Nº 2482 - Novembro de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Invasão de Junot e o Levantamento em Armas dos Camponeses de Portugal. A Especificidade Transmontana.
Tenente-coronel
Abílio Pires Lousada
Considerações Iniciais
 
Os temas Guerra Peninsular e Invasões Francesas estão na ordem do dia em Portugal, fruto das comemorações do seu bicentenário (2007-2014). Efectivamente, com maior ou menor amplitude ou solenidade, o quotidiano português de há 200 anos revive-se de norte a sul do País, cada terra tem os seus episódios para contar, os feitos das gentes a relembrar, os heróis a enaltecer e as agruras a repisar.
 
A verdade é que a Guerra Peninsular representa, a vários níveis, um marco histórico de inegável amplitude em Portugal. Desde logo, porque incorpora «ondas de choque» decorrentes de dois acontecimentos europeus interdependentes, um político, a Revolução Francesa, e um militar, as Campanhas Napoleónicas. O primeiro marca a transição da era Moderna para a Contemporânea, o segundo impõe, após o seu epílogo, uma nova Ordem Política na Europa, firmada na Conferência de Viena (1815). Depois, fruto dos acontecimentos revolucionários saídos de Paris (1789), Portugal esteve envolvido em operações militares durante uma vintena de anos (1793-1814), com forças a combater no Território Nacional, no Espaço Soberano da Espanha e noutros meios geográficos do «velho continente» como, por exemplo, na Áustria e na Rússia.
 
Neste contexto, as Invasões Francesas deixaram marcas evidentes no País. De facto, invadido militarmente pela França, primeiro, e controlado politicamente pela Inglaterra, depois, Portugal assistiu à desagregação das instituições estatais, à falência do tecido económico-financeiro, ao caos social e à erosão das possessões coloniais no Atlântico Sul o que, em última instância, conduziu à implantação do Liberalismo (1820) e à independência do Brasil (1822).
 
A verdade é que o tema «Invasões Francesas» faz parte do imaginário grandiloquente da historiografia política e militar portuguesa. Quando abordamos o assunto, surge-nos na memória os nomes dos comandantes inva­sores, Junot, Soult e Massena, dos generais britânicos Wellesley e Beresford e dos portugueses Francisco da Silveira, Bernardim Freire de Andrade e Manuel Sepúlveda. Depois, arrolamos as batalhas vitoriosas do exército Luso Britânico na Roliça, Vimeiro e Buçaco, sem esquecer, claro, a defesa das Linhas de Torres Vedras.
 
Sendo verdade, a descrição não está completa, representa a moldura de um quadro que encontra no povo português a verdadeira obra de arte. Uma tela com muito para contar, porque a Guerra Peninsular foi sobretudo popular, constituindo a resistência do campesinato português o verdadeiro tormento da presença de Junot na «Lusitânia».
 
A resistência popular aos franceses tem merecido ultimamente a minha atenção sendo perceptível que a ocupação de Junot encontrou em cada localidade uma especificidade própria relativamente à amplitude da oposição: localidades houve que ergueram a voz mas não almejaram dar continuidade aos seus anseios por excesso de receio; outras resistiram paulatinamente e puderam fluir num quotidiano amargo; outras ainda aquietaram-se, porque demasiado próximas do centro do poder francês ou porque o fervor populacional se resumiu à intrepidez de uns quantos irredutíveis; algumas localidades sofreram as agruras de uma luta sem quartel, tornando-se mártires da causa.
 
Em Bragança foi diferente; terra agreste, de gente raçuda e afastada da longínqua Lisboa de Junot, a presença jacobina pouco se sentiu, não espantando o brado de alma que afastou a ocupação para longe de Trás-os-Montes.
 
Bragança foi o catalisador da resistência à ocupação francesa, a primeira localidade que pegou em armas e não retrocedeu ou paralisou no ânimo restaurador. Uma evidência vincada pelo General Sepúlveda que, numa proclamação pública, datada de 21 de Junho, enfatiza: “Transmontanos! Nós fomos os primeiros que, intrépidos, acclamamos o augusto nome do príncipe regente nosso senhor, no sempre memoravel 11 do corrente, fazendo tremular nas torres, nas praças e logares publicos d’esta cidade as Quinas Lusitanas1. Sepúlveda deu o mote, a partir de Bragança, da convicção e consciência patriótica de que o País carecia para repor, apoiado na cruz e na espada banhados em sangue e lágrimas, uma História que fluía há sete séculos.
 
Faz hoje precisamente 200 anos que, a 11 de Junho de 1808, o General bragançano Manuel Jorge Gomes Sepúlveda, motivado pelo clero local, chamou às armas todos os transmontanos e deu vivas ao povo nas escadas fronteiras da Igreja de São Vicente. Mais do que um momento solene ou simplesmente simbólico, o acto revelou coragem moral, desprendimento social e abnegação física, um grito tão sonoro quão convicto que ecoou de Trás-os-Montes ao Algarve ensurdecendo Junot e a tropa que o acompanhava.
 
A iniciativa de comemoração desta efeméride levada a efeito pela Câmara Municipal de Bragança é altamente louvável, lembrando a máxima que os «povos que ignoram a sua História tendem a não se respeitarem a si próprios».
 
Falo na minha terra e perante a minha gente, caras conhecida e amigas que perante mim aumentam o grau de responsabilidade da minha prelecção, mas que timbram emocionalmente o conteúdo que pretendo transmitir. Esperando estar à altura do desafio e da efeméride, quero agradecer ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bragança, Engº Jorge Nunes, e à Senhora Vereadora da Cultura, Drª Fátima Fernandes, o honroso convite para discorrer sobre a resistência bragançana à presença dos franceses nesse 11 de Junho de 1808. O meu muito obrigado a todas as entidades envolvidas, deixando uma reiterada palavra de apreço ao Major-General Matos Coelho, Director da Direcção de História e Cultura Militar, por ter sugestionado o meu nome para conferenciar o evento, ao Tenente-Coronel António Martins, Director do Museu Militar de Bragança pelo apoio e informação prestados, e aos presentes que se dignaram marcar presença neste auditório.
 
A Invasão de Junot e o Levantamento em Armas dos Camponeses de Portugal” é uma história feita (ir)racionalidade pura, de paixão e ódio, de probabilidades e acaso, para citar Clausewitz2, que tem no gentio rural o principal protagonista, sendo da mais elementar justiça que essa história seja contada, em memória do que fomos e fizemos, do que somos e do que queremos ser.
 
 
1. Introdução
 
Por que foi Portugal invadido pelos franceses em 1807? Porque, sem o desejar, o País se viu na rota de colisão entre o poder continental Francês e o poder marítimo inglês.
 
No palco europeu, a Inglaterra permanecia como a grande opositora da máquina trituradora dos exércitos napoleónicos, beneficiando de um superior poder naval e da especificidade insular do seu território. Para Napoleão, a solução passava por isolar do continente as ilhas britânicas, estrangulando-a economicamente, exigindo a Portugal o corte dos laços de amizade que mantinha com o aliado secular. Incapaz de sustentar uma neutralidade proclamada, na corte do Regente Dom João sobreveio o dilema perante a atitude a tomar: escolher entre a aproximação à França ou a manutenção do secular entendimento com a Inglaterra. A escolha do campo francês implicava o conflito marítimo com a Inglaterra, que fazia perigar as vantagens comerciais do Atlântico Sul (Brasil), essenciais para a economia do Reino; conservar a aliança inglesa conduziria, inevitavelmente, à invasão do território nacional por franceses e espanhóis (aliados nessa altura). Desta forma, para Portugal “o dilema era o da morte por asfixia [Inglaterra] ou por invasão [França]”3.
 
A ambiguidade marcou a conduta inicial. Com a ameaça de invasão napoleónica o Regente Dom João decretou, a 22 de Outubro de 1807, a partir de Mafra4, o fecho dos portos aos navios britânicos; depois, sabendo que tropas francesas já marchavam em território Nacional, inflectiu «encostando se» à Inglaterra. Assim, por sugestão inglesa (Lorde Strangford), ficou estipulado, a 24 de Novembro de 1807, a retirada da Corte para o Brasil sob protecção inglesa, a liberdade de navegação à marinha mercante deste país e a constituição de um Conselho de Regência destinado a governar Portugal em nome do Príncipe5.
 
 
2. O “Exército de observação da Gironda” e a Invasão de Portugal
 
Ainda antes da formalização do Tratado de Fontainbleau6, a 29 de Julho de 1807, Napoleão ordenou ao general Andoche Junot7 a organização do «Exército de Observação da Gironda», que concentrou em Bayonna durante os meses de Agosto e Setembro. Objectivo: invadir e ocupar Portugal. Ficou estipulado a colaboração de tropas hispânicas, que em conjunto repartiriam o território Português, uma mistura dos preconceitos iluministas de Napoleão e os rancores de Carlos IV”8.
 
Portugal transformava-se, desta forma, em palco de guerra do confronto entre a Inglaterra e a França.
 
Portugal Sócio-Militar
 
Por alturas da invasão, Portugal era um País pobre, com cerca de três milhões de almas maioritariamente entregues ao trabalho numa agricultura paupérrima e numa indústria incipiente. Almas resignadas, submissas e profundamente religiosas, que cerca de 6 mil padres procuravam «afagar». Um País dominado por uma classe dirigente (alta nobreza e alto clero) proprietária de grandes áreas territoriais, com uma burguesia lisboeta e portuense enriquecida, fruto dos lucros do comércio com a Europa do Norte e o Brasil9. A presença militar estrangeira, a partir de finais de 1807 (franceses, espanhóis e ingleses), agravou a situação: era preciso alimentar e alojar toda essa gente, fazer face a sucessivos impostos e bens exigidos pelo ocupante; fugir dos locais dos combates, com consequente abandono das terras; o comércio com o Brasil ressentiu-se sobremaneira com o abandono da Família Real.
 
Por sua vez, o Exército de Portugal reflectia bem a matriz social da época, resumido à “gente do campo, das povoações e nobreza10.
 
A nobreza encontra no exercício militar a sua honra e o seu capricho, uma constante desde a origem da nacionalidade; o militar citadino, sobretudo homens de ofício (mesteirais), são “oficiais mecânicos (…) [com] a conve-niência de se terem um Regimento [e serem] muito precisos para a guerra e para o trato”; relativamente à gente do campo, “é boa porque são criados com exercícios rudes de conduzir pesos, cortar árvores, pegar em arados, enxadas e foices, romper matos e penetrar terras11.
 
Sintomático, é sobretudo com estes últimos, as gentes do campo, que o exército de Junot vai esbarrar durante a sua presença em solo português.
 
A Invasão
 
Com um efectivo à volta dos 26 500 homens (infantes, cavaleiros e artilharia), Junot iniciou a marcha a 17 de Outubro, entrando em Espanha via Fuentarrábia12, onde sentiu as dificuldades da falta cooperação popular hispânica no que respeita a fornecimento de víveres e alojamento; apesar de as autoridades espanholas terem sido alertadas com antecedência da chegada de tropas e as colunas serem precedidas por comissários de guerra13. Por isso, a travessia da Espanha revelou-se um tormento, um augúrio do que aguardava Junot na chegada à raia Portuguesa na Beira Baixa (Segura), a 19 de Novembro.
 
Com o exército «partido», roto e faminto, Junot atingiu Castelo Branco (20 Novembro) de pilhagem em pilhagem, no limiar da subsistência. As dificuldades aumentaram na marcha para Abrantes (onde chegaram a 22 de Novembro), “com a difícil passagem do Zêzere, (…) a desolação da terra e a pobreza dos habitantes14, agravadas por um Inverno particularmente rigoroso e chuvoso. Mais do que uma força militar conquistadora e temida, que se apressava para «libertar o país da perniciosa tutela dos ingleses», como proclamava Junot, o exército francês parecia pedir clemência e estar à beira do fim, a largos quilómetros de atingir Lisboa.
 
Mas pôde continuar, face a algumas recepções pouco menos que calorosas e, sobretudo, à quase total ausência de resistência. Este foi o legado do regente Dom João que, antes de embarcar rumo ao Brasil (27 de Novembro) decretou “que a defesa contra as tropas do imperador seria mais nociva que proveitosa15, vincando a preocupação em evitar escusado derramamento de sangue e a depredação das localidades. Semelhante atitude mostravam as «pastorais» das autoridades religiosas nacionais, sugerindo à população “«toda a quietação e auxílio às tropas francesas»16.
 
Entretanto, depois de ultrapassar Abrantes (24 Novembro), Junot toma conhecimento que a Família Real Portuguesa se prepara para retirar para o Brasil; escreve ao Ministro da Guerra “para embaraçar o embarque e acrescenta: «não forcem o meu exército a disparar as espingardas. Dentro de quatro dias estarei em Lisboa»”17.
 
Junot ficou preocupado com a notícia do embarque da Rainha, Príncipe regente e demais corte, e percebe-se porquê. A par da ocupação de Lisboa, as instruções que o comandante francês trazia de Napoleão diziam respeito à captura da família Real, que materializava, no seu conjunto, a conquista de Portugal. Captura que falhou por um dia, pois só chegou a Lisboa a 30 de Novembro e «ficou a ver navios». Uma chegada, para não variar, debaixo de intempérie, entrando na capital portuguesa a conta gotas, com uma vanguarda a rondar os 1 500 soldados, em estado miserável e parecendo alguns deles autênticos cadáveres vivos18. Ou seja, o temido «Exército da Gironda» transformou-se “num bando de maltrapilhos disfarçado de penachos e galões de meia dúzia de generais escudados na fama de Napoleão19.
 
E, no entanto, só em Lisboa estariam à volta de “15 000 homens do exército nacional20. Mas como as deliberações de boa recepção do Príncipe Regente eram para cumprir …21.
 
 
3. A «Corte» de Junot
 
O comandante-chefe do “Exército da Gironda”, chegado a Lisboa, instalou se no Palácio do Barão de Quintela, os oficiais acomodaram-se em casas particulares e os soldados foram colocados nos conventos, desfrutando “do direito de luz e lume22.
 
Recebido como um «príncipe», Junot proclamou:”«moradores de Lisboa, vivei sossegados em vossas casas, não receis couza alguma do meu exército, nem de mim; os vossos inimigos [os ingleses] somente devem temer-nos. O Grande Napoleão, meu Amo, envia-me para vos proteger (…)»23. Depois, prenho de entusiasmo, escreveu a Napoleão que «este povo está bem na mão! Sou aqui obedecido melhor e mais depressa do que era o príncipe regente».24
 
As unidades francesas foram, então, posicionadas: a Divisão de Delaborde em Lisboa; a de Loison ocupou Sintra, Mafra e o litoral até ao Mondego; a Divisão de Travot guarnece a barra e defende o porto de Lisboa; para Elvas marcharam dois batalhões e outro para Almeida. Posteriormente, Quesnal juntou a sua força ao contingente espanhol estacionado no Porto. Em Lisboa, Lagarde foi designado Intendente da polícia (Março de 1808), com indicações para manter a ordem pública, através da informação e de repressão25.
 
Entretanto, também o contingente militar espanhol entrou em Portugal e, em obediência a Fontainebleau, estacionaram no Alentejo e Algarve, a 4 de Dezembro (Divisão Solano), posicionaram-se no entre Douro e Minho, a 10 de Dezembro (Divisão de Taranco), e Caraffa, com uma Divisão, disseminou se por Lisboa, Setúbal, Sesimbra, Mafra e Santarém, a 25 de Dezembro.
 
Tudo parecia em boa ordem, “os grandes aderiam, os pequenos espe­ravam26, aqueles mais por receio, estes expectantes. De facto, no povo que directamente vivia o quotidiano franco-hispânico, obrigado a cooperar, fluía uma nostalgia silenciosa, sentimentos reprimidos que o menor incidente podia acicatar, sobretudo na região de Lisboa. Foi o que aconteceu a 13 de Dezembro, quando o incauto Junot se lembrou, no seguimento de uma parada militar no Rossio, de substituir a Bandeira Real Portuguesa pela tricolor da República Francesa no Castelo de S. Jorge. Nessa noite, uma desorganizada turba popular resolveu «lavar» a afronta a tiro e à paulada contra os militares de Junot, originando a primeira repressão sangrenta da ocupação.
 
Ficava o aviso. Aqui e ali surgia um soldado francês morto, os insultos iam em crescendo e Junot proibiu os seus homens de frequentar lugares considerados perigosos, como, por exemplo, Alfama e o Bairro Alto, locais de vinho, diversão nocturna e prostituição. Entretanto, as sevícias dos militares franceses iam em crescendo.
 
Do outro lado dos Pirinéus, Napoleão, pragmático, avisava Junot por carta: ”«Recebo a sua carta de 21 de Dezembro. Vejo com prazer que, desde 1 de Dezembro, dia da sua entrada em Lisboa, até 18, em que começaram a manifestar-se os primeiros sintomas de insurreição, nada fez. (…). Desarme os habitantes; despeça todas as tropas portuguesas; (…), mantenha-se numa atitude de severidade que o faça temer. Mas parece que (…) não tem nenhum conhecimento do génio dos portugueses e das circunstâncias em que se encontra. Será vergonhosamente expulso de Lisboa, apenas os ingleses tenham efectuado um desembarque, se continuar a proceder com essa moleza27.
 
Consequentemente, entre finais de Dezembro de 1807 e Março do ano seguinte, Junot impõe medidas de largo alcance: o Exército de Linha é desmantelado (22 de Dezembro de 1807), sangrando-se a possibilidade de a oficialidade portuguesa poder causar problemas futuros, mas alguns oficiais foram para as suas casas na província, entregues ao ócio e a aguardar o momento de agir28; a partir do remanescente desse Exército, organizou-se a Legião Portuguesa (Março de 1808), constituída por 9 000 homens e enquadrada pelos prestigiados marquês de Alorna e os generais Gomes Freire de Andrade e Manuel Pamplona, que combateu por Napoleão no teatro europeu; seguiu-se o desmantelamento das milícias e das ordenanças (11 de Janeiro de 1808), um passo em falso, pois empurrou o «povo miliciano» para a clandestinidade29; e Napoleão, a esse respeito, não deixou de avisar “«(…) vigiai os soldados que forem devolvidos aos lares, a fim de que não apareçam chefes audaciosos que formem núcleos de concentração no interior»30; a pretexto de acabar com os acidentes na caça, desarmou a população proibindo o uso de armas de fogo em todo o território31; a 1 de Fevereiro, Junot decretou a extinção da Casa de Bragança, proclamando: “«Habitantes do reino de Portugal (…). Decidiu-se a sorte de Portugal, assegurou-se a sua felicidade futura, pois que Napoleão o tomou debaixo da sua omnipotente protecção. O príncipe do Brasil, abandonando Portugal renunciou a todos os seus direitos á soberania deste reino»32; a 4 de Fevereiro, por ordem de Napoleão, lançou se um imposto extraordinário de 100 milhões de francos, para efeitos de guerra, montante a repartir pelas províncias em conformidade com “«as posses de cada huma»”33; todos os bens da Casa Real, das pessoas que foram para o Brasil e dos ingleses residentes foram confiscados; o comércio externo foi sujeito ao controlo do imperialismo francês; os camponeses foram submetidos a todo o tipo de requisições em bens e géneros; as peças em ouro e prata das igrejas roubadas para alimentar a ocupação.
 
Portugal tornou-se numa Nação amordaçada.
 
Perante isto, na capital algumas elites políticas e religiosas nacionais submetiam-se ou acomodavam-se, enquanto se sucediam os desfiles militares, as festas palacianas e os atendimentos públicos de Junot no palácio de Alecrim34. Lisboa era uma sombra da capital cosmopolita de outros tempos, uma cidade cinzenta, vadia e arruinada.
 
Entretanto, em Mafra, um jornaleiro de nome Jacinto Correia era fuzilado a 25 de Janeiro de 1808, no topo sul do Convento de Mafra por ter morto, em legítima defesa, dois soldados franceses que o pretenderam roubar; tratou-se de um dos primeiros actos isolados de resistência à ocupação, timbrada pela exortação do saloio «se todos fossem como eu nem um só francês ficaria vivo», no momento do julgamento em Conselho de Guerra35. No mês seguinte, Loison mandou fuzilar nove soldados portugueses nas Caldas da Rainha, por se terem envolvido em desacatos com franceses; cruzes canhoto que vais para o maneta.
 
Enquanto isso, os ingleses velavam no Atlântico, junto à costa36.
 
Mas foi no Portugal profundo, particularmente a norte do Mondego, que emergiu a revolta, através de uma «arraia-miúda» que viveu longos meses preocupada em sobreviver a um amargo quotidiano, suportou a intrusão estrangeira porque assim lho exigiram, «engoliu» o abandono da Família Real e aguentou a colaboração das «classes superiores». Mas, a nostalgia deu lugar à raiva, quando surgiu a obrigatoriedade de dar pão e cama a um intruso agressivo, contribuir com os seus parcos rendimentos para a ostentação e sustentação do invasor, tolerar sevícias de toda a ordem e a toda a hora ao usurpador. Sentimentos acumulados que foram sendo libertados ocasionalmente, mas que acabaram por explodir de forma generalizada e incontrolável, passando a resistência da mera não colaboração com o ocupante até ao confronto directo.
 
Resistência que foi instigada e alimentada pelo clero paroquial, reconhecidos como “«santos pastorais»37. O que não espanta, se atentarmos na «heresia» praticada pelos franceses descrita pelo Abade de Baçal: “(…) Igrejas profanadas e roubadas (…); delas faziam estrebarias, dos altares manje­douras e dos santos estilhas para cozinharem o rancho38. O fervor religioso mostrar-se-ia remédio santo sem antídoto francês39.
 
 
4. O Levantamento em Armas dos Camponeses de Portugal
 
Curiosamente, a motivação decisiva para a revolta em Portugal veio de Espanha.
 
Como vimos, a Espanha mantinha-se como aliado da França. Mas a situação precipitou-se quando Napoleão obrigou o rei Carlos IV e o Príncipe Fernando a abdicarem, tornando a Espanha um Estado satélite da França, governada pelos Bonaparte.
 
Foi o suficiente para o estalar de uma insurreição popular em Madrid, em 2 de Maio de 1808. No imediato, as patrulhas francesas foram atacadas de todos os lados. Tiros partiam das janelas, água e azeite a ferver eram jogados do alto das sacadas e pelas ruas turbas de madrilenos vagavam, coléricos, dando caça aos franceses. Bravura popular que não demorou a ser cruelmente reprimida pela tropa ocupante, “tornando as ruas e vielas de Madrid num matadouro em céu aberto40, imortalizada no célebre quadro de Francis Goya.
 
As ondas de choque da capital espanhola repercutiram-se de imediato a outras regiões: Astúrias, Galiza, Leão, Aragão, Valência, Múrcia, Granada, Sevilha. A Espanha estava em pé de guerra, onde camponeses, pequenos fazendeiros armados e tropa regular puseram em «cheque» os 80 mil homens do general francês Murat (comandante da ocupação) e obrigaram à presença do Imperador na Hispânia. A repressão, como não podia deixar de ser, foi brutal. Porém, mais que debelar a insurreição, a repressão acicatou-a pois, como escreveu um general francês a Napoleão, “exasperamos os povoados e não sabemos ganhar os indivíduos41.
 
As consequências da Insurreição espanhola não demoraram a fazer-se sentir em Portugal. Em dificuldades na Espanha, Murat pede a Junot o envio de tropas para guarnecer a fronteira luso-espanhola, sendo destacado Loison para Almeida, com perto de 4 000 homens, e Kellermann para Badajoz, com 2 000 soldados42. Junot viu-se, assim, obrigado a dispersar os seus efectivos.
 
Os acontecimentos de Espanha, impeliu os efectivos espanhóis presentes em Portugal a regressarem ao seu país.
 
Mas, em Portugal o povo não tinha força armada organizada onde se apoiar para dar brado ao seu estado de alma: a frota naval foi, na sua maioria, para o Brasil; o exército de Linha foi anulado e as melhores tropas encaminhadas para a Europa (Legião Portuguesa); as milícias mantinham-se em casa, como sempre, mas sem armamento; o mesmo sucedia com as ordenanças (povo armado), que teriam à disposição os instrumentos caseiros.
 
Como o povo não tinha um exército que o enquadrasse, tornou-se ele próprio o exército, camponeses, pescadores, carpinteiros, serralheiros, milí-cias, e ordenanças, oficiais, padres, tudo gente vilipendiada, ferida no seu orgulho, munidos de artefactos domésticos como machados, varapaus, roçadoras, foices, martelos, facas, uma ou outra arma de fogo. O povo era o exército, anárquico mas motivado, rudimentar mas disponível, violento mas generoso.
 
Portanto, a partir de meados de 1808, o povo pegou em armas contra o exército regular de Junot e travou-se uma luta desigual, do fraco contra o forte, da anarquia contra a organização, da violência apaixonada contra a repressão. Perante tudo isto, Junot, sentado em cima de um barril de pólvora, ameaçava espingardear tudo e todos.
 
O general Ballesta, que ocupava o Norte de Portugal em nome da coroa hispânica, retirou para a Galiza a 6 de Junho, não sem antes prender o comandante francês Quesnal e parte dos seus soldados no Porto, passando o poder ao Brigadeiro Luís Oliveira e Costa. Imediatamente, o Porto aclamou o Príncipe Regente, hasteando a Bandeira Portuguesa na fortaleza de São João da Foz, imitado por Chaves nesse mesmo dia, e Braga e Vila Pouco de Aguiar a 8 de Junho. Mas sem consequências imediatas. Utilizando uma expressão do Abade de Baçal, o Porto “retrogradou” a 7 de Junho, porque o Brigadeiro Oliveira e Costa, temendo a reacção francesa, mandou de novo arrear a Bandeira Portuguesa e proclamou fidelidade a Junot; Chaves, Braga e Vila Pouca, aquietaram-se, tentando perceber a marcha dos acontecimentos.
 
A especificidade do levantamento em Bragança
 
Durante a ocupação, Trás-os-Montes em geral e Bragança em particular foram os locais onde a presença franco-espanhola menos se sentiu. A terra era parca de recursos, a geografia difícil de palmilhar e as gentes pouco atreitas a colaborar. Por aqui deambulavam uma outra coluna de espanhóis e uns quantos soldados franceses, cujas ordens e intimidações pouco resultado prático tiveram.
 
Mas isso não obstou que a presença estrangeira fosse considerada perniciosa, cingindo-se a colaboração à nulidade. Depois de o Porto engolir o seu grito de revolta de 6 de Junho e Braga e Chaves se aquietarem após 8 de Junho, Bragança carregou nos ombros o ónus de uma insurreição afirmada, que galvanizou toda a província e serviu de exemplo para o tecido social nacional como um todo.
 
Eram 5h da tarde de 11 de Junho quando, em Bragança, Madureira Cirne, abade de Carrazedo, recebeu em casa uma carta dando conta da revolta no Porto, informação que passou aos presentes, o cónego da Sé Catedral, Bento José de Figueiredo Sarmento, o bacharel Pedro Álvares Gato, o médico António Afonso Dias Veneiros e outros; logo ali se formulou a intenção de agir, exclamando a abade Madureira Cirne “«é tempo de sacudirmos o jugo francês! Viva o Príncipe Regente»43. Entusiasmado, contacta o capitão Bernardo de Figueiredo Sarmento, do Regimento de Infantaria 24, o governador do bispado, Paulo Miguel Rodrigues de Morais, e o sargento-mor de milícias, Manuel Ferreira de Sá Sarmento44. Todos manifestam vontade de um levantamento em armas na cidade contra os franceses, disponibilizando-se, de imediato, a agrupar soldados, milicianos e populares para o efeito, que são encaminhados para a frontaria da Igreja de São Vicente.
 
Impunha-se aliciar um oficial com o prestígio e a influência necessárias para organizar e comandar a «turba» que se ia juntando. E quem melhor que o jovem general Manuel Sepúlveda, de 73 anos e governador militar provincial? Este, que se encontrava no interior da Igreja a assistir à tercena de Santo António, aceita o encargo, posiciona-se no cimo das escadas e lança o grito de emulação guerreira: proclamou a restauração dos direitos reinantes da Casa de Bragança, chamou às armas todos os transmontanos, enalteceu o fervor patriótico do povo, ordenou a reorganização de todas as forças militares regulares (Regimentos de Infantaria 24 e Cavalaria 12), Regimento de milícias e Brigada de ordenanças e solicitou um contributo financeiro e em géneros a todos os bragançanos45.
 
Mas a grande originalidade da revolta em Bragança prende-se com o facto de nessa mesma noite de 11 de Junho, as palavras do general Sepúlveda terem sido passadas a papel, num claro gesto de firmeza, com a afixação de um edital que referia: “ «Devendo pelas circunstâncias ocorrentes dar as provi­dencias conducentes á segurança desta província, por se achar sem tropa alguma de linha: faço saber a todos os desertores simples que em nome do Príncipe regente, N. S e Soberano, lhes perdoo a dita deserção, se se juntarem por estes quinze dias á minha presença nesta cidade e á presença do governador de Chaves, naquella praça e no referido termo, para se alistarem nas tropas, que vou formar desde já com officiais, que sahirão da redução passada. Convido também e mando aos que deram baixa na dita redução, venham alistar-se na referida forma, com vencimento de pão e pret que dantes tinham, até superior resolução. Nas circunstâncias supraditas não é preciso mais palavras para entusiasmar os bons portugueses, tendo o exemplo nos vizinhos hespanhoes. Dado no Quartel General de Bragança aos 11 de Junho de 1808. Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda»46.
 
Enquanto isso, o Cónego Figueiredo Sarmento faz repicar os sinos da Sé, o mesmo fazendo em seguida as restantes igrejas, dão-se salvas de artilharia e a cidade é iluminada durante três noites. No dia seguinte, 12 de Junho, “o governador do bispado entoou um solene Te Deum em acção de graças, a que assistiu a cidade em peso, clero nobreza, militares e populares47.
 
A proclamação de Sepúlveda, que enviou o edital para os governadores militares e capitães-mores da província, arrastou outros concelhos da província à revolta, em efeito dominó: Miranda do Douro (13 de Junho), Ruivães (14 de Junho), Chaves recobrou o ânimo (14 de Junho)48, Vila Real (16 de Junho), Moncorvo, Mirandela e Alfândega da Fé (17 de Junho). Como se constata, Trás-os-Montes ergueu-se como um todo em armas antes de o Porto o fazer de forma irreversível.
 
 
A partir daqui, o prestígio do velho general marcou o andamento da resistência: encetou contactos com a Galiza e Castela, através dos generais espanhóis Pignatelli e Cuesta, respectivamente; com o objectivo de defesa do Douro, deu instruções para as gentes de Moncorvo levantarem fortificações no sítio da Barca do Pocinho, de forma a barrar o itinerário da Beira para Trás os-Montes, reorganizou os Regimentos doze e dobra de Bragança; no dia 18 organizou as guardas da cidade49.
 
Depois de controlados os motins que durante quase uma semana desviaram a acção popular dos reais objectivos da resistência, de que falaremos a seguir, Sepúlveda profere nova e decisiva proclamação, a 21 de Junho: “«honrados habitantes d’esta província! É chegado o tempo, o feliz tempo de sacudirmos o jugo francez, com que o assolador da Europa pretende reduzir à escravidão toda a terra. Vamos, pois, reppelir a força com a mesma força; defender o nosso augusto, amável e o melhor de todos os príncipes, a nossa sagrada religião e a nossa pátria, na certeza fiel de que, mediante o auxílio do Omnipotente, que com tanta particularidade tem defendido esta Monarchia, alcançaremos a victoria e a nossa felicidade.
 
Transmontanos! Nós fomos os promeiros que, intrépidos, acclamamos o augusto nome do príncipe regente nosso senhor, no sempre memorável dia 11 do corrente, fazendo tremular nas torres, nas praças e logares públicos d’esta cidade as quinas lusitanas: vamos, pois, defender a nossa causa, a mais legitima que tem apparecido em todos os séculos; não nos esquecendo que somos descendentes d’aquelles valorosos portuguezes que, depois de sacudirem da sua pátria o jugo mauritano, levaram as suas armas triumphantes e comunicaram a luz da religião em todas as parte da terra.
 
Vamos, pois, com valor, cumprir os nossos deveres e ganhar os louros que se preparam aos que, animados da honra e da conservação de nossos augustos príncipes (cuja saudade tem penetrado nos nossos corações) se apressem a pegar em armas»” 50.
 
Entretanto, sabendo-se que Loison saíra de Almeida para sufocar a rebelião no entre Douro e Minho, Sepúlveda enviou, a 23 de Junho, 60 homens para a Régua, a lutarem às ordens de Francisco da Silveira, entre 25 e 29 de Junho enviou para Moncorvo 240 homens e 2 peças de artilharia, e depois, para dar consistência à defesa de Barca de Alva e Peredo, locais sensíveis para acesso inimigo à província, deslocou 135 homens para Urrós, a 4 de Julho51.
 
Enquanto os acontecimentos evoluíam, Junot, incapaz de perceber o alcance da conduta das massas populares, limitava-se, ainda, a encarar os acontecimentos como um mero movimento de campónios no interior, acreditando que eles se resolveriam com simples operações de polícia52. Procurando enganar as populações, dizia que os franceses travavam, em Espanha, os apetites de anexação de Madrid e que “chegou o tempo de reunir os esforços comuns, contra o inimigo comum53, a Espanha, claro.
 
Porém, para o povo a luta assumia foros de reconquista. Mas, ao contrário de Espanha, onde a insurreição era enquadrada por contingentes regulares e nas províncias se constituíam juntas governativas, em Portugal os motins evoluíam de forma ad-hoc, dispersos, na ausência de um pólo político e militar unificador54. “Portugueses. Que delírio he o vosso?”, exclamava Junot a caminho da desorientação, em que abismo de males quereis vós ficar sepultados? Depois de sete mezes da mais perfeita tranquilidade, da melhor armonia, que razão pode fazer-vos correr a pegar em armas, e contra quem? Contra hum exército que deve assegurar a vossa independência (…); sem o qual finalmente cessareis de ser portugueses? (…) Quereis pois que a antiga Lusitânia não seja mais que huma província da Hespanha?55. Mas isso não obstou que a insurreição se generalizasse, o povo resistisse à brutalidade da repressão e Junot perdesse o controlo dos acontecimentos. “Submeter o povo à dura prova de obedecer sem acreditar foi tarefa difícil e precária56.
 
A plebe revoltava-se, furiosa e descontroladamente, contra os franceses e, em certa altura, contra os colaboracionistas ou os julgados como tal. E, de facto, a fúria popular, gritando «morte aos jacobinos» abateu-se, não raras vezes, sobre magistrados, «fidalgos» e alguns militares nacionais, tendo os judeus como alvo preferencial. Edifícios públicos são assaltados, arquivos quei­mados, pessoas presas ou liquidadas. É a desordem total.
 
Neste particular, Bragança não foi excepção, a fúria popular em desvario ocorreu, a que não foi alheio o conhecimento (a 15 de Junho) de que o Porto retrocedera e o boato de que os franceses se aproximavam pela fronteira galega. Os receios surgiram e alguns «grandes senhores» aquietaram-se.
 
Tanto bastou para os motins ocorrerem, instigados pelo sapateiro Viseu (alcunha pela cidade de origem) e o taberneiro Nicolau (auto-proclamado Loison, por ter um braço aleijado). Acusadas de traição, as autoridades são afrontadas, e caluniadas de afrancesados ou judeus, pessoas são presas e molestadas e as casas saqueadas57. A insubordinação alastra à tropa regular com o Regimento de Cavalaria 12 a insurgir-se contra o comandante, Amaro Vicente Pavão, membro da Junta que acusaram de afrancesado; o próprio castelo é assaltado, tentando os insurrectos tomar o paiol de munições, que não conseguem58. Nem a reunião convocada para o largo de Santo António, a 19 de Junho, aplacou a situação; parte do povo permanecia “dominado pela vertigem da insânia e embriaguez das multidões acéfalas59. A 21, a anarquia desenfreada atingiu o pico do absurdo, pois o dia de feira avolumou o número de arautos da desgraça; mas foi também nesse mesmo dia, à noite, que as autoridades, com Sepúlveda firme, conseguiram, finalmente, pôr cobro à violenta desordem, sendo o sapateiro Viseu e o taberneiro Nicolau presos e recambiados para o Porto60. Curiosamente, foi neste mesmo dia que Sepúlveda recebeu uma carta do Bispo do Porto D. António a informá-lo do novo levantamento e que fez a segunda proclamação aos bragançanos, já citada.
 
Neste clamor anti-francês, que ocorre desvairado por todo o lado, é a própria ordem social portuguesa que está em causa, a ordem do Antigo Regime. As «classes elevadas» desesperam, prensadas entre uma violência «patriota» que recriminam e a obediência a Junot e à ordem instaurada, passível de manutenção dos seus pergaminhos de casta; os militares estão divididos entre os que foram licenciados e perderam «os galões» e os que se mantêm debaixo da hierarquia existente, onde prosseguem a carreira; também o clero está espartilhado, parte do alto clero aconselha à colaboração, enquanto o baixo clero partilha da cólera das ovelhas violentadas na sua dignidade61.
 
Os «grandes» percebem que é impossível mandar parar os tumultos sem fazer cair sobre si acusações de traição, nem ignorá-la, a bem da ordem e da hierarquia social. Assim, urge dirigir, de forma coordenada, o poder das massas contra os franceses, o que significou a sua adesão à causa popular.
 
Protegidos pelo «crucifixo», serão, sobretudo, os prelados a tomar conta da situação62, apoiados em oficiais de prestígio nas províncias renegadas. «Queres ganhar o céu? Mata um francês», motivavam os padres.
 
O general francês só «acordou» quando, a 18 de Junho, ocorreu a segunda insurreição no Porto, onde se aclamou o Príncipe Dom João e constituiu a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino.
 
Realmente, no Porto o Bispo Dom António de S. José de Castro toma o controlo dos acontecimentos e é apoiado pelas autoridades civis, militares e religiosas da cidade. Uma turba popular de 10 000 indivíduos concentra-se junto ao Episcopado da cidade e um Padre Franciscano instiga alto e bom som: “Vamos: dêmos mais um publico argumento da nossa utilidade. Ver me heis á vossa frente: segui-me. A táctica necessária para a empreza facilmente se aprende: o amor, a vontade, a coragem e o interesse tudo vencem. Nada vos intimide, nem ainda a consciência. Cravae o ferro no inimigo, e banhado no seu sangue, pendurae-o por cima das vestes sagradas, e offerecei a Hóstia Pacifica sobre os vossos altares”; o povo, ufano, gritava «mata! Mata!»63.
 
Era de mais para um «sossegado» Junot.
 
Por isso, a resposta, a carimbar com ferro e fogo, foi concedida a Loison que, com 2 600 homens, 50 cavalos e 4 peças de artilharia sai de Almeida e se dirige para o Entre o Douro e Minho, decidido a afogar em sangue a insurreição nortenha.
 
Entretanto, a notícia da marcha do general francês é conhecida na Régua e em Vila Real; à sua aproximação, as populações avisavam: “Vem aí o Jinot com as guilhotinas64. O Tenente-Coronel Francisco da Silveira organizou, então, a partir de Vila Real, uma força de milícias, ordenanças e paisanos para se lhe opor, incluindo 60 bragançanos enviados por Sepúlveda65. Silveira divide as suas forças em duas colunas e ataca a testa da coluna francesa nas ravinas de Padrões da Teixeira e, simultaneamente, a sua retaguarda e as bagagens na Régua. Loison, impotente, tendo perdido dois obuses, alguns barris de pólvora, armamento e bagagens, retirou para Almeida, depois de incendiar Souropires, saquear Pinhel66 e cair numa outra emboscada, montada no lugar do santinho, a 2Km da Régua.
 
Como se constata, a presença francesa aquém Douro não passou de uma miragem. Entre 6 e 19 de Junho praticamente todas as localidades estavam em pé de guerra contra os franceses. Definitivamente, o Norte de Portugal não era a região ideal para os franceses fazerem contra-subversão. O Norte são montanhas e refúgio, o Norte é de gente comunitária muito ciosa do seu quintal, aqui mandam os que cá estão e, assim, esses lugares eram para esquecer. Os franceses viam-se obrigados a reagir sob marchas forçadas, por caminhos canhestros, orientado por péssimos mapas, sem recursos exequíveis e constantemente acossados; a tarefa apresentava-se inviável.
 
De facto, estes «soldados sem uniforme» e «assassinos de estrada», como mais tarde chamou Massena a esta «turba» popular»67, emboscavam os franceses a partir dos montes, assaltavam contingentes que marchavam imberbes em caminhos de difícil transitabilidade, acometiam de rompão vindos de matas densamente arborizadas. Batiam e fugiam, furtavam-se ao combate, evitavam empenhamentos decisivos. O importante era manter o ocupante debaixo de constante pressão, minar a sua capacidade moral, desgastar a sua capacidade combativa.
 
Para os franceses, esta era uma guerra de novo tipo, que não conheciam, não esperavam e para a qual não estavam minimamente preparados. Para os exércitos napoleónicos, a guerra consistia num confronto entre exércitos, capaz de permitir a aniquilação do adversário num qualquer campo de batalha. No entanto, a guerra que lavrou em Portugal, nesse período, fugiu aos cânones militares da época e à capacidade de comando de Junot.
 
O poder do Norte organiza-se em juntas governativas, destacando-se as de Bragança, sob comando do general Manuel Sepúlveda, e a do Porto, chefiada pelo Bispo Dom António de Castro, que assumiria o governo do País68.
 
Com a região a norte do Mondego libertada, a Junta do Porto encetou contactos com a Junta da Galiza e com os ingleses, que permaneciam expectantes ao longo da costa portuguesa. Atento, o Almirante britânico Cotton, a bordo do navio Hibernia, informava “que (…) a libertação do reino, assim como a da Espanha, estava iminente69.
 
Receoso, Junot impediu toda a gente de sair de Lisboa, de contactar os ingleses na costa e, inclusive, de festejar as festas de S. João e de S. Pedro; para o País avisou que “qualquer povoação onde se pegasse em armas contra o exército francês seria entregue ao saque e os seus habitantes passados a fio de espada70. As ameaças, mais uma vez, não encontraram quem as escutasse.
 
Entretanto, secundando a região nortenha, em finais de Junho sublevaram se as localidades do Sul do território: o Algarve, a partir de Olhão (16 de Junho - ainda antes do Porto), que se alastrou em bloco a toda a província, como um todo homogéneo, e depois o Alentejo, revolta iniciada em Beja, a 24 de Junho, mais difícil de sustentar, atendendo às características do terreno. Pelo que se percebe, “o movimento restaurador evolui da periferia para o centro, isto é, das zonas mais desguarnecidas e próximas da fronteira (…) para as regiões onde a presença do invasor era mais sentida 71. Acresce que nas localidades de fronteira, Trás-os-Montes, Minho, Beira e, principalmente, no Alentejo, há contingentes espanhóis que auxiliam a resistência portuguesa.
 
Pobres acções de polícia de Junot. A sua tropa, principalmente depois da retirada dos espanhóis, é curta para ocupar todo o Portugal. Ter-lhe-ão afluído ao cérebro as palavras de Napoleão: «retirará vergonhosamente de Portugal».
 
Fora da periferia, a revolta de Coimbra (23 de Junho à noite - véspera de S. João) revelou-se singular72. O pequeno destacamento francês existente na cidade (44 homens) foi aprisionado por milícias e ordenanças do Porto e alguns voluntários da Mealhada e Ois dirigidas pelo padre José Bernardo de Azevedo, depois de acometerem o Colégio de S. Tomé na rua de Santa Sofia73. No dia seguinte, foi nomeado como governador da cidade Manuel Pais de Aragão Trigoso, vice-Reitor da Universidade, e como governador de armas o General Bernardim Freire de Andrade, depois substituído pelo seu irmão Nuno.
 
Os recursos da Universidade foram de imediato colocados ao dispor da causa: os laboratórios reajustaram-se ao fabrico de pólvora e balas, os populares cortaram pontes, obstruíam estradas e armaram-se, enquanto os académicos formaram um corpo militar, constituído pelos lentes e pelos estu­dantes74. Coimbra levantava-se em armas, de tal forma que, a 27 de Junho, “acorrendo ao chamamento do Vice-Reitor, entram em Coimbra 15 a 20 000 paisanos, cheios de entusiasmo, em pé de guerra, armados de lanças, piques e roçadouras - «armas (…) que com certeza conduzem à morte»75.
 
Entretanto, organizaram-se na cidade duas colunas de voluntários (estudantes, populares e milícias), com destino à Figueira da Foz e a Leiria; a primeira foi retomada em 27 de Julho e a segunda a 30 desse mês. A ocupação do forte de Santa Catarina, na Figueira da Foz, foi uma acção deveras importante pois permitiu o contacto efectivo e a troca de informações com os ingleses nessa faixa marítima.
 
 
5. O Ocaso da Presença Francesa
 
Desesperado, Junot deu ordem para a concentração das suas forças em torno da cintura de Lisboa: Setúbal, Leiria (retomada pelos franceses), Ourém, Tomar, Santarém, Rio Maior, Óbidos, Mafra, Sintra e Sacavém eram para sustentar. Quanto a Lisboa, a sua defesa devia ser assegurada até ao limite, tendo Elvas como refúgio em caso de insucesso76. O espírito da derrota apossara-se de «El-Rei Junot».
 
Mandou regressar Loison de Almeida e Kellermann de Elvas. Tarefa difícil, com o País revoltado de Norte a Sul, encontrar alguém que fizesse chegar as ordens de Junot aos destinatários. Para se ficar com uma ideia, consta que para Loison foram expedidas 25 cartas e nenhuma delas chegou ao destino77. Mas pôde regressar, fazendo uma matança em Tomar na sua marcha de Almeida para Lisboa.
 
A região de Lisboa tornou-se o centro de operações da repressão, de onde Junot lançou uma campanha de terror no Alentejo. Em Beja, o general Kellermann foi assaz sangrento, onde proclamou a 1 de Julho: “«Habitantes do Alentejo! Beja tinha-se revoltado, Beja já não existe. Os seus criminosos habitantes foram passados a fio de espada, e as suas casas entregues à pilhagem e ao incêndio»78. Em Évora (29 de Julho), tarefa semelhante foi levada a efeito por Loison, que aí causou «uma mortandade horrorosa».
 
Mas tudo era inconsequente e os resultados vácuos, à passagem dos generais franceses a populaça ou se refugiava ou se aquietava pois, passada a vaga assassina, logo se erguia blasfemando-o. Assim foi acontecendo, um pouco por todo o lado porque “não havia um inimigo que ele pudesse perseguir e destruir. O inimigo era toda a gente e ninguém. Toda a gente porque toda a gente o podia atacar; ninguém porque ele não podia considerar inimigo quem o não atacasse79. Como observou nas suas memórias um seu conterrâneo, o marechal Jourdan: “estas terríveis execuções militares não serviram senão para azedar os espíritos e dar uma nova energia ao povo80.
 
Com Lisboa amordaçada, a Estremadura manietada e a região entre os rios Minho e Mondego em estado de independência, restavam os ingleses para escorraçar a tropa francesa. E, realmente, os ingleses, que acompanhavam do mar o evoluir da situação, aprontavam-se; e as populações esperavam. De tal forma que as populações ribeirinhas não tiravam os olhos do mar, espreitando no horizonte as embarcações britânicas. Na zona da Ericeira um velho cónego apontava todos os dias no seu almanaque: - uma vela! Duas velas!... - mora à Beira-mar e leva os dias a contar os navios ingleses.
 
Assim, a 1 de Agosto de 1808, os ingleses desembarcaram em Lavos, na foz do Mondego, 14 000 homens, cavalos e artilharia em perfeita tranquili­dade, só possível porque o Norte do País estava controlado pelos patriotas e devido à pressão que o Batalhão Académico de Coimbra (698 elementos) e 3 000 ordenanças de Carapinheira de Campo, Montemor-o-Velho e Tentúgal exerciam na região81. Comandava a força o general Arthur Wellesley, que três dias depois “assinava uma proclamação em que prometia libertar o Reino82, marchando para Sul em direcção a Lisboa, apoiado na retaguarda for efectivos portugueses de Bernardim Freire de Andrade. Seguiu-se o encontro entre os generais ingleses Wellesley e Trant e os portugueses Bernardim Freire de Andrade e Morais Bacelar, que se apresentaram em Leiria com 6 000 soldados enviados pela Junta do Porto83. Da «conferência» surgiram desentendimentos sobre a estratégia a seguir: Wellesley pretendia atacar Junot próximo de Lisboa, junto à costa, apoiado no mar pela frota inglesa e em terra pelas forças portuguesas; Bernardim Freire queria que os ingleses atacassem na raia beirã, pois receava uma ofensiva francesa vinda de Espanha84.
 
Prevaleceu o conceito de operação britânico.
 
Entretanto, como reagiu Junot aos acontecimentos? Mandou Loison e Kellermann regressar do Alentejo, dirigiu-se para Torres Vedras, onde instalou o quartel-general, e ordenou a Delabord que marchasse para Óbidos a barrar a progressão inglesa. Preocupado que, na sua ausência, Lisboa se sublevasse, enganou a população ao informar que “o inimigo estava em aperto85.
 
Em vão, na Roliça, área montanhosa a sudeste de Óbidos, onde Delaborde se entrincheirou com 6-7 mil soldados, os ingleses desbarataram os franceses (17 de Agosto), obrigando-os a recuar para Torres Vedras, deixando atrás de si inúmeras baixas. Quatro dias depois feriu-se um novo recontro no Vimeiro, perto de Torres Vedras. Já com Junot e Loison presentes, a que se juntou o remanescente das forças de Delaborde, a iniciativa da batalha pertenceu-lhes, que não impediu nova derrota dos franceses, desta vez conclusiva.
 
Era o ocaso da presença de Junot em Portugal.
 
O acordo foi celebrado em Sintra, na Convenção assinada a 30 de Agosto. Um acordo concretizado entre franceses e ingleses, que deixaram à margem do processo negocial qualquer representação portuguesa, que suscitou viva contestação86. Efectivamente, para os portugueses a Convenção foi um logro e um abuso, uma “consagração diplomática da política de rapina87, aproveitando os franceses para retirar calmamente por mar, sob escolta naval britânica, com os despojos surripiados durante a ocupação.
 
Que diferença a retirada sobranceira dos vencidos quando comparada com o miserabilismo do exército que, nove meses antes, penetrara vitoriosamente Portugal.
 
 
6. Considerações Finais
 
1808 consubstanciou a violência de um grito de revolta popular contra a usurpação de bens, a expropriação territorial, as ofensas morais e as agressões físicas efectuadas por um invasor que não levou em linha de conta o «código genético» Português. À resistência nacional seguiu-se a repressão pelas forças de ocupação, que originou uma escalada de violência de parte a parte. Enquanto a repressão devastava os povoados e chacinava os residentes, estes destilavam ódio e tingiam em sangue as colunas francesas.
 
Em 1808, Portugal assistiu a uma guerra assimétrica, onde paus, pedras e armas domésticas defrontaram fuzis de infantaria, sabres de cavalaria e peças de artilharia. Tratou-se de uma luta desigual, é certo, mas a guerra pendeu a favor da subversão: porque o objectivo era vital, estando em causa a sobrevivência da Nação e integridade do Estado; combatia no espaço territorial que conhecia e dominava; as populações, centro de gravidade num conflito desta natureza, estavam do seu lado; tinha o apoio externo de uma «espada forte e comprida», a Inglaterra.
 
De facto, em Portugal, nesse ano longínquo de 1808, “é um povo inteiro que não oferece batalhas, que talvez não saiba resistir a um cerco, nem aprendeu a manobrar, mas que mata sempre quando pode, frente a frente, ou por detrás de um muro, ou do alto das suas montanhas88.
 
Em 1808, Portugal, mais uma vez ao longo da História, falho de uma força armada regular organizada e preparada, lançou mão do seu capital mais precioso: o fervor patriótico das gentes lusas, que se levantou em massa e pegou em armas contra a intrusão e a contusão.
 
1808 foi, em certa medida, a revivescência do tempo da Reconquista nos séculos XII/XIII quando se gritava «Mouros em terra, mouros em terra, habitantes às armas», da crise de Aljubarrota, em que o povo alertava “o Mestre está em perigo, o Mestre está em perigo», do 1º de Dezembro de 1640, quando o frei Heitor Pinto proclamava «El-rei Filipe bem me pode meter em Castela, mas Castela em mim é impossível».
 
Em 1808, um cidadão de Bragança proclamou «honrados habitantes d’esta província! É chegado o tempo, o feliz tempo de sacudirmos o jugo francês (…) Vamos, pois, repelir a força com a força». É com gente desta qualidade que a Pátria Portuguesa acontece, quantas vezes apesar do estado do Estado.
 
Em boa hora o fez, «quem não se sente não é filho de boa gente», já diz o ditado, e Bragança não é porto seguro para a alienação patrimonial, a afronta individual, a expropriação de consciências e a soberba de quem se serve a uma mesa para a qual não foi convidado.
 
Mas a verdade, a grande verdade, é que o gentio luso, que somos todos nós, vela atento para que Portugal aconteça, nós os abades de Carrazedo e generais Sepúlveda de ontem e de sempre, sem esquecer essa massa anónima que dá pelo nome de «povo» que, na verdade, é Portugal.
 
 
* Palestra apresentada no Auditório Paulo Quintela, em Bragança, no âmbito das comemo­rações da revolta em Bragança contra os franceses em 11 de Junho de 1808, sob patrocínio da Câmara Municipal de Bragança.
A sessão foi precedida de uma cerimónia de descerramento de uma lápide alusiva à efeméride no portal da Igreja de São Vicente, onde estiveram presentes, entre outros, a Excelência Reverendíssima o Bispo de Bragança-Miranda, Dom António Montes Moreira, o Presidente da Câmara Municipal, Engenheiro Jorge Nunes e o Director da Direcção de História e Cultura Militar do Exército, Major-General Matos coelho.
** O autor é de Bragança e é professor de História Militar do Instituto de Estudos Superiores Militares desde Fevereiro de 2006.
 1 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, Bragança. Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Tomo I, Câmara Municipal de Bragança / Instituto Português de Museus - Museu Abade de Baçal, Coordenação Geral da Edição Gaspar Martins Pereira, Junho de 2000, pp. 146-147.
 2 Ver Carl Von Clausewitz, Da Guerra, Lisboa, Perspectivas e realidades, 1976.
 3 José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Mem Martins, Publicações Europa América, 19ª Edição, 1998, p. 264.
 4 Desde princípios de Junho de 1807 que Dom João estabelecera a sua residência no Palácio de Mafra, “onde passava uma vida de isolamento, dando mostras da mais profunda tristeza e evitando o mais possível tratar de assuntos políticos”: Vitoriano J. César, Breve Estudo sobre a Invasão Franco-Hispânica de 1807 em Portugal e Operações Realizadas até à Convenção de Sintra, Lisboa, Typ. da Cooperativa Militar, 1903, p. 39.
 5 Kenneth Leight, A Transferência da Capital e Corte para o Brasil, Lisboa, Tribuna, Novembro de 2007, pp. 33-48.
 6 Pelo Tratado de Fontainebleau (27 de Outubro de 1807), a França e a Espanha acordaram dividir Portugal entre si, em três partes: Reino da Lusitânia Setentrional, que compreendia a região a Norte do Douro, exceptuando Trás-os-Montes (ex-rainha da Etrúria); o Reino da Lusitânia Meridional, formado pelo Alentejo e pelo Algarve (Protectorado do espanhol Manuel Godoy); as regiões de Trás-os-Montes, Beira e Estremadura (controlo francês).
 7 O general Andoche Junot era, à época, Governador de Paris, e fora embaixador da França em Portugal, em 1805.
 8 Jorge Borges de Macedo, História Diplomática Portuguesa, Constantes e Linhas de Força, Lisboa, Instituto de Defesa Nacional, s/d., p. 352.
 9 Loureiro dos Santos, Apontamentos de História para Militares. Evolução dos Sistemas de Coacção. Apontamentos para a História da Subversão em Portugal, Lisboa, Instituto de Altos Estudos Militares, 1979, pp. 179-180.
10 André Coutinho Ribeiro, O Capitão de Infantaria Português, com a Theórica e Prática das suas Funções, Lisboa, 1751, p. 157.
11 Idem, pp. 157-158.
12 Vitoriano J. César, ob. cit., p. 24.
13 Barão de Thiébault, Relation de L’Expedition du Portugal, Paris, 1817, pp. 7-9. Thiébault era o Chefe de Estado-Maior do Exército comandado por Junot.
14 Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1807-1832), Lisboa, Editorial Verbo, vol. VII, 1983, pp. 20-21.
15 Vitoriano J. César, ob. cit., p. 43.
16 David Martelo, Os Caçadores. Os Galos de Combate do Exército de Wellington, Lisboa, Tribuna, Novembro de 2007.
17 Raul Brandão, Raul Brandão, El-Rei Junot, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Junho de 1982, p. 139.
18 Baron de Thiébault, ob. cit., p. 146.
19 Álvaro Guerra, Razões de Coração, Porto, Público Comunicação Social, SA, 2002, p. 35.
20 Fernando Pereira Marques, ob. cit., pp. 107-108.
21 Na iminência da ofensiva napoleónica a Portugal, por Decretos de 1806-1807, intentou-se a reorganização do Exército. Para o efeito, criou as Divisões do Norte, Centro e Sul, constituídas por 12 Brigadas de Infantaria, 12 Regimentos de Cavalaria e 4 de Artilharia; organizou 48 Regimentos de Milícias e 24 Brigadas de Ordenanças; todos os }homens dos 17 aos 40 anos passaram a estar obrigados ao recenseamento militar. Diz-nos Vitoriano César que “um tal sistema de recrutamento, se tivesse sido posto em prática em toda a sua plenitude, permitiria uma organização respeitável das nossas forças militares”: Vitoriano José César, “A Evolução do Recrutamento em Portugal desde os seus Primórdios até à Lei de 1807”, In Revista Militar, nº 8, Agosto de 1909, p. 524. Estas medidas não estavam, porém, ainda em plena execução quando Junot se acercou do território português.
22 Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit., p. 22.
23 Idem, p. 23.
24 General Foy, Histoire de la Guerre de la Península sous Napoleon, Tomo IV; Livre 8º, Bondouin Fréres, Editions, Paris, 1827, p. 197.
25 Lagarde tornou-se uma das figuras mais odiadas da ocupação, chamando-lhe o povo monsier lagarto.
26 José Hermano Saraiva, ob. cit., p. 268.
27 António Pedro Vicente, Guerra Peninsular 1801-1814, vol. 13, Porto, QuidNovi, 2006, pp. 63 64.
28 Muitos oficiais recusaram-se a servir a causa do Imperador na Legião Portuguesa, exilando se na Inglaterra e no Brasil: Carlos de Azeredo, As Populações a Norte do Douro e os Franceses em 1808 e 1809, Porto, Museu Militar do Porto, 1984, p. 21.
29 Assim, mantendo incólume, na província, o rotineiro treino dominical, estes “soldados sem uniforme” desarmados, iriam, em conjunto com a tropa regular licenciada, orientar a guerra subversiva que os próprios franceses favoreceram: Manuel Themudo Barata, “A Guerra Subversiva - Soldados Sem Uniforme”, in Nova História Militar de Portugal, Direcção de Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, vol. 3, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, Abril de 2004, pp. 156-160.
30 General Foy, ob. cit., pp. 198-199.
31 Mas, o desarmamento não foi completo, muitos particulares “preferiu sonegá-las, sujeitando se embora ao rigor do castigo”: Mário Domingues, Junot em Portugal, Lisboa, Romano Torres, 1972, p. 330.
32 Gazeta de Lisboa, 5 de Fevereiro de 1808, cit, Mário Dominguez, ob. cit., p. 331.
33 Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit., p. 30.
34 Idem, p. 38.
35 Raul Brandão, ob. cit., p. 153 e pp. 205-206.
36 Desde 26 de Dezembro de 1807 que os ingleses ocupavam a Madeira, através do Major General Carr Beresford, utilizada enquanto base naval para vigiar os acontecimentos em Portugal ao longo da costa.
37 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo, “As Invasões Francesas e a Afirmação das Ideias Liberais”, in O Liberalismo (1807-1890), quinto volume, Coordenação de Luís Reis Torgal e João Lourenço Roque, História de Portugal, direcção de José Mattoso, Círculo de Leitores, Julho de 1993, p. 36.
38 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit., p. 128.
39 Álvaro Guerra, ob cit., p. 235.
40 Juliet Wilson Bareau, Goya e a Espanha do seu Tempo, parte III, Yale University Press, 1997, página web, consultada em 21 de Janeiro de 2008.
41 Para agravar a situação, 15 000 soldados franceses são copiosamente batidos em Bailén, perto de Sevilha, a 22 de Junho: Idem.
42 Vitoriano J. César, ob. cit., p. 63.
43 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit, p. 130.
44 Idem ibidem.
45 A subscrição no concelho rendeu em dinheiro 3 974 360 réis: Luz Soriano, História da Guerra Civil em Portugal e do estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal, 2ª Época, Guerra da península, vol. 1, p. 604.
46 Autor Anónimo, Sepúlveda Patenteado, ou Voz Pública, e Solene depositada em documentos autênticos que devem servir para resolver a questão: quem foi o primeiro chefe e proclamador da revolução transmontana em 1808, Londres, 1813, p. 21.
47 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit., p. 131.
48 Depois de receber uma carta de Sepúlveda a informar do levantamento em Bragança.
49 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit., 135-136 e 147.
50 Sepúlveda Patenteado (…), ob. cit., , p. 88.
51 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit., p. 147.
52 Vasco Pulido Valente, Ir Pró Maneta. A Revolta contra os Franceses, Lisboa, Alêtheia Editores, Novembro de 2007, p. 6.
53 Carlos de Azeredo, ob. cit., p. 32.
54 Jorge Borges de Macedo, ob. cit., p. 363.
55 Gazeta de Lisboa, 26 de Junho de 1808, cit. Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit., p. 42.
56 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo, ob. cit., p. 32.
57 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit., p. 137.
58 Idem, pp. 137-138.
59 Idem, p. 137.
60 Idem, p. 138.
61 Fernando Pereira Marques, ob. cit., p. 113.
62 Mais do que sentir-se atacada enquanto instituição, a Igreja percebeu que a conduta «herege» dos franceses junto das populações conduzia à desarticulação da vida religiosa. Com a Corte distante e as populações desamparadas, a Igreja Católica tornou clara a sua ligação aos Braganças e reforçou localmente a sua proeminência: António Matos Ferreira, “desarticu­lação do Antigo Regime e Guerra Civil”, in História Religiosa de Portugal, Direcção de Carlos Moreira Azevedo, vol. 3, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, Agosto de 2002, pp. 21-22.
63 Raul Brandão, ob. cit., p. 222.
64 Carlos de Azeredo, ob. cit., p. 35.
65 Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, ob. cit., p. 147.
66 Claudio de Chaby, Excerptos Históricos e Collecção de Documentos Relativos à Guerra Denominada da Peninsula, e ás Anteriores de 1801, e do Roussillon e Cataluña, Lisboa, Imprensa Nacional, 1865, p. 59.
67 Manuel Themudo Barata, ob. cit., p. 150.
68 A Junta do Porto congregou em torno de si as que se iam constituindo no País à medida que a resistência se alargava. A mais renitente foi a de Bragança, pólo transmontano, que anuiu a 6 de Julho após negociações desenvolvidas no Porto pelo delegado Manuel Gonçalves de Miranda: Vitoriano José César, ob. cit., p. 70.
69 Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit, p. 42.
70 Idem, p. 42.
71 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo, ob. cit., p. 33.
72 Fernando Barreiros, Notícia Histórica do Corpo Militar Académico de Coimbra, (1808-1811), Lisboa, Livraria Bertrand e Aillaud, 1918, p. 10.
73 Vitoriano J. César, Breve Estudo sobre a Invasão Franco-Hispânica de 1807 em Portugal e Operações Realizadas até à Convenção de Sintra, Lisboa, Typ. da Cooperativa Militar, 1903, p. 67.
74 Vitoriano J. César, ob. cit., pp. 66-67; Damião Peres e Ângelo Ribeiro, “História Política”, in História de Portugal, Direcção de Damião Peres, Barcelos, Edição Monumental Portucalense Editora, vol IV, 1933, p. 333; Fernando Barreiros, ob. cit., p. 11-13.
75 Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins, Coimbra e a Guerra Peninsular, Coimbra, Tipografia da Atlântida, 1944, p. 155.
76 Barão de Thiébault, ob. cit., pp. 128-129.
77 Idem, 144-145.
78 Mário Domingues, ob. cit., p. 399.
79 Vasco Pulido Valente, ob. cit., p. 65.
80 Carlos de Azeredo, ob. cit., p. 43.
81 Manuel Themudo Barata, ob. cit., p. 163.
82 Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit., p. 52.
83 Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, D. João VI, Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2006, p. 216.
84 Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit., p. 53.
85 Joaquim Veríssimo Serrão, ob. cit., p. 53.
86 Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, ob. cit., p. 217.
87 Vasco Pulido Valente, ob. cit., p. 86.
88 Maria Ermelinda de Avelar Soares Fernandes Martins, ob. cit., p. 32.
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Tenente-coronel

Abílio Pires Lousada

Militar Historiador. Sócio Efetivo da Revista Militar.

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