis, a troco de pagamento das consultas), das empresas que se destinam a encobrir serviços de recolha de informações estratégicas, da aviação civil, dos caminhos de ferro, e dos correios e telecomunicações.
Na verdade, um relatório apresentado em Maio de 2000, reconhecia que o EPL continuava a reter alguns investimentos e empresas, admitindo que a retirada dos militares das actividades comerciais, havia sido apenas e basicamente completada (só os complexos processos de auditoria a todas as empresas iriam durar 5 anos).23 No entanto, grandes e objectivos passos foram dados na direcção de uma maior transparência, controlo e delimitação das actividades comerciais do EPL, ainda que este continue a gerir algumas empresas consideradas como estratégicas (telecomunicações, transportes aéreos e marítimos).24
Na verdade, um relatório apresentado em Maio de 2000, reconhecia que o EPL continuava a reter alguns investimentos e empresas, admitindo que a retirada dos militares das actividades comerciais, havia sido apenas e basicamente completada (só os complexos processos de auditoria a todas as empresas iriam durar 5 anos).26 No entanto, grandes e objectivos passos foram dados na direcção de uma maior transparência, controlo e delimitação das actividades comerciais do EPL, ainda que este continue a gerir algumas empresas consideradas como estratégicas (telecomunicações, transportes aéreos e marítimos).27
Sabe-se que a análise dos orçamentos de defesa ajuda a que se tentem compreender a política de defesa e os futuros planos de defesa de um país. Com efeito, a dimensão do orçamento, a forma como ele é distribuído, o grau de acréscimo ou redução em determinadas áreas, tudo conflui para que se possa desenhar uma noção do conceito de segurança e defesa de um Estado, bem como da forma como rentabiliza o seu aparelho de defesa militar. Muitos países publicam os seus orçamentos nos respectivos “Livros Brancos da Defesa”. O caso da República Popular da China é diferente. Apesar de ter procedido à divulgação dos números relativos às suas despesas militares em várias edições de Livros Brancos (1995, 1998, 2000, 2002, 2004 e 2006), muitas dúvidas e desconfianças persistem em redor da fiabilidade dos mesmos.
Com efeito existem os mais diversos cálculos sobre a dimensão da despesa militar da China, os quais atribuem um diferente grau de ponderabilidade a factores como a inflação, as taxas de conversão do renminbi em dólares (a taxa varia entre os 7.1 renminbi/dólar - no mercado oficial - e os 8.1 renminbi/dólar - no mercado negro), o PIB, ou os vários índices de paridade de poder de compra (2.1 renminbi/dólar), o que se reflecte na disparidade dos valores atribuíveis aos gastos com a defesa, os quais variam entre o dobro do apresentado oficialmente até cerca de quinze vezes mais do que o anunciado por Pequim. Por exemplo, se se estiver mais focalizado no consumo e no nível de vida da população chinesa a paridade de poder de compra é preferível, se se estiver centrado nas importações e na estimativa do investimento militar é preferível a taxa de conversão de câmbio. Se bem que todos estes estudos apresentem diferenças nas respectivas metodologias de análise e nas conclusões, na sua globalidade contribuem para realçar a existência de falhas de percepção e de avaliação da realidade orçamental chinesa.28
Na realidade, muitos especialistas consideram que estes números devem ser multiplicados por dois ou três, uma vez que, e ao contrário de outros países, os números oficiais do Ministério da Defesa não incluem as verbas dispendidas com a investigação e desenvolvimento e aquisição de armamento, os quais frequentemente são incluídos nas rubricas de agências e Ministérios civis.
Por exemplo em 1994, o Stockholm Institute for Peace Research and Investigation (SIPRI), estimou que as despesas com a defesa em 1990 se cifraram em cerca de 28 milhares de milhões de dólares - mais do quádruplo dos números oficiais.30 As provas que podem confirmar esta asserção, apesar de carecerem de uma profundidade factual desmitificadora - compreensível se atendermos à opacidade que caracteriza o sector da defesa nacional chinesa - recrutam-se a evidências como a enorme dimensão do EPL e das forças paramilitares, bem como a sua acelerada modernização; a força da economia e as suas implicações em termos de paridade de poder de compra do orçamento de defesa; a disponibilidade de fundos em moeda estrangeira e em ouro por parte da China (em 2006 somaram cerca de 1034 milhões de dólares e teve o maior excedente mundial na balança corrente com cerca de 180 mil milhões de dólares31) capazes de corresponder, ainda que de forma limitada, às aquisições de equipamento e tecnologia estrangeira; e a manipulação da contabilidade militar no que às despesas concerne, uma vez que nem todas as verbas extras obtidas pelo EPL são incluídas na parametrização governamental.
De facto se atendermos à reformulação da doutrina militar, ao acréscimo da sua capacidade nuclear e balística (direccionada essencialmente a Taiwan) que não dissimula um objectivo estratégico regional e a dimensão ainda hoje colossal das suas forças terrestres, facilmente se conclui que os números apresentados por Pequim pecam claramente por defeito. Senão vejamos: um simples cálculo aritmético, rapidamente expõe uma quantia surrealista de 3 mil dólares por soldado/ano, isto se incluirmos as forças paramilitares (a preços de 2006), as quais na realidade são pagas pelo Ministério da Segurança e pelos governos provinciais e locais. Se compararmos com os gastos da Rússia (50 mil dólares) e dos EUA (310 mil dólares), pode-se sarcasticamente concluir, a acreditar nos números apresentados, que o soldado chinês ou não recebe um vencimento mensal, ou não lhe é entregue equipamento ou fardamento para poder ser alimentado, ou não são realizados treinos e exercícios e a manutenção de equipamento é na melhor das hipóteses deficiente. Mais, se levarmos em atenção a divisão estrutural das forças terrestres chinesas, numa tríade distinta que engloba as seis grandes unidades de reacção rápida de escalão divisionário, as unidades de apoio de combate e de apoio logístico e as unidades empenhadas na construção civil, na agricultura e nas escassas actividades comerciais; poder-se-á extrapolar - ainda que com um forte cunho especulativo - que a alocação de verbas é exclusiva às duas primeiras categorias, cabendo à terceira a geração de verbas quer para o seu sustento quer para o reforço limitado do orçamento de defesa.
Concomitantemente, uma visão mais atenta sobre o orçamento do governo central pode permitir reconhecer o défice das verbas concedidas à defesa, uma vez que sob as rubricas de nome “fortalecimento do poder nacional” e “construção nacional” aquele direcciona fundos para as despesas militares, isto numa prática remanescente da antiga União Soviética, a qual sob a designação de “apropriações com vista ao desenvolvimento da economia nacional” dissimulava igualmente os seus investimentos no sector da defesa.33 A análise mais atenta da figura 4 permite inferir uma metodologia de redistribuição dos fundos do fortalecimento do poder nacional que se destina a cobrir as despesas resultantes da manutenção operacional do largo espectro de actividades do EPL, entre as quais se incluem centros de investigação e desenvolvimento (I&D) de armamento tão vitais como a Comissão da Ciência, Tecnologia e Indústria para a Defesa Nacional (CCTIDN). A rubrica destinada às despesas administrativas garante o pagamento dos funcionários civis consignados às forças armadas chinesas. O orçamento para a “construção nacional” pode ainda materializar-se como um verdadeiro “balão de oxigénio financeiro” para as actividades de I&D afectas não apenas à CCTIDN como à Comissão Estatal para a Ciência e Tecnologia (CECT).
A política de modernização dos mais variados sistemas de armamento e de equipamento militar, tem levantado igualmente fortes suspeições quanto à veracidade destes números envolvidos e da sua escrituração no orçamento de defesa. Por exemplo, em 1995 a China adquiriu à Rússia 72 caças SU-27, a um custo total de 2 800 milhares de milhões de dólares. No entanto, a despesa foi coberta pelo Conselho de Estado, não tendo sido incluída nas despesas com a defesa. O incremento de programas de I&D, quer de cariz autóctone quer de cooperação industrial internacional de defesa (com a Rússia e Israel) aliado aos periódicos testes nucleares subterrâneos (efectuados até meados da década de 90) acresceram igualmente para o avolumar do orçamento, que nesta área operativa é normalmente comparticipado pelo Ministério da Energia. Tendo ainda em atenção o baixo custo da mão de obra, da alimentação, do alojamento, dos uniformes, e da produção doméstica de equipamento militar, o orçamento de defesa chinês consegue comprar mais por menos, o que tem a particularidade de elevar as despesas com a defesa em termos de “paridade de poder de compra” (um dos possíveis métodos de cálculo). O financiamento de programas de investigação e desenvolvimento nuclear e de mísseis, os custos de desmobilização e as pensões dos militares, subsídios a empresas deficitárias, compra de armas e suporte das estruturas paramilitares (como o Serviço Alfandegário e de Segurança de Fronteiras da responsabilidade da Polícia Popular Armada) é outro segredo bem guardado, pois não vem mencionado no orçamento anual do Ministério da Defesa.
Para alguns observadores, parte dessa despesa poderá ser igualmente suportada pelo fundo de “fortalecimento do poder nacional” que é canalizado para os Ministérios da Segurança Pública e da Segurança do Estado e igualmente para uma miríade de comissões e departamentos especializados e responsáveis indirectamente por essas áreas, ao mesmo tempo que as regiões onde parte dessas forças e projectos se desenvolvem não se escusam à sua obrigatória “contribuição autárquica” ao abrigo do conceito de financiamento dos “três terços”. Não obstante este cenário de pipeline financeiro de, e em prol do EPL, deve-se igualmente salvaguardar que nem todos os lucros obtidos, pela política comercial dos militares foram ou ainda são inferidos em investimentos com a defesa da Nação. Os órgãos do Conselho de Estado controlam indústrias de defesa cujos lucros, por vezes, não revertiam automaticamente para o EPL, uma vez que existe uma distinção entre as empresas que exerciam actividades lucrativas e aquelas que necessitavam de ser subsidiadas pelo orçamento de defesa, de forma a garantir a sobrevivência do sistema de iron rice bowl (por enquanto indispensável à preservação de uma certa estabilidade social).34
Geograficamente especificando, é possível que alguns dos montantes obtidos pelas lucrativas empresas localizadas nas províncias costeiras do sudeste da China (Guangdong, Fujian, Jiangsu, Shandong e Xangai, sedes da zonas económicas especiais) tenham que ter sido direccionados para as suas congéneres mais desfavorecidas do interior Nordeste e Noroeste35, como meio de assegurar a sua actividade bem como a sobrevivência dos militares e respectivas famílias que nelas operam e deles dependem. Perante toda esta plêiade de dúvidas e polémicas que orbitam a avaliação do orçamento de defesa da China, julga-se assim necessário efectuar uma incursão analítica mais sistematizada de modo a que se possa ter uma imagem o mais nítida possível sobre este particularismo financeiro.
Antes de se avançar para áreas de maior profundidade, é conveniente definir terminologicamente algumas rubricas que orbitam a noção de orçamento de defesa (OD). O primeiro ponto prende-se com a própria terminologia utilizada pela China para definir os seus gastos com a defesa nacional. Geralmente, e na grande maioria dos países, a expressão orçamento de defesa, representa a verba atribuída pelo Ministério das Finanças - via Ministério da Defesa - às respectivas forças armadas por forma a que estas possam cumprir os objectivos e missões politicamente definidos. No caso da China, o termo “orçamento de defesa” (guofang yusuan) não é empregue, preferindo-se expressões como “despesas de defesa” (guofangfei) ou “despesas militares” (junfei). Tal discrepância semântica, como demonstra Arthur Ding, não é inocente e permite inferir que as despesas militares inserem-se nas despesas de defesa.36
De acordo com um manual chinês de administração militar, são definidas como despesas com a defesa todos os gastos associados aos quatro Departamentos Gerais do EPL (Pessoal e Estado-Maior - DGPEM, Política - DGP, Logística - DGL e Armamento - DGA), às sete Regiões Militares, aos vários ramos das forças armadas, aos distritos militares, à Polícia Popular Armada (PPA), e à investigação e desenvolvimento científico com objectivos de defesa. Em termos gerais a despesa é dividida em três componentes: custos com pessoal, operações e manutenção, e equipamento. Por cada uma destas três componentes existem múltiplas sub-componentes. Assim sendo, e a título de exemplo, a despesa com pessoal cobre uma multiplicidade de actividades como os custos resultantes da habitação dos militares e seus familiares, de material de gabinete. A despesa com a manutenção e a operação de meios (shiyefei) que inclui um leque de actividades militares como informações, meteorologia, pesquisa, publicações, saúde, manutenção de infra-estruturas), da formação e treino, da prontidão operacional das forças, da gestão dos combustíveis e lubrificantes, da investigação científica, da milícia popular (empregues aquando de catástrofes naturais) e da protecção aérea, entre outras, num total de 61 itens agrupados segundo 11 tópicos (pessoal, despesas de gabinete, operações, manutenção de equipamento, combustíveis, transportes, despesas de investimento, preparação operacional, mistos, forças em reserva, e custos com o combate).37 A despesa com equipamento contempla a aquisição de material militar e a investigação e desenvolvimento do mesmo.38 Vê-se assim que esta lista abrange tudo aquilo que diz directamente respeito com o dia a dia dos militares, da PPA e das milícias populares. No entanto, como o relatório do Ministério das Finanças só divulga números da despesa militar, ficam de fora os custos associados à manutenção da PPA, das milícias populares, da investigação e desenvolvimento de projectos militares, de subsídios à produção de armas, ou os ganhos advindos da venda de armamento, itens que certamente deveriam ser incluídos como sendo despesas e ganhos militares e não dissimulados sob rubricas e programas dos mais distintos Ministérios ou departamentos governamentais.39
A partir destas rubricas, os estrategas do EPL estabeleceram uma fórmula para determinar o nível mínimo de despesa militar (DM):
DM mínima = (investigação e desenvolvimento de equipamento + aquisição de equipamento + educação e treino + manutenção + investigação no âmbito da ciência militar + pessoal + gestão diária e assuntos civis + constituição de stocks de materiais estratégicos + mistos) x (1 + n%)
Nesta fórmula n% significa o crescimento da despesa militar. É importante referir que a DM mínima não inclui os custos associados a operações de combate ou de treino não planeadas (como por exemplo, a série de exercícios efectuadas no Estreito de Taiwan em 1996), reparações advindas de desastres naturais, e ajustamentos salariais de acordo com os aumentos unificados estabelecidos a nível nacional.40
A dissimulação das verdadeiras despesas militares ao nível dos governos central, regional e local por intermédio de recursos financeiros obtidos off the record pelas actividades comerciais do EPL assumiu duas formas:
(1) despesas não incluídas na rubrica do governo central; e
(2) consumação do princípio dos “três terços” promulgado em meados da década de 90 pela CMC, ao abrigo do qual a responsabilidade por angariar fundos é partilhada em partes iguais pelos três níveis de governo e pelo EPL: o central, o regional e o local, e pelas empresas e unidades do EPL.
Normalmente a verba afecta como “despesas militares” (DM) pelo Ministério das Finanças, é um número global que é anunciado anualmente durante a reunião da Assembleia Nacional Popular (ANP) e que não especifica a forma como tal verba é distribuída (custos operacionais, de manutenção, custos com pessoal, investigação e desenvolvimento, etc.) nem ilustra as despesas totais com a defesa. Com efeito, fontes paralelas de fundos para o EPL advêm quer do financiamento de projectos e pagamento de despesas por departamentos governamentais aos mais diversos níveis (a partir dos respectivos Fundos de Defesa Nacional) quer pelas receitas resultantes das actividades comerciais do EPL.41 Sob esta perspectiva julga-se particularmente importante referenciar dois exemplos bastante ilustrativos: os custos com a PPA, e uma certa “engenharia financeira” associada à compra de armamento russo.
A PPA tem mais recursos financeiros que qualquer outro ramo militar. Segundo um relatório divulgado em 1993, a PPA recebia verbas a partir de vários Ministérios do Conselho de Estado e dos governos locais. As forças policiais nos grandes centros urbanos recebem fundos directamente do Ministério das Finanças e dos governos provinciais e locais. O mesmo sucede com a polícia de fronteiras, que é paga cumulativamente pelos governos das províncias fronteiriças e pelo Ministério da Segurança Pública. As forças policiais de controlo hidroeléctrico que são responsáveis pela construção de centrais hidroeléctricas, recebem verbas do Ministério do Conselho de Estado e do Ministério do Carvão e Energia. As forças policiais de supervisão e controlo do ouro relacionam-se com a produção do metal precioso e auferem verbas oriundas da Corporação Industrial e Nacional Chinesa dos Metais Não Ferrosos, das companhias provinciais que operam as minas e do orçamento estatal para a construção nacional e prospecção geológica. Mecanismos similares de financiamento são adstritos aos guardas florestais, à polícia de trânsito e aos bombeiros, todos sob a competência funcional da PPA.
O caso da compra de armas à Rússia (aviões Su-27 e Su-30, submarinos da classe Kilo, sistemas anti-mísseis S-300, destroiers da classe Sovremenny, etc.) assume alguns contornos peculiares, uma vez que grande parte dos gastos a elas associados não são indicados no orçamento da despesa militar. Isto deve-se a duas ordens de razões. Primeiro, tais aquisições continuam a ser directamente financiadas pela CMC e sancionadas pelo Comité Central do Partido Comunista e pelo Conselho de Estado, o que as retira do orçamento da defesa do Ministério das Finanças.42 Durante a década de 90 a ida ao shopping russo custou cerca de 10 biliões de dólares aos cofres chineses. No entanto, os custos reais deverão cifrar-se num valor cerca de um terço inferior (à volta dos 6 milhares de milhões de dólares) devido a acordos de co-produção e de mecanismos de “troca directa”. Estes últimos, materializam-se como o segundo factor a ter em atenção, uma vez que tais acordos de “pagamento em géneros” ou de “troca directa”, permitem que o EPL por intermédio da entrega de grandes volumes de produtos fabricados pelas suas empresas até 1998 tenham abatido consideravelmente os custos inerentes a tais compras.43
Voltando à primeira fonte de fundos paralelos do EPL vemos que em tese o Fundo de Defesa Nacional (guofang jijin) existente em cada grande departamento governamental, subdivide-se em duas componentes:
(1) o fundo com capital para a construção da defesa nacional; e
(2) os fundos destinados às despesas militares.
Tal divisão parece validar a noção de que parte dos gastos efectuados com a defesa são imputados a outros órgãos governamentais que não os directamente relacionados com o EPL, entrando sob o nome de despesas com a defesa nacional e não sob a designação de despesas militares (o que não é alvo de relatório de pública divulgação por parte do Ministério das Finanças). Tal situação, a confirmar-se, implica que dediquemos uma atenção suplementar ao processo de formulação da DM, a partir do qual são distribuídos os guafang jijin pelos mais variados órgãos governativos.
Entre 1978 e 1986 os planos de DM seguiram uma base tri-anual,44 passando desde então a acompanhar a formulação quinquenal dos planos económicos governamentais, sendo no entanto, sujeitos a submissão e aprovação anual por parte da Comissão Militar Central (CMC) e do Conselho de Estado (CE), que a envia para posterior análise por parte da Agência de Planeamento do Orçamento que pertence à Comissão Nacional de Planeamento do Estado e que a faz seguir para promulgação para o Ministério das Finanças (MF). O DGL do EPL é o responsável pela avaliação das necessidades anuais de DM, as quais resultam de um processo de auscultação dos restantes três Departamentos (o DGPEM, o DGP, e o DGA), dos Quartéis-Generais dos respectivos ramos, e das Regiões Militares.
Aparentemente tudo se processa da seguinte forma:
• Entre Abril e Junho de cada ano, as unidades militares (do escalão divisionário para cima) avaliam as suas necessidades financeiras para o ano seguinte.45
• Os departamentos de logística e os Estados-Maiores das respectivas regiões militares submetem os seus pedidos ao DGL entre Junho e Setembro. Estes são revistos pelo DGL, que executa as modificações e ajustamentos que julgar necessários.
• Os ramos fazem os seus pedidos de material e equipamento ao DGA, o qual os submete - depois de revistos - ao DGL.
• O DGPEM é o responsável pela aprovação e emenda dos fundos destinados a exercícios, manutenção e equipamento. Os ramos e o DGA apresentam os respectivos orçamentos através do DGPEM que os faz chegar à CMC.
• O DGL submete a proposta de orçamento à CMC após a realização da conferência anual de Logística do EPL (em Novembro) por intermédio do Ministério da Defesa Nacional.
• A CMC entrega o orçamento ao Ministério das Finanças (entre Dezembro e Fevereiro) e este submete-o a aprovação na Assembleia Popular Nacional (em Março).
• A CMC concentra-se no processo de aquisição e desenvolvimento de armamento e atribui os fundos julgados necessários à DGA. A CMC decidirá que proporção dos fundos destinados a este efeito virão do orçamento para a DM, do Conselho de Estado, ou outros órgão do governo que possuam um guafang jijin. Por exemplo, os fundos destinados à aquisição e desenvolvimento de armas poderão advir de órgãos como a COSTIND (Comissão Estatal da Ciência, Indústria e Tecnologia para a Defesa Nacional), a SSTC (Comissão Estatal para a Ciência e Tecnologia), ou qualquer Ministério relacionado com a defesa, como o Ministério das Indústrias Aeroespaciais (à luz da primeira das quatro grandes origens de fundos que de seguida se irão analisar).46 Aquando da aprovação anual do OD a CMC tem a palavra e a decisão final quanto à distribuição percentual das verbas pelos respectivos departamentos e ramos.47
Em resumo, e de acordo com a maioria das obras publicadas, a orçamentação da DM é feita segundo um processo “descendente-ascendente-descendente” com um razoável grau de flexibilidade financeira.48 Ou seja, após a formulação dos princípios quinquenais relativos aos gastos militares por parte do Partido Comunista Chinês (PCC), a CMC em conjugação com o Ministério das Finanças e outros Ministérios importantes decidem qual a verba disponível para o ano seguinte. Esta informação é enviada para o DGL do EPL que cruza o plano de necessidades dos vários ramos, reajusta-os e devolve-os à CMC para aprovação ou correcção. Uma vez aprovado o orçamento, este é distribuído ao DGL que o redistribui por sua vez aos diversos sub-departamentos de finanças (SDF) sob a sua competência. Em cada nível os sub-departamentos financeiros recebem a sua “fatia do bolo” e gerem-no em consonância com os respectivos comandos das unidades a que pertencem e de acordo com as directivas técnicas emanadas pela sua própria cadeia hierárquica.49
O SDF do Departamento Geral de Logística como a “agência financeira” de escalão mais elevado encontra-se sob a responsabilidade directa da CMC e possui três grandes áreas de responsabilidade. Primeiro, distribui os fundos de acordo com os princípios gerais definidos pela CMC e pelos quatro departamentos gerais do EPL. Segundo, especifica e divulga o sistema financeiro em utilização definindo igualmente os limites de despesa. E finalmente, actua como órgão de aconselhamento técnico da CMC e dos quatro departamentos gerais do EPL.51
Paralelamente existem os designados centros de gestão financeira, os quais foram constituídos em 1989, e operam sob a égide do DGL e do respectivo sub-departamento de finanças, havendo um em cada um dos restantes três departamentos gerais do EPL, em cada região militar e em cada ramo do EPL, possuindo todos eles um estatuto regimental. Estes centros têm como missão a supervisão e fiscalização directa do cumprimento das normas de despesa das verbas atribuídas.
No entanto, é de suma importância realçar que o orçamento apresentado pelo EPL não possui - como é normal - um carácter vinculativo por parte do Ministério das Finanças, sendo apenas uma “intenção de previsão de gastos e de necessidades”. Com alguma frequência, as verbas inicialmente afectas para a DM são reajustadas à última da hora, gerando um inerente grau de incerteza quanto ao dinheiro de que o EPL efectivamente poderá dispor, ficando sempre aquém das suas naturais expectativas e a que os gastos sejam ditados mais pelas necessidades imediatas das unidades do que pelo orçamento. Esta ocorrência tem como causas residuais duas:
(1) Um sistema particularmente comprimido no tempo para apresentação do orçamento. Com o sistema “ascendente-descendente-ascendente” o processo de compilação de dados tende sempre a ficar inquinado e sujeito à pressão dos curtos prazos de tempo disponíveis, levando a que seja difícil aquilatar e nivelar justamente as verbas que cada unidade na realidade necessita.52
(2) Como a modernização militar permanece como a última das quatro modernizações, as forças armadas chinesas vêem-se por enquanto perante o encómio de terem de competirem por fundos limitados com outros sectores do Estado.
Quanto à proveniência dos fundos para a DM estes têm basicamente quatro origens53:
(1) O orçamento de Estado através da rubrica da “despesa militar orçamentada”. A “despesa militar orçamentada” inclui os gastos com a investigação e desenvolvimento (I&D) de projectos científicos passíveis de emprego militar, as despesas inerentes à construção de novas instalações militares, e a despesa militar propriamente dita (junfei). A I&D subdivide-se por sua vez em três áreas: investigação e fabrico de protótipos (keyan shizi), “operações de investigação” (keyan shiye), e investigação científica levada a cabo por unidades não militares.54 A segunda é materializada por intermédio de verbas do governo, de empréstimos de bancos, ou por vezes de ganhos dos próprios militares. A última diz respeito aos custos de operação e manutenção do EPL (salários, despesas sociais, “despesas de gabinete”, despesas com exercícios militares, manutenção de armas e equipamento, e aquisição de alguns sistemas de armas e de equipamento).55
(2) As verbas advindas de subsídios dos departamentos gerais (zongbu yusuan bushang shouru) e dos lucros das actividades económicas mais variadas do EPL, desde os serviços comerciais oferecidos ao sector civil, venda de excedentes de material, aluguer de infra-estruturas, mão-de-obra, juros, etc.56
(3) As verbas resultantes de fundos estatais e dos governos regionais e locais residualmente administradas pelo EPL (daiguan junfei).57 Estas incluem fundos de manutenção das milícias, fundos para aquisição de equipamento para as milícias, verbas de mobilização e recrutamento, e de projectos de engenharia.
(4) As verbas resultantes da venda de armamento, metade das quais - segundo a generalidade da imprensa de Hong Kong - vão directamente para os cofres do DGL. No entanto, não existem dados concretos quanto à real percentagem dos lucros obtidos pela venda de armas que reverte para o EPL. Como muitas das empresas pertencentes aos conglomerados que fabricam armamento para exportação, são deficitárias e não recebem subsídios por parte do Estado, é natural que os ganhos obtidos revertam em primeiro lugar para manter a saúde financeira das mesmas, e uma reduzida percentagem vá para os cofres do DGL ou do Departamento que gere os conglomerados. As verbas assim obtidas em dólares podem validar de modo limitado programas de aquisição de sistemas de armas e de tecnologia militar por parte da CMC.
O interesse - implícita ou explicitamente reconhecido - e mais imediatista do estudo do adiáfano orçamento de defesa da República Popular da China tem para a maioria dos analistas de segurança internacional o principal propósito de aquilatar as percepções de ameaça, as capacidades, e as intenções chinesas. No entanto, ao inferir tal análise, alguns cuidados de natureza heurística devem ser tidos em consideração, sob pena de se poder correr o risco de distorcer o objectivo principal da mesma: estabelecer um fio condutor entre a despesa militar e as intenções e capacidades militares.
Sob este prisma torna-se de suma importância tentar clarificar, contextualizando racionalmente, as quatro principais extrapolações (um risco que se assume) de tudo o que em cima foi descrito. Primeiro, a análise abrangente dos itens relativos às despesas militares deve ser dissecada por forma a separar despesas associadas a órgãos e instituições não directamente relacionados com a aplicação directa da capacidade militar (como o sejam os custos com a PPA) ou com políticas de índole social (como custos de desmobilização e de pensões militares) das actividades de carácter militar propriamente ditas. Ou seja, o aumento do orçamento de defesa da China não se traduz automaticamente num incremento das suas capacidades militares e da tão propalada - especialmente no final do século passado - síndrome da “ameaça chinesa”.
Segundo, o facto de durante duas décadas o EPL ter tido a possibilidade de obter fundos alternativos de forma a compensar dificuldades orçamentais só pode significar um sinal de fraqueza e não de força. O “capitalismo empresarial selvagem” que em meados da década de 90 grassava no EPL, a continuar, poderia colocar em causa o profissionalismo e a coesão das forças armadas e aumentar o opróbrio relativo à crescente onda de corrupção nos meios políticos e militares que a população frequentemente se encarregava de criticar. Adicionalmente, a atribuição de subsídios às empresas de defesa em dificuldades financeiras, reforça ainda mais a noção de “debilidade sectorial localizada” do aparelho militar chinês, uma vez que algumas destas verbas revertem para a I&D de projectos cuja utilidade e emprego militar são no mínimo dúbias, ou dificilmente concretizáveis a médio prazo.
Terceiro, os agenceios resultantes das actividades empresariais do EPL continuam a não ser total e directamente investidos em meios capazes de potenciar as capacidades militares directas.59 Por exemplo, uma fatia assinalável quer dos lucros, quer dos recentes aumentos do orçamento de defesa foram direccionados para a melhoria salarial dos militares (rubrica de pessoal), os quais se cifraram entre os 10 e os 25 por cento, dependendo da patente, e da região onde prestam serviço. Esta é uma tendência que tende a aumentar.60
Por fim, os números apresentados como orçamento de defesa quer nas avaliações e estimativas académicas, quer por parte do Ministério das Finanças chinês ainda que relevantes militarmente, não deixam sempre de possuir um forte cunho de subjectividade especialmente pela forma como são levados em consideração pelos seus vizinhos regionais.
Perante as condicionantes acima apontadas podemos agora tentar calibrar analiticamente o processo de aquisição de armas (zhuangbei gouzhi fei) por parte do EPL à luz do consignado pelo Orçamento de Defesa, o qual deve seguir as directivas emanadas pela Comissão Permanente do Politburo (CPP) e pela Assembleia Nacional Popular. Como já anteriormente foi sublinhado, o EPL vê-se na contingência de disputar fundos do orçamento geral do Estado com outros sectores como a educação, a saúde, a ciência e tecnologia, a indústria, a agricultura, etc. Esta disputa até 1997 poderá ter sido particularmente vantajosa para as chefias militares, uma vez que estas possuíam um seu elemento (o General Liu Huaqing) com assento no Comité Central e na Comissão Permanente do Politburo e muitos outros orbitavam as estruturas políticas de topo. Com efeito, muitos observadores creditam o General como o principal mentor e dinamizador do lobby com vista à aquisição de armamento russo. Com o 15º Congresso do Partido Comunista, decorrido em Setembro de 1997, o EPL perdeu o único assento que tinha (por passagem à reforma do General Liu Huaqing) passando a CPP a ser ocupada exclusivamente por tecnocratas civis. Reforçadamente, a entretanto criada estrutura bífida do sector industrial de defesa, com a “civilinização” da COSTIND e a constituição do Departamento Geral de Equipamento (zong zhuangbei bu), teve o condão de acicatar ainda mais a luta por fundos limitados.
Apesar do incentivo político e institucional à modernização industrial chinesa61, o EPL vê-se bastante constrangido no acesso a tecnologia e equipamento militar estrangeiro, não só por razões externas (embargo americano a tecnologias passíveis de emprego dual - civil e militar - e embargo “permeável intencional” europeu e israelita de armamento)62 como por razões de ordem interna (fundos limitados, acesso aos mesmos condicionado pela liderança política, controvérsia no seio do EPL quanto à necessidade de importar armamento em prejuízo da possibilidade de o fabricar - área que o EPL não controla - o que pode vulnerabilizar a China). Mesmo quando a importação é consumada, não existem indícios concretos de que tanto as autoridades centrais como o EPL assumam a responsabilidade financeira pelos pacotes logísticos de apoio, manutenção, e de sobressalentes que deveriam acompanhar tais compras. Se tal incumbência recair sobre o EPL tal situação significa uma erosão ainda maior do orçamento ao seu dispor, o que se reflecte na limitação da sua intenção e capacidade de renovação de material e equipamento. A figura 8, permite-nos ter uma perspectiva de curto prazo sobre os enormes desafios financeiros que se colocam ao EPL na sua tarefa de modernização e concluir que este será um processo cunctatório pontuado de altos e baixos e sempre condicionado pelos princípios que estiveram na base da formulação das quatro modernizações da China como Estado e como Nação.
Existem algumas formas de reajustar a proporção entre os diferentes itens orçamentais de modo a aumentar a percentagem atribuída à modernização e aquisição de novo equipamento militar. O mais eficaz, é o da redução dos efectivos, o que faz baixar a despesa com o pessoal. Outro método é o de reduzir os custos associados à manutenção. Esta é uma opção que terá grandes vantagens para o EPL. Actualmente, os custos com a manutenção consomem mais de metade da verba afecta às despesas com a manutenção e operação. Por exemplo, o custo durante o tempo de vida útil de uma caça, incluindo I&D e produção, a manutenção constitui 50 a 70 por cento; para os carros de combate, 70 a 80 por cento; e para os grandes navios de guerra, 60 a 70 por cento. É bem conhecido que o EPL possui no seu inventário enormes quantidades de material terrestre, aéreo e naval obsoleto. Se se proceder (como tem vindo a suceder) a uma desactivação progressiva de muito deste material, tal permitirá libertar verbas que poderão ser empregues na aquisição de material mais moderno. Um exemplo paradigmático é o da Força Aérea do EPL. Se este ramo eliminar a maior parte dos seus antiquados aviões J-6/MiG-19 (com tecnologia da década de 60), os quais ainda constituem o núcleo duro numérico do seu inventário, tal opção permitirá eliminar custos não só com o pessoal mas igualmente com a manutenção dos aparelhos. Tal a I&D e a aquisição de novos aviões quer produzidos na China (como o J-10) quer importados da Rússia (Su-27 e Su-30).63
Os dados em cima descriminados fornecem uma perspectiva dos custos financeiros envolvidos na aquisição de armamento, segundo três cenários: um programa de aquisição baixo (PAB), médio (PAM) e elevado (PAE) os quais poderão ser mais ou menos onerosos de acordo com a taxa de inflação, o valor do dólar face ao renminbi, e o tipo de armas adquiridas. Referenciaram-se os custos máximos (CMax) e mínimos (CMin) dos sistemas de armas a adquirir.64
Conclui-se assim que mesmo implementando o programa de aquisição baixo, o EPL continuará a melhorar as já existentes, mas poucas, bolsas de excelência militar, prosseguindo sob a sombra de um triunvirato doutrinário operativo que materializa os diferentes estádios de modernização dos seus ramos e das respectivas unidades.65 Os custos inerentes aos programas médios e elevados são de tal forma esmagadores que se prevê que as autoridades chinesas optem pela implementação faseada e fragmentada quando muito do programa médio (apenas uma confrontação directa sobre o Estreito de Taiwan poderá justificar a opção de um programa elevado e acelerado de aquisição de armamento).66
Existem duas opções para a evolução a curto prazo do orçamento de defesa. Uma é a de incrementar rapidamente e num curto espaço de tempo a dimensão do orçamento. A segunda assenta no aumento dos esforços de rentabilização e da eficácia de exploração dos recursos actualmente distribuídos, através de reajustamentos estruturais dos mecanismos de despesa militar - ou seja uma “expansão suave”. Por exemplo, a redução dos efectivos militares poderá atenuar a despesa e divergir os recursos disponíveis em prol da aquisição e melhoria de tecnologia militar, mas o reverso da moeda - e caso os cortes no pessoal sejam excessivos - poderá caracterizar-se por uma perda de capacidade operacional. Para além disto, o desarmamento em si, só pode ser conduzido numa escala limitada, realçando-se o pormenor de que muitas das vezes o incremento da qualidade do armamento nem sempre significa uma redução no número de pessoal necessário. Com efeito, e actualmente, um carro de combate de última geração, poderá ser operado por dois elementos, mas implica que exista uma equipa de mais de quarenta encarregue da sua manutenção. Aplicado aos aviões o pessoal encarregue da manutenção pode chegar às três dezenas. Este exercício matemático prova que quando se observam poderosas máquinas no campo de batalha, na verdade o que se constata é uma alteração de cenário para o pessoal. O moderno equipamento militar não reduz o número de pessoal necessário, apenas funciona como um catalisador da mudança do sentido horizontal para o vertical.
A eficácia militar não é uma correlação directa entre o armamento e número de tropas. A escala e a estrutura do poder militar estão directamente relacionados com a escala e a estrutura das despesas com a defesa. Só quando existe uma despesa suficientemente grande é que se pode optimizar a estrutura de suporte da mesma. Assim sendo, quando se confere uma prioridade à prontidão operacional (como é o actual caso do EPL) torna-se necessário atribuir um orçamento suficientemente grande capaz de ser optimizado em toda a sua extensão, por intermédio de reajustamentos estruturais.
Perante o actual panorama estratégico, a China necessita não apenas de qualidade mas também de quantidade (ainda que não em termos absolutos nesta última vertente). Mais verbas deverão ser canalizadas para as rubricas destinadas à educação, formação e treino dos militares, de modo a que estes possam operar eficazmente o armamento e a tecnologia que mais recentemente entrou ao serviço do EPL.
Um orçamento de defesa pode ser dividido em duas categorias: uma que desenvolve novas tecnologias e outra que mantém o status quo. Com os avanços significativos da ciência e da tecnologia, a composição dos orçamentos de defesa sofreu uma correspondente e significativa modificação. As despesas com o equipamento inflacionaram-se (a parte do desenvolvimento) enquanto que as despesas com a manutenção do pessoal decresceram acentuadamente (isto se nos recrutarmos a forças armadas que pretendem manter um elevado plateau de operacionalidade). Flutuações de carácter cíclico, condicionadas pelo surgimento de novas tecnologias e equipamentos, acabam por influenciar o desenvolvimento dos orçamentos de defesa. Existe assim um pico de gastos aquando da substituição de equipamentos mais antigos por outros de uma geração mais moderna, enquanto que a janela de tempo entre estes dois picos pode-se caracterizar por uma estagnação orçamental. No entanto, cada novo pico é mais elevado que o anterior, fruto da inflação não apenas económica (em sentido estrito), mas fundamentalmente do elevado preço associado às tecnologias militares de topo.
Se a qualidade de um Exército é avaliada com base na melhoria do seu equipamento e no modo como assimila e integra as novas tecnologias, tal implica a necessidade de maiores investimentos na defesa. Como o orçamento da China tem-se mantido naquilo a que se pode designar de “estado latente ou estacionário” (mesmo com os mais recentes aumentos), a opção acaba por se centrar no desenvolvimento de “bolsas de excelência” no seio do próprio EPL, com alguns nichos das forças aéreas, navais, terrestres e nucleares a tentarem adquirir rapidamente um grau de operacionalidade similar ao das melhores forças americanas, europeias, russas e japonesas.
O modelo de “crescimento orçamental por saltos financeiros” que alguns analistas chineses advogam, não se concentra apenas na velocidade e na escala de crescimento do mesmo, realça a necessidade de se optimizar a estrutura inerente ao mesmo.68 Existem duas possibilidades de efectuar este reajustamento: uma é reajustar a procura, outra é a reajustar a oferta. Ambas são necessárias e importantes. Para se reajustar a procura é imprescindível efectuar um controlo das necessidades globais e das necessidades dos departamentos de forma a que a procura se encaixe na oferta disponível. Com base neste racional, poder-se-ão efectuar auto-reajustamentos por intermédio de mecanismos administrativos: supervisando-se permanentemente a distribuição, a rentabilização, a direcção, a velocidade e o volume de execução orçamental das mesmas em todos os patamares operacionais. Uma outra opção poderá ser a de “mercado”: eliminando a redundância através de sistemas de segurança social, cortando na procura desnecessária, amortizando o conflito entre procura e oferta, e concentrando os limitados recursos existentes em projectos chave.
Nas presentes circunstâncias as forças armadas chinesas necessitam de grandes aumentos do seu orçamento, para mais sob uma plataforma de afectação de verbas extremamente complexa, o que as leva a optar pela prossecução da estratégia de desenvolvimento das designadas “bolsas de excelência” já atrás referidas. Desde o início da criação do EPL que o orçamento de defesa tem estado sob o controlo do Departamento Geral de Logística (DGL), enquanto que a elaboração dos planos de necessidades têm caído sob a alçada do Departamento Geral de Pessoal e Estado-Maior (DGPEM), o que faz com que não exista ainda um órgão exclusivamente responsável pela supervisão e coordenação da atribuição e rentabilização das verbas destinadas à defesa. Como resultado, existe uma discrepância entre os projectos de investimento apresentados pelo DGPEM e a sua efectiva concretização com verbas atribuídas pelo DGL.
Liu Yang e Wang Cong avançam com a necessidade de se criar a médio/longo prazo um comité militar do orçamento, que responda directamente ao Comité Militar do Comité Central do Partido Comunista. Para estes analistas, é indispensável a prossecução de um esforço conjunto liderado pelo Comité Militar do Gabinete Geral do Partido e coordenado pelo DGPEM, DGL, Departamento Geral de Armamento e Equipamento (DGA), a Marinha, a Força Aérea, as Forças Estratégicas Nucleares (2ª Artilharia), e os vários comandos divisionários. A DGPEM planeará as necessidades a médio e a longo prazo enquanto que o DGL efectuará os seus estudos com base nestes pressupostos, potenciando uma maior simbiose operativa.69
Sabendo-se que a protecção da segurança nacional é feita à custa da despesa fiscal, para a liderança política chinesa torna-se fulcral fortalecer ainda mais as bases económicas de sustentação do aparelho militar. O mecanismo elementar de transferência da riqueza do Estado para as forças armadas é através da receita fiscal obtida anualmente. Com a ordem dada por Jiang Zemin em 1998 de proceder a um progressivo desinvestimento do EPL nas actividades económicas, parte significativa da riqueza social passou a ser transferida para o Estado e não directamente para o EPL. O Estado obtém a maioria da riqueza por intermédio da receita resultante do crédito e dos impostos. Como actualmente o défice governamental é assinalável, o método mais plausível de recolher fundos capazes de serem investidos na defesa assenta na possibilidade de aumento dos impostos ou de redireccionamento de uma maior fatia do enorme excedente comercial em prol do EPL.70
No entanto, um aumento da carga fiscal não confere só por si uma assinalável almofada orçamental capaz de ser empregue na defesa. O incremento dos orçamentos de defesa deve ser sempre executado com base nas possibilidades reais da economia nacional. A escola Keynesiana advoga a teoria de que um crescimento nas despesas com a defesa podem aumentar em termos gerais a procura social, e concomitantemente, reduzir o desemprego e estimular o crescimento económico. Outras teorias realçam a ideia de que o crescimento dos orçamentos de defesa contribui para a diminuição do desemprego, por intermédio da criação de empregos de curta duração.72 Por fim é também avançado que um governo perante constrangimentos orçamentais só pode financiar um aumento do orçamento de defesa através de cortes noutras áreas da despesa pública, por aumento dos impostos, ou por empréstimo ou expansão do dinheiro disponível.73
A economia chinesa encontra-se numa fase de excedentes com mais do que suficiente capital e produtos e muito pouca mão-de-obra especializada. A oferta ultrapassou a procura. O défice de procura restringiu um pouco o crescimento rápido e sustentado da economia, ainda que os níveis alcançados sejam assinaláveis, isto para quem partiu de uma base muito baixa. Actualmente, o incremento do orçamento da defesa como despesa pública pode contribuir para estimular a economia e absorver parte do excedente em mão-de-obra (desde que as empresas sejam rentabilizadas e eficazmente geridas segundo os princípios de mercado). A taxa de crescimento da economia chinesa permite-lhe actualmente suportar durante uma década um orçamento de defesa que encaixe 5 a 6 por cento do PIB sem que aquela se ressinta minimamente.74
Se esta opção de incremento anual e gradual do orçamento de defesa continuará a ser seguida até um valor em cima referido, é algo que só poderemos inferir por intermédio de uma análise contínua das finanças do governo central e dos contributos financeiros dos governos provinciais, bem como e não menos importante, fundamentalmente através do volume de receitas anualmente captadas pelo Zhongnhanai, e do modo como procede ao investimento do PIB: dando mais prioridade aos “canhões ou à manteiga”. Por enquanto tem sido a manteiga.
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* O presente artigo é uma actualização para o ano de 2007 de um estudo publicado pelo autor no volume Estratégia XIV (2003) do Instituto da Conjuntura Estratégica do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, intitulado: “Lendo Folhas de Chá Chinês: Tentando Aferir a Dimensão do Orçamento de Defesa da República Popular da China e As Actividades Comerciais do Exército Popular de Libertação em Prol do Mesmo”, a partir de um estudo original apresentado em 2001 na Pós-Graduação em Estudos sobre a China Moderna.
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** Major de Infantaria. Sócio Efectivo da Revista Militar.
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1 Deng Xiaoping citado em Xiaojun Xu; (1994); “China’s Grand Strategy for the 21st Century” em Michael D. Bellows (Ed); Asia in the 21st Century: Evolving Strategic Priorities; Washington, National Defense University Press; p. 36.
2 China Military Encyclopedia: Volume on Defense Economics; Beijing, Junshi Kexue Chubanshe; p. 143. Citado em Arthur Ding,; (1996); “China’s Defense Finance”; The China Quarterly nº146; p. 428.
3 Afirmação de um Oficial Superior do EPL ao autor em 2001.
4 World Bank; (2007); 2006 World Bank Annual Report; p. 34.
5 Maioritariamente russa, devido ao embargo decretado pela União Europeia (UE) e pelos Estados Unidos da América (EUA) após a repressão das manifestações de Tiananmen em 1989.
6 China Statistical Bureau; China Statistical Yearbook 1996; Beijing, China Statistical Publishing House; p. 23.
7 Washington Post, December 31, 1996, D6.
8 Quarterly Chronicle and Documentation; (2002); The China Quarterly nº169; p. 248.
9 Em 2006 o crescimento do PIB chinês foi de 10,4 por cento. Quarterly Chronicle and Documentation; (2006); The China Quarterly nº188; p. 1173.
10 Com efeito esta é uma preocupação omnipresente no actual discurso político chinês, o qual lançou mão de um slogan intitulado de “Go West young Han” para incentivar a mais nova geração de empresários chineses a investirem nas províncias ocidentais. Yoichi Funabashi; (2002); “Asia’s Digital Challenge”; Survival nº1; p. 138. A existência de elevadas assimetrias regionais tem implicado uma forte campanha de canalização do investimento central nas regiões interiores do noroeste e sudoeste da China. A título de exemplo, leia-se o discurso do Primeiro Ministro Zhu Rongji, em 5 de Março de 2001, aquando da 4ª sessão da Assembleia Nacional Popular, e no qual preconizou como uma das prioridades para o 10º Plano Quinquenal, o desenvolvimento das regiões ocidentais do interior da China. Quarterly Chronicle and Documentation; (2001); The China Quarterly nº166; p. 537. Posteriormente foram definidos eixos bilaterais de injecção de capital entre as províncias costeiras e as do interior em prol destas últimas. Por exemplo: Pequim com a Mongólia Interior, Tianjin com Gansu, Xangai com Iunnan, Guangdong com Guangxi, Jiangsu com Shaanxi, Zhejiang com Sichuan, Shandong com Xinjiang, Liaoning com Qinghai, Fujian com Ningxia, e Dalian, Qingdao, Shenzen e Ningbo (como cidades doadoras) com Guizhou. Veja-se Quarterly Chronicle and Documentation; (2002); The China Quarterly nº169; pp. 252-253. A liderança de Hu Jintao e Wen Jiabao mantém como prioritária a redução das assimetrias entre o interior e o litoral tendo em 2006 se verificado um aumento de 10,6 por cento do PIB das regiões do interior face ao valor do ano anterior. Quarterly Chronicle and Documentation; (2006); The China Quarterly nº188; p. 1178.
11 Jeffrey Henderson; (1998); “Danger and Opportunity in the Asia-Pacific” em Grahame Thompson (Ed); Economic Dynamism in the Asia-Pacific; London, Routledge; p. 378.
12 James Mulvenon; (2001); Soldiers of Fortune: The Rise and Fall of the Chinese Military-Business Complex, 1978-1998; Armonck, M.E. Sharpe; p. 53.
13 As quatro grandes alterações foram: diversificação das operações comerciais, combinação de um sistema de auto-abastecimento compatível com a produção local, sistema descentralizado, e contratação de gestores civis. James Mulvenon; (2001); Op. Cit.; pp. 56-57.
14 Idem; p. 62. Para uma visão sobre a importância dos “Pequenos Grupos de Líderes” nas mais diversas arenas da política chinesa leia-se por exemplo Kenneth Lieberthal; (1995); Governing China: From Revolution Through Reform; New York, Norton (especialmente os capítulos 6 e 7).
15 Resumidamente os “dez nãos” visavam proibir a abertura não autorizada de novas empresas, as actividades de contrabando, a venda ilegal de bens do Estado, a venda ou revenda de produtos falsificados, a utilização de meios humanos dos quadros permanentes (incluindo civis) e materiais militares para aumentar a produção, a utilização de transportes militares para actividades comerciais, a venda ou aluguer de matrículas militares, o aluguer ou a venda de bens imobiliários e de terrenos agrícolas, a desagregação dos lucros pelas unidades militares, e a utilização dos benefícios fiscais auferidos pelas empresas militares com o intuito de eliminarem a concorrência. James Mulvenon; (2001); Op. Cit.; p. 70.
16 Idem; pp. 71-72.
17 Uma anedota recorrente entre alguns críticos do envolvimento comercial dos militares na década de 90 dizia que a China só tinha Marinha de Guerra porque esta se havia lançado no “mar dos negócios” (xia hai).
18 James Mulvenon; (2001) ; Op. Cit.; p. 73.
19 Suspeitas sobre o alegado controlo de redes de prostituição e de utilização de mão-de-obra barata” (prisioneiros) no fabrico de variados produtos não têm beneficiado igualmente a imagem do EPL e da China. Para uma visão sobre os problemas que afectam os trabalhadores chineses leia-se, por exemplo, o artigo de Anita Chan e Robert A. Senser; (1997); “China’s Troubled Workers”; Foreign Affairs, nº 2; pp. 104-117. Sobre o envolvimento comercial do EPL veja-se Alexandre Carriço; (2001); “As Actividades Comerciais do EPL: Oxigénio Orçamental para a Defesa?”em Adriano Moreira e Pinto Ramalho (Eds); (2003); Estratégia XIV; Lisboa, Instituto Português da Conjuntura Estratégica.
20 James Mulvenon; (2001); “Eating Imperial Grain? The Ongoing Divestiture of the Chinese Military-Business Complex, 1998-2001” em Andrew Scobell (Ed); The Costs of Conflict: The Impact on China of a Future War; Carlisle Barracks, SSI Press; p. 189.
21 Segundo algumas fontes a compensação de cerca de 3.5 biliões de renminbi ficou muito aquém do desejado pelo EPL tendo gerado algum descontentamento. Aparentemente este
valor terá sido o calculado pelo DGL e entregue a Zhu Rongji. Esta estimativa “por baixo” poderá ter uma justificação no facto de o DGL ter sempre subvalorizado os lucros das empresas militares como forma de aliviar a contribuição fiscal das empresas militares para o sistema central. James Mulvenon; (2000); Op. Cit.; p. 192. Outra explicação poderá ter a ver com a reduzida capacidade negocial auferida pelo EPL, ou pela forte possibilidade (mas difícil de confirmar) de que o EPL recebe verbas paralelas não inscritas na despesa militar.
22 Este procedimento em Dezembro de 1998, teria assumido uma tal dimensão que o Leading Group que supervisou o processo de desinvestimento do EPL terá enviado quatro grupos de inspecção, cada um com 30 membros, no intuito de fiscalizar as grandes unidades. James Mulvenon; (2001); Op. Cit.; p. 197.
23 Ênfase no original. James Mulvenon; (2000); Op. Cit.; p. 194.
24 Sobre este ponto específico veja-se Tai Ming Cheung; (2001); China’s Entrepeneurial Army; Oxford, Oxford University Press; pp. 232-275.
25 No ano de 2006, a despesa militar total efectuada pela China correspondeu a cerca de 15 por cento do total do orçamento de defesa norte-americano, foi quase idêntico à do Japão e do Reino Unido (respectivamente 45,3 e 48,8 mil milhões de dólares). Allen T. Cheng; (2007); “China’s Defense Spending Rises 17.8%” disponível em http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=20601087&sid=ao08651hp7p8&refer=home. Veja-se ainda Quarterly Chronicle and Documentation; (2006); The China Quarterly nº187; p. 828, onde segundo as autoridades chinesas a proporção é da ordem dos 5,77 por cento comparado com o orçamento dos EUA.
26 Ênfase no original. James Mulvenon; (2000); Op. Cit.; p. 194.
27 Sobre este ponto específico veja-se Tai Ming Cheung; (2001); China’s Entrepeneurial Army; Oxford, Oxford University Press; pp. 232-275.
28 Veja-se David Shambaugh; (1994); “Wealth in Search of Power: The Chinese Military Budget and Revenue Base”. Paul Godwin; (1996); “Estimating China’s Military Expediture” em Gerald Segal e Richard Yang (Eds); Chinese Economic Reform: The Impact on Security; London, Routledge Press, especialmente as pp. 63-67. SIPRI; (1994); “World Military Expediture: China” em SIPRI Yearbook 1994; Oxford, Oxford University Press; pp. 441-447. Richard Bitzinger e Chong-Pin Lin; (1994); Analysing and Understanding Chinese Defense Spending; Washington, Defense Budget Project. Bates Gill; (1999); “Chinese Defense Procurement Spending: Determining Intentions and Capabilities” em James Lilley e David Shambaugh (Eds), China’s Military Faces the Future; New York, M.E. Sharpe; pp. 195-227. Amitav Acharya e Paul Evans; (1994); China’s Defense Expeditures: Trends and Implications; North York, Ontario, University of Toronto-York University Press. James Harris; (1991); “Interpreting Trends in Chinese Defense Spending” em China’s Economic Dilemmas in the 1990’s, Vol. 2; Washington, Government Printing Office. Wang Shaoguang; (1996); “Estimating China’s Defense Expediture: Some Evidence From Chinese Sources”; The China Quarterly nº147.
David Shambaugh; (2003); Modernizing China’s Military: Progress, Problems and Prospects; Berkeley, University of California Press. Wang Shaogang; (2000); “The Military Expediture of China, 1989-98” em SIPRI Yearbook 2000; Oxford, Oxford University Press. Richard Bitzinger; (2003); “Just the Facts, Ma’am: The Challenges of Analysing and Assessing Chinese Military Expeditures”; The China Quarterly nº173; pp. 164-175. Os relatórios anuais da ACDA (U.S. Arms Control and Disarmament Agency) parecem ser os mais fiáveis e úteis, uma vez que permitem o acompanhamento da evolução da despesa militar chinesa e são calculados a preços actuais e constantes, partindo-se igualmente do pressuposto que sendo uma agência governamental americana tenha acesso a dados confidenciais. Como principais fontes primárias de referência e de análise sobre o processamento do orçamento de defesa do EPL referem-se Jiang Baoji (Ed); (1990); Zhongguo Guofang Jingji Zhanlue Yanjiu (Investigação sobre a Estratégia de Desenvolvimento da Economia de Defesa da China); Beijing, Guofang Daxue Chubanshe (Universidade de Defesa Nacional). Jin Zhude, Ye Zitong, Wang Dong e Liang Wenjun; (1987); Guofang Jingji Lun (Teoria da Economia de Defesa); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Impressa do Exército de Libertação). Junshi Jingji Yanjiu (Centro de Investigação sobre Economia Militar) (Ed); (1988); Junshi Jingji Xiaoyi Lunwenji (Colecção de Teses sobre os Benefícios da Economia Militar); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação). Ku Guisheng (Ed); (1998); Guofang Jingji Xueshou Shi (História da Teoria da Economia de Defesa); Beijing, Guofang Daxue Chubanshe (Imprensa da Universidade de Defesa Nacional). Liu Huamian (Ed); (1993); Junshi Jingjixue Cidian (Dicionário da Economia Militar); Beijing, Zhongguo Jingji Chubanshe (Imprensa Económica da China). Lu Zhuhao (Ed); (1995); Zhongguo Junshi Jingfei Guanli (Gestão do Orçamento Militar da China); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação). Zhongguo Caizheng Nianjian Bianji Weiyuanhui (Ed) (Comité Editorial Anual das Finaças da China); (2005); 2005 Zhongguo Caizheng Nianjian (Livro Anual de 2005 sobre as Finanças da China); Beijing, Zhongguo Caozheng Zazishe (Imprensa de Publicações Financeiras da China). Zhongguo Junshi Caiwu Shiyong Daquan Bianjiwei (Comité Editorial do Guia Prático sobre Finanças Militares na China); (1992); Zhongguo Junshi Caiwu Shiyong (Guia Prático de Finanças Militares da China); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação). Zhonghua Renmin Gongheguo Caizheng Bu (Ed) (Ministérios das Finanças da República Popular da China); (2005); 2005 Zhongguo Huiji Nianjian (Anuário de 2005); Beijing Zhongguo Caizheng Zazhishe (Imprensa de Publicações Financeiras da China). Agradeço a Jian Wan a chamada de atenção para a importância destas publicações bem como o apoio na leitura e consulta das mesmas.
29 Adaptado de Dwight Perkins; (2006); “China’s Economic Growth: Implications for the Defense Budget”; em Ashley Tellis e Michael Wills (Eds); Strategic Asia 2005-2006: Military Modernization in an Era of Uncertainty; Seattle, National Bureau of Asian Research; p. 380. Os valores aqui apresentados são para preços de 2006 enquanto que os de Dwight Perkins são para o ano de 2003.
30 SIPRI; (1994); “World Military Expediture: China” em SIPRI Yearbook 1994; Oxford, Oxford University Press; pp. 441-447.
31 CIA The World Fact Book: China. Nos primeiros dois meses de 2007, o excedente comercial chinês totalizou 39 600 milhares de milhões de dólares, 22 por cento mais que em igual período do ano anterior. As intervenções do Banco da China no sentido de valorizar o yuan face ao dólar e de tentar impeder o aumento da inflação não têm logrado mitigar as potenciais e disruptivas pressões inflacionárias. John Makin; (2007); “China’s Risky Currency Policy: The Role of Currency in the U.S.‑China Relationship”; disponível em http://www.aei.org/publications/pubID.25837/pub_detail.asp
32 Os números oficiais foram retirados de vários números da publicação anual The Military Balance do IISS entre 1990 e 2006. A estimativa alta é a apresentada pelo Departamento de Defesa dos EUA. A estimativa baixa é a apresentada pelo SIPRI. O orçamento para 2007 teve um aumento de 17,8 por cento face ao ano anterior, cifrando-se nos 34.57 mil milhões de euros (350 mil milhões de yuan). “China Defende Orçamento Militar”; Oje; 7 de Março de 2007; p. 9.
33 Amitav Acharya e Paul Evans; (1994); Op. Cit.; p. 36.
34 Numa tradução literal significa o sistema da “tigela de arroz em ferro”, que pretende ilustrar todo um conjunto de obrigações de sustento das famílias dos empregados (habitação, saúde, alimentação, educação) que as empresas devem aplicar. Tal política como é evidente representa um peso enorme nos custos de operação das mesmas o que torna a grande maioria delas deficitárias e alvo de sistemáticos subsídios governamentais.
35 Onde se localizam os grandes complexos industriais (autênticos elefantes brancos) mandados construir por Mao Zedong e cognominados de indústrias da terceira frente. A sua localização em áreas remotas e com uma precária e obsoleta rede de comunicações ficou a dever-se ao receio de que a China pudesse ser invadida ou bombardeada, primeiro pelos Estados Unidos, e depois da cisão sino-soviética de 1960, por parte da União Soviética, perdendo a base industrial mínima necessária à continuação da guerra popular de defesa territorial contra o eventual atacante.
36 Arthur Ding; (1996); “China’s Defense Finance”; The China Quarterly nº146; p. 429.
37 Veja-se David Shambaugh; (2003); Modernizing China’s Military: Progress, Problems, and Prospects; Berkeley, University of California Press; pp. 213-214.
38 Arthur Ding; (1996); Op. Cit.; p. 430 e Bates Gill; (1999); Op. Cit.; p. 200. You Ji; (1999); The Armed Forces of China; I.B. Tauris, London; p. 63.
39 Esta é uma ocorrência facilmente verificável se cruzarmos informação das fontes oficiais classificadas (neibu) e das fontes de acesso público.
40 You Ji; (1999); Op. Cit; p. 63.
41 Arthur Ding; (1996); Op. Cit.; p. 428.
42 Correspondência electrónica do autor com o professor David Godwin.
43 O acordo estabelecido em Maio de 1991 para a compra de 27 aviões SU-27 estipulava que dois terços do montante total (cerca de 600 milhões de dólares) seriam pagos com o recurso ao pagamento em géneros os restantes 300 milhões seriam pagos em moeda forte. Adicionalmente o cancelamento do programa Peace Pearl (de cooperação com os EUA para melhoria dos sistemas aviónicos dos aviões J-8) poderá ter libertado uma verba de cerca de 250 milhões de dólares para esta compra. Tai Ming Cheung; (1997); “The Chinese Army’s New Marching Orders: Winning on the Economic Battlefield” em Jorn Brommelhorster e John Frankenstein (Eds); Mixed Motives, Uncertain Outcomes: Defense Conversion in China; Boulder, Lynne Reinner; p. 195. O processo de troca directa caiu entretanto em desuso, uma vez que não era particularmente vantajoso para Moscovo, a qual se queixava de receber produtos excedentários e de má qualidade por parte da China.
44 Kenneth Allen; (1991); People’s Republic of China People’s Liberation Army Air Force; Washington, DIA; p. 20.
45 Paul Godwin avança com outra metodologia, assente nas publicações do Ministério das Finanças e não nas publicações militares. Segundo Godwin, a previsão orçamental das unidades para o ano seguinte iniciar-se-ia no início do ano anterior. Este parece-nos ser o sistema ideal, mas a realidade é bem diferente como sugere Arthur Ding. Veja-se respectivamente Paul Godwin; (1996); Op. Cit; p. 61 e Arthur Ding; (1996); Op. Cit.; p. 437. Este é um processo que se mantém no geral não obstante alguns ajustamentos específicos.
46 Para um exemplo de como se processam a distribuição de verbas para a investigação e desenvolvimento de projectos leia-se Arthur Ding; (1996); Op. Cit.; pp. 430-431.
47 Paul Godwin (1996); Op. Cit.; p. 61. Este último mecanismo é extremamente importante, uma vez que permite dissimular os gastos com a defesa nacional.
48 Jiang Baoji (Ed); (1990); Zhongguo Guofang Jingji Zhanlue Yanjiu (Investigação sobre a Estratégia de Desenvolvimento da Economia de Defesa da China); Beijing, Guofang Daxue Chubanshe (Universidade de Defesa Nacional). Jin Zhude, Ye Zitong, Wang Dong e Liang Wenjun; (1987); Guofang Jingji Lun (Teoria da Economia de Defesa); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Impressa do Exército de Libertação). Junshi Jingji Yanjiu (Centro de Investigação sobre Economia Militar) (Ed); (1988); Junshi Jingji Xiaoyi Lunwenji (Colecção de Teses sobre os Benefícios da Economia Militar); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação). Ku Guisheng (Ed); (1998); Guofang Jingji Xueshou Shi (História da Teoria da Economia de Defesa); Beijing, Guofang Daxue Chubanshe (Imprensa da Universidade de Defesa Nacional). Liu Huamian (Ed); (1993); Junshi Jingjixue Cidian (Dicionário da Economia Militar); Beijing, Zhongguo Jingji Chubanshe (Imprensa Económica da China). Lu Zhuhao (Ed); (1995); Zhongguo Junshi Jingfei Guanli (Gestão do Orçamento Militar da China); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação). Zhongguo Caizheng Nianjian Bianji Weiyuanhui (Ed) (Comité Editorial Anual das Finaças da China); (2005); 2005 Zhongguo Caizheng Nianjian (Livro Anual de 2005 sobre as Finanças da China); Beijing, Zhongguo Caozheng Zazishe (Imprensa de Publicações Financeiras da China). Zhongguo Junshi Caiwu Shiyong Daquan Bianjiwei (Comité Editorial do Guia Prático sobre Finanças Militares na China); (1992); Zhongguo Junshi Caiwu Shiyong (Guia Prático de Finanças Militares da China); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação). Zhonghua Renmin Gongheguo Caizheng Bu (Ed) (Ministérios das Finanças da República Popular da China); (2005); 2005 Zhongguo Huiji Nianjian (Anuário de 2005); Beijing Zhongguo Caizheng Zazhishe (Imprensa de Publicações Financeiras da China).
49 Uma excepção a este processo, são os orçamentos anuais das regiões militares e dos ramos do EPL os quais são submetidos a aprovação por cada um dos quatro departamentos gerais do EPL (em vez de só pelo DGL) e entregues à Comissão Militar Central (CMC) para análise e ajustamento final. São posteriormente sujeitos a aprovação pela Assembleia Nacional Popular (ANP).
50 Esquema delineado a partir de uma conversa em Agosto de 2001 com dois Oficiais do Exército Popular de Libertação. Este é um macro-modelo do apresentado em Zhongguo Junshi Caiwu Shiyong Daquan Bianjiwei (Comité Editorial do Guia Prático sobre Finanças Militares na China); (1992); Zhongguo Junshi Caiwu Shiyong (Guia Prático de Finanças Militares da China); Beijing, Jiefangjun Chubanshe (Imprensa do Exército de Libertação).
51 Wang Shaoguang; (1996); “Estimating China’s Defense Expediture: Some Evidence From Chinese Sources”; The China Quarterly nº147; p. 783.
52 Conversa do autor com dois Oficiais do EPL em Agosto de 2001.
53 É de notar que a conversão das indústrias de defesa para a produção civil permite igualmente a obtenção de ganhos adicionais para o EPL. Em 1995 mais de 80 por cento das indústrias de defesa tinham capacidade de produzir e comercializar produtos civis.
54 Arthur Ding; (1996); Op. Cit; p. 430.
55 Ainda que avançada por um dos mais conceituados economistas chineses que se debruça sobre a defesa, esta não é uma compartimentação universalmente aceite. Em 1986, um livro sobre a economia de defesa dividia as despesas em dois sectores: gastos com bens e gastos com pessoal. Estes subdividiam-se por sua vez, em muitas outras categorias. Sob a designação de bens incluíam-se a pesquisa científica, aquisição de armas e equipamento, treino e manutenção, construção de infra-estruturas, aprovisionamento militar e itens variados. Já o Livro Branco da Defesa Chinesa publicado em 1995 afirma que o OD se divide em três grandes áreas: pessoal (shenghuo fei), equipamento (zhuangbei), e operações e manutenção (shiye he gongwu fei). As edições posteriores mantêm esta divisão. Veja-se respectivamente China: Arms Control and Disarmament; (1995); Beijing, Information Office of the State Council e Song Zhenduo e Ku Guisheng; (1986); An Introduction to National Defense Economics; Changsha, Hunan Renmi Chubanshe; p. 112. Para uma análise sobre outras interpretações em torno da compartimentação das despesas militares veja-se Bates Gill; (1999); Op. Cit.; pp. 200-201. David Shambaugh com base na Enciclopédia Prática das Finanças Militares da China refere quinze categorias: despesas correntes (shenghuo fei), despesas oficiais (gongwu fei), despesas de operação (shiye fei), despesas com educação e treino (jiaoyu xunlian fei), despesas com aquisição de equipamento (zhuangbei gouzhi fei), despesas com aquisições e manutenção logística (houqin zhuangbei gouzhi weixu fei), despesas com gestão e manutenção de armamento (zhuangbei weichi guanli fei), despesas com combustíveis (youliao fei), despesas com construção (jiben jianshe fei), despesas com investigação científica (kexue yanjiu fei), despesas com preparação para a guerra e combate (zanbei zuozhan fei), despesas mistas e flexíveis (qita he jidong jingfei), reserva de fundos da Comissão Militar Central (jun wei dingwu fei), despesas com a milícia (minbing fei) e despesas com a defesa aérea popular (renmin fangkong fei). David Shambaugh; (2003); Modernizing China’s Military: Progress, Problems, and Prospects; Berkeley, University of California Press; pp. 213-214.
56 Por exemplo, a Força Aérea do Exército Popular de Libertação (FAEPL), tem ao seu dispor três tipos de alocação financeira. A primeira denominada por “verba pré-designada” que se destina à compra de material específico como aviões. A segunda são os fundos de manuseamento limitado, que estão organizados por categorias no meio das quais a FAEPL tem alguma margem de manobra relativamente às opções de gastos dos mesmos. Finalmente, existem os fundos discricionários (ou “saco azul” se se preferir) os quais são empregues nas rubricas que o ramo bem entender. Perante estas limitações de manuseamento dos fundos impostas pelo DGL, a chefia da FAEPL assim as distribui de modo a garantir a materialização do orçamento das suas unidades. Paul Godwin; (1996); Op. Cit; p. 62. Kenneth Allen, Glenn Krumel e Jonathan D. Pollack; (1995); China’s Air Force Enters the 21st Century; Santa Monica, RAND; pp. 211-212. Este processo ainda se mantém (informação dada ao autor por um Oficial da FAEPL).
57 Apesar de poderem ser consideradas como pertencentes ao orçamento de Estado, o facto de serem geridas pelo EPL, garante sob a nossa perspectiva que sejam tidas como uma terceira área.
58 China’s Defense White Paper, 1998, 2000, 2002, 2004, 2006.
59 Veja-se Tai Ming Cheung; (1997); Op. Cit e David Shambaugh; (1994); Op. Cit.
60 Alegadamente, em 2000 um Tenente-General em Pequim recebeu um aumento mensal de 400 renminbi (48 dólares) enquanto dois coronéis passaram de 1700 para 2040 renminbi por mês (205 e 290 dólares). Em termos gerais o soldado do EPL passou a receber mais 100 renminbi por mês (12 dólares). James Mulvenon; (2001); Op. Cit.; p. 191. Desde então os aumentos anuais dos salários têm sido da ordem dos 8 a 10 por cento. Agradeço a Jian Wan esta última informação.
61 O lema popular é “encaremos o mundo, encaremos a modernização, encaremos o futuro” (mianxiang shijie, mianxiang xiandaihua, mianxiang weilai).
62 Apesar do embargo a União Europeia autorizou a venda de equipamento militar (não de armamento) à China no valor de 460 milhões de euros só em 2004. Para uma análise sobre as pressões chinesas para romper o embargo da UE em 2005 veja-se Alexandre Carriço; (2005); “O Embargo de Armas à China: Motivações e Vulnerabilidades”; Revista Militar nº8/9; pp. 853-865.
63 Nos últimos cinco anos o EPL construiu um enorme depósito/armazém de aviões na China central, o qual é o maior da Ásia e o segundo maior a nível mundial. O objectivo é não só constituir uma reserva operacional como desactivar progressivamente os modelos mais antigos.
64 “Preço por defeito” e em dólares de cada unidade: aviões (5 milhões), navios de superfície (150 milhões), submarinos (100 milhões), vigilância electrónica e luta anti-submarina (1.5 biliões), carros de combate (750 mil), outros veículos blindados (500 mil), mísseis balísticos do tipo M-9 ou M-11 (1 milhão), mísseis de cruzeiro do tipo C-801 e C-802 (400 mil), aviões Su-27 e Su-30 (20 e 22 milhões respectivamente), navios de superfície adquiridos ao estrangeiro (800 milhões). “Preço por excesso” e em dólares de cada unidade: aviões (8 milhões), navios de superfície (200 milhões), submarinos (150 milhões), porta-aviões do tipo Bazan de 25 mil toneladas que inclui 15 aviões MiG-29K, 2 helicópteros e 1 avião de vigilância electrónica (3.75 biliões), carros de combate (1 milhão), outros veículos blindados (750 mil), mísseis balísticos do tipo M-9 ou M-11 (1.2 milhões), mísseis de cruzeiro do tipo C-801 e C-802 (600 mil), aviões Su-27 e Su-30 (20 e 22 milhões respectivamente), navios de superfície adquiridos ao estrangeiro (1 bilião), submarinos da classe Kilo (350 milhões).
65 Guerra Popular (renmin zhangzheng) para unidades territoriais, Guerra Local sob Modernas Condições High-Tech (gaoji jixu tiaojian xia jubu zhazheng) ou sob Condições Digitais para as forças de reacção rápida (quantou) e Guerra RMA (xin junshi geming) para as forças estratégicas e de guerra electrónica. Veja-se Alexandre Carriço; (2006); De Cima da Grande Muralha: Política e Estratégias de Defesa Territorial da República Popular da China, 1949-2010; Lisboa, Editora Prefácio.
66 Veja-se Richard Bitzinger; (2003); “Analyzing Chinese Military Expeditures” em Stephen Flanagan e Michael Marti (Eds); The People’s Liberation Army and China in Transition; Washington, National Defense University Press; pp. 177-193.
67 Office of the Secretary of Defense; (2006); Annual Report to Congress: Military Power of the People’s Republic of China, 2006; Washington.
68 Veja-se Liu Yang e Wang Cong; (2001); Military Preparation and Possible Models for the Defense Budget Increase; PLA Institute of Military Economics, Beijing.
69 Liu Yang e Wang Cong; Op. Cit; p. 5.
70 Note-se que a receita do Estado em comparação com o PIB tem vindo a decrescer assinalavelmente, desde os 15.8 por cento de 1990 até aos 8.9 por cento de 2006. Parte desta quebra pode-se explicar pela redução das contribuições fiscais dos governos regionais para o governo central, num fenómeno já definido como de “regionalismo financeiro com características chinesas”. Veja-se Keith Crane, Roger Cliff, Evan Medeiros, James Mulvenon e William Overholt (Eds); (2005); Modernizing China’s Military: Opportunities and Constraints; Santa Monica, RAND; pp. 128-130.
71 Charles Wolf; (2002); Excerpts from the U.S.‑China Security Review Commission Hearings; Santa Monica, RAND; p. 5.
72 Veja-se David Gold (2005); Does Military Spending Stimulate or Retard Economic Performance? Revisiting an Old Debate; New York, New School University.
73 Sob este ponto, ainda não foi provada a existência de uma correlação directa. Veja-se o excelente artigo de Paul Dunne, Ron Smith e Dirk Willenbockel; (2005); “Models of Military Expediture and Growth: A Critical Review”; Defence and Peace Economics nº6; especialmente pp. 450-451.
74 Dwight Perkins; (2006); “China’s Economic Growth: Implications for the Defense Budget”; em Ashley Tellis e Michael Wills (Eds); Strategic Asia 2005-2006: Military Modernization in an Era of Uncertainty; Seattle, National Bureau of Asian Research; p. 383
Tenente-Coronel de Infantaria. Assessor do Instituto da Defesa Nacional. Vogal da Direção da Revista Militar.