Sem pretender extrair conclusões do que foi dito ao longo desta Conferência, pois os textos dos conferencistas têm neles contidos todos os pontos importantes, a que foi dado o devido realce, e sem comprometer nestas considerações os participantes na Conferência, julga-se todavia de propor uma reflexão a partir de uma visão sobre a realidade actual, essencialmente no que concerne às grandes questões da Segurança Defesa, e que se passa a expor:
Num Mundo de governação excessivamente mediática, com processos de decisão onde a racionalidade cede à pressão da emoção exterior, num ambiente de luta permanente pelo poder que domina todos os aspectos da vida;
num Mundo que aparentemente apenas cuida dos valores materiais e individualistas não dando o devido realce aos sacrifícios que a defesa da Nação exige;
num Mundo onde se pretende fazer crer na possibilidade da realização do ser humano, sem limites nem constrangimentos, e em harmonia plena, mas onde se assiste a manifestações brutais de violência, no interior das sociedades, assim como ao colapso dos poderes tradicionais;
num Mundo onde se pretende fazer crer que os valores universalistas, para a defesa dos quais não são atribuídos os meios e os mecanismos apropriados, irão, só pela sua invocação, trazer a paz à Humanidade;
num Mundo onde, apesar de todos os apelos globalizantes, o indivíduo se identifica com a pequena unidade de valores onde procura o sentimento de pertença, em especial quando em situações de insegurança, no reconhecimento de que existe uma entidade real capaz de o promover e proteger;
num Mundo onde se manifestam estas contradições, em relação às quais ninguém poderá proclamar a imunidade, impõe-se-nos uma pausa para reflectir, para ganharmos a orientação que é necessária ter no contexto da actualidade, para termos a percepção correcta para onde poderemos ir, e para onde deveremos ir, como colectivo que somos.
Nestes termos, parece-nos pertinente colocar à vossa reflexão os seguintes pontos:
1. Os valores que garantem a continuidade da Nação são valores supremos, que terão que ser defendidos em permanência, não podendo ser condicionados por qualquer tipo de justificações, ou ficarem à espera de melhor oportunidade, nem serem invocados de forma banal ou de serem corrompidos ou deturpados por forças estranhas a este ideal; a Nação é uma construção humana e como tal sujeita a desgastes, o que implica a sua manutenção que se traduz na cultura dos valores nacionais;
2. Por isso é legítimo reivindicarmos, como cidadãos de pleno direito, que somos portugueses e queremos continuar a ser portugueses, como somos;
que queremos evoluir de acordo com estes valores, por nossa exclusiva vontade, recolhendo daquilo que nos rodeia o que considerarmos mais válido, segundo o nosso julgamento e não segundo imposições de qualquer outra natureza, mesmo que isso resulte em penalização material;
que queremos cultivar os nossos mitos, honrar a nossa História, man ter a nossa identidade, viver de acordo com a nossa cultura, preservar e dar continuidade ao nosso legado pátrio; que queremos que o nosso País seja respeitado pela comunidade internacional, onde deveremos ter uma posição firme sobre as questões essenciais que estão na base da Nação.
3. O cidadão tem o direito de exigir uma governação democrática transparente, que saiba defender, de forma inteligente, o interesse nacional, na relação com o exterior, mantendo e reforçando a soberania nacional qualquer que seja a forma em que esta soberania se traduza; que promova a Nação para promover o cidadão; que exerça de forma competente a autoridade legítima que lhe é delegada.
que respeite as Instituições do Estado e os membros destas instituições;
que reconheça os cidadãos e os seus grupos naturais ou associativos;
que facilite o são exercício da cidadania;
que defina e pratique o justo equilíbrio entre direitos e deveres;
que promova a justiça e crie as condições para o desenvolvimento;
que saiba garantir uma linha clara de autoridade legítima, no conjunto da colectividade e dentro de cada sector de competência;
que esteja alerta para os eventuais sinais de erosão da soberania nacional.
Os mecanismos da responsabilização deverão ser claros, para evitar as ambiguidades tão frequentes na sociedade, em quase todos os domínios.
É preciso que fique claro que a tolerância, que resulta apenas da melhor compreensão dos outros, da confiança que é condição necessária e suficiente para a vida em sociedade, não pode em qualquer circunstância significar desresponsabilização ou demissão dos poderes que estão legitimamente investidos, ou confundir-se com facilitação para captar favores de qualquer natureza.
A competência significa capacidade para identificar e resolver os problemas, segundo critérios e métodos objectivos na construção das soluções racionais que melhor sirvam a colectividade e não os interesses particulares, que serão indirectamente satisfeitos se aquelas forem as melhores soluções.
É preciso ainda sublinhar outra evidência: o poder democrático dos que governam tem a sua legitimidade na vontade genuina e responsável dos governados, que deverão ter a consciência do colectivo onde se integram, no momento em que procedem às suas escolhas;
4. A defesa nacional envolve um leque de medidas muito amplo, a começar pelas medidas de carácter preventivo até às medidas mais gravosas da intervenção militar, em último recurso. Todos os cidadãos têm obrigações nesta matéria, mas é ao Estado que compete a organização dos recursos e a sensibilização dos cidadãos para a necessidade da defesa - não se pode criar a ilusão, para efeitos de granjear simpatias, de que será possível realizar todos os anseios dos cidadãos sem as correspondentes medidas de segurança. A liberdade só é possível desde que esteja garantida a Segurança, porque esta é a raiz fundadora de todos os direitos.
5. O militar do presente e do futuro manterá a sua caracterização básica, que é a de estar pronto para ganhar os combates, no cumprimento inalienável do dever que a sociedade lhe atribuiu, independentemente das formas que esses combates assumam na actualidade. Deverá estar preparado para todos os sacrifícios porque o que está em causa, na sua intervenção, legitimamente decidida, é a defesa de valores que o transcendem.
6. A guerra, no seu sentido mais vasto, é a possibilidade que resulta da negociação inconclusiva em torno das grandes causas, ou da ocorrência de situações de insegurança inaceitáveis para a continuidade da vida, ou da afronta aos valores da Nação. A guerra tem sempre por finalidade a conquista da paz. Na actualidade, é preciso ter presente que as missões de apoio à paz constituem, em última análise, a defesa da nossa Nação e um contributo para a nossa Segurança. A Nação deverá ter consciência da necessidade da defesa nacional permanente e do papel das Forças Armadas nessa realização.
Da mesma forma que é pedido o sacrifício próprio da condição militar, assim deverá ser exigido que se respeite a Instituição Militar e todos quantos nela servem ou serviram, para dignidade do próprio Estado que nenhum poder errático poderá corroer.
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* Presidente da Academia das Ciências de Lisboa. Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa.
1 TOURAINE, Alain - Qu’est ce que la démocratie ?. Paris: Fayard, 1994. p. 24.
2 GRIMALDI, Nicolás - Observaciones de un ciudadano sobre el carácter enigmático de la sociedad civil. In ALVIRA, Rafael et ali., ed. - Sociedad civil. La democracia y su destino. Pamplona: EUNSA, 1999 (col. Filosófica, nº 144). p. 22.
3 GRIMALDI, Nicolás - Observaciones de un ciudadano sobre el carácter enigmático de la sociedad civil. p. 22.
4 KANT, Immanuel - A paz perpétua e outros opúsculos. p. 99.
5 Professor catedrático do ISEG/UTL.
6 Vide Amaral 2006.