Nº 2479/2480 - Agosto/Setembro 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Considerações Finais
Tenente-general PilAv
António de Jesus Bispo
Sem pretender extrair conclusões do que foi dito ao longo desta Confe­rência, pois os textos dos conferencistas têm neles contidos todos os pontos impor­tan­tes, a que foi dado o devido realce, e sem comprometer nestas considera­ções os participantes na Conferência, julga-se todavia de propor uma refle­xão a partir de uma visão sobre a realidade actual, essencialmente no que concerne às grandes questões da Segurança Defesa, e que se passa a expor:
 
Num Mundo de governação excessivamente mediática, com processos de de­­ci­são onde a ra­ci­o­na­­lidade cede à pressão da emoção exterior, num ambi­ente de luta permanente pe­lo poder que domina todos os aspectos da vida;
 
num Mundo que aparentemente apenas cuida dos valores materiais e indivi­dua­lis­tas não dando o devido realce aos sacrifícios que a defesa da Nação exi­ge;
 
num Mundo onde se pretende fazer crer na possibilidade da realização do ser humano, sem limites nem constrangimentos, e em harmonia plena, mas onde se assiste a manifestações brutais de violência, no interior das sociedades, assim como ao colapso dos poderes tradicionais;
 
num Mundo onde se pretende fazer crer que os valores universalistas, para a defesa dos quais não são atribuídos os meios e os mecanismos apropriados, irão, só pela sua invocação, trazer a paz à Humanidade;
 
num Mundo onde, apesar de todos os apelos globalizantes, o indivíduo se identifica com a pequena unidade de valores onde procura o sentimento de per­ten­ça, em especial quando em situações de insegurança, no reconheci­men­to de que existe uma entidade real capaz de o promover e proteger;
 
num Mundo onde se manifestam estas contradições, em relação às quais ninguém poderá proclamar a imunidade, impõe-se-nos uma pau­­sa para re­flec­tir, para gan­har­mos a orientação que é necessária ter no con­tex­to da actu­a­li­dade, pa­ra ter­mos a percepção correcta para onde podere­mos ir, e para on­de deve­re­mos ir, como colectivo que somos.
 
Nestes termos, parece-nos pertinente colocar à vossa reflexão os seguintes pontos:
 
1. Os valores que garantem a continuidade da Nação são valores supre­mos, que terão que ser defendidos em permanência, não po­den­do ser condicionados por qualquer tipo de justifica­ções, ou ficarem à espera de melhor oportu­ni­dade, nem serem invo­ca­dos de forma banal ou de se­­rem corrompidos ou deturpados por forças estranhas a este ideal; a Nação é uma cons­trução humana e como tal sujeita a desgastes, o que implica a sua ma­nu­tenção que se traduz na cultura dos valores nacio­nais;
 
2. Por isso é legítimo reivindicarmos, como cidadãos de pleno direito, que so­mos portu­gue­ses e queremos continuar a ser portugue­ses, como so­mos;
que quere­mos evoluir de acordo com estes valores, por nossa exclusi­va vontade, recolhendo daquilo que nos rodeia o que consi­derarmos mais válido, se­gun­do o nosso julgamento e não segundo imposições de qualquer ou­tra natureza, mesmo que isso resulte em penalização ma­te­rial;
que queremos cultivar os nossos mitos, honrar a nossa História, man­  ter a nossa identidade, viver de acordo com a nossa cultura, preservar e dar continuidade ao nosso legado pátrio; que queremos que o nosso País seja respeitado pela comunidade inter­na­cional, onde deveremos ter uma posição firme so­bre as questões es­sen­ciais que estão na base da Nação.
 
3. O cidadão tem o direito de exigir uma governação democrática trans­pa­rente, que saiba defender, de forma inteligente, o interesse nacio­nal, na relação com o exterior, mantendo e reforçando a soberania nacio­nal qualquer que seja a forma em que esta soberania se traduza; que promo­va a Nação para promo­ver o cidadão; que exerça de forma competente a au­to­ridade legítima que lhe é delegada.
que res­pei­te as Instituições do Estado e os membros destas insti­tui­ções;
que recon­he­ça os cidadãos e os seus grupos naturais ou associativos;
que facilite o são e­xer­cício da cida­da­nia;
que defina e pratique o justo equilíbrio entre direi­tos e de­ve­res;
que promova a justiça e crie as condições para o desenvolvi­mento;
que saiba garantir uma linha clara de autoridade legítima, no conjunto da colectividade e dentro de cada sector de competência;
que esteja alerta para os eventuais sinais de erosão da soberania nacional.
 
Os mecanismos da responsabilização deverão ser claros, para evitar as ambiguidades tão frequentes na sociedade, em quase todos os domí­nios.
É preciso que fique claro que a tolerância, que resulta apenas da melhor compre­ensão dos ou­tros, da confiança que é condição necessária e suficiente para a vida em sociedade, não pode em qualquer circunstância signifi­car desresponsa­bi­li­za­ção ou demissão dos poderes que estão legitima­men­te investi­dos, ou confundir-se com facilitação para captar favores de qualquer natureza.
 
A competência significa capacidade para identi­fi­car e resolver os problemas, segundo critérios e métodos objectivos na construção das soluções racionais que melhor sirvam a colectivi­dade e não os interesses particulares, que serão indirectamente satis­fei­tos se aquelas forem as melhores soluções.
 
É preciso ainda sublinhar outra evidência: o poder democrático dos que governam tem a sua legitimidade na vontade genuina e responsável dos governados, que deverão ter a consciência do colectivo onde se integram, no momento em que procedem às suas escolhas;
 
4. A defesa nacional envolve um leque de medidas muito amplo, a co­me­çar pelas medidas de carácter preventivo até às medidas mais gra­vo­sas da intervenção militar, em último recurso. Todos os cidadãos têm obrigações nesta matéria, mas é ao Estado que compete a organi­za­ção dos recursos e a sensibilização dos cidadãos para a necessidade da defesa - não se pode criar a ilusão, para efeitos de granjear simpa­tias, de que será possível realizar todos os anseios dos cidadãos sem as correspondentes medidas de segurança. A liberdade só é possível des­de que esteja garantida a Segurança, porque esta é a raiz fundadora de todos os direitos.
 
5. O militar do presente e do futuro manterá a sua caracterização básica, que é a de estar pronto para ganhar os combates, no cumprimento ina­lienável do dever que a sociedade lhe atribuiu, independentemente das formas que esses combates assumam na actualidade. Deverá estar pre­pa­rado para todos os sacrifícios porque o que está em causa, na sua in­ter­venção, legitimamente decidida, é a defesa de valores que o trans­cendem.
 
6. A guerra, no seu sentido mais vasto, é a possibilidade que resulta da ne­­go­cia­ção inconclusiva em torno das grandes causas, ou da ocorrên­cia de situações de insegurança inaceitáveis para a continuidade da vi­da, ou da afronta aos valores da Nação. A guerra tem sempre por fi­na­li­da­de a conquista da paz. Na actualidade, é preciso ter presente que as missões de apoio à paz constituem, em última análise, a defesa da nossa Nação e um con­tri­buto para a nossa Segurança. A Nação de­ve­rá ter consciência da ne­ces­si­dade da defesa nacional permanente e do papel das Forças Ar­ma­das nessa realização.
 
Da mesma forma que é pedido o sacrifício próprio da condição mili­tar, assim deverá ser exigido que se respeite a Instituição Militar e todos­ quantos nela servem ou serviram, para dignidade do próprio Esta­do que nenhum poder errático poderá corroer.
 
__________
 
* Presidente da Academia das Ciências de Lisboa. Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa.
 
 1 TOURAINE, Alain - Qu’est ce que la démocratie ?. Paris: Fayard, 1994. p. 24.
 2 GRIMALDI, Nicolás - Observaciones de un ciudadano sobre el carácter enigmático de la sociedad civil. In ALVIRA, Rafael et ali., ed. - Sociedad civil. La democracia y su destino. Pamplona: EUNSA, 1999 (col. Filosófica, nº 144). p. 22.
 3 GRIMALDI, Nicolás - Observaciones de un ciudadano sobre el carácter enigmático de la sociedad civil. p. 22.
 4 KANT, Immanuel - A paz perpétua e outros opúsculos. p. 99.
 5 Professor catedrático do ISEG/UTL.
 6 Vide Amaral 2006.
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