1. O ambiente estratégico internacional que se vive depois de 2001, cuja construção e tendências se adivinhavam com os acontecimentos da última década do século XX, leva a que as medidas relacionadas com o conceito de segurança se sobreponham às disposições relativas à defesa e à preparação do seu instrumento principal: a força militar organizada à disposição dos estados e materializada nas Forças Armadas.
Como consequência surgem tendências (para alguns com a duração previsível de uma geração), de que se destacam:
• Um mundo cada vez mais “plano, quente e povoado” onde os efeitos da globalização espalham a ritmo acelerado ameaças, crises e emoções. Crescem as interrogações sobre se modelos de desenvolvimento até agora adoptados se poderão manter no futuro. Crescem as vozes que reclamam novas ordens internas e internacionais para regularem uma sociedade que perdeu fundamentos ultrapassados. Os conflitos violentos e a sua probabilidade de ocorrência têm proliferado. A utilização da força militar organizada na resolução desses conflitos não obtém consenso na comunidade internacional. Uns são de Vénus e outros de Marte traduz as diferentes percepções quanto a essa utilização.
• As “guerras do futuro” tenderão a obedecer ao figurino de “insurreições generalizadas”. Ainda que as disputas territoriais se vão esbatendo, as que possam ocorrer poderão obedecer àquele modelo, envolvendo forças militares controladas pelos estados e outras que obedeçam a movimentos reivindicativos. Conflitos deste tipo tomarão a designação de assimétricos, dada a natureza diferente das forças em presença. As armas de destruição massiva (nucleares, biológicas, químicas e radiológicas) poderão aparecer nestes conflitos;
• A arma nuclear (AN) continuará a ser o meio que hierarquiza os estados nas suas capacidades militares. Com tratados internacionais que tentam controlar a sua proliferação, mas de cumprimento aleatório por parte dos estados, a sua utilização por actores globais ou regionais não é de excluir quando estiverem em causa objectivos percebidos como vitais;
• A Organização das Nações Unidas (ONU) tem aumentado o seu envolvimento em operações de apoio à paz, recorrendo algumas vezes a outras organizações de segurança, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a União Europeia (UE) e a União Africana (UA) para materialização dessas operações. Algumas dessas organizações regionais (OTAN) têm vindo a acentuar a sua vertente de segurança em detrimento da vocação para a defesa. Os estados na ordem internacional, tenderão a utilizar a sua força militar mais em “conflitos de interesses” do que em “conflitos de necessidade”. As Forças Armadas dos estados crescem em vocação “expedicionária” adormecendo a sua missão de defesa dos solos pátrios.
• Na trilogia de resposta a estes novos conflitos (prevenir, resolver, consolidar), a utilização da força militar (hard power) continuará a constituir “o último recurso” depois de esgotados outros recursos como a diplomacia (soft power) ou sanções (smart power). Ainda que aquela força possa ser aplicada nas fases de prevenção e de consolidação (outras operações além da guerra), a sua utilização, na fase de resolução, levantará questões de direito internacional que se situam entre os conceitos “do direito de prevenir” e “do dever de proteger”.
• As limitações ao emprego das Forças Armadas neste novo tipo de conflitos violentos (ambiente operacional, capacidades militares, falta de vocação para acções policiais, duração, questões jurídicas, apoio das opiniões públicas), têm levado os Governos, crescentemente, a procurarem alternativas ao seu emprego nestas missões, recorrendo a forças paramilitares do tipo “guardas nacionais” ou a empresas privadas para executarem o que alguns consideram “dirty jobs” e que ferem os princípios estruturantes da Instituição Militar.
• Apesar destas objecções, o envolvimento da ONU, OTAN, UE e mesmo da União Africana (UA) em operações de apoio à paz tem sofrido um incremento a partir de 1991, envolvendo forças militares e policiais e meios civis de estados membros. Em 2008 a ONU estava envolvida em 16 missões, na Europa (3), na América Central (1), na Ásia e Pacífico (2), em África (7) e no Médio Oriente (3). A União Europeia esteve envolvida em 19 operações, na Europa, na Ásia e em África. A OTAN está envolvida em operações “fora de área” no Afeganistão, no Iraque, nos Balcãs, no Mediterrâneo e em apoio à UA em África.
2. Neste contexto e tendências tem havido intensos debates de ideias sobre as Forças Armadas do futuro, quer na sua função institucional no Estado, quer como elemento estruturante da soberania, quer nas suas capacidades para enfrentarem os conflitos do futuro. E também sobre as “estratégias militares” e suas componentes (genética, estrutural e operacional) que regularão a concepção e utilização das Forças Armadas (o quê, para quê e onde), a sua organização e capacidades militares a desenvolver e manter (com quê) e a sua doutrina de emprego (como). Fala-se no abandono das clássicas trindades estratégicas de Clausewitz e na adopção de nova trindade para a estratégia militar a utilizar nos conflitos actuais: segurança, boa governação, desenvolvimento ou, como parece ser a nova estratégia militar dos EUA no Iraque: clear, hold, build. Nesta área podem alinhar-se as seguintes tendências:
• Parece continuar a ser o Estado a materializar a soberania e a organização política fundamental de sociedades que se reclamam de nações. As Forças Armadas consubstanciarão a força militar organizada dos estados e o instrumento para defender a sua soberania. Ainda que haja estados-nação que prescindem de força militar organizada (recorrendo muitas vezes a outros estados para protegerem a sua soberania), nos mais de 190 estados nação que tomam parte na Assembleia Geral das NU esses casos são excepção.
• A missão fundamental das Forças Armadas continuará a ser, na ordem externa, a defesa militar de interesses vitais dos estados e na ordem interna, a garantia do sistema constitucional em vigor. Dependendo dos sistemas constitucionais adoptados, as Forças Armadas poderão receber outras missões na ordem interna e na segurança.
• Mantêm-se o princípio de organização das Forças Armadas por Ramos, diferenciados pelo meio (mar, terra, ar) em que primariamente terão de actuar (as tentativas de organizações únicas falharam depois de más experiências). O Ramo é o berço institucional de elementos estruturantes como o espírito de corpo e a camaradagem e o meio onde melhor se forma, educa, instrui e treina para desenvolver as capacidades militares de cada Ramo que contribuem para a capacidade conjunta da força militar.
• A força militar será cada vez mais conjunta nas capacidades militares trazidas pelos Ramos, mais modular na sua organização, mais temporária na sua duração e mais orientada pela missão que tem de desempenhar do que pela ameaça que terá de enfrentar. O princípio ternário de “força empenhada, força disponível e força em preparação” face à duração de novos conflitos, tende a ser continuado no futuro.
• Nações e organizações internacionais de segurança e de defesa apostam em “forças de reacção rápida”. A OTAN, no seu processo de transformação, está empenhada no levantamento da sua NATO Response Force (NRF), uma força com efectivos que rondarão os 25 000, com componentes naval, terrestre e aérea, podendo ser empregue em todo o espectro do conflito e que envolverá a contribuição de 11 nações. A UE no prosseguimento de melhoria das suas capacidades militares, e na sequência da definição do Headline Goal de Helsínquia (1999), na fixação das capacidades militares que deve possuir (2000), em consonância com a Estratégia estabelecida (2003) e nas lições recolhidas na operação Arthemis (Congo), procura estabelecer até 2012 oito Battle Groups (só com capacidades terrestres), cada um com o efectivo de 1 500 militares, com capacidade de responder às denominadas Missões de Petersberg e envolvendo a contribuição de 22 estados membros.
• As Forças Armadas serão servidas, cada vez mais, por pessoal em regime de voluntariado, com flexibilidade nos tempos de serviço efectivo e com crescente presença de pessoal feminino nas fileiras (que deve ser meditado e regulado). O abandono progressivo do Serviço Militar como dever da cidadania e o vazio da presença militar no território têm conduzido a uma progressiva “deseducação para a defesa”, a uma maior desintegração da sociedade que era cimentada pelo tempo conjunto passado nas fileiras por várias origens, educações e condição social e à perda da função preventiva e dissuasora da presença militar.
• Envolvimento progressivo e perigoso das Forças Armadas em operações de segurança e de natureza policial o que conduz à sua descaracterização institucional e à deterioração das suas capacidades primárias orientadas para o combate.
• Estratégias militares para aplicação da força cada vez mais influenciadas por factores externos ao ambiente operacional e onde tempo, custos, apoios da opinião pública, políticas de “não baixas” e interferências nas funções de comando assumem nova importância;
3. A concepção, implementação, organização e sustentação de uma força militar organizada (Forças Armadas) ao serviço do Estado-Nação, exigem recursos humanos materiais e financeiros, definidos nas Políticas de Defesa Nacional e apoiados na Despesa do Estado que se materializam nos Orçamentos da Defesa. São indicadores da importância que em cada momento os Estados dedicam à sua defesa, naturalmente com pesos diferentes em tempos de guerra, de crise ou de paz, as percentagens que os estados dedicam da sua riqueza (Produto Interno Bruto - PIB), e da sua Despesa Pública à Defesa. Em tempo de paz essas percentagens atingem, normalmente, até 3% do PIB e menos dos dois dígitos na Despesa. Na composição da Despesa traduzida nos Orçamentos da Defesa, há três componentes principais que também traduzem a importância e prioridade que a Política e a Grande Estratégia dos estados dedicam à defesa nas suas três grandes componentes: tratamento e dignificação do pessoal que a serve (são os únicos servidores do Estado que juram sacrificar as suas vidas em defesa da Nação, o que faz da condição militar uma forma única de disponibilidade permanente e de sacrifício pessoal); cuidado na sua formação, instrução, condições de vida e treino para que permanentemente esteja motivado e apto a desempenhar as missões que lhes são cometidas, com alta probabilidade de sucesso; dotação de material e equipamento adequado aos ambientes operacionais onde poderá actuar, às ameaças e riscos que terá de enfrentar e idêntico ao dos parceiros que estarão a seu lado e que permita ir regenerando equipamentos e armamentos existentes num ambiente de acelerada obsolescência e envelhecimento dos existentes. Traduzem-se estas componentes nas grandes rubricas dos Orçamentos da Defesa designadas por Despesas de Pessoal, Despesas de Funcionamento e Manutenção e Despesas de Investimento, que pela experiência recolhida e pelas lições aprendidas devem representar nas despesas da defesa números próximos dos 50%, 30% e 20%, respectivamente. As tendências nesta área apontam para as seguintes tendências:
• Os Orçamentos de Defesa, analisados em percentagem dos PIB’s das Nações têm vindo a decrescer, mercê do novo ambiente estratégico internacional e da noção de que “os dividendos da paz” depois de terminado o denominado período da guerra fria teriam de ser melhor distribuídos pelas componentes do “estado-social”. Por exemplo, e naquele período, a OTAN chegou a recomendar aos seus estados membros que as despesas da defesa deveriam atingir 3% dos PIB’s (objectivo nunca atingido). A UE, quando definiu a sua Política de Segurança e Defesa chegou a levantar a ideia de “um critério de convergência” entre os seus estados membros para que as suas despesas com a defesa atingissem 1,8% dos seus PIB’s. As realidades são diferentes.
• Analisando a UE, no período de 2001-2006, o espaço estratégico em que Portugal se situa, retiremos alguns factos. Entre os 15 estados membros que constituíam aquele espaço em 2001, e até 2006, os efectivos militares diminuíram 12% e as despesas com a defesa aumentaram 3%, sendo excepções nesta tendência a Grécia (‑2,36%) e Portugal (‑0,6%). Nos novos dez estados membros que aderiram à UE em 2004, e até 2006, as despesas com a defesa cresceram 14,5%. Em percentagem dos PIB’s, só seis estados membros mostraram crescimento no período (Letónia, Eslovénia, Albânia, Finlândia, Reino Unido e Espanha). Em 2006, só a França e o Reino Unido gastaram com a defesa mais de 2% do PIB e três estados membros gastaram menos de 1% (Áustria, Luxemburgo e Islândia). Nos restantes estados membros as despesas com a defesa situaram-se entre os 1% e 2% do PIB.
• As despesas com a defesa na UE, em valor absoluto e a preços constantes de 2001, tiveram evolução variável no período 2001-2006. Nos seis estados membros produtores de armamento (França, Alemanha, Itália, Espanha, Suécia e Reino Unido) houve crescimento: Espanha (7,62%), Reino Unido (5,75%), França (3,17%) e Itália (1,47%) e uma diminuição na Alemanha (‑0,19%) e Suécia (‑1,36%). Dos outros estados membros em 2001, sete tiveram crescimentos variáveis, dos 025% (Bélgica) aos 6,75% (Finlândia). Como já se acentuou só a Grécia e Portugal diminuíram as suas despesas com a defesa.
• Nas três grandes componentes das despesas da defesa, tem-se verificado comportamentos variáveis. As Despesas com Pessoal têm aumentado no espaço europeu (consequência da adopção de regimes de recrutamento com base no voluntariado, incentivos à condição militar - vencimentos, habitação, educação, apoio de saúde e reintegração na sociedade - e suplementos a missões no exterior), ao mesmo tempo que têm diminuído as Despesas com Operação e Manutenção. A Despesa com o Investimento tem-se mantido estável nos seis estados membros produtores de armamento, crescido nos novos estados membros e com variações cíclicas nos outros estados membros. Isso tem-se traduzido no alargamento do fosso em capacidades militares entre a Europa e os EUA, em áreas tão importantes como o C4IR (Comando, Controlo, Comunicações Computadores, Informação, Reconhecimento), projecção estratégica da força, potencial de fogo à distância, isolamento dos Teatros de Operações e protecção da força.
• Os Orçamentos da Defesa, diferindo de estado para estado e nas formas de organização das suas contabilidades nacionais têm vindo a incluir, progressivamente, outras despesas não directamente relacionadas com as Forças Armadas como sejam algumas respeitantes a segurança ou assuntos que melhor ficariam noutras áreas da administração pública, as que dizem respeito a compromissos internacionais de segurança colectiva e as que dizem respeito ao funcionamento de Ministérios de Defesa, cada vez mais empolados em pessoal e burocratizados com consequências nefastas na duplicação e interferência nas funções do Comando das Forças Armadas.
4. No enquadramento conceptual e factual estabelecido, iremos tentar analisar as Despesa com a Defesa em Portugal no período considerado de 2001 a 2007 (importante porque contem mudanças significativas nas políticas de recrutamento, com a abolição do Serviço Militar Obrigatório, nos conceitos de organização das Forças Armadas, no empenhamento de Portugal em organizações internacionais de segurança e de defesa e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa, no ensino superior militar, nos apoios à Família Militar e Veteranos de Campanhas e outros). Tentaremos também analisar a Proposta da Lei do Orçamento do Estado para 2009 e as suas consequências para as Forças Armadas. (FA).
• As alterações registadas no modelo de recrutamento militar entre 1991 e finais de 2005 com um sistema semi-profissionalizado e, a partir de 2004 com um sistema profissionalizado, foram acompanhadas de uma redução dos efectivos militares. Com a profissionalização das FA o número daqueles efectivos, reduzido progressivamente ao longo dos anos, atingira no final de 2007, 39 266 homens e mulheres (5 383 mulheres, 13,6% do total), englobando 7 476 Oficiais (5 979 do Quadro Permanente), 10 479 Sargentos (9 266 do Quadro Permanente) e 21 381 Praças (3 950 do Quadro Permanente). No mesmo período o número de Pessoal Civil das FA diminuiu cerca de 20%, enquanto o funcionalismo da Administração Pública cresceu de cerca de 500 000 efectivos (em 1979 eram 320 000) para cerca de 800 000 e em Setembro de 2008 o seu número era de 650 000 efectivos.
• A estrutura desses efectivos mostra que o Pessoal que presta Serviço Militar em Regime de Contrato (19 064) é quase igual ao Pessoal dos Quadros Permanentes (19 195), sendo bastante superior ao Pessoal que presta Serviço Voluntário (1 007, exclusivamente no Exército). Por Ramos das FA os maiores efectivos pertencem ao Exército (21 030) seguidos da Marinha (10 729) e da força Aérea (7 507). O enquadramento das FA portuguesas é “rico” o que tem mostrado ser vantajoso nos novos tipos de missões cometidos às FA. Por cada 3 Praças existe, aproximadamente, 1 Oficial e por cada 2 Praças, 1 Sargento.
• A presença militar no Território Nacional tem diminuído progressivamente com a extinção de Comandos e Unidades, havendo Distritos onde essa presença desapareceu, como Viana do Castelo, Bragança, Guarda, Portalegre e Faro. Mais de centena e meia de infraestruturas afectas à defesa foram alienadas.
• Os enquadramentos Constitucional e Legislativo das Forças Armadas ainda se encontram influenciados por questões não resolvidas na transição de regimes que se verificaram durante o século XX, pelo final do Império e as últimas campanhas em que as FA estiveram envolvidas, pela dificuldade ainda não resolvida de se definir uma Grande Estratégia (ou Conceito Estratégico) para Portugal de consenso entre as correntes políticas representativas da Nação Portuguesa e pela falta de uma cultura da defesa entre as elites nacionais. Entende-se a Condição Militar como uma área do funcionalismo público. Entende-se a função Comando nas Forças Armadas como algo semelhante a Directoria Geral. Entende-se a disciplina militar como algo que se traduz em processo disciplinar e se confunde com Justiça. A revisão legislativa sobre a Defesa e as Forças Armadas, separando na sua concepção e organização a direcção política do comando, diferenciando áreas como a Justiça e Disciplina Militar, a Condição Militar e o Comando como elementos estruturantes da Instituição Militar e que não são iguais “à inserção das Forças Armadas na Administração Geral do Estado” são tarefas urgentes e que requerem clarificação. Só resolvidas estas questões se deixará de encarar a despesa com a Despesa como “despesa não reprodutiva” mas como questão essencial da soberania e do Estado.
• A preços constantes de 2001 e até 2007 (num tempo em que as taxas de inflação cresceram a uma média entre 2% a 3% ao ano, em que o preço de combustíveis triplicou e em que o preço de equipamentos e armamentos cresceu 10%), as despesas com a defesa oscilaram entre 1448,1 Milhões de euros (1,1% do PIB e 3,2% da Despesa Pública) e 1527,4 Milhões de euros (1,1% do PIB e 4,0% da Despesa Pública), com oscilações que atingiram o máximo no ano de 2005 (1743,3 Milhões de euros, correspondendo a de 1,3% do PIB e 4,7% da Despesa Pública), tentando compensar reduções substanciais em 2005. Ainda a preços constantes, durante o período o PIB por habitante cresceu de 11 864,5 euros para 12 888,5 euros e o que cada habitante pagou para a Defesa passou de 140,2 para 143,8 euros. No mesmo período, e nas grandes componentes da Despesa da Defesa, as Despesas com o Pessoal passaram de 70,7% a 65,2%, as Despesas de Operação e Manutenção de 16,8% a 20,0% e as Despesas de Investimento (PIDAAC, LPM, Despesas de Capital) de 12,5% a 14,8%.
• Durante o período, o peso das despesas dos Serviços Centrais do Ministério da Defesa na Despesa da Defesa cresceu. A preços constantes de 2001 e nesse ano, essa despesa (61 045,4 milhares de euros) representava 4,2%, mas em 2007 (178 588,7 milhares de euros) já representava 11,6%. A consequência traduz-se numa diminuição progressiva do orçamento para o funcionamento das Forças Armadas que, em 2007, atingia, ainda a preços constantes de 2001, 1 348 798,8 milhares de euros assim distribuídos: EMGFA - 33 796,8 me (2,5%); Marinha - 405 800,6 me (30,1%); Exercito - 577 943,6 me (42,8%); Força Aérea - 331 257,8 me (24,6%).
• Em 2007, e agora a preços correntes, as Despesas com Pessoal atingiram 1 104 942,4 me numa Despesa Total de 1 605 735,4 me (68,8%). Parecendo um peso excessivo numa leitura relativa (se o Orçamento para o funcionamento das Forças Armadas tivesse maior prioridade na despesa da Administração Pública este peso diminuiria), o seu valor, numa leitura absoluta, tem trazido consequências negativas para as Forças Armadas:
o Não tem permitido uma actualização dos vencimentos das Forças Armadas, levando-os aos níveis de outros Corpos Especiais (Magistratura, Ensino, Corpo Diplomático) como foi a filosofia das retribuições na década de 90 do século passado. Enquanto esses Corpos Especiais viram desde então as suas retribuições crescerem (um Oficial General já ganha muito menos do que um Juiz de Relação ou de um Professor Universitário), os militares ficaram agarrados à filosofia original. Isso levou a que, no ano 2000, o General CEMGFA tenha procurado corrigir a situação face à tutela política, obtendo como resposta o compromisso, em Despacho do Primeiro-ministro, de que todos os anos a Administração, através de um Grupo de Trabalho englobando elementos do Ministério das Finanças e dos Comandos das Forças Armadas faria propostas de actualização. Não temos conhecimento que tal tenha ocorrido.
o Os incentivos à Condição Militar, de que se destaca o Subsídio da Condição Militar que tinha como objectivo 20% da remuneração base, ainda não passou de 14,5% (o mesmo que recebem os efectivos da GNR e PSP, o que revela ignorância, preconceito ou falta de cultura de quem estabelece critérios). Os subsídios à reinserção nos mercados de trabalho para os que terminam períodos de contrato de Serviço Militar, não têm sido pagos.
o As Forças Armadas não têm podido cumprir as obrigações legais de pagamento de subsídios de Pensão àqueles que deixam o serviço activo e que têm direito a esses subsídios. Circulam nos Tribunais centenas de processos contra o Estado, reclamando esses subsídios, que uma Administração descuidada não resolve.
o O mesmo se passa com os Veteranos de Guerra e Deficientes das Forças Armadas, que se vêem ignorados por quem deveria dignificar o Serviço à Pátria.
o A acção de Comando nas Forças Armadas tem sido altamente afectada, quando recursos inerentes ao Comando (ensino, cuidados de saúde) são centralizados em Órgãos de Administração Central (IASFA, IESM).
• No mesmo ano as despesas com Operação e Manutenção atingiram 414 159,2 me (25,8%). A leitura relativa mantém esta verba a níveis admissíveis, mas em valores absolutos não tem permitido:
o Adequar os níveis de instrução e treino ao ritmo de crescimento dos preços de combustíveis, de sobressalentes e de munições.
o Satisfazer as necessidades de instrução e treino de novos armamentos e equipamentos introduzidos no inventário das FA.
o Satisfazer necessidades adicionais requeridas pelo novo tipo de Recrutamento, onde condições de alimentação, fardamento, alojamento e cuidados de saúde ainda se encontram referenciadas pelo Serviço Militar Obrigatório. Tal não dignifica a condição militar nem estimula o Recrutamento.
o Manter a níveis satisfatórios e de dignidade actividades das Forças Armadas, como o Cerimonial Militar, o Desporto e Campeonatos Militares e a sua representação externa, que fortalecem os elementos estruturantes da Instituição Militar.
o Dispor em permanência forças prontas a actuar, obrigando continuamente e quando surge a necessidade, a recorrer a “dotações suplementares” para o aprontamento e treino de forças militares que tem de desempenhar missões no exterior.
o Constituir “reservas de guerra e mobilização”, substituindo as envelhecidas e recompondo níveis adequados. Um bom indicador, simples e prático, será uma inspecção aos Depósitos de Materiais de Intendência (lençóis, cobertores ou roupas de Hospitais, para emergências ou catástrofes).
• No mesmo ano de 2007, as Despesas de Investimento nas Forças Armadas atingiram 188 641,8 me (11,7%) da Despesa Total, distribuídos pelo EMGFA (7 097,7 me), Marinha (69 923,4 me), Exército (29 791,1 me) e Força Aérea (81 829,6 me). Das Fontes de Financiamento (PIDDAC, LPM) coube a maior contribuição à LPM (74,3%). Sobre esta componente da despesa da Defesa, convirá salientar o seguinte:
o No período de 2001 a 2006, nos 15 Países da UE até 2004, as despesas de Investimento na Defesa tiveram comportamentos variáveis. Parece que a procura de uma força militar ”mais ligeira, móvel e flexível” não é entendida da mesma forma por todos os estados membros. Dos seis estados produtores de armamento só a Espanha aumentou aquela despesa (21,37%). Nos restantes 9 estados, houve crescimento na Holanda (1,3%) e Portugal (7%). Nos membros que aderiram depois de 2004 houve crescimentos, especialmente motivados para atingirem níveis de operacionalidade idêntica aos dos seus parceiros.
o O montante de investimento (incluindo alienações) previsto na actual LPM é de 5 450,696 me em 24 anos (2006-2029), repartido por sexénios.
o A execução da LPM tem tido uma execução variável mas deficiente. Em 2007 a sua execução (201 612 372 euros) atingiu os 50,17%.
5. Tentar analisar a Despesa com a Defesa em 2009 vai basear-se na Proposta de Lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, recorrendo à versão electrónica colocada na Internet. Essa análise apresenta algumas dificuldades: os elementos são apresentados a preços correntes e os elementos globais incluídos no Relatório terão de ser lidos com o complemento dos Mapas que constituem parte integrante do Orçamento que não obedecem a um modelo padronizado pelos vários Órgãos. A comparação com dados referentes a 2008 é estimada, dado que os dados desse ano ainda não estão consolidados.
• De acordo com o Relatório que cobre a Proposta, a despesa consolidada do Ministério da Defesa Nacional é orçamentada para 2009 em 2 235,9 M euros, representando 1,3% do PIB e 2,8% da despesa da Administração Pública e um aumento de 3,9% relativamente a 2008 (2 151,1 M euros) englobando uma despesa para os Serviços Integrados (MDN, EMGFA, Ramos e Investimentos do Plano) de 2 071,5 M euros e 173,7 M euros para os Serviços e Fundos Autónomos (Arsenal do Alfeite, OGME, OGFE, LMPQF, MM, IH e IASFA).
• Na despesa dos Serviços Integrados (2 071,5 M euros), a despesa com Pessoal atinge os 1 125,4 M euros (59,4%), a despesa com a Operação e Manutenção 551,4 M euros (20,5%) e a despesa com Investimento (LPM e PIIDAC) 394,7 M euros (20,1%). Fazendo uma leitura da proposta na óptica do funcionamento e operacionalidade das Forças Armadas constata-se:
o Na despesa dos Serviços integrados, a despesa com o Funcionamento normal das Forças Armadas atinge 1 539,1 M euros (EMGFA: 40,5; Marinha: 387,2; Exército: 565,4; Força Aérea: 286,0; Forças Nacionais Destacadas: 70,0; Encargos com a Saúde: 90,0; Pensões de Reserva e de Reforma: 100,0), o que relativamente à despesa estimada de 2008 (1 507,6 M euros) representa um acréscimo de menos de 1% (0,9). O decréscimo verificado nos Encargos com a Saúde (de 138, 5 M euros para 90,0 são significativos). Referenciando essa despesa a preços constantes de 2001, significa que as Forças Armadas viram reduzido o seu Orçamento, para funcionamento e operacionalidade, em cerca de 20% (1/5), mantendo os seus efectivos militares em serviço efectivo sensivelmente ao nível de 2001 (39 295), diminuído os seus Quadros de Pessoal Civil e mantendo a sua Missão sem alteração.
o A despesa em Investimento com as Forças Armadas tem crescido, com financiamentos da LPM e Investimento do Plano (PIIDAC). A despesa orçamentada para 2009 e para as Forças Armadas atinge 394,7 M euros (314,7 da LPM e 37,7 do PIIDAC e despesas de capital), representando um acréscimo de 31,5% relativamente a 2008 (241,7 M euros). Sem comentários às prioridades das capacidades militares estabelecidas, mantêm-se as considerações referidas sobre a sua execução e as insuficiências das verbas orçamentadas para Operação e Manutenção de novos armamentos e equipamentos introduzidos no inventário das Forças Armadas.
6. Algumas conclusões da análise efectuada, e que pode merecer outras leituras:
• De 2001 a 2009 a despesa com os Serviços Integrados com a Defesa, a preços correntes, vai crescer de 1 448,1 M euros (1,1% do PIB e 3,2% no peso da despesa da Administração Pública) para 2 071,5 M euros (cerca de1,3% do PIB e 2,8% no peso da despesa da Administração Pública), representando um crescimento de 34%. Nesse período a despesa com o Pessoal vai passar de 1 023,9 M euros (70,7% da despesa total) para 1 125,4 M euros (59,4 %), sem variação significativa nos efectivos do Pessoal Militar e sem alterações no seu padrão retributivo; a despesa com a Operação e Manutenção passa de 242,6 M euros (16,8%) para 551,4 M euros (20,5%) e a despesa com o Investimento passa de 181,4 M euros (12,5%) para 394,7 M euros (20,1%). O crescimento da despesa no Defesa tem sido devido, principalmente, ao crescimento no Investimento.
• Em 2001, a preços correntes, a distribuição das despesas por capítulos, no Ministério da Defesa Nacional era o seguinte:
o Serviços Centrais: 61,0 M euros (3,5%)
o EMGFA: 43,5 M euros (2,9%)
o Marinha: 414,1 M euros (28,5%)
o Exército: 587,7 M euros (40,6%)
o F Aérea: 341,8 M euros (24,5%)
Total 1448,1 M euros
• Em 2009, a preços correntes, aquela distribuição passou a ser a seguinte:
o Serviços Centrais: 382,9 M euros (18,4%)
o EMGFA: 43,9 M euros (2,1%)
o Marinha: 511,4 M euros (24,6%)
o Exército: 705,4 M euros (34,4%)
o F Aérea: 390,2 M euros (18,8%)
o PIIDAC 37,7 M euros (1,7%)
Total 2071,5 M euros
• A percentagem da despesa do EMGFA e Ramos (Funcionamento das Forças Armadas) tem diminuído, dado o crescimento em valores absolutos e percentuais das despesas dos Serviços Centrais, absorvendo funções que pertencem à acção de Comando (Ensino, Serviço de Saúde).
• O crescimento da Despesa com Pessoal não tem sido suficiente para uma retribuição digna às Forças Armadas, assistindo-se a uma degradação das retribuições reais, qualidade de alimentação, dotação de fardamentos, insuficiência de subsídios que não permitem tornar a Condição Militar atractiva, não favorecendo o recrutamento e a retenção de pessoal qualificado. O moral das Forças Armadas encontra-se em limites do razoável, que só uma acção de Comando de alta qualidade tem impedido de evoluir para actos de indisciplina graves, que a Nação não compreenderá;
• As dotações orçamentais para Operação e Manutenção não têm permitido manutenção de equipamentos, armamentos e infra-estruturas que garantam a sua operacionalidade. A instrução e treino não obedecem aos padrões recomendados, pelo que quando se destaca uma Força para Missão tem de gastar-se adicionalmente para se atingirem aqueles padrões;
• Os compromissos assumidos por Portugal na sua participação em Forças da OTAN e da UE dificilmente poderão ser atingidos com as dotações orçamentais actuais; se tal for conseguido, com esforço dos Comandos, será em prejuízo do restante da Força;
• O esforço louvável de modernização de equipamentos e armamentos, pelas verbas dotadas, não pode significar “comprar para ter”, ficando os novos equipamentos em Depósito e com padrões de operação e manutenção não admissíveis para o investimento feito e o custo que representa para a Nação;
• Nos tempos previsíveis de dificuldades económicas e financeiras iremos assistir a problemas acrescidos. O que não se fez dificilmente se poderá fazer. Mas tenhamos consciência que nos tempos difíceis que se adivinham as Forças Armadas podem vir a ser chamadas a desempenhar Missões que fogem ao seu padrão normal de actuação, que requerem moral e disciplina e que no caminho que vamos seguindo dificilmente serão conseguidos. Os alertas sucessivamente transmitidos aos decisores sobre o emprego dos recursos da Nação não significaram que as Forças Armadas queriam ser mais ricas do que a Nação. Teimosamente, sem grande sucesso, quiseram transmitir que a Defesa é para os cidadãos e deve constituir uma prioridade do Estado.
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.