Nº 2447 - Dezembro de 2005
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Um Aeroporto Categoria IIIA em “Perda de Velocidade” por Erro Humano
Major-general PilAv
José Duarte krus Abecasis
“RANA RUPTA ET BOVIS”
AUTO-CAPITULAÇÃO DA TORRE DE BABEL
(Livro do “GÉNESIS”)
A “testa de ponte” e os “cavalos de frisa”
 
À guisa de prelúdio:
 
O teor do artigo “Transportes Futuros na Revista Militar”, da autoria do Coronel Oliveira Pena, no Nº 2443/44 da Revista, soa como um “toque de clarim ou requinta para aparelhar armas e fechar culatras”, em defesa da praça assediada por hordas de pigmeus, ávidos de exibir uma panóplia de armas gentílicas, não obstante potencialmente eficazes, dada a conjuntura que prevalece. Trabalhada, sob múltiplos ângulos de apreciação desviacionista, invocada por multidão de censores arregimentados a interesses espúrios, tripudeia e vegeta a polémica altisonante e confrangedora. Frente à estridente balbúrdia, num estendal de inúmeros e desconcertantes argumentos, chega a decisão draconeana e ditatorial do veredicto político - e tudo se afunda, sem mais contemplações pelos interesses da depauperada fazenda nacional. A eventual mais valia do seu património (enriquecido ou empobrecido), irá a leilão, se a indigência o impuser, consumado o desastre que previ em 9 de Dezembro, 2003.
 
 
I
 
“RANA RUPTA ET BOVIS”
 
“Uma rã viu um boi de bela postura.
Invejosa, quis igualar-se lhe e fez por isso.
Inchou desmesuradamente e, longe de o conseguir,
estoirou as próprias vísceras.
As suas companheiras muito a choraram.”
Fábula de Fedro - Macedónio, em Roma, 15 AC - 50 DC
 
 
Será que os responsabilizáveis poderes políticos vigentes terão a veleidade de conceber a estultícia de um portentoso “hub” na Ota que venha a captar tráfego a aeroportos como Frankfurt, Paris, Roma ou Madrid?
 
Sinceramente, afigura-se tal ambição ter as suas raízes em algo de semelhante a edificar na Ota a força centrípeta irresistível de uma “Disneylandia”, concorrendo com a de Paris para um espantoso polo turístico.... Quiçá despertando a voracidade de parcerias público-privadas investindo num “PIIP”.
 
“A Ota está bem escolhida (...) Os privados, que têm algum “faro”, têm vindo a instalar empresas entre Vila Franca e a Azambuja”. - J. Rocha de Matos, Presidente da Associação Industrial Portuguesa. In. “Semanário Económico” 26.08.2005.
 
Os investimentos, quantificados “a posteriori” para edificar o apetecido “hub” - concebidos (imaginemos) com lucubrações logarítmicas de “enge­nharia financeira” da ordem dos 6 mil milhões de euros - iriam saciar o apetite desmesurado da rã de Fedro?... ou o boi de bela postura a iria contemplar com comiseração?
 
 
II
 
Por decisão política coeva, o empreendimento prioritário da espantosa edificação da Torre de Babel foi iniciado ao som estridente de trombetas no oásis verdejante dos vales dos rios Tigre e Eufrates. - Da Babilónia se contemplaria o Mundo! A humana ousadia desafiava a omnipotência divina e subia altiva para atingir o Céu! A multidão dos seus obreiros, porém, confrontada com imprevisto e decisivo desígnio que a todos dispersou, abandonou a portentosa infra-estrutura nascente: - falando línguas diferentes, a discórdia imperou e a Torre de Babel desmoronou-se na ruina de um mito inatingível (Livro do Génesis)
 
Quando a defesa dos superiores interesses nacionais me levou a usar da palavra na intervenção pública de 9 de Dezembro, 2003, na Sociedade de Geografia de Lisboa, afigurou-se-me um imperativo apontar factores determinantes até então (e ainda hoje) negligenciados, ignorados ou olhados de ânimo leve, quando tudo se ficava por argumentos sectoriais e acessórios na polémica, ainda cordata, “PORTELA-OTA”.
 
Como profissional da Aviação, com um largo “saber de experiência feito”, titular da qualificação de “Senior Air Trafic Control Officer” (em conformidade com os Regulamentos da Royal Air Force), não seria legítimo remeter-me a passivo observador de tal polémica, abstendo-me de iluminar consciências sem rumo, procurando resposta relevante para vital formulação de opiniões do interesse em causa. A isenção e integridade de longa vida ao serviço das Armas obriga. São estigma inapagável, não me sendo concebível alhear-me da confusa e complexa colectânea dos mais desencontrados e contraditórios depoimentos e entrevistas vindos a público.
.... E em várias linguas - “Fac simile” Torre de Babel
 
Ota é um erro histórico, porque aprofunda o lado periférico de Lisboa e do País em termos europeus”
João Ribeiro da Fonseca - Presidente da “Portugália A. L.”
“Diário Económico”, 7 de Julho, 2005.
 
“Ota e TGV não têm de ser elefantes brancos.”
Teixeira dos Santos, Ministro das Finanças
- “Público”, 20 de Outubro, 2005.
 
“Em tudo o mais, que represente escolhas de investimento, os políticos tendem a ser ineficientes, já que padecem do pecado original de não porem em risco, contrariamente ao sucedido a qualquer empresário, o seu próprio património e o seu futuro profissional.”
José Roquete - “Negócios - DN”,
24 de Outubro, 2005.
 
A vetusta Torre de Babel condenada à ruina, sem remissão.
Só o seu abandono precoce poderá justificar a euforia dos portugueses; a impunidade no erro será o reverso da medalha.
 
 
III
 
Os “cavalos de frisa” - recurso elementar da fortificação defensiva, contra o presente assédio de sistemas de armas, “guerra de estrelas”, investindo a praça inerme e indefesa da Fazenda Nacional, outrora orgulhosa de obra gigantesca,... hoje ofuscada num miserabilismo que contempla ambicioso e desnorteado o “hub” da sobranceira Europa. - “Morte ou Glória!” da heráldica dos galhardetes da briosa Arma de Cavalaria. Excluida a “Glória”, contemple-se a “Morte”, ofegante e sumptuosa, ilusória abastança... devolvida aos pés do capitalismo do Velho Continente, sabiamente cioso de bens que não aliena.
 
Não é redundante, em presença de argumentação fermentada com a virulência da controvérsia e da ocorrência recente de acidentes aéreos demonstrativos, abordar aspectos que urge equacionar com profissionalismo e, assim, proporcionar um complemento porventura omisso a quantos leram e meditaram os “Aditamentos Finais” da nossa intervenção de 9 de Dezembro, 2003.
 
A recapitulação e a pormenorização da sucinta análise, que se olhem como última palavra de uma chamada à consciência e não como polémica publicitária que não se enquadra na linha editorial da “Revista Militar” nem no espírito do signatário, aliás resignado, hoje mais do que então, à condição de “advogado de causas perdidas”.
 
A dinâmica da “praxis” aero-espacial não é estática e a confirmação ou negação das suas regras inexoráveis marca a “estrada de S. Tiago”, pela qual ela procura progredir.
 
1.  A reincidência no erro
“A mais elevada percentagem de acidentes ocorre nas fases de aterragem e descolagem e daí o acidente em potência” - a proximidade do Aeroporto da Portela da cidade de Lisboa, riscos de colisão com edifícios, hospitais, escolas, etc.
 
Tal opinião é defendida por censores irredutíveis da localização Portela, acrescentando ser ela a responsável por “multidão” de lisboetas, cerca de 200 000 (!) padecendo dos ouvidos e de intoxicação por atmosfera poluída por gases de escape....
 
Acontece que as fases de aproximação, descida e circuitos de aterragem, tal como descolagens e subidas para altitude de cruzeiro são exacta­mente aquelas em que os tripulantes responsáveis estão mais atentos às listas de verificações obrigatórias que, por definição, não toleram a mais pequena anomalia no funcionamento dos múltiplos sistemas que intervêm na manobra. - Isto é sabido pelos profissionais de Aviação envolvidos, não lhes sendo desculpável ocultá-lo, nem por adesão obs­tinada a motivações espúrias.
 
A ocorrência de poluição sonora, que é um facto indesejável a todos os títulos nos corredores de aproximação de pistas principais, é evitada, tal como se indicou na intervenção de 9 de Dezembro, 2003, pela adopção de “relocated threshold” nas cabeceiras dessas pistas.
 
2.  Os recentes meses de verão têm sido férteis em acidentes aéreos maiores, com elevada perda de vidas e de aviões. Apenas um deles resultou de aterragem comprida, excedendo a cabeceira da pista.
Analisando as causas desta lamentável e desnecessária situação, a FAA (“Federal Aviation Administration”) debruçou-se sobre os sistemas de Segurança Aérea em vigor nos vários países e decidiu penalizar aqueles em que ela não era assegurada de acordo com os seus estatutos. A proibição de sobrevoo dos Estados Unidos da América aos prevari­ca­dores foi decidida.
 
3.  Os acidentes
- Avião “Boeing 737”, em rota para Atenas.
- Avião “Douglas MD 82”, em rota de Panamá para Martinica.
Em resultado dos dois acidentes - 281 mortos.
 
- Avião “Airbus A-340”, aterragem em Toronto, Canadá
Em resultado do acidente - avião destruído.
Causas dos acidentes:
a)      Negligência nos cuidados de manutenção preventiva e de rotina, nos dois primeiros;
b)      Erro de julgamento do Comandante de Avião, no terceiro.
 
4.    Todos os acidentes citados acima (para além de outros ocorridos no mesmo período) revelam à saciedade que a segurança é irredutível a qualquer tentativa de assimilar segurança aérea à segurança rodoviária ou marítima. Ela é diferenciada, autónoma e penalizante quando olhada sem respeito por regras intrínsecas, rigorosas, precisas e imprescin­díveis. A FAA, que sanciona e actualiza as suas regras, procedeu com indiscutível autoridade (aliás posta em causa, algumas vezes, por credenciadas entidades aeronáuticas de países terceiros, ciosas da salvaguarda da sua autonomia).
 
5.     O acidente à aterragem em Toronto requere e justifica (por razões várias, até o caso OTA, na polémica “exótica” que o envolve) análise mais cuidada.
 
(1) O aeroporto de Toronto dispõe de duas pistas paralelas, lançadas na direcção 060 - 240 (NE-SW). É obvio e elementar que o “ângulo do vento”, à aterragem (tal como à descolagem) é o mesmo para qualquer das pistas, pois são paralelas.
 
(2) No momento da aterragem do “AIR FRANCE A-340”, o “ângulo do vento” é de 90º (“a travers”) com 23 nós (41,5 Km/h). Admite-se que se aproxime ou exceda mesmo os valores toleráveis para uma aterragem segura.
 
(3) Os limites estabelecidos para todo e qualquer tipo de avião, para componentes de vento lateral, indesejáveis, mas compulsórios no caso de não haver “alternativa”, tornam aterragens e descolagens em situações de risco. Este factor risco é acrescido nos momentos cruciais de rápida desaceleração ou rápida aceleração (corridas de aterragem e corridas de descolagem).
 
(4) A tripulação do “AIR FRANCE A-340” é certamente qualificada, competente e experimentada e tenta fazer face à dificuldade que se lhe depara. Só por isso evita a aplicação da travagem mais eficaz - que é a do reversível potente dos 4 motores. Aplica, deliberada e compreensivelmente, apenas travões às rodas. Perde, com isso, 12 preciosos segundos - neles o avião percorre cerca de 700 metros da pista, alagada por chuva torrencial. Só depois opera o reversível. Restam-lhe 2043 metros (cerca de 6500 pés), insuficientes para parar o avião. Este sai da pista na cabeceira SW, parte o trem de aterragem e incendeia-se. A pista que aceitou para aterrar foi a “24 L”, a mais curta das pistas paralelas. O regulamentar sistema de aterragem por instrumentos, “ILS”, atingido por um raio poucos minutos antes, estava fora de serviço.
 
(5)     Ilacções a retirar da ocorrência
 
(a)  Erro de julgamento do Comandante do Avião.
A opção por aeródromo de alternativa impunha-se.
(b)  As pistas paralelas apresentam, uma e outra, iguais limi­tações para ventos cruzados à aterragem e à descolagem. O seu comprimento é factor relevante para a adopção de procedimentos adequados ao delicado domínio direccional nos momentos críticos, quando a decisão de aterragem ou descolagem se apresentem sem alternativa viável.
(c) A existência de pistas lançadas em azimutes separados de, pelo menos, 30º a 40º constitui recurso único para obviar à opção por alternativas de destino, por força de ventos cruzados. (Ver fig. 1 e 2)
(d) É falaciosa e errada a ideia de multiplicar a capacidade de tráfego para determinado aeroporto pela simplista solução de multiplicar pistas paralelas. Se a multiplicação de vias de trânsito paralelas, em auto-estradas de grande movimento, constitui panaceia para facilitar grantes escoantes de trânsito rodoviário, transpor este conceito para aumentar a potencialidade de movimentos em aeroportos, em entradas e saídas de aviões, constitui ilusória e perniciosa utopia. O espaçamento entre aviões utilizadores é factor que se impõe segundo regras não susceptíveis de ajustamentos rodoviários. Todas as tentativas para o conseguir saldar-se-ão em perdas antecipáveis de vidas e bens.
 
 
IV
 
A planta apresentada a público, através da Imprensa, de ante-projecto (certamente sancionada pelo “Programa de Infra-estruturas Prioritárias” das entidades competentes) - (ver fig. 3) - do “hub” na Ota, sem dúvida sedutora para leigos em matéria de aeronáutica, levanta sérios reparos, numa primeira e imediata observação.
 
As áreas imediatamente subjacentes às duas únicas pistas (paralelas) agridem a obrigatória sujeição de servidão aeronáutica, em atropelo à regulamentação das autoridades supra nacionais em causa. Com efeito, a edificação das avantajadas infra-estruturas do “hub”, tão ambicioso como utópico, para servirem a um movimento espectacular de 50 milhões de passageiros (?!) /ano, como suporte operacional, logístico, controlo aéreo, meteorologia, etc. no decurso do Séc XXI, estão “espartilhadas” entre as pistas que distam de 1700 metros - por incontornável condicionamento da orografia do local.
 
Este atropelo, incontornável na Ota, (salvaguardada a hipótese de se enveredar por obras gigantescas onerando esmagadoramente os incautos investidores porventura adjudicatários da “parceria público-privada”) negligencia as regras impostas pelas servidões aeronáuticas que impedem a existência de obstáculos nas áreas nucleares dos aeroportos, nomeadamente aquelas que interferem com a libertação de espaços reservados para a ocorrência de “aproximações falhadas”. (Ver fig. 4).
 
 
V
 
O toque de silêncio ou os acordes da alvorada?
Uma última palavra.
 
As grandes crises - A Nação e as Forças Armadas: A capitulação e os seus traumas.
 
“Entre as Forças Armadas e a Nação o fosso alargou-se ainda mais. A farda não honrava senão os reprovados que, da ingratidão dos civis, não recolhiam motivo de orgulho. Pouco inclinados a discernir as origens e os motivos dos ataques lançados contra eles, endureciam a obstinação da sua vocação castrense, razão das suas vidas.
 
Mais do que nunca, a política apresentava-se lhes como o campo da desagregação das consciências.” FRANÇA, 1939-1942.
“Une Histoire Politique de l´Armée” - 1919-1942"
págª 174, J. Nobécourt. Edições SEUIL, Paris, 1967.
 
“ VE VICTIS!” (“Ai dos vencidos!”)
 
ANEXO - Figuras e conceitos a reter
 
(1)Versatilidade na escolha das pistas em função dos ângulos de vento.
 
 
 

 
(2)   Controlo direccional nas corridas de descolagem e aterragem para ventos cruzados limitativos.
 

 
 
 
(3)   Projecto para o novo aeroporto. (“DN”, 15 de Junho, 2003)
 
 
 
 
(4)   Áreas de aproximação falhada. “Straight missed approach area”.
 
 
 

 
“É possível que o avião continui a descer passada a “altitude de decisão” (“DH”), quando inicia a manobra de aproximação falhada ou que a autori­zação para aterrar seja alterada por circunstâncias imprevistas e a aproximação seja abortada a mais baixa altitude. Em qualquer caso, o critério de servidão aeronáutica precisa de contemplar a progressão das aterragens falhadas, iniciadas mesmo no momento de tocar a pista.
 
Por isso são estabelecidas, obrigatoriamente, 2 Secções que garantem a ausência de obstáculos à manobra.
 
Aproximação falhada - SECÇÃO 1.
 
Começa no fim da extensão da pista em que é suposto o avião tocar o chão (“touch down area”) e está centrada com a sua “linha central” até 3200 pés do início.
Esta “Secção” tem a mesma largura da pista, no seu início, e alarga-se para 3100 pés no ponto que dista 6000 pés do fim da área de tocar. (Total: 9200 pés desde o “threshold”). PORTANTO: A “ SECÇÃO 1” obriga a uma servidão de 3100 pés, desobstruidos, a 9200 pés do início da pista.
 
O aproveitamento da área entre 2 pistas paralelas, de 3600 metros cada uma, distanciadas de 1700 metros, para edificações de indispensável volumetria, colide com esta regra.
 
Aproximação falhada - SECÇÃO 2
 
 
 

 
Segue-se à SECÇÃO 1 por distância de 15 milhas (24 quilómetros), desobstruídos de obstáculos que colidam com “ladeiras” de 40/1 na sua zona central e 12/1 nas áreas secundárias de elevação. Os obstáculos naturais do MONTE REDONDO e da SERRA de MONTEJUNTO agridem este condicionamento.
 
 
RESUMINDO:
 
OTA - “Exequibilidade”:
... Se até um cosmódromo será edificado na LUA...
 
PORTELA - “Dá Deus nozes a quem não tem dentes”.
 
 
“POBRE PÁTRIA QUE MORRES COMIGO”
Luís de Camões
 
 
______________________
 
*      Sócio Efectivo da Revista Militar.
 
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2006-01-16
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia