I
Portugal, nos últimos trinta anos, tem tido hesitações e oscilações na definição do seu paradigma da segurança e da defesa (defender do quê, defender como e defender com quê), com as consequentes implicações na orientação da sua acção externa que permita multiplicar potencialidades próprias e atenuar as suas vulnerabilidades nessa área das funções do Estado.
Para trás ficaram alguns anos de esforço de acção externa apoiando um paradigma de defesa que tinha na defesa do Império o seu principal objectivo e numa realidade geoestratégica que não podia ser modificada: a fronteira terrestre mais extensa da Europa com um único vizinho que se chama Espanha. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, os imperativos geopolíticos que durante séculos haviam justificado a aliança com a Grã-Bretanha tinham agora nos EUA o parceiro de maior peso. Era este novo parceiro que poderia apoiar pretensões portuguesas na sua adesão à Organização das Nações Unidas, para satisfazer melhores condições de segurança, ou para garantir requisitos de segurança colectiva, que iriam ser materializados pela Organização do Tratado do Atlântico Norte, que iria nascer. Portugal teve de cuidar dos seus instrumentos de segurança e defesa para garantir credibilidade. De 1945 a 1953, em vez de desarmar como os ventos pareciam aconselhar, despendeu cinco milhões de contos (25 milhões de Euros), na altura o equivalente a oito barragens de Castelo de Bode, para dimensionar o instrumento militar nacional de forma a apoiar os seus objectivos.
Ficam também para trás a perda do Império e as tentativas de encontrar um novo paradigma de defesa que estabelecesse em Portugal um modelo de defesa autónoma e credível que sob o conceito de independência nacional, do estilo da Roménia na época, fizesse de Portugal um caso especial na NATO, tal como a Roménia o era no Pacto de Varsóvia.
Portugal é hoje membro de organizações internacionais preocupadas com a segurança, com destaque para a ONU e OSCE, com a segurança e defesa como a OTAN e a União Europeia e os seus interesses orientam-se por vários eixos que passam pelos espaços dos Países de Língua Oficial Portuguesa, Ibero-Americano, do Magreb e do Mediterrâneo. As comunidades de portugueses espalham-se pelo mundo. Novas realidades levaram a alterações constitucionais e a reformulações de conceitos, como foram as sucessivas revisões do Conceito Estratégico da Defesa Nacional e documentos consequentes. O cometimento de acções e meios nacionais para a segurança global e defesa colectiva tem sido uma realidade, medida por meios financeiros, humanos e militares.
Estamos a viver momentos de mudanças e de opções. Será tempo de tomar opções, decidindo.
II
São factos reconhecidos que novos riscos e ameaças põem em causa as dimensões geográficas da segurança (global, regional e nacional) e componentes específicas dessa segurança, tais como a segurança humana, da informação ou de recursos. Depois da dimensão dos efeitos dos ataques terroristas nos EUA, em Espanha ou na Indonésia, o terrorismo internacional passou a dominar as atenções de especialistas, dando ênfase a aspectos conjunturais das respostas deixando para outra prioridade aspectos das respostas a causas estruturais de outras ameaças como a pobreza, as degradações ambientais, o regular fluxo de recursos essenciais, o narcotráfico e o crime organizado, a proliferação de armas de destruição massiva ou o descontrolo no comércio de armamentos.
O novo espectro do conflito provocado por essas ameaças assimétricas, com as suas fases de prevenção, resolução e reconstrução, tem provocado sucessivas aproximações de resposta estratégica. Nações Unidas, OTAN e União Europeia produziram documentos com as suas visões para essas respostas.
As dificuldades da União Europeia encontrar uma identidade e capacidade de segurança e defesa podem ser superadas através de uma integração da defesa dos vários estados membros. A necessidade de encontrar novas capacidades para os novos desafios, as dificuldades em recursos que a Europa atravessa e o facto de essa integração ser desejável para ambas as margens do Atlântico assim o aconselham, levando mesmo a considerá-la como indispensável.
O que não parece razoável é a resignação a objectivos modestos fixados em oito ou dez «Battle Groups» a atingir em 2010 (o que vai mudar até lá?), para projectar a uma distância medida a compasso sobre cartas geográficas que são lidas de forma diferente sobre as nações europeias.
III
Podemos definir integração da defesa como a coordenação dos esforços individuais dos Estados membros da União, da União Europeia e da OTAN para a criação de um conjunto de capacidades militares e complementos de apoio para fazer face às necessidades futuras de defesa da Europa. É um tema tratado em Editorial da Revista no seu número de Agosto-Setembro de 2004, mas em que, insistindo, procuramos reiterar esforços.
Quatro vias são possíveis para se atingir tal objectivo. A primeira, e mais decisiva, será desenvolver entre os governos e instituições da Europa uma visão mais comum sobre as necessidades, capacidades e doutrinas necessárias à defesa. A segunda será uma aproximação mais cooperativa entre os governos europeus na investigação, desenvolvimento e procurement de capacidades militares prioritárias. A terceira será a partilha de capacidades nacionais para treinar, apoiar e empenhar unidades multinacionais. A quarta traduz-se no envolvimento individual dos Estados membros na criação de capacidades militares especializadas que constituam contribuições de valor para a defesa colectiva.
Portugal, que com outros 18 Estados Europeus são membros da União Europeia e da OTAN deverá fazer esforço na sua acção externa, na área da Segurança e da Defesa, na procura da integração da defesa europeia. Será essa integração que melhor servirá os seus interesses na União Europeia, directamente, e, indirectamente, na OTAN e outras organizações internacionais a que pertence. Para evitar que dentro em pouco, e perante algumas dúvidas crescentes sobre a missão da OTAN no Afeganistão, se ponha em causa a velha Aliança e a sua utilidade no panorama estratégico global actual; para evitar que se quebrem os laços transatlânticos face às ameaças a que globalmente tem de se fazer face; para evitar que o projecto europeu não fique limitado à ditadura da moeda única e às burocracias que a regem, dando relevo aos gestores temporários dos Estados que compõem esta Europa de Nações em detrimento dos interesses que os «pais fundadores» puseram no projecto. Analisando vantagens e limitações, é uma opção a considerar e uma «questão a pensar», como aqui se expressou, e que o tempo julgará por quem não teve a coragem de a assumir.