I. Introdução
Não vão muito recuados os tempos em que ao factor económico se atribuía diminuta importância no domínio da conflitualidade internacional. Eram os aspectos político-militares que tinham uma acção preponderante e decisiva pelos resultados espectaculares obtidos. A defesa1 assentava quase que exclusivamente no vector militar.
Este conceito de defesa, demasiado estreito, foi ultrapassado pelos acontecimentos e, actualmente, a componente militar parece já não ter, por si só, condições para assegurar uma efectiva defesa nacional no quadro das relações internacionais contemporâneas2. Hoje, a lógica da defesa totalizante abarca a necessidade de protecção de todas as vulnerabilidades nacionais pois que qualquer uma delas (não só as militares, nem predominantemente as militares) pode pôr em causa a segurança de um Estado3. Assim, particularmente os países que não reúnem condições para entrar na competição dos meios militares (como parece ser o caso de Portugal) e que se encontram, portanto, mais vulneráveis, têm uma necessidade (e obrigação) acrescida de preparar a sua defesa envolvendo todas as suas componentes: militares e não-militares4.
Neste particular, a componente económica da defesa assume, hoje, para muitos países, uma importância fundamental5.
Numa óptica alargada de defesa nacional e na presunção de que não existe completa autonomia política sem um determinado grau de autonomia económica6, na realidade actual, em que a perda de independência nacional por via militar é uma possibilidade cada vez mais remota, em que, fruto do processo de globalização, as fronteiras económicas nacionais são cada vez mais ténues e em que o processo de integração na União Europeia (UE) se tem caracterizado por sucessivas perdas de soberania, a economia - e, portanto, a componente económica da defesa nacional - reveste-se de uma importância fundamental.
É que não há defesa forte baseada numa economia fraca. É oportuno lembrar que a existência de sistemas globais, a cooperação e a integração económica, a emergência de actores erráticos, as redes cruzadas de super empresas e suas associadas, fazem do actual sistema económico mundial o palco propício à guerra económica. Como refere Walter Marques (2001, 2), “vivemos num mundo em que os conflitos se caracterizam pela preocupação de aniquilar não apenas o aparelho militar, mas também e em muitos casos, sobretudo, o aparelho económico. Por vezes o primeiro objectivo é mesmo excluído, por conveniência política e porque ele resultará fatalmente do enfraquecimento económico”.
A actualidade e pertinência deste assunto parece-nos bem patenteada, por um lado, na enorme preocupação que diferentes sectores da sociedade portuguesa têm manifestado, no que respeita à crescente ameaça de controlo dos centros de decisão estratégicos nacionais por actores económicos internacionais7 (com especial incidência para os espanhóis8) e, por outro, na consciência publicamente afirmada pelas elites nacionais de que, no actual contexto económico europeu e mundial, o País, ou se afirma pela sua economia, ou definha. Não existem fronteiras que o protejam.
II. O Novo Sistema Económico Internacional: Quadro de Ameaças, Perigos e Riscos para os Estados
Desde a Segunda Guerra Mundial que o sistema económico internacional tem evoluído para uma economia realmente global9. Neste novo contexto, todas as economias nacionais e regionais interagem fortemente, mas nenhuma delas, por si só, consegue impor a sua vontade às restantes. No entanto, a possibilidade de arrastamento das pequenas economias pelas grandes, provocando a secundarização dos interesses daquelas, constitui a principal ameaça à maioria dos países. “Uma multiplicidade de oportunidades e ameaças derivam, por um lado, da cooperação e colaboração e, por outro, da competição e do conflito” (Kotler, 1997, 25).
Esta revolução económica global inclui várias revoluções, a começar pela dos mercados, que fez emergir “uma rede de fluxos financeiros diários que passam pelas bolsas de valores de todo o mundo e onde, minuto a minuto, podem pôr-se em causa empresas, moedas ou títulos de países” (Macedo et al., 1999, 201). Segundo os autores (1999, 202) “a economia desmaterializou-se. O poder deixou de residir nos elementos materiais (...), como a terra os recursos naturais e as máquinas, e passou a assentar em factores imateriais, como o conhecimento científico, a alta tecnologia, a informação, a comunicação e a finança”.
Emergem assim novos poderes que transcendem as estruturas estatais e um poder mundial que escapa ao Estado-Nação. É muitas vezes um poder sem rosto, do qual se desconhecem os protagonistas. Em diversos campos surgem “impérios económicos de um novo tipo que elaboram as suas próprias leis, deslocam os seus centros de produção, transferem os seus capitais à velocidade da luz e fazem investimentos de um extremo ao outro do planeta. Não conhecem fronteiras, nem Estados, nem culturas. Zombam das soberanias nacionais. Indiferentes às consequências sociais, especulam contra as moedas, provocam recessões e dão lições aos governos” (Ramonet, 1999, 68)10.
A estruturação de uma nova ordem económica, com todos os fenómenos associados à globalização, acarreta, pois, novos e continuados desafios para os Estados e cria, aos mesmos, problemas de segurança distintos dos tradicionais.
A globalização pressupõe, em primeiro lugar, para o Estado, uma crescente perda de controlo sobre a sua economia assim como uma redução na sua autonomia para executar políticas económicas. Na opinião de Ramonet (1999, 58) “a mundialização liquidou o mercado nacional que é um dos fundamentos do poder do Estado-Nação. Anulando-o, ela modificou o capitalismo nacional e diminuiu o papel dos poderes públicos. Os Estados já não têm os meios para se oporem aos mercados. (...) Não têm meios para frear os formidáveis fluxos de capitais ou para enfrentar a acção dos mercados contra os seus interesses e os interesses dos seus cidadãos”11. O mercado passou a ser “uma entidade rígida, independente das decisões do Estado, porque o que conta é a capacidade competitiva, com os consumidores a procurarem o produto mais competitivo sem terem de olhar à nacionalidade do produtor12. O Estado, por sua vez, deixou de poder administrar o preço relativo dos factores produtivos, limitando-se a gerir a dívida pública, a taxa de juro e a taxa de câmbio (e, nos casos de união monetária, já nem isso) ou a distribuir subsídios (mas tendo de obedecer aos limites nos seus défices orçamentais)” (Aguiar, 2000, 65).
Acresce que, o progressivo desaparecimento das fronteiras económicas, provocado directamente pela globalização, pode induzir a tentação de que já não faz sentido uma realidade nacional. Alguns autores defendem mesmo que o efeito mais persistente da globalização é o emocional, manifestando-se pela sensação frustrante de perda de autonomia e de independência (González, 2000, 9).
Outro problema directamente decorrente do fenómeno da globalização económica está relacionado com o crescente poder das empresas multinacionais.
O verdadeiro poder destas empresas está na capacidade de influência política e económica que exercem nos diversos países onde se encontram implantadas13, assim como na influência determinante no desenvolvimento industrial e na criação de empregos nos países de acolhimento. É assim que, “pelo peso das suas decisões estratégicas e pela importância do reconhecimento social que granjeiam junto das populações que empregam, influem decisivamente nas políticas económicas a nível internacional, dominando centros de decisão política, em suma, ‘governando’ efectivamente num espaço supranacional, em detrimento das opções ou dos critérios nacionais que se lhes oponham” (Mateus et al., 1995, 132).
Esta situação cria uma dependência real do Estado em relação a determinadas multinacionais, daí a insistência em conservar o capital de determinadas empresas estratégicas em mãos nacionais, associada a toda a controvérsia que sempre se gera relativamente ao investimento estrangeiro e à privatização de empresas públicas. De facto, como refere Ignacio Ramonet (1999, 59), um número cada vez maior de países, que venderam maciçamente as suas empresas públicas, tornaram-se propriedade de grandes grupos multinacionais que dominam sectores inteiros das suas economias e servem-se dos Estados para exercer pressões em fóruns internacionais e obter decisões políticas favoráveis à prossecução dos seus objectivos.
Além disso, redes internacionais de carácter mafioso e crime organizado constituem novas ameaças porque controlam toda a espécie de circuitos clandestinos (prostituição, contrabando, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, venda de armas, disseminação nuclear, promoção e exploração da imigração ilegal). “O crime organizado transnacional constitui uma forma de agressão externa e uma ameaça interna que é dirigida contra a vida das pessoas, a autoridade dos Estados e a estabilidade das sociedades” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/ 2003, de 20 de Janeiro, ponto 6.4).
Para Pascal Boniface (2002, 103), para além dos graves problemas de saúde pública e de delinquência que suscitam (caso das drogas), são três as principais formas como estas actividades criminosas organizadas ameaçam os Estados: os recursos económicos gerados nestas economias paralelas14 infiltram-se - através do branqueamento de capitais15 – na actividade económica regular dos Estados, enfraquecendo-a; as redes transnacionais comprometem a integridade territorial dos Estados e ameaçam a sua soberania, pois violam constantemente as suas fronteiras; por último, a corrupção de funcionários e de responsáveis políticos e económicos enfraquece o Estado16.
Acresce que, segundo o autor (2002, 105), “a luta contra o branqueamento do dinheiro da droga enfrenta dificuldades acrescidas. As modernas tecnologias de comunicação permitem trocar milhões de dólares por via electrónica e os operadores são extremamente difíceis de identificar. O congelamento e o confisco das somas geradas pela droga tornam-se, além disso, mais delicados por causa da desregulamentação dos mercados financeiros e da proliferação de paraísos fiscais, que, também eles, escapam a qualquer controlo, apesar da colocação no Índex17, de alguns desses países pela comunidade internacional18. A isto vem juntar-se, na maior parte dos países, a dificuldade em levantar o sigilo bancário para determinadas transacções e, num número ainda considerável de países, o carácter anónimo dos fundos e sociedades que gerem avultados activos internacionais, sem que a lei os obrigue a manter uma contabilidade ou a desvendar a identidade dos seus proprietários”.
Os crescentes atentados aos ecossistemas nacionais (poluição marítima, utilização abusiva dos recursos marinhos em águas territoriais e destruição florestal, entre outros) são, também, hoje, percebidos como mais uma ameaça aos Estados.
Outros tipos de ameaças em crescente evolução são os atentados à segurança dos sistemas de informação dos Estados, sobretudo os que suportam as actividades vitais do funcionamento normal de um país, como é o caso da economia e das finanças. As empresas (os motores da economia de um país) são as principais visadas. Segundo Luís Ferreira19 “os ataques aos sistemas de informação das empresas pode ter consequências desastrosas para a economia de um país e a ubiquidade da Internet não isenta Portugal de problemas”. Diagnósticos fundamentados mostram que as empresas em geral estão extremamente vulneráveis20. Mas, segundo o Professor, é no sector público que se podem verificar os menores níveis de protecção.
No mesmo sentido aponta Didier Lallemand21 (1999, 12), para quem “les atteintes à la sécurité des systèmes d’information, sur lesquels s’appuie désormais intégralement la vie de notre pays dans toutes ses composantes (communication, décision, gestion au niveau politique, administratif, économique et financier) sont devenues une menace parmi les plus nouvelles et les plus graves sur la continuité de la vie nationale”.
A espionagem industrial constitui mais uma séria ameaça para os Estados pois que, para estes (e para os agentes económicos, em geral) a informação económica é um recurso absolutamente vital22. Para Christian Pierret23, “les informations économiques ne sont pas des biens comme les autres; elles sont désormais des matières premières parmi les plus précieuses pour les entreprises”. Segundo Pascal Boniface (2002, 111), desde o início dos anos 90 e da implosão do Pacto de Varsóvia que a informação económica se tornou uma das principais fontes de preocupação dos serviços secretos ocidentais”24.
De facto, se a tecnologia favorece os intercâmbios e produz riqueza, contribui igualmente para aumentar a vulnerabilidade das empresas e do Estado. Efectivamente, como refere o autor (2002, 117), os seus sistemas informáticos, ligados com ‘redes de redes’, encontram-se em contacto directo com o exterior, e as informações que contêm ficam desde logo susceptíveis de serem interceptadas, pirateadas e destruídas. O espectro do Echelon é um caso paradigmático. “A rede, constituída por uma centena de satélites, capta as ondas emitidas pelas rádios ou telemóveis, enquanto que as informações transmitidas por telefones, faxes ou servidores electrónicos são interceptadas por sistemas informáticos; os milhões de dados recolhidos são analisados pela National Security Agency (NSA). Determinadas empresas americanas (Lockheed, Boeing) dispõem assim de dados - em muitos casos confidenciais - “recolhidos nos seus próprios concorrentes, o que lhes confere grandes vantagens no desenvolvimento de determinados projectos ou na negociação de contratos” (Boniface, 2002, 116). Calcula-se que a espionagem económica levada a efeito através desta rede tenha levado à perca de muitos contratos por parte de empresas europeias.
No contexto da globalização, outras ameaças têm surgido com intensidade crescente, fragilizando, de igual modo, a economia dos Estados. De todas, são de destacar a imitação25, e a contrafacção26.
Mais do que um sinal distintivo de produtos (bens e serviços), a marca27 é hoje um fenómeno socioeconómico de grandes dimensões. Contudo, muitas empresas titulares de marcas registadas28 debatem-se com a imitação e a contrafacção, fenómenos de dimensão alargada e de graves repercussões a nível económico29. De acordo com Lopes da Silva (2002, 6), tais ilícitos provocam, só no seio da UE, a perda de mais de 100 000 postos de trabalho por ano, com todas as consequências sociais e económicas que daí advêm. Para além das perdas que provocam directamente às empresas, provocam, ainda, uma importante quebra de receita fiscal para os Estados.
Consequência da globalização, têm-se desenvolvido os fenómenos de cooperação e de integração económica, unindo os Estados em torno de estruturas supra-estatais com o objectivo de melhorar a competitividade, estabelecendo um mercado amplo e razoavelmente protegido. Estes blocos económicos assumem, deste modo, uma forma de proteccionismo, mas conduzem, em maior ou menor grau, a uma crescente perca de soberania para os Estados que os integram30.
Contudo, nestes grandes espaços a polarização das actividades económicas tende a aumentar, o que constitui mais uma ameaça para os países menos desenvolvidos que integrem esses espaços. “A regra é: num grande espaço a actividade económica tende a convergir para as zonas onde têm melhores condições e, em termos relativos, tende a definhar nas zonas onde existem condições piores” (Salgueiro, 2002, 78). Assim, os países onde se consegue imprimir maior dinamismo tendem a concentrar a actividade e o progresso, polarizando as oportunidades resultantes da integração em grandes espaços. Os países que não conseguem imprimir uma atitude dinâmica tendem a ficar economicamente mais fracos e, como já foi referido, não há fronteiras que os protejam31. Os movimentos de capitais procuram as áreas de maior produtividade dos factores de produção e o intervencionismo do Estado, no seu sentido tradicional de imposição de regras artificiais, só é possível em sociedades fechadas.
Referindo-se a algumas ameaças, perigos e riscos que acima foram arrolados, Ramonet (1999, 8) resume do seguinte modo: “contra tais ameaças, de nada servem as armas tradicionais da panóplia militar”. A resposta deve, pois, ser procurada nas componentes não-militares da defesa nacional, nomeadamente na sua componente económica.
III. A Componente Económica da Defesa: Defesa Económica
O pensamento económico32 abrange a quase totalidade dos problemas que se colocam às sociedades e aos indivíduos. “Mesmo os aspectos políticos - os da condução das sociedades organizadas - quase não existem em si próprios, porque não é possível considerar e equacionar qualquer problema nacional com responsabilidade (...) sem a presença do factor económico” (Júnior, 1987, 283)33.
Economia e Política estão intimamente ligadas, mas também o estão a Economia e a Estratégia34. A economia, grande palco de disputas e conflitos, constitui-se como uma arma na denominada guerra económica que se elevou exponencialmente na era da globalização.
De facto, a conflitualidade económica entre sociedades é, mais do que nunca, uma realidade omnipresente. “É uma conflitualidade que era pouco relevante no tempo das fronteiras bem definidas, das economias nacionais protegidas, das restrições aos movimentos de capitais, do isolamento relativo dos mercados de capitais. Agora esta conflitualidade é de tal modo relevante que nem sequer fica limitada à esfera económica em que primeiro se manifesta. É uma conflitualidade que tem efeitos vitais para a organização de cada sociedade, para os seus equilíbrios sociais, para as suas condições de desenvolvimento, para as suas possibilidades de afirmação no contexto internacional. É uma conflitualidade que faz das relações económicas um dos equivalentes possíveis da guerra nas sociedades contemporâneas, a área de expressão das oposições de vontades que caracterizam as relações estratégicas” (Aguiar, 1989, 27).
Note-se, contudo, que os “mecanismos que actuam por detrás da arma económica são políticos e estratégicos e não económicos. A Economia é o instrumento35, mas o racional é político-estratégico” (Duarte, 1997, 156).
A Economia surge, assim, como um dos mais influentes domínios de acção da estratégia global de um Estado36 e o vector económico da defesa é - fruto da conflitualidade económica intensa a que, actualmente, se assiste - o que vem assumindo maior relevância nas sociedades actuais37.
Em sentido literal, o conceito de defesa económica faz referência a dois conceitos: o de “defesa”, na acepção militar do termo e o de “economia”, entendida como o conjunto de mecanismos concorrentes para a produção e distribuição de recursos escassos (bens e serviços), com o fim de permitir a satisfação das necessidades humanas na sociedade.
A defesa económica, assim entendida, tem por objecto a defesa da economia contra todo o tipo de ameaças, numa guerra económica que é uma constante no actual xadrez geoeconómico mundial. Deverá então ser percebida como a actividade desenvolvida pelo Estado no sentido de, face às reais ou potenciais ameaças, perigos e riscos, proteger e desenvolver a economia nacional38, minimizando as suas vulnerabilidades e maximizando as suas potencialidades. Para tal, o Estado deve, por um lado, assegurar os adequados mecanismos de defesa contra as mais diversas ameaças e, por outro, criar e manter as condições de competitividade económica numa economia mundial fortemente competitiva e conflitual.
IV. Defesa Económica e Estratégia de Defesa Nacional
O conceito global de defesa nacional só se materializa quando todas as componentes se articulam perfeitamente. Como afirma Jorge Sampaio (1996, 29), “a defesa, sendo uma questão nacional, é não apenas militar mas também cultural, económica e política na mais ampla acepção da palavra. Neste sentido, só uma estratégia integrada, concebida no plano global do Estado, poderá responder com credibilidade, à defesa dos interesses nacionais e aos desafios do mundo de hoje, pelas sinergias que se obterão através de uma adequada e harmoniosa articulação entre as componentes militar e não-militares da defesa nacional”.
A condição inicial para esta articulação é a definição (ou redefinição) do conceito de defesa nacional (definidor da vontade de um povo de defender o seu projecto colectivo, contra toda e qualquer ameaça aos mais profundos interesses nacionais), de modo a torna-lo ajustado à nova realidade nacional. O restabelecimento deste conceito é o verdadeiro ponto de partida para a definição de objectivos, políticas e estratégias de defesa “porque dele decorrem não só a delimitação e tipologia das acções como as circunstâncias e áreas em que se desenvolvem” (Silva, 1992, 32).
De facto, é de absoluta importância o entendimento que se tem da defesa nacional, pois que “uma concepção e percepção erradas, por defeito ou por excesso, é o ponto de partida, irreversível, para um sem número de equívocos que fragiliza, quando não torna perfeitamente inoperativo, todo o edifício em torno dele levantado, quer civil quer militar, para defender a Nação”39. “Uma concepção tradicional de defesa aplicada às condições contemporâneas tende a apresentar-se como uma mera ilusão, tanto mais perigosa quanto dá uma falsa noção de segurança que não tem tradução prática. O vector militar da defesa passou a estar necessariamente integrado no conceito global e interdepartamental de política de defesa nacional e só nesse contexto sistémico tem sentido” (Aguiar, 1989, 112).
O grande documento enformador da estratégia de defesa nacional é o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN). Este deve definir “os aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional40” (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, art.º 8º, n.º 2). Nele, todas as componentes da defesa (militares e não-militares) se deveriam encontrar devidamente integradas. Verifica-se, no entanto, que, apesar do esforço levado a cabo no decorrer da revisão do último CEDN, este não configura, ainda, qualquer conceito de acção estratégica definido ao nível da estratégia total. Tal fica a dever-se ao facto de se ter partido de um conceito restrito de defesa nacional41.
Assim, do CEDN deveriam decorrer (à semelhança do que vem acontecendo para a estratégia militar)42 conceitos estratégicos para as diversas estratégias gerais (que desenvolvessem as orientações daquele relativamente a cada uma das componentes da defesa nacional), nomeadamente o Conceito Estratégico Económico ou, Conceito Estratégico de Defesa Económica (CEDE).
Nesta matéria, refira-se as preocupações comuns de muitos economistas que defendem vivamente a necessidade de uma estratégia económica para a defesa da economia nacional, definida com base em objectivos de médio e longo prazo previamente definidos43. Henrique Neto (2002, 17) defende que um dos mais graves problemas nacionais é a ausência de uma estratégia económica nacional. Esta ausência invalida uma visão integrada do nosso processo de desenvolvimento económico e conduz a uma dificuldade de gerar políticas públicas coerentes, ao mesmo tempo que inviabiliza a criação de sinergias entre as iniciativas públicas e privadas. No mesmo sentido, o autor (2003, 138) aponta para que tal visão integrada permitiria uma concentração estratégica entre as empresas nacionais e entre estas e o Estado que melhor corresponderia ao desafio económico global44.
Por fim, do CEDN e dos conceitos das estratégias gerais deveriam decorrer as directivas governamentais para a elaboração dos planos estratégicos sectoriais a desenvolver pelos diversos ministérios (nível das estratégias gerais e particulares). De facto, só é possível assegurar uma coordenação e controlo sistemáticos e permanentes da política de defesa nacional, concebendo e pondo em prática um planeamento integrado e coerente das actividades que, em cada Ministério, se constituem como contributos para a estratégia de defesa nacional (Queiroz, 1994, 77).
Não existindo um CEDN alargado a todas as componentes, a estratégia global de defesa nacional fica seriamente comprometida.
V. A Defesa Económica Nacional no Duplo Contexto da Globalização e da Integração na União Europeia
O problema do impacto da globalização e da integração de Portugal na UE nos poderes e nas funções do Estado no vector económico (e na defesa económica) deve ser encarado do ponto de vista da evolução histórica recente, determinando quais as funções anteriormente assumidas pelo Estado que deixaram de o ser. Viu-se já anteriormente como a globalização acarretou o progressivo enfraquecimento dos Estado-Nação, materializado numa perda crescente dos seus poderes tradicionais. Contudo, a integração de Portugal num grande espaço comunitário45 afectou ainda mais as funções do Estado no domínio económico46 e, por conseguinte, na defesa económica (defesa da economia). Segundo Amado da Silva47, grande parte daquelas funções passaram para o domínio comunitário e se seguirmos a própria evolução verificada nesta matéria nos últimos quinze a vinte anos, encontramos uma impressionante perda de poderes do Estado no domínio económico. Partindo de uma classificação apresentada por Ferreira do Amaral (2000, 161) que reparte as funções do Estado, na componente económica, em três grandes grupos48, vejamos quais os poderes do Estado que lhe foram subtraídos em cada um deles.
Função de Estabilização Económica
Podemos afirmar que Portugal, como membro da Zona Euro, perdeu praticamente todos os poderes no âmbito da função de estabilização. Com efeito, das três políticas utilizadas para o exercício desta função - política orçamental, política monetária e política cambial - duas desaparecem do âmbito do Estado, com a realização da moeda única.
A política monetária passou a ser centralizada e única no âmbito da Zona Euro, definida por uma instituição supranacional, o Sistema Europeu de Bancos Centrais49. Nas autoridades nacionais competentes apenas passaram a recair as responsabilidades relacionadas com a supervisão prudencial das instituições financeiras e a estabilidade do sistema financeiro50.
A política cambial (agora apenas relacionada com o valor do euro em relação às restantes moedas mundiais) está associada à política monetária, sendo a sua formulação da responsabilidade do Conselho de Ministros. “As intervenções nos mercados de câmbios e a sua gestão corrente são conduzidos pelo BCE51, o qual assegura a compatibilidade destas actividades com o objectivo da estabilidade dos preços” (Ribeiro, 2002, 150).
Por último, a política orçamental, que continua formalmente nas mãos dos Estados membros, “está muito condicionada tanto do ponto de vista das receitas, devido à harmonização fiscal, como do ponto de vista do défice, devido ao chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento” (Amaral, 2000, 162). De facto, a política fiscal dos países da Zona Euro é, em larga medida, da responsabilidade das autoridades nacionais. “Contudo, esta política é formulada no contexto do referido pacto, o qual, dadas as condições orçamentais da maioria dos países da Zona Euro, impõe restrições ao carácter discricionário das decisões dos Estados membros em matéria fiscal” (Ribeiro, 2002, 150). Por outro lado, o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) impõe limites ao défice das finanças públicas nacionais a um máximo de 3% do PIB, salvo em situações excepcionais52.
Função de Afectação de Recursos
A função de afectação de recursos encontra-se significativamente reduzida nos seus instrumentos tradicionais, tais como “a imposição de pautas aduaneiras, a fixação de preços, a intervenção directa na produção através de empresas públicas, a criação de mercados através das compras públicas ou a atribuição de incentivos ao investimento” (Amaral, 2000, 163).
Com a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) e a adopção de uma pauta aduaneira comum desapareceu a margem de manobra aduaneira.
Com a adopção das leis comunitárias da concorrência e com as privatizações foram penalizados os outros instrumentos de intervenção estatal53.
Neste domínio, basicamente, a actual intervenção do Estado apenas se pode limitar a escolher a repartição de despesas orçamentais mais adequada ao interesse nacional e, desde que respeite as leis comunitárias da concorrência, continuar a atribuir incentivos ao investimento. Tudo o resto desapareceu do âmbito das competências nacionais.
Função de Redistribuição do Rendimento
Quanto à função de redistribuição, ela continua, como antes, a ser exercida fundamentalmente, ao nível do Estado54.
Pode daqui deduzir-se que a globalização e a integração europeia, em conjunto, criaram para Portugal uma realidade radicalmente distinta em termos de defesa económica.
É comum ouvir-se, em alguns círculos, que a realidade nacional deixou de ter sentido e, por conseguinte, uma estratégia económica (e de defesa económica) nacional é, hoje, uma questão extemporânea. No entender de João Salgueiro (2002, 76) esta “é uma atitude resignada e que conduz à mediocridade de objectivos”. Para o autor (2002, 76), poderemos interpretar este espaço da UE, apenas como um espaço a que temos de nos adaptar e nos retira autonomia e atributos de soberania. Contudo (e ainda no seu entender), há outra atitude mais correcta, que é “a atitude de usar o espaço mais vasto como espaço de afirmação” (2002, 77); acrescenta ainda que, “enquanto, muitas vezes, nós temos perdido resignadamente atributos de soberania económica, outros países e mesmo nações não independentes, como as autonomias ibéricas, têm vindo a adquirir maior iniciativa e atributos de soberania e maior influência sobre os seus destinos” (2002, 77)55.
Para autores como Joaquim Aguiar (1989, 117), numa leitura superficial, a relação de cooperação verificada no seio da UE poderia mesmo justificar as propostas dos que consideram dispensável uma política de defesa nacional; contudo, adianta que, numa leitura mais atenta do que é este novo sistema de relações para Portugal, é exactamente neste novo contexto que mais importante será estabelecer uma concepção de defesa nacional. “De facto”, acrescenta o autor (1989, 143), “o processo de integração nacional num espaço continental, espaço esse que, por sua vez, está inserido num sistema mundial multipolarizado, coloca as questões da defesa nacional na óptica alargada56 (...), sendo claro que o número e a complexidade dos vectores a considerar são superiores ao que se encontrava nas entidades nacionais ‘clássicas’, de tipo fechado, com fronteiras políticas e económicas bem definidas”.
A afirmação económica num espaço mais amplo como o da UE, implica, pois, a adopção de novas políticas, de novas estratégias e de novas formas de actuar. Como defende António Simões Lopes57, contrariamente ao que se poderia pensar, o desenvolvimento económico nacional não decorre automaticamente da integração na UE e da adesão à moeda única. Estas constituem o princípio de uma nova maneira de actuar. As palavras de Martins da Cruz (2003, ponto 1), proferidas num seminário sobre diplomacia económica, vão no mesmo sentido. Segundo o ex-Ministro, os desafios colocados por uma globalização crescente e pela integração na UE, ao mesmo tempo que representam oportunidades, podem também transformar-se em ameaças. Este novo quadro de possibilidades (isto é, de oportunidades e ameaças) consubstancia o desafio estratégico nacional” (Aguiar, 1989, 161).
O objectivo último da defesa nacional contemporânea deverá ser o da afirmação da sociedade portuguesa como entidade nacional, no contexto da internacionalização. E, neste contexto, a questão do desenvolvimento constitui o valor estratégico mais significativo58. É certo que, numa análise mais superficial este desenvolvimento aparece sob a forma de cooperação (e até de solidariedade) europeia; contudo “seria ilusão colectiva e inconsciência política não compreender que, sob esse nível superficial, há uma corrente de conflitualidade, aquela que deriva da concorrência” (Aguiar, 1989, 178).
Como nos foi referido por Walter Marques59, “do que se trata é de sobrevivência política determinada pela nossa capacidade de desempenho económico”.
Os factos anteriores, por si só, criaram para Portugal uma realidade radicalmente distinta em termos de defesa económica. Actuando em mercados abertos e altamente competitivos, onde as fronteiras se encontram dissipadas e os capitais se movimentam com elevadíssima mobilidade, a protecção da economia nacional não pode ser mais administrativa, mas antes altamente dependente da conquista de alguma superioridade relativa em alguns segmentos do mercado global. Às políticas tradicionais de proteccionismo (possíveis no contexto de uma sociedade fechada) seguem-se necessariamente políticas definidas para contextos concorrenciais complexos e altamente conflituais. A afirmação económica num espaço mais amplo como o da UE, implica, pois, a adopção de novas políticas, estratégias e formas de actuar.
Hoje, num quadro geoeconómico altamente competitivo e conflitual60, não existem condições eficazes de defesa nacional sem que a dimensão da competitividade económica esteja garantida. A competitividade constitui, para Miguel Cadilhe61 (2003, 23), o grande desígnio económico do País.
É assim que, actualmente, a defesa económica nacional deve ter como principal objectivo criar e manter as condições de competitividade numa economia aberta. Para tal, o Estado deve, prioritariamente, assumir o seu papel de garante da estabilidade aos actores económicos e desenvolver uma forte cooperação entre a sua administração e as empresas, para alargar a sua zona de influência económica num mundo altamente competitivo.
Portugal tem de encontrar, neste domínio, um novo paradigma para a competitividade nacional. Segundo Teodora Cardoso (2002, 5), a competitividade adquiriu uma natureza muito mais estrutural e menos dependente das políticas macroeconómicas. Más políticas macroeconómicas podem destruir economias; contudo, boas políticas macroeconómicas são apenas condições necessárias mas não suficientes para a competitividade nacional62. A resposta estratégica não reside, então, em mudanças radicais na política macroeconómica mas antes na criação de factores estruturais mais virados para a microeconomia pois, no fundo, quem compete são as empresas e não os países. A função do Estado é, então, a de encorajar (ou mesmo forçar) as empresas a elevar as suas aspirações e a subir os seus níveis de desempenho. O seu verdadeiro papel deverá ser o de influenciar todos os determinantes da vantagem competitiva nacional.
VI. Considerações Finais
Procurou-se, com o presente texto, enquadrar a defesa económica como uma componente fundamental da defesa nacional na percepção de que aquela (num conceito moderno de defesa que não pode ser confundido com defesa militar) tem uma relevância acrescida no actual contexto internacional. Pensamos ter correspondido às expectativas lançadas no capítulo da Introdução. Temos, no entanto, a consciência de que, pela actualidade e relevância do tema, muito haveria a acrescentar ao mesmo. A descrição dos mecanismos de defesa económica adequados para fazer face aos diversos tipos de ameaças, o modo como o Estado pode influenciar todos os determinantes da competitividade nacional e a forma como as diferentes componentes da defesa devem ser interligadas numa estratégia global são assuntos que aqui não puderam ser tratados. A eles contamos voltar numa próxima ocasião.
Bibliografia
Livros
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1 Doravante, utilizar-se-á indistintamente os termos “defesa” e “defesa nacional”, sendo que o primeiro será mais frequentemente aplicado no contexto genérico das Nações, enquanto que o segundo no contexto nacional.
2 O que não significa que tenha perdido importância. De facto, “em relação ao passado o factor militar perdeu autonomia enquanto factor estruturante, mas ampliou consideravelmente o seu domínio de aplicação, bem como viu extraordinariamente aumentada a frequência com que é solicitado” (Pinto, 2000, 109). Como também refere K. Zukrowska (2000, 270), “the hard dimension of security (military) has not totally disappeared, although the role of this factor is changing”.
3 Para o General Becam, citado por Lachaux (1977, 16),”a defesa é um assunto essencialmente civil” dado que consiste “em tudo o que uma Nação pode fazer em tempo de paz sem recorrer à guerra”.
4 “In the past, the security model was based mainly on hard security dimensions (military), while the soft dimensions (non-military) played a limited role. In the contemporary stage of international relations, the roles of both soft and hard dimensions have changed, which means that the soft are now taking the lead” (Zukrowska, 2000, 269).
5 A França, por exemplo, considera que são três as componentes da sua defesa nacional: defesa militar, defesa económica e defesa civil.
6 De facto, pode ser questionável que dependência económica signifique necessariamente dependência política, sendo aquela, contudo, uma evidente vulnerabilidade.
7 Concretamente, a partir da publicação de um documento, subscrito por 40 personalidades nacionais, “Contributo para um Conceito Estratégico Nacional: A Importância dos Centros de Decisão Nacionais” (publicamente conhecido por “Manifesto dos 40”), que deu origem a aceso debate na sociedade portuguesa.
8 Faz todo o sentido aqui referir que, por exemplo, alguns chegam mesmo a antever a economia como o esteio sobre o qual a Espanha poderá finalmente unificar a Península Ibérica num único Estado.
9 Segundo Michel Klen (2000, 102) o fenómeno da globalização - ligado à revolução tecnológica da comunicação que provocou uma multiplicação de trocas à escala planetária - foi provocado, essencialmente, por dois factores: o primeiro, de natureza geopolítica, está ligado ao fim da guerra-fria que consagrou a vitória incontestável do capitalismo e abriu ao desenvolvimento um vasto mercado que assim se conectou aos grandes circuitos do comércio internacional; o segundo, de natureza científica, foi estimulado pela revolução informática e das tecnologias da informação, estendida a todos os domínios da actividade humana e que veio permitir o surgimento de um novo tipo de relações económicas.
10 O autor (1999, 71) refere-se, particularmente, aos “grandes senhores do mercado” e aos “mastodontes da finança internacional”, cujas actividades podem desencadear a “desestabilização económica de qualquer país”. E ilustra com a crise financeira do México, desencadeada em Dezembro de 1994 pela repentina saída de capitais do país, o que veio a originar “o mais importante esforço financeiro feito na história económica moderna a favor de um país” (1999, 71), traduzido num empréstimo internacional maciço que lhe permitiu escapar à falência. O México “deixou aí uma parte da sua soberania nacional” (Ramonet, 1999, 51).
11 “O factor de hegemonia deixou de ser o território, a população e os recursos, para passar a ser a mobilidade: o Estado nacional estava preparado para controlar os espaços, mas tem muita dificuldade em poder operar no controlo dos fluxos, sobretudo no que se refere aos movimentos de capitais” (Aguiar, 2000,76).
12 Carlos Tavares (2002, 29) afirma que “hoje não é importante, por muito que isso nos custe, saber se o produto foi produzido em Portugal ou noutro país qualquer”.
13 Casos há em que os Governos nacionais evitam tomar determinadas medidas que afectem as multinacionais, por um lado, porque estas, sentindo-se afectadas reagem com ameaças cuja concretização lesaria o Estado em questão e, por outro, porque receiam reacções de outros governos a cujos Estados essas empresas têm ligações.
14 Segundo o autor (2002, 105), o volume de negócios do crime organizado pode ser estimado em 800 mil milhões de dólares por ano. Se fosse um Estado, isso colocá-lo-ia em 7º lugar no ranking mundial em termos de PIB, à frente de países como a China, o Brasil, a Espanha, o Canadá ou a Rússia.
15 Através, por exemplo, da constituição de sociedades-fantasma ou de investimentos maciços em bens imobiliários.
16 O maior risco é o de tais redes de crime organizado adquirirem um tal poder num país que possam, através de ameaças ou de corrupção, influenciar as escolhas de um governo.
17 Lista de países referenciados como paraísos fiscais associados ao branqueamento de capitais.
18 É ainda de memória recente, a lista negra de 83 jurisdições off shore da autoria do ex-Ministro Oliveira Martins e o facto de, nos anos de 1999 e 2000, as Ilhas Cayman e as Bahamas terem surgido entre os principais destinos dos capitais nacionais (Rosa, 2003, 2).
19 Professor Universitário, Director do Departamento de Ciências e Tecnologias da Universidade Autónoma de Lisboa.
20 Um estudo publicado pela McKinsey no ano de 2002, dirigido a 344 empresas, evidenciou percentagens próximas dos 90% de empresas a apresentarem problemas de intrusão nos seus sistemas de informação.
21 Haut Fonctionnaire de Défense (França).
22 Afirma Ernâni Lopes (2000, 51) que “quem dominar a informação como matéria-prima da economia, domina a economia a nível mundial”.
23 In La Guerre de L’Info Aura Bien Lieu [Em linha]. Disponível na WWW: http://strategique.free.fr/archives/textes/ie/archives_ie_12.htm.
24 Philippe Caduc, Director-Geral da Agence pour le D´développement de l’Information Technologique (ADIT), refere que “100 000 personnes travaillent pour les services de renseignements américains, qui disposent d’un budget de 28 milliards de dollars par an, dont 30% à 40% affectés à des objectifs techniques, économiques et commerciaux”. In La Guerre de L’Info Aura Bien Lieu [Em linha]. Disponível na WWW: http://strategique.free.fr/archives/textes/ie/archives_ie_12.htm.
25 Imitação: reprodução apenas semelhante de uma marca registada.
26 Contrafacção: cópia integral não autorizada de uma marca registada.
27 Marca: é um sinal distintivo que se coloca nos produtos de uma empresa para os distinguir dos oferecidos por outras empresas.
28 Registar uma marca confere ao titular a sua propriedade.
29 Só em França, cerca de 500 000 artigos provenientes de contrafacção são interceptados todos os anos (Institut des Hautes Études de Défense Nationale, 65).
30 Os Estados são colocados perante um trade off: por um lado, os ganhos e vantagens no plano da eficiência económica; por outro, os custos e desvantagens das cedências de soberania. Fazem-no por necessidade, uma vez que a teoria económica explica e justifica que se possam conseguir resultados mais vantajosos num grande espaço.
31 Neste particular, a posição de Portugal (já de si fragilizada) encontra-se fortemente ameaçada pelos novos países (novos «tigres») da Europa do Leste que integrarão a UE, pois estes “têm realizado sérios esforços de convergência para os padrões dos países mais desenvolvidos com algum sucesso” (Leite, 2002, 37) e encontram-se ainda em vantagem no que diz respeito à qualificação dos seus recursos humanos e à proximidade geográfica quer dos mercados quer dos investidores europeus.
32 Que se debruça sobre a forma de resolver um problema fundamental: afectar os recursos escassos disponíveis para atingir fins alternativos.
33 De facto, como ensina Amado da Silva (In Teoria Económica. Curso de Mestrado em Gestão - Planeamento e Estratégia Empresarial, Universidade Autónoma de Lisboa - UAL, 2002), a ciência “Economia” é, na verdade, “Economia Política”, pois não é possível dissociar a Economia da Política.
34 Abel Cabral Couto (1988, 81) refere a relação estreita existente entre a Política, a Estratégia e a Economia, surgindo estas como “dois dos grandes suportes” daquela.
35 Aliás, a Economia é, ela própria, uma ciência instrumental. “Economy is not an objective itself, but rather the rational pursuit of some combinations of these objectives, where (static) efficiency means achieving maximum current welfare from existing capabilities” (Spechler, 2000, 264).
36 A estratégia económica é, de acordo com Cabral Couto (1987, 227), um ramo da Estratégia, sendo uma das estratégias gerais inseridas na denominada estratégia total (ou global) dos Estados.
37 Como afirma Carlo Jean (1995), os Estados devem, actualmente, organizar-se para a competição geoeconómica como o faziam, anteriormente, para a competição geoestratégica.
38 Para Joaquim Aguiar (1989, 178), “a questão mais importante da defesa nacional contemporânea é a questão da modernização porque ela constitui o valor estratégico mais significativo no contexto da internacionalização”.
39 “Temos de ter presente que um conceito defesa nacional desajustado é muito pior do que não ter nenhum, pois que institucionaliza a ineficácia e, pior, transmite um falso sentimento de segurança” (Silva, 1992, 32).
40 Os objectivos permanentes da política de defesa nacional encontram-se definidos no artigo 5º da LDNFA.
41 Assim, em boa verdade, o CEDN continua a ser, no essencial, um Conceito Estratégico de Defesa Militar.
42 Que, decorrendo do CEDN, faz aprovar um Conceito Estratégico Militar (CEM).
43 Esta estratégia é absolutamente essencial, tanto mais que o horizonte temporal do desenvolvimento económico é de longo prazo, sendo que os ciclos políticos são de curta duração. Assim, só uma estratégia económica nos pode conduzir aos objectivos de médio e longo prazo.
44 O autor (2003, 138) refere que, em todos os países onde se assistiu a processos de desenvolvimento económico acelerado, nos últimos cinquenta anos, esteve sempre presente uma estratégica económica nacional (mesmo que, em alguns deles, esta pareça não ter sido tão visível).
45 Portugal aderiu oficialmente à Comunidade Económica Europeia (actualmente UE) em 01-01-1986, tendo aderido à moeda única (euro) em 01-01-1999.
46 Para melhor compreender a forma como o Estado (Governo) dirige e interage com a economia, vide Paul A. Samuelson; William D. Nordhaus. Economia. 26ª Edição, Tradução e Revisão Técnica de Elsa Nobre Fontaínha e Jorge Pires Gomes, Editora McGraw-Hill de Portugal, Lisboa, 2003, 285.
47 Professor Universitário (Universidade Autónoma de Lisboa).
48 Uma função de estabilização económica, que deve assegurar uma evolução equilibrada da actividade económica (por exemplo, baixo nível de desemprego e de inflação); uma função de afectação de recursos, que permite ao Estado produzir certos bens que o mercado não pode produzir eficientemente e em quantidade desejável (bens públicos e bens de mérito) e ainda orientar o investimento para os sectores prioritários do ponto de vista do interesse nacional; e uma função de redistribuição do rendimento entre pessoas ou entre regiões do seu território.
49 Composto pelos bancos centrais da UE e pelo Banco Central Europeu (BCE).
50 Tendo por objectivos principais a manutenção da estabilidade dos preços e o apoio às políticas económicas gerais na União.
51 Banco Central Europeu.
52 Por exemplo, em casos de profunda recessão económica.
53 Isto, independentemente de se considerar, ou não, que a aplicação destes instrumentos ainda se justificaria actualmente.
54 Só podendo eventualmente ser condicionada se puser em causa o PEC.
55 O autor (2002, 77) refere, ainda, o caso (entre outros) da Irlanda, um ex-protectorado britânico, que se tem conseguido afirmar cada vez mais como Nação independente, com transformações muito bem sucedidas precisamente por estar na UE.
56 O autor defende, vivamente, a existência de uma política pública interdepartamental de defesa nacional, onde todas as componentes da defesa nacional (militar e não-militares) se integrem num conceito alargado de defesa.
57 Economista, Professor Universitário, ex-Bastonário da Ordem dos Economistas.
58 “Sabemos todos como a soberania se defende cada vez mais no terreno da economia” (Martins da Cruz, 2003).
59 Economista, Professor Universitário, Administrador de Empresas.
60 De notar que, na nova ordem mundial, a geoeconomia está a sobrepor-se à geopolítica. O poder assenta, hoje, fundamentalmente no factor económico; o parâmetro regulador principal da ordem internacional foi assumido pela economia. Para maior detalhe vide Carlo Jean. “Geopolítica, Geoestratégia e Geoeconomia nel Mondo Pos-bipolare”. Per Aspera Ad Veritatem, N.º 1, Roma, Gennaio-Aprile 1995 [Em linha]. Disponível na WWW: http://www.sisde.it/revista1.nsf/servnavig/3.
61 Professor Universitário, Economista, Presidente do Conselho de Administração da Agência Portuguesa para o Investimento (API).
62 Acresce que, como já foi referido, com a globalização e a integração na UE, o Estado viu coarctados alguns poderes e deixou de poder utilizar alguns dos mais importantes instrumentos de política macroeconómica.
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* Major de Administração Militar.