Nº 2482 - Novembro de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Contributo da Imprensa Militar na Luta Contra subversiva em África. Estudo de Caso: O Ronga
Subtenente
Cristiana da Graça Teles dos Santos
«(…) se ignorante de ambos, do inimigo e de ti próprio, estarás
de certeza em perigo em todas as batalhas (…)»
Sun Tzu, “A Arte da Guerra”
 

1. Introdução

Nas palavras de John P. Cann, Portugal conseguiu um notável feito de armas em África, aquilo que o mesmo Cann apelidou de “modo português de fazer a guerra” baseado num estilo de combate moderado, na medida em que “ (...) Portugal soube desde o início que ia combater uma longa guerra e, portanto, teria de combater bem e barato, de modo a conseguir sustentar o conflito. (…) ” (1998, p. 245)
 
Para diminuir o impacto que uma guerra subversiva teria nas populações e minimizar os custos, o Poder português alicerçou a sua resposta contra subversiva na colaboração estreita entre as autoridades civis (autoridades administrativas e as populações) e militares, integrando as cinco manobras parcelares da contra-subversão: a manobra político-diplomática, a manobra socioeconómica, a manobra psicológica, a manobra militar e a manobra de informações.
 
De facto, toda a estratégia portuguesa “(…) visava não só a actuação militar pela atrição, isto é, pelo desgaste do “in”, mas também uma actuação psicológica, no sentido de conquistar os corações. (…)” (Garcia, 2003, p. 206). A acção psicológica incidiu não só sobre a população e sobre o adversário, mas também sobre as próprias Forças Armadas. Enquanto veículos privile­giados de divulgação de ideias e valores, os meios de comunicação social foram vitais na prossecução destes objectivos.
 
O objectivo deste artigo não é o de investigar o contributo dos media em geral, mas sim o da Imprensa Militar na luta contra-subversiva em África, focando um jornal de Unidade, O Ronga, e mais tarde Alvorada Ronga, o jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, em Moçambique. Analisando o conteúdo das suas treze edições1, pretende-se verificar o modo como foi divulgada a doutrina contra subversiva portuguesa nas suas cinco formas.
 
 

2. O Contributo da Imprensa Militar

 
Devido à sua longa tradição, a Imprensa Militar Portuguesa tem contri­buído de forma decisiva para o estudo da História de Portugal. Neste sentido, os periódicos publicados durante os anos de 1961 a 1974 constituem fontes de inestimável valor para o estudo da denominada Guerra Colonial. Na verdade, este período caracterizou-se por um surto do número de publicações que passou de 262 para 3572, sendo que muitas delas se editavam ao nível das Unidades no Ultramar, o que lhes conferiu características únicas.
 
Nas palavras do Coronel Alberto Ribeiro Soares, “(…) com melhor ou pior qualidade (…) reverentes, isentos, críticos ou revolucionários 3, os órgãos da Imprensa Militar deram corpo à criatividade dos quadros e das tropas, preencheram uma boa parte dos tempos livres de muitos entusiastas, (…) cumpriram de forma exemplar o objectivo principal da sua criação, que era o de contribuírem para a manutenção do moral das tropas, para o fortale­cimento da camaradagem e para a consolidação do espírito de corpo da Unidade.” (Teixeira, 2001, p. 148)
 
O Governo português estava consciente do valor da propaganda pelo que, a pressão psicológica exercida sobre as populações e sobre os adversários foi manejada tal como uma arma. A acção da propaganda sobre a guerrilha procurou desmoralizá-la, incutindo-lhe uma sensação de impotência e descrédito no seu êxito e forçando a separação entre as suas forças e a população. Paralelamente, a propaganda difundiu os princípios da doutrina contra subversiva de forma a serem compreendidos pelos homens que a iriam desencadear no terreno. Assim, a acção sobre as tropas procurou fortalecer o moral imunizando os militares contra ataques psicológicos adversos.
 
 

3. Caracterização do Corpus do Trabalho

O corpus deste trabalho baseia-se no jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, em Moçambique, O Ronga, rebaptizado, na sua 4ª edição, de Alvorada Ronga, cobrindo o período temporal de 14 de Agosto de 1968 a 25 de Junho de 1970.
 
O Ronga, que inicialmente tinha quatro páginas e a partir do seu quarto número passou a apresentar seis páginas, era um periódico cuja responsabilidade dos artigos cabia ao Comandante de Batalhão, pelo que se orientava segundo a ideologia do Estado Novo. A qualidade da impressão e composição gráficas era elevada e tinha um pequeno núcleo de colaboradores/redactores permanente, contudo, não existia uma divisão do jornal por secções temáticas, excepto as designadas de “Recreio e Lazer” e de “Pela Unidade” (a qual continha informações diversas relativas ao dia-a-dia da Unidade).
 
A sua edição não era constante, pelo que não se pode caracterizar como sendo uma publicação mensal, bimensal ou trimestral. Por outro lado, e até à sua quarta edição inclusive, continha uma separata de duas páginas com o mesmo título, destinada às populações do distrito de Lourenço Marques. Ou seja, o estudo deste periódico ganha uma nova pertinência, na medida em que a sua ‘mensagem’ não se destinava apenas aos militares do Batalhão, mas visava também a adesão das populações, sobretudo porque muitos dos seus artigos estavam em Português e língua Ronga. Efectivamente, a escolha do próprio nome do jornal, O Ronga, serviu de homenagem a uma das tribos de Moçambique, acentuando se assim o conceito de convivência racial procla­mado pelo Poder português.
 
Em suma, e tal como a direcção do jornal o assume no seu primeiro número, O Ronga (…) tem por função manter o pessoal do batalhão e, acessoriamente, todos os militares que o lerem, devidamente informados dos assuntos que mais lhes poderão interessar referentes à sua Arma, ao Exército e às Forças Armadas, em especial, no respeitante às origens e evolução da luta em que estamos empenhados. Complementarmente, um pouco de História (…) conhecimentos sobre o homem desta província e possibilidades da sua terra. Depois, os temas gerais de cinema, desporto, arte e ciência. (…)”
 
3.1. A Análise de Conteúdo
 
Na medida em que a finalidade deste trabalho é verificar o modo como O Ronga abordou as diferentes manobras parcelares da contra-subversão, contribuindo assim para uma eficaz acção psicológica sobre os militares portu­gueses, a categorização e respectiva análise de conteúdo será feita com base nessas mesmas manobras parcelares.
 
3.1.1. Manobra Político diplomática
 
O Governo português demonstrou sempre a sua convicção em permanecer no continente africano, pelo que procurou angariar apoios junto das diferentes organizações internacionais de que era membro. No caso concreto de Moçambique, esta convicção esteve patente no estabelecimento de relações bilaterais com a Rodésia e África do Sul e na decisão de investir no complexo hidroeléctrico de Cahora Bassa.
 
Todavia, para a FRELIMO, o projecto Cahora Bassa era um alvo importante, pois poderia determinar o enfraquecimento do controlo de certas populações se chegassem novos colonos ao Vale do Zambeze: “(…) a barragem materializava-se, assim, para ambas as partes, o objectivo decisivo da vitória. (…)” (Garcia, 2003, p. 171)
 
Pela sua importância, a questão de Cahora Bassa foi abordada pelo Ronga em três ocasiões. Na Separata nº2 (s.d.), é feita uma referência muito ténue, valorizando-se o facto de Portugal investir no progresso de Moçambique: “Todos p’ra frente. Todos por Portugal”.
 
Em “O gigante domado atrela-se ao carro do progresso” (7ª edição de 30/09/1969), os guerrilheiros são acusados de travar o desenvolvimento do seu país ao sabotar constantemente a construção do projecto.
 
Na edição nº 8 (30/10/1969), Cahora Bassa é descrito como o maior investimento feito em todo o território nacional, incluindo a metrópole: “(…) Com empreendimentos desta envergadura, dá a nação portuguesa a prova concludente de que está disposta a ficar definitivamente em África. Não para explorar os africanos (…) mas para ser a obreira do seu bem-estar, cumprindo o destino de nação fadada mais para dar do que receber.”
 
3.1.2. Manobra Socioeconómica
 
De acordo com o Tenente-Coronel Francisco Proença Garcia, “(…) O Poder português acreditava ainda que com o apoio de uma acção social e educativa se podia realizar uma acção psicológica que arrastasse os autóctones ainda ‘não’ contaminados, ou os pouco seguros, para a causa portu­guesa, fazendo que não temessem a tropa (…)” (2007, p. 154)
 
Desta ordem de ideias, resultou um reordenamento populacional através da constituição de aldeamentos e de colonatos (este último não teve muito sucesso), e a construção de infra-estruturas de apoio. Por outro lado, procedeu-se à promoção escolar e sanitária e à assistência médica e religiosa. Apesar de a responsabilidade primária da acção social ser incumbência das autoridades civis, foram os militares que a desenvolveram de forma mais eficaz e notória, contribuindo para o crescimento da rede escolar e para a criação de unidades móveis de saúde.
 
Não é de admirar portanto, que várias edições de O Ronga tenham mencionado este assunto (sob a forma de texto ou fotografia), elogiando a actuação das tropas nacionais: “A tropa visita os povos para os ajudar.” ou “Os povos devem colaborar com a tropa.”:
 
Na edição nº 3 (12/03/1969), surge uma foto na qual se vê um militar rodeado de crianças africanas e a seguinte legenda: “As populações entregam confiadamente os seus filhos à tropa que lhes dá ensino, assistência sanitária e educação cívica e moral”.
 
Na separata do nº 4 para as populações a sul do Limpopo, a propaganda utiliza uma linguagem muito simples e directa (tanto em Português como em Ronga) daquilo que os militares fazem pela população: “(…) Porque a patrulha (do Batalhão de Caçadores nº 18) a todos visita e ajuda/ A tropa é o povo (…)”.
 
Toda a edição nº 6 (12/08/1969) é profícua em artigos sobre esta componente. Primeiro, no artigo “Lutando NA PAZ, PELA PAZ”, qualifica se a manobra socio-económica da luta contra-subversiva como algo inerente à condição militar: “(…) Compete-nos uma missão que, não sendo perigosa, não é menos árdua. (…)”
 
Seguidamente, surge uma fotografia em que se vê um grupo de militares a prestar assistência médica às populações. Num outro artigo, intitulado “O exército e o ensino de português às populações”, aponta-se novamente o apoio às populações e aos soldados nativos como uma tarefa de grande valor na prestação do serviço militar.
 
No artigo “Palavra puxa palavra” (edição nº 7 de 30/09/1969), apela-se à participação e empenho dos militares na acção social, pois “muito mais que os tiros, é ela que te levará a vencer”.
 
Na edição nº 8 (30/10/1969), o elogio não é feito directamente às tropas, mas sim ao Governador-geral de Moçambique, Dr Baltazar Rebello de Sousa, o qual resolveu problemas de habitação dos sectores menos favorecidos da sociedade, através da instalação de um Gabinete de Urbanização em Lourenço Marques, e criando novos estabelecimentos de ensino.
 
Em “Alguns aspectos da actividade económica de Moçambique” (edição nº 10 de 25/02/1970), faz-se a descrição documentada do III Plano de Fomento para Moçambique com vista ao desenvolvimento do território, destacando se o investimento feito na área do povoamento.
 
No jornal nº 13 (25/06/1970), em “O ensino do Português no Ultramar”, esta actividade é descrita como algo de indispensável não só aos autóctones e aos soldados nativos, mas também ao próprio soldado português com baixo nível de escolaridade. Assim, todos os militares devem cooperar para atingir o objectivo da alfabetização.
 
3.1.3. Manobra Militar
 
Quando a guerra se iniciou em 1961, as Forças Armadas Portuguesas possuíam já uma doutrina de contra-subversão, a qual era fruto da aprendizagem com os exemplos francês e inglês em África. Tendo por base um dispositivo de quadrícula, as tropas empreendiam patrulhas, protecção de itinerários, acções psicológicas e acções de apoio às populações para reduzir o domínio dos grupos subversivos sobre essas mesmas populações.
 
O ‘arrastar’ da Guerra provocou necessidades complementares no recrutamento de efectivos, optando-se pela localização das forças4 o que permitiu a redução das despesas e a manutenção do conflito em baixa intensidade e, simultaneamente, a exaltação do luso-tropicalismo e da miscigenação de raças.
 
A partir da sua edição nº 8 (30/10/1969), O Ronga inicia uma secção onde se desenvolve a temática do soldado nativo e das dificuldades inerentes ao seu enquadramento militar. Contudo, a integração do nativo nas tropas combatentes é descrita como uma medida “(…) de alcance duplamente patriótico e nacional (…)”, pelo que os instrutores devem ser compreensivos e respeitar a cultura local.
 
No seu jornal nº 10 (25/02/1970), a adaptação do soldado nativo continua a ser tema de destaque: a passagem da vida do mato para a vida militar é difícil e, por isso, é premente o estudo dos nativos para que a transição seja feita de forma natural, sendo lhes facultada uma instrução pré-militar.
 
No seu número doze (25/04/1970), a instrução militar do soldado nativo é, pela última vez, abordada. É nítida uma evolução no modo de ministrar a instrução, uma vez que se afirma que a “instrução militar de parada” não é suficiente, dado que se deve aproveitar e utilizar o à-vontade do autóctone no terreno “(…) pois é o sítio onde evidenciará as suas qualidades.”
 
3.1.4. Manobra Psicológica
 
Com o objectivo de responder à guerra subversiva, o Governo português desenvolveu uma intensa acção psicológica “(…) com a finalidade de separar as populações da guerrilha, desmoralizar o adversário e fomentar as apresentações. Podendo apenas exercer-se por si, foi utilizada como complemento ou adjuvante de qualquer das outras acções. (…)” (Garcia, 2003, p. 216). A acção psicológica incidiu não só sobre a população e sobre o adversário, mas também sobre as próprias Forças Armadas. Para o Estado português, era premente a existência de um serviço de acção psicológica, mas, apesar dos esforços, este nunca chegou a existir generalizadamente, resultado da falta de verbas, de pessoal especializado e da coordenação dos órgãos responsáveis. (Garcia, 2007, p. 17)
 
Entendia-se a FRELIMO como parte de uma estratégia global comunista, no âmbito da qual a guerrilha era financiada pelo exterior. Assim sendo, nas diferentes edições de O Ronga, são evidentes as críticas à Guerra Fria e ao apoio proveniente das duas super potências.
 
Na edição nº 1 (14/08/1968), no artigo “Subversão - Uma advertência”, declara-se que as independências, até então concedidas, apenas serviram os interesses de domínio económico das grandes potências, prejudicando os povos africanos: “(…) Que se pretendeu afinal escorraçando os países europeus dos territórios africanos sob sua tutela?(…) Em prol deste movimento subversivo, há governos responsáveis e outras organizações que se dizem particulares a contribuírem com dinheiro, armas e munições para a manu­tenção do terrorismo dentro das nossas fronteiras ()”.
 
Em “Quem quer tirar a venda dos olhos” (edição nº 4 de 12/05/1969), critica-se a construção de mísseis anti-balísticos nos EUA e a dualidade de critérios da ONU, a qual considera Portugal uma ameaça à paz do mundo, ao mesmo tempo que aceita que um dos seus países membros crie “máquinas do juízo final”.
 
Nesta mesma linha de ideias, na edição nº 5 (20/06/1969), comenta-se a corrida ao armamento por parte das duas superpotências e de como estas, paradoxalmente, proclamam os seus desejos de paz. Por outro lado, receia-se que o progresso científico provoque o caos no mundo. Fazem-se ainda comentários à estratégia soviética e americana e ao facto de os EUA parecerem esbanjar dinheiro em material bélico. Simultaneamente, critica-se a Guerra do Vietname e o facto de os americanos utilizarem bombas com uma capacidade de destruição enorme: “(…) e depois desta não há dúvida de que nós é que somos os maus, os vilões.(…)”
 
Subtilmente, no artigo “Porquê as guerras…” (edição nº 8 de 30/10/1969), denuncia-se que, por detrás das guerras subversivas, se escondem interesses que não coincidem com os das massas em confrontação. Num outro artigo intitulado “A Suécia e os seus problemas”, expõe-se o financiamento sueco aos movimentos de guerrilha, o qual é encarado pelo Governo sueco como um investimento.
 
Sem nunca mencionar nomes, o Professor Adriano Moreira, no seu artigo “Autenticidade” (edição nº 10 de 25/02/1970), critica a hipocrisia, pois existe uma grande distância entre “o real e o apregoado”.
No jornal nº 12 (25/04/1970), a conclusão a que se chega é a de que vivemos num mundo repleto de guerras e, por isso, num “Mundo Maluco”. Mais uma vez se critica a “ (...) Guerra «fria» ou «quente» que traz o mundo em sobressalto (...)”.
 
No que diz respeito à guerrilha moçambicana, “(…) As declarações dos ‘apresentados’ eram exploradas no apoio às operações, não só armadas como também psicológicas (…)”. (Garcia, 2003, p. 224) Neste seguimento, O Ronga divulga a apresentação do ex-chefe guerrilheiro Lázaro Nkavandame e noticia a morte de Eduardo Mondlane.
 
Logo no seu primeiro número (14/08/1968), em “Algures no Norte - Uma Operação”, aproveita-se o relato minucioso de uma operação para introduzir a ideia de que a captura de um grupo de indígenas armados culminou com a transformação destes em guias dos militares portugueses.
 
Na separata do nº 2 (s.d), é noticiada a morte de Eduardo Mondlane e prevê se o fim da guerra pelo facto de a guerrilha ter perdido o seu líder.
 
Na separata do nº 3 (s.d.), é publicada a entrevista (acompanhada de fotografia e do texto em Ronga) a Lázaro Nkavandame, pai dos macondes, na qual este se confessa arrependido de contribuir para o ‘terrorismo’ e, por isso, pretende defender a causa portuguesa, apelando aos seus antigos companheiros a fazer o mesmo.
 
Na edição nº 4 (12/05/1969), é elogiada a apresentação de Lázaro Nkavandame, “pois todo o homem tem direito ao perdão, quando o seu arrependimento é sincero.”
 
Com vista à glorificação dos ideais e valores do regime, a acção psicológica manifestou-se também através da atenção dispensada às comemorações do “Dia da Raça”, às competições e feitos desportivos, e à célebre viagem de Marcello Caetano, em Abril de 1969, às capitais das Províncias Ultramarinas.
 
Na edição nº 4 (12/05/1969), relata-se a visita de Marcello Caetano e elogia-se o modo como tem lutado para manter a ‘geografia’ de um Portugal que se quer “pluricontinental e plurirracial, uno e indivisível, onde muitas raças constituem um só povo e uma única nação.”
 
Ainda a propósito da viagem do Presidente do Conselho (separata do nº 4), transcrevem-se as suas palavras acerca do Ultramar: “(…) multidão de pretos, brancos, mestiços, amarelos… unidos no mesmo propósito de manter portuguesa a terra onde vivem(…)”
 
Na edição nº 5 (20/06/1969), é feita referência às comemorações do 10 de Junho e às condecorações de militares, alguns deles antigos elementos do Batalhão.
 
As comemorações do Dia da Raça são novamente notícia de Primeira Página (edição nº 13 de 25/06/1970), incitando se a “(…) Que o 10 de Junho, dia da Raça, seja não só uma homenagem a alguns valentes que pela sua acção se realçaram, mas sim o inicio duma acção de todo o Português para que em uníssono possamos, parafraseando Camões, dizer orgulhosamente, «Esta é a ditosa pátria minha amada».”
 
Em “O desporto em Portugal” (edição nº 3 de 12/03/1969), salienta se a importância do Desporto na projecção internacional do país, incentivando se o recrutamento de mais atletas provenientes das Províncias Ultramarinas
 
A temática desportiva é novamente abordada na edição nº 4 (12/05/1969), na medida em que uma preparação física adequada aumenta o número de atletas portugueses nas competições mundiais, mas também fornece ao Exército militares mais capazes do ponto de vista físico.
 
No jornal nº 6 (12/08/1969), a figura de Joaquim Agostinho é apresentada como um “(…) exemplo de portuguesismo além-fronteiras (… ) da modéstia, espírito de sacrifício e vontade de vencer, virtudes que são afinal apanágio da Alma Portuguesa.(…)”
 
Por ser um jornal de Unidade, O Ronga é um dos exemplos paradigmáticos do modo como a manobra psicológica foi exercida sobre as tropas portu­guesas. Em todos os seus números (sem excepção) é evidente a tentativa de incrementar o moral dos combatentes, consciencializando-os da importância da sua missão e da sua condição militar. Por conseguinte, os seus textos são profícuos em palavras e frases-lema, tais como ‘patriotismo’, ‘Pátria’, ‘bravura’, ‘heroísmo’, ‘abnegação’, ‘moralidade’, ‘voluntarismo’, ‘espírito de sacrifício’, ‘defesa legítima’, ‘valorização pessoal’, ‘inscrição na imortal História’ ou ‘Só é digno de viver quem não receia morrer’.
 
Paralelamente, divulgam-se cartas de pais aos seus filhos combatentes, repletas de saudade e de referências ao modo como estes devem honrar a sua missão de luta pelo “(…) solo sagrado, onde há mais de 500 anos flutua a bandeira de Portugal.(…)” De forma algo romanceada, relatam-se expe­riências de combatentes no campo e divulgam se as visitas de figuras públicas e as iniciativas do Movimento Nacional Feminino.
 
Surgem ainda notícias acerca das comemorações do Dia da Infantaria e da Cavalaria e do Dia da Unidade, ocasiões onde eram atribuídas condecorações aos militares que mais se tinham evidenciado em combate. São desenvolvidos artigos acerca do Regulamento de Disciplina Militar, do Código de Justiça Militar e da própria organização militar, mormente a que diz respeito à estrutura hierárquica do Exército e às valências das diferentes Armas, conhecimento vital na formação cívica e militar do soldado pois “(…) ele é o espelho duma nação, espelho onde se reflectem as virtudes de uma raça (…)”.
 
É igualmente frequente a edição de fotografias de monumentos de homenagem aos mortos em combate, da Bandeira Nacional e de cerimónias de hastear e arrear da Bandeira, pois esta é a “inspiração permanente de todos os militares”. Precisamente para servirem de modelos de inspiração aos jovens combatentes, são publicados inúmeros artigos sobre figuras e acontecimentos importantes da História Nacional, bem como estudos sobre a chegada de Portugal a Moçambique.
Do mesmo modo, o regresso dos soldados à metrópole (acompanhado de fotografias nas quais se vêem soldados brancos e negros) é motivo de exaltação porque estes contribuíram para a manutenção do património nacional.
 
3.1.5. Manobra de Informações
 
Como foi referido anteriormente, em Moçambique, a estratégia contra-subversiva evidenciou-se principalmente ao nível da acção socioeconómica e psicológica, porém, “(…) para ser rendível, uma acção desta natureza pressupunha informações precisas e os diversos órgãos em sintonia no seu esforço de pesquisa, para saber como, onde e quando se deveria actuar. (…)” (Garcia, 2003, p. 236)
 
Desde 1964, que existia em território moçambicano um Serviço de Informações, mas desadequado às necessidades que foram surgindo. Com o estabelecimento do Comando de Zona, foi finalmente consolidada uma estrutura de informações, colaborando entre si entidades e organismos como a PIDE, a Direcção-Geral dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar. Neste sentido, a par dos estudos feitos ao terreno, inimigo e meios disponíveis, efectuaram-se estudos das populações na sua vertente étnica, linguística e religiosa.
 
Nesta dimensão, O Ronga destaca precisamente um importante papel dos portugueses na revelação dos “segredos do continente africano”. Não é de admirar portanto que, em alguns dos seus números, tenham sido incluídos textos nos quais se descrevia a origem de alguns clãs moçambicanos (nomeadamente os Rongas e os Bantos) e se analisava as crenças religiosas e os valores da tribo.
 
 

4. Conclusão

Embora a ideologia colonial do Estado Novo se baseasse no luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, já em 1959, António de Oliveira Salazar reconhecia como inevitável o surgimento de uma guerra de guerrilha no Ultramar. De facto, após a Segunda Guerra Mundial, vários estados europeus travaram guerras com movimentos de libertação das suas colónias, porém, o caso português distinguiu-se pelo modo como desenvolveu uma guerra contra-subversiva contida e de baixo custo ao longo de treze anos.
 
Na aplicação desta doutrina contra-subversiva, foi primordial o papel dos meios de comunicação social, na medida em que estes divulgaram as suas diferentes acções. Uma acção psicológica, politica, socioeconómica, militar e de informações que funcionou como ‘contra arma’: “(…) talvez mais que os tiros, é ela que te levará a vencer(…)” (Alvorada Ronga nº7, 1969)
 
Neste sentido, O Ronga é um exemplo paradigmático, uma vez que serviu este propósito, enquanto a existência de uma separata ao jornal e de alguns dos seus textos estarem em Português e língua Ronga valoriza o estudo deste periódico, na medida em que a sua ‘mensagem’ não se destinava apenas aos militares do Batalhão, mas também às populações.
 
Na abordagem feita à manobra político-diplomática, destaca-se o relevo dado ao projecto Cahora Bassa como prova da convicção portuguesa em permanecer em Moçambique, denunciando-se as acções de sabotagem da guerrilha.
 
Ao nível da manobra socioeconómica, é elogiada a actuação dos militares no apoio às populações, comprovada com a publicação de várias fotografias, declarando se que a tropa é do povo e para o povo.
 
Quanto à manobra militar, sobressai a temática do soldado nativo e das dificuldades inerentes ao seu enquadramento militar, incentivando-se o estudo dos autóctones como forma de superar essas mesmas dificuldades e de explorar potencialidades no seu à-vontade no terreno.
 
Por se tratar da manobra na qual os meios de comunicação se inserem, a manobra psicológica é abordada sistematicamente ao longo das edições de O Ronga. Critica-se a Guerra Fria e as atitudes dúbias das grandes potências, ao mesmo tempo que se exploram as apresentações de dissidentes da FRELIMO, como forma de desmoralizar os guerrilheiros. Por outro lado, exaltam-se valores militares tradicionais, tais como a disciplina, a honra militar e o espírito de corpo, fomentando a crença na causa que se defendia, estimulando a vontade de combater e veiculando a confiança na vitória.
 
Por último, na manobra de informações, e servindo os estudos da população, desenvolvem-se artigos onde se descreve a origem de alguns clãs moçambicanos e onde se apontam as suas características religiosas e étnicas.
 
Em suma, O Ronga exerceu uma influência primordial sobre os militares pelo modo como lhes inculcou valores e lhes expôs todos os objectivos de uma guerra contra-subversiva na qual eles eram os maiores protago­nistas.
 
 

Fontes e Bibliografia

CANN, John P. (1998), Contra Insurreição em África: o modo português de fazer a guerra, 1961 1974, São Pedro do Estoril, Atena.
GARCIA, Francisco Proença (2003), Análise Global de uma Guerra: Moçambique, 1964 1974, Lisboa, Prefácio Editora.
_______ (2007), “Descrição do Fenómeno Subversivo na Actualidade. A Estratégia da Contra Subversão. Contributos nacionais.”, In, Estratégia, Lisboa, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Vol. XVI, pp. 111 182.
MESQUITA, Mário (2003), O 4º equívoco: o poder dos media na sociedade contemporânea, Coimbra, Minerva.
PINTO, António Costa (2001), O Fim do Império Português: a cena interna­cional, a guerra colonial e a descolonização, 1961 1975, Lisboa, Livros Horizonte.
SOARES, Alberto Ribeiro (2003), Imprensa Militar Portuguesa: Catálogo da Biblioteca do Exército, Lisboa, Biblioteca do Exército.
TEIXEIRA, Rui de Azevedo (2001), A Guerra Colonial: realidade e ficção - Livro de Actas do I Congresso Internacional, Lisboa, Notícias.
 
Periódico Consultado
 
O RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 1 de 14 de Agosto de 1968.
O RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, Separata do Nº 2 para as populações a sul do Limpopo, s.d.
O RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 3 e respectiva separata de 12 de Março de 1969.
O RONGA (Alvorada), Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 4 e respectiva separata de 12 de Maio de 1969.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 5 de 20 de Junho de 1969.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 6 de 12 de Agosto de 1969.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 7 de 30 de Setembro de 1969.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 8 de 30 de Outubro de 1969.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 10 de 25 de Fevereiro de 1970.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 11 de 25 de Março de 1970.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 12 de 25 de Abril de 1970.
ALVORADA RONGA, Jornal do Batalhão de Caçadores nº 18 de Lourenço Marques, nº 13 de 25 de Junho de 1970.
 
 
* Artigo inspirado num trabalho desenvolvido no seminário de Defesa e Segurança II, no âmbito do Mestrado em História, Defesa e Relações Internacionais.
** Sub Tenente da classe de Técnicos Superiores Navais. Pós graduada em Estudos sobre a Europa (Universidade de Coimbra) e mestranda em História, Defesa e Relações Internacionais (ISCTE e Academia Militar).
 
 1 Conforme o fundo bibliográfico disponível na Biblioteca Nacional de Portugal, estão em falta os jornais número dois e nove, pelo que estes não puderam ser analisados.
 2 Números apontados pelo Catálogo da Biblioteca do Exército.
 3 No Catálogo da Biblioteca do Exército, constam diversos tipos de publicações. Algumas publicações editadas no Ultramar eram extremamente críticas do Estado Novo e de carácter revolucionário. Deste grupo, destaca se o órgão de divulgação e cultura da Companhia de Cavalaria 3420 da Guiné, Os Progressistas cujo director era o então Capitão de Cavalaria, Salgueiro Maia.
 4 Para mais informações, veja se Garcia, 2003, pp. 175 200.
Gerar artigo em pdf
2009-02-26
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia