A Prevenção e Resolução de Conflitos. Contributos para uma sistematização…
“… We now consider the global benefits resulting from a reduction in the incidence of civil war. Benefits from reducing conflict and war accrue at three distinct levels: national, regional and global…”.
Paul Collier, Professor of Economics and Director Center for the Study of African Economies (CSAE) Oxford University, United Kingdom, In “Reducing the Global Incidence of Civil War: A Discussion of the Available Policy Instruments”, 2004.
Introdução
A interligação e interdependência crescente entre os factores “conflitualidade” e “desenvolvimento”, associado a factores conjunturais geoestratégicos e geopolíticos específicos (economia, cultura, religião, política), são considerados os principais factores responsáveis pela complexidade crescente nas relações entre actores na Comunidade Internacional. Este singular aspecto assume especial relevo nas designadas “cinturas de fragmentação”1, nomeadamente nas zonas de fricção entre sociedades, culturas ou religiões, nas linhas de fronteira entre estados, nas áreas conjunturais de valor geoestratégico acrescentado e em regiões de potencial atrito religioso, político ou económico. Nestas regiões, onde existe potencialmente um risco acrescido e latente de conflitualidade, assiste-se por norma, a uma proliferação de conflitos regionais e intraestatais, de dimensão, características e complexidade variável. Estes factores de atricção, separada ou comulativamente, vêm conduzindo a um subdesenvolvimento estrutural grave, levando à falência dos estados aí localizados e consequentemente à rotura social, económica e política instituída. Neste sentido, pensamos que a complexidade crescente e a fricção latente nas relações entre povos, estados e civilizações, conduzem a um aumento da instabilidade local, regional e mundial, constituindo-se num factor de permanente preocupação para toda a sociedade internacional. Constata-se ainda que os conflitos conjunturais e regionalizados, localizados numa determinada área do globo, têm implicações não só à escala regional, mas por influência e osmose, à escala mundial, afectando a segurança e o desenvolvimento global. Numa dinâmica pacificadora e em prol do desenvolvimento sustentado, temos vindo a assistir a uma intervenção crescente da Comunidade Internacional na busca de soluções optimizadas para um prevenção efectiva e uma resolução proficiente destes conflitos regionais. Neste sentido, as políticas e estratégias de combate ao subdesenvolvimento, entroncam transversalmente nas estratégias de resolução e prevenção de conflitos, sendo por essa via, importante diferenciar conceitos, clarificar o âmbito das acções e adoptar um corpo de conceitos sólido e abrangente, que poderão constituir uma ferramenta para a compreensão desta importante temática que afecta o mundo.
Este artigo constitui no nosso entender, um modesto contributo para a teorização destas problemáticas e tem o intuito de facultar alguns conhecimentos estruturados no âmbito da gestão, prevenção e resolução de conflitos, fazendo a interligação e a complementaridade entre estes conceitos e as dinâmicas dos conflitos regionais que proliferam actualmente em todo o mundo.
O conceito de “Conflito”
O conflito, como fenómeno social constitui-se nos nossos dias, e continuará a ser no futuro, segundo os especialistas, uma constante no relacionamento humano nas sociedades, ou como defendem as correntes ideológicas realistas nas Relações Internacionais, factores de evolução e de erosão positiva dentro das sociedades. Segundo esta teoria, onde existem dois seres humanos distintos, existem interesses diferenciados e potencialmente um conflito entre eles. Estes teorizadores defendem ainda que o conflito se fundamenta e sustenta numa dinâmica de afirmação de interesses, de dicotomia de vontades, na luta pela submissão e subjugação de vontades entre seres humanos. Esta relação afirma-se numa luta do mais forte sobre o mais fraco, do mais afoito contra o mais pacato, na defesa de ideias, politicas, religiões, onde os “valores” são o arauto dos “ideais”. Por esse motivo, o termo “conflito” encerra na sua abrangência duas ideias essenciais: uma primeira ideia, que consiste em constatar que estamos na presença de uma relação entre duas ou mais entidades, num dado contexto conjuntural complexo, que não sendo de cooperação, é seguramente de competição ou de acomodação. Outra ideia (que se deduz da primeira) é que havendo competição, podem gerar-se tensões, assistindo-se a uma graduação dessa tensão (positiva ou negativa), constatando-se assim que o fenómeno da conflitualidade pressupõe, uma dinâmica evolutiva de tensão entre actores, numa dada conjuntura complexa, que pode ser explicada teoricamente através de um modelo sistémico, comportando um ciclo (onde se podem inscrever fases) ou de um sistema (onde se inscrevem as variáveis que o influenciam directa e indirectamente).
A dinâmica própria de um dado conflito obriga, tendo em vista uma melhor compreensão e posterior resolução, efectuar-se uma análise integral e conjuntural, no intuito a se determinar cabalmente as causas, processos e consequências da sua eclosão, persistência ou “terminus”, do conflito. Esta abordagem conceptual abrangente assenta numa linearidade de aspectos que caracterizam transversalmente a dinâmica de um conflito, permitindo a conceptualização de uma “teoria”, que pode ser analisada e enquadrada à luz do designado «Ciclo de Vida do Conflito»2 (Figura 1). Contudo, numa primeira abordagem, Ernest-Otto Czempiel, associa teórica e sinteticamente o termo “conflito” a uma “…incompatibilidade ou diferendo de posições entre actores…”, essencialmente para o transportar para fora do âmbito militar e belicista, dando-lhe uma maior abrangência e um cariz mais social.
Importa antes de mais reter que as raízes do conflito assentam normalmente a sua génese, numa complexidade crescente de múltiplos factores intimamente interligados, onde se destacam, entre outros, o acesso e controlo de recursos vitais estratégicos, a luta pelo poder e pela identidade (cultural, política, religiosa ou social), a manutenção de um determinado “status quo”, nomeadamente associado a questões de ordem social, tradicional e actualmente, relacionado com a preservação de valores, quer seja no âmbito das ideologias ou das religiões. Contudo, o estudo dos conflitos pressupõe, entre outros aspectos, uma abordagem às suas raízes mais profundas (rootcauses), que passam pela identificação das causas, das consequências, mas também pela análise da sua evolução, incluindo o diagnóstico dos factores endógenos e exógenos, bem como apurar as possibilidades para a sua gestão, prevenção ou resolução. Para Reychler, citado por Vincenç Fisas, um diagnóstico caracterizado de “…sério e completo…”, implica que se analise o conflito em relação a cinco aspectos considerados fundamentais: os actores envolvidos, os litígios em causa, a estrutura de oportunidade, a interacção estratégica e a dinâmica do conflito (2004, 31). Esta tentativa de sistematização confere-lhe uma maior abrangência e multidisciplinaridade na sua análise, que a fazem entrar no campo de uma nova ciência por criar, a que poderíamos designar por “conflitologia”. Outros autores, numa concepção mais clássica e abrangente para o termo conflito, definem-no como “…um intrínseco e inevitável aspecto da mudança das sociedades, como uma expressão da heterogeneidade de interesses, valores e crenças que reside nos constrangimentos gerados pelas revoluções sociais…” (Miall, 2004, 5). Definição que assume o conflito como um acontecimento indissociável da evolução social e das sociedades.
Esta concepção empírica e tendencialmente positivista, associa o conflito a uma dinâmica própria, natural e considerada evolutiva, das sociedades. Neste contexto, o conflito aparece intimamente associado ao “…resultado da oposição de vontades, quase sempre envolvendo recursos escassos, antagonismo de objectivos e frustrações…”, aferindo-se as causas e consequências dos conflitos nas interacções existentes dentro de qualquer sociedade. Contudo, constatamos que em ambas as definições o conceito de conflito aparece associado a situações “…onde no mínimo, dois ou mais actores se desentenderam para adquirirem ao mesmo tempo, determinados recursos escasso e disponíveis…”, aspecto que coloca na causa da problemática o factor humano como prevalência das ciências sociais (Swanström e Weissmann, 2005, 7).
Centrado na problemática do acesso a recursos minerais estratégicos e a fontes de energia, o cerne actual das contendas entre os principais actores preponderantes no Sistema Político Internacional. Os especialistas e teóricos, procuram com o “Modelo de Conflito de Mitchell’s”, encontrar os motivos dos conflitos e assim poder explicar as causas basilares que conduzem ao seu surgimento, referindo genericamente que estas assentam em três factores chave: as atitudes, os comportamentos e as situações. Estes factores, isoladamente, ou normalmente em interacção, estão na origem de grande parte dos conflitos que ocorreram e ocorrem actualmente nas nossas sociedades, sendo contudo necessário uma abordagem mais ampla, abrangente e muito mais complexa, para se obter uma análise credível do conflito. Este modelo apresentado sintetiza, segundo o autor, a complexa realidade social de uma maneira compreensível, tendo sido criado para explicar modelos de conflitos de índole política e militar, e que pode também ser aplicado a outro tipos de conflitos na Comunidade Internacional, com impacto directo nas economias regionais e mundiais, no ambiente e na segurança mundial (Ibidem).
O termo “conflito” e a sua evolução numa dada conjuntura aparecem normalmente associados a uma variação de múltiplos factores, a uma progressão graduada (não linear), de constância variável, que sendo independente das diferentes formas de diferendo, pode ir desde a paz consentida ou estável, à paz instável, passando pela crise e na fase mais aguda do seu desenvolvimento, à guerra. Esta definição abarca no seu desenvolvimento o vasto léxico das designadas “Operações de Paz”, referidas pelo ex-Secretário Geral das Nações Unidas (NU), Boutros Boutros-Ghali na “Agenda para a Paz”3. Numa perspectiva dicotómica de resposta aos conflitos, contemplando uma catalogação, Rodrigues Viana, sintetiza conceptualmente um modelo de emprego das Forças Armadas nas operações militares4, respeitante ao enquadramento do conflito no espectro das operações militares, atribuindo-lhe, quanto ao grau de desenvolvimento, uma qualificação de «conflito potencial», para situações de paz e de eventual escalada para a crise, passando pelo grau de «conflito menor», associado genericamente à crise e no topo da escala, o termo de «conflito maior», relacionado com o Estado de Guerra (2002, 171-172). Esta sistematização, associada às missões genéricas que as Forças Armadas desempenham nas actuais sociedades, permite entender melhor o papel das mesmas no quadro das missões típicas de segurança e defesa nacional.
A dinâmica dos Conflitos
Se pretendermos caracterizar a actual situação internacional podemos conceber que esta permanece “…volátil, incerta e complexa, como resultado das características de um sistema marcado pela heterogeneidade de modelos políticos, culturais e civilizacionais…”, em que tal como no passado, os conflitos são uma constante no relacionamento entre os homens, sociedades e civilizações (Viana, 2002, 31). Este singular e cruel aspecto, tem actualmente uma expressão ímpar no continente africano e asiático, bem como mais recentemente no mundo islâmico, onde se constata uma tendência para um aumento globalizado da conflitualidade, apresentando alguns aspectos inovadores. Esta “nova” conflitualidade transportou os conflitos para o interior dos estados, tendo-se como causas directas para essa mutação, entre muitas outras, motivações relacionadas com a luta pelo acesso a recursos minerais estratégicos, a luta pelo acesso ao poder e os dogmas religiosos extremistas, que em regra, se intensificam na razão inversa do desenvolvimento e da prosperidade económica vivida nessas regiões (Marshall e Gurr, 2005, 3-10).
Após a queda do muro de Berlim e com o final da guerra-fria, a envolvente na perspectiva da resolução de conflitos tem vindo a mudar constantemente, principalmente porque a “…relação entre as superpotências da guerra-fria, fez desaparecer o mito dos conflitos regionais pela ideologia e pela simples competição militar…” (Miall et. al., 2004, 2). Estes factores contribuem para relançar novos e complexos motivos na multiplicidade de conflitos de carácter regional que proliferam actualmente um pouco por todo o mundo. Neste novo contexto estratégico de constante mudanças, a sociedade internacional viu-se na contingência de estabelecer uma base terminológica entendível que congregasse o mundo em torno de objectivos considerados primordiais, como são o apoio ao desenvolvimento e a segurança partilhada, pois principalmente esta última “…é como o oxigénio, é fácil tomá-la como certa, até o começarmos a perder, depois não conseguimos pensar noutra coisa…” (Ney, 2002, 223).
A necessidade de se estabelecer um diálogo na dialéctica internacional, conduziu ao aparecimento de várias teorias especializadas na abordagem da conflitualidade e dos fenómenos da paz e da guerra. Da retórica académica, ao discurso político, passando pelas terminologias dos “operacionais da paz”, constata-se que os termos empregues nem sempre definiram a mesma linearidade de pensamentos, significaram o mesmo propósito ou se enquadram num idêntico contexto5. Na dinâmica dos conflitos, as organizações, estados e demais actores da cena internacional, procuram interagir e comunicar entre sí, tendo em vista gerir os conflitos de uma forma mais proficiente, rápida e com um nível de empenhamento cada vez mais abrangente. Este desiderato requer consistência na acção, uniformidade nos procedimentos, mas principalmente o emprego de uma terminologia e de uma doutrina comum. Para uma melhor contextualização do termo conflito e da sua gestão, torna-se fundamental apresentar uma abordagem ao «ciclo de vida do conflito», utilizando-o teoricamente como base conceptual e modelo de partida para se abordar os fundamentos relacionados com a gestão, prevenção e resolução de conflitos, efectuando-se uma abordagem teórica ao tema da conflitualidade, conferindo uma visão transversal sobre a temática dos conflitos.
A Prevenção de Conflitos
Partindo do princípio teóricamente aceitável, de que a paz é preferível à guerra e de que em alguns casos, é mais difícil manter a paz do que acabar com uma guerra. Charles-Philippe David corrobora esta ideia, referindo concretamente que “…a diplomacia e as negociações para a paz são sempre preferíveis à guerra…” (2001, 281). Actualmente, por esse motivo, a prevenção de conflitos (conflict prevention) tornou-se no tema central da moderna diplomacia, acompanhando sistemáticamente as relações entre os actores no Sistema Político Internacional. Nesse prisma, a prevenção de conflitos, constitui-se numa actividade estrategicamente muito sensível, principalmente no que concerne à identificação, prevenção e limitação dos diferendos na sociedade internacional. O insucesso da prevenção, conduzirá a prazo, a um agudizar desse conflito, correspondendo a um crescimento da insegurança, da instabilidade social e à rotura das estruturas governativas regionais, reflectindo-se nas economias regionais e por via da globalização, nos mercados mundiais. A abordagem à gestão dos conflitos é, como iremos ver, substancialmente diferente, podendo-se constatar que uma abordagem “realista” pretende agir sobre os factores concretos e directos que causam a guerra, a fim de os evitar ou «prevenir». Contudo, outra abordagem conceptual, considerada pelos especialistas como mais liberal e crítica, procura descobrir e contrariar as origens mais profundas dos conflitos, as “rootcauses”, a fim de as «resolver» convenientemente (Idem, 282). Nesta diálise permanente entre o prevenir e o resolver o conflito, em que a essência da sua aplicabilidade, depende essencialmente dos meios disponíveis, do tipo de conflito, do tempo disponível e actualmente, mais do que nunca, da vontade dos líderes mundiais e da conjuntura internacional, torna-se vital destrinçar e identificar claramente estes conceitos.
A terminologia e os conceitos utilizados variam de acordo com as várias épocas, Escolas de pensamento e os autores considerados para análise. Contudo, de acordo com Bruce Russett, “…a prevenção e a gestão de conflitos são termos similares, que assentam basicamente numa metodologia e num conjunto de mecanismos usados para evitar, minimizar e gerir o conflito entre as partes em diferendo…” (Swanström e Wiessmann, 2005, 5). Neste âmbito, quando se alude exclusivamente à prevenção de conflitos, Clément, descreve-o como um “…conjunto de instrumentos usados para prevenir e resolver qualquer disputa antes desta se tornar num conflito activo…” (Ibidem). Outra perspectiva, mais centrada nas pessoas e nos seus comportamentos sociais, concebe a prevenção de conflitos como um “…conjunto de medidas para prevenir comportamentos conflituosos indesejados, quando surge uma situação de incompatibilidade de objectivos…” (Fisas, 2004, 143-144). Contudo, importa reter que com a prevenção, pretende-se acima de tudo, evitar o eclodir do conflito, actuando-se nas suas potenciais causas base e ocorre por norma antes de este deflagrar (pré conflito) ou nos seus estágios iniciais.
No documento orientador das Nações Unidas para a área da prevenção de conflitos, que constitui a “Agenda para a Paz”, introduziu-se entre outros conceitos, o da “diplomacia preventiva”, passando a constituir uma ferramenta ímpar na gestão da conflitualidade actual e sendo apresentada conceptualmente como a “…acção destinada a evitar a eclosão de disputas entre as partes, com vista a impedir que disputas já existentes, evoluam para conflitos e a limitar a expansão destes quando ocorram…” (Branco, 2004, 106). Neste contexto, António Monteiro, alude às três dimensões em que pode ser adoptado: a primeira, orientada para as causas do conflito, a segunda, destinada a impedir que os confrontos se tornem violentos e uma terceira dimensão, num estágio mais tardio (avançado) do conflito, em que se procura conter a expansão ou a escalada da violência (2000, 58). Realce nesta abordagem para o âmbito e o contexto destas medidas, em que actualmente a sociedade internacional, se esforça por utilizar como ferramenta na relação entre os actores no Sistema Político Internacional, principalmente quando temos a intervenção de uma terceira parte (neutral, mas com credibilidade) na gestão de conflitos localizados ou regionais. Noutro âmbito, embora concordante, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), adoptou também uma definição de «prevenção de conflitos», que se enquadra na tipologia de Operações de Apoio à Paz, no âmbito da ONU, reportando-se às “…actividades desenvolvidas, normalmente sobre o Capítulo VI da Carta das NU, que vão desde as iniciativas diplomáticas à preventiva projecção de forças, destinadas normalmente a prevenir que disputas possam escalar para conflitos armados…” 6.
A prevenção de conflitos tem como objectivo medidas de longo prazo e assenta grandemente na diplomacia preventiva, tendo como principais ferramentas operativas, entre outras, a monitorização ou a intervenção preventiva com vista a evitar ou a conter o conflito na fase inicial, estabelecer mecanismos de alerta precoce, elaborar planos de contingência, flexibilizar as resposta e institucionalizar a ideia da prevenção de conflitos a nível local, regional e internacional. Estes princípios regem actualmente alguns mecanismos de alerta e resposta aos conflitos regionais, e consideradas como as principais linhas orientadoras para a Comunidade Internacional sobre a prevenção de conflitos.
A prevenção de conflitos contempla para além de acções no campo da estratégia nacional e do nível operacional, um conjunto de acções e procedimentos de carácter político e diplomático, levados a efeito em espaços vulneráveis, de forma a evitar a ameaça ou o uso da força como meio de coacção empregues por parte de estados ou grupos, com a finalidade de garantir a estabilidade económica, política e social, numa dada sociedade ou região. Estes procedimentos podem ocorrer antes de o conflito eclodir com vista a evitar a escalada da violência ou mesmo após um conflito recente já resolvido, no intuito de acautelar o seu possível (e indesejado) reacendimento. Este aspecto particular da gestão pós-conflito, aparece actualmente com maior acuidade e pertinência nas agendas das negociações para a paz, devido não só às recentes experiências dos conflitos no Iraque (1993 e 2003), como da crescente necessidade e interesse da ONU (especialmente) e da Comunidade Internacional, em geral, em recuperar os estados no pós-conflito, normalmente compreendendo o conjunto de acções que permitem criar as infra-estruturas básicas do Estado, tendo em vista garantir a sua sustentabilidade, processo que se designa por “peacebuilding”. Podemos desta forma aferir que a prevenção de conflitos, contêm medidas de amplitude diferente, de carácter multidimensional, abrangendo acções concertadas, planeadas e concretas, tendentes a encontrar o caminho da paz antes de se derivar para o conflito. O propósito fundamental da prevenção de conflitos, consiste nomeadamente, como vimos, em “…actuar satisfatoriamente antes dos primeiros sintomas de um conflito, impedindo-o que este escale para a violência…”, a partir do qual será mais difícil, fazer a sua gestão e posterior «transformação» (Fisas, 2004, 143).
Uma permanente monitorização do conflito faz-se estabelecendo estruturas específicas e indicadores (fiáveis) de acompanhamento, que associados aos múltiplos factores presentes, de eclosão potencial do conflito (sociedade, economia, religião, recursos, etc.), tornam possível uma monitorização eficaz. Em sintonia, estabelecem-se mecanismos de alerta precoce (Early Warning System) que permitem monitorizar, num determinado Estado ou numa dada região, o eclodir e o evoluir da conflitualidade regional. Algumas Organizações Regionais e Internacionais, têm tendencialmente associado aos mecanismos de alerta, meios de resposta rápida, permitindo actuar nos estágios iniciais dos conflitos e especialmente intervindo na fase pré conflitual, na sua área de interesses conjuntural, possibilitando uma contenção mais eficaz e mais rápida do mesmo.
Em resumo, podemos dizer que a prevenção se efectua preferencialmente nos primeiros estágios do conflito, consistindo em detectar em tempo, indicadores da eclosão e da evolução de um potencial conflito, com vista a tratá-lo convenientemente, tendente a diminuir a contenda e os interesses entre os actores desavindos. Neste âmbito, Lund, acrescenta contextualizando, que a prevenção de conflitos refere-se a um “…conjunto de acções político-estratégicas levadas a efeito, por parte das instituições governamentais, que de forma expressa tentam conter ou minorar as ameaças, o uso da violência organizada e outras formas de coacção por parte de Estados ou grupos concretos, com a finalidade de reduzir as disputas no interior, ou entre Estados…” (Fisas, 2004, 143-144). Esta definição, apresentada por Vicenç Fisas, eleva a temática da prevenção de conflitos ao mais alto nível da relação entre estados, constituindo factor primordial nas actuais dinâmicas em prol da segurança e do desenvolvimento no mundo.
A Resolução de Conflitos
Uma das formas de distinguir a prevenção da resolução de conflitos (conflict resolution), é relativizar estas actividades no tempo. Assim, no primeiro caso, refere-se a estágios pré-conflituais ou em fases prematuras do conflito (antes deste se tornar violento) e ocorre normalmente por um período dilatado de tempo. Por sua vez, a resolução de conflitos acontece em etapas mais avançadas da curva do conflito, quando este ultrapassa o limiar da violência e escala para uma situação de crise, podendo chegar em última análise ao conflito armado, a guerra. Neste âmbito, carece em regra de medidas mais urgentes, com maior robustez e realizadas normalmente sobre a égide da ONU ou de outras Organizações Internacionais, Regionais ou Sub-regionais credíveis, constituindo uma terceira parte que não só vai mediar o conflito, como será o interlocutor privilegiado da sociedade internacional para esse conflito, assumindo por norma a liderança conjugada das dinâmicas pacificadoras na região. Na escalada da curva de aceleração inconstante do «ciclo de vida do conflito», ao se atingir o patamar da crise, a sua gestão caracteriza-se predominantemente, em função do factor “tempo”, desenvolvendo-se em norma, por um longo período de tempo, exigindo contudo medidas “drásticas” e envolvendo (por norma) terceiras partes e actores internacionalmente credíveis7, na tentativa de evitar que este conflito assuma as proporções de um conflito armado ou possa escalar para um patamar de violência generalizado que torne o pais ou a região num estado de guerra.
Peter Wallensteen apresenta-nos uma concepção para resolução de conflitos, em que a define como “… a adopção de medidas tendentes a resolver o cerne da incompatibilidade que esteve na origem do conflito, incluindo as tentativas de levar as partes a se aceitarem mutuamente. Compreendendo o conjunto de esforços orientados no sentido de aumentar a cooperação entre as partes em conflito e aprofundar o seu relacionamento, focalizando-se nos aspectos que conduziram ao conflito, promovendo iniciativas construtivas de reconciliação, no sentido do fortalecimento das Instituições e dos processos das partes…” (2004, 8). Esta definição, muito utilizada em contexto académico, aduz ao sentimento de diálogo e de mútuo entendimento com vista à cooperação estratégica para a resolução do conflito, apontando algumas áreas prioritárias de intervenção. Noutra perspectiva, Charles-Philippe David, citando Fetherston, refere que a “…aplicação não coerciva de métodos de negociação e de mediação, por terceiros, com vista a desarmar o antagonismo entre adversários e a favorecer entre eles uma cessação durável da violência…”, pode constituir o cerne da problemática em torno da resolução de conflitos (2001, 284). Neste sentido, existem actualmente um conjunto de mecanismos ao dispor da Organização das Nações Unidas, que vão desde a diplomacia preventiva, associado à prevenção de conflitos, ao “peacemaking”, “peacekeeping” e na fase de reconstrução pós-conflito, o “peacebuilding”, com o objectivo de cessar as hostilidades e levar as partes em confronto a aceitar a paz.
Mais recentemente, devido ao crescimento do grau de complexidade nos conflitos regionais, temos assistido a uma desmultiplicação e ao emprego combinado de forças militares, policiais e civis, em missões dos tipos anteriormente apresentados, convergindo metodologicamente para uma combinação de soluções multinacionais e multidisciplinares. Neste sentido constata-se no entendimento que crises complexas necessitam de soluções complexas, levando a que actualmente, as crises e os conflitos se tornaram mais complexos em que os mecanismos e os meios empregues na resolução sejam proporcionalmente de dimensão e complexidade maiores. Pretende-se com as estratégias multilaterais fazer face a uma combinação de ameaças, sendo esta a essência da globalização da actual revolução dos assuntos militares nos conflitos de hoje. Neste âmbito, Vicenç Fisas refere que existe um conjunto de respostas possíveis e multi-dimensionais para fazer face a um conflito e que estas podem ir desde a simples negociação entre as partes, até à sua eventual destruição, levando mesmo a assumir que “…a gestão óptima do conflito consiste em limitar as franjas das respostas do “continuum” do conflito que não inclua a violência física e o recurso à guerra…” (2004, 30).
A resolução de conflitos é definido, como vimos, como um multifacetado processo, que requer análises sistémicas, multidisciplinares e profundas, mas principalmente análises individualizadas e muito detalhadas, centradas nas causas base do conflito, com vista a se alcançar o cerne do problema e a proporcionar uma cooperação específica e focalizada nos principais diferendos entre os contendores. O papel de uma terceira parte (neutral mas com credibilidade) é essencial para a credibilidade e transparência do processo, para identificar e prestar assistência às partes em litígio e para se alcançar em processos mais complexos, a “paz possível”, no que alguns actores apelidam de “transformação do conflito” (conflict transformation) (Miller, 2005, 26) (Ramsbotham et. al., 2006, 12).
Na análise da dinâmica do conflito apresentado por Vicenç Fisas, após se ter ultrapassado o limiar do confronto armado, os esforços devem estar centrados, segundo o autor, na tentativa de pacificação do conflito (peacemaking) e na garantia da manutenção da paz (peacekeeping), a chamada “fase proactiva” da resolução do conflito, em que podemos influenciar directamente pela nossa decisão e principalmente pela acção, o evoluir do conflito. Por outro lado, quando o conflito ultrapassa o patamar da violência armada, entramos na “fase reactiva” da sua resolução, em que numa primeira etapa o objectivo primordial é alcançar o cessar-fogo e numa segunda etapa se apela à manutenção da paz e à reconstrução (peacebuilding), principalmente quando se baixa do limiar da violência armada e se entra na paz instável (2004, 33). Segundo o autor, devemos apenas numa segunda ordem de prioridades encetar um conjunto de mecanismos tendentes a resolver a raiz do conflito e a restaurar novamente a paz estável. Estamos assim, na gestão possível dos efeitos em que se actua por impulsos de necessidades e normalmente em reacção aos acontecimentos conjunturais. Neste contexto, a resolução do conflito torna-se mais difícil, muito mais morosa e necessariamente com efeitos menos consensuais face aos objectivos estabelecidos, ou seja, restaurar a paz e possibilitar a resolução do conflito pela via pacífica.
A Gestão de Conflitos
Surge várias vezes, na diálise em torno da conflitualidade actual, quer seja na área da diplomacia, da estratégia ou da política e na vertente militar (operacional), o conceito de gestão de conflitos (conflict manegement), referindo-se normalmente a uma conceptualização de carácter teórico, dedicada à limitação, mitigação e contenção do conflito, sem necessáriamente o resolver. Neste conceito, reconhece-se à partida que o conflito não se pode resolver no imediato e que por esse motivo se coloca o assento tónico na sua limitação e na gestão das suas consequências destrutivas imediatas. É por essa via, mais um conceito de carácter académico e abrangente, no sentido amplo da pacificação do conflito e que segundo Vicenç Fisas, normalmente se “…limita aos aspectos técnicos e práticos do esforço no sentido de alinhar as divergências entre as partes em litígio…” (2004, 184).
Gerir o conflito, implica antes de mais, conhecer apropriadamente o seu cerne e catalogá-lo de acordo com as suas características próprias, principalmente quanto às motivações, causas e objectivos das partes em confronto. Assim, se quisermos tipificar ou agrupar os conflitos mais recentes, muitas são as matrizes, tabelas ou grelhas que nos orientam na investigação e que permitem uma catalogação empírica. Para Hugh Miall, os conflitos dividem-se em “interestatais” e “não interestatais”, sendo estes últimos subdivididos em revolucionários ou ideológicos, conflitos de identidade ou de sucessão e conflitos de facções (2004, 30). Esta separação está principalmente vocacionada para a matriz da conflitualidade no pós guerra-fria, constatando-se actualmente, um maior grau de complexidade, abrangência e âmbito dos mesmos, necessita, de uma conceptualização mais realista e adequada à actual conjuntura dos conflitos no mundo. Neste âmbito, segundo Peter Wallensteen, numa concepção elaborada à luz do Direito Internacional, apresenta-nos uma análise das causas do conflito, considerando que existem três tipos de conflitos: os conflitos “interestatais”, envolvendo o território e a governação, os “intraestatais”, envolvendo os governos e o Estado e um terceiro tipo, os “intraestatais” sobre o território. Os primeiros são disputados entre nações ou alianças de nações, por sua vez, os conflitos “intraestatais”, são de carácter eminentemente internos e são disputados dentro do território do próprio Estado8 (2004, 74). Esta divisão aparentemente simplista, entre conflitos intra e inter-estados, permite actualmente diferenciar e catalogar a maioria dos conflitos que proliferam no mundo, sendo apontado pelos autores, como a principal mudança verificada nesta temática ao longo da segunda metade do século XX e no início do século XXI. A gestão dos conflitos inter e intra-estatais, são necessariamente diferentes, contudo, em termos conceptuais se quisermos chegar a um conceito de gestão de conflitos, podemos referir que integrando uma síntese das várias correntes de pensamento apresentadas, podemos definir a gestão de conflitos como “o esforço continuado para conter ou reduzir a escalada da violência entre as partes e proporcionar uma comunicação eficaz com vista a reduzir as disputas e levar ao terminus da violência”.
Os Mecanismos de Gestão de Conflitos
O fenómeno da conflitualidade não é um processo estático, finito ou inócuo. Pelo contrário, contempla uma sucessão de circunstâncias e factos dinâmicos, que a história da humanidade se tem encarregue de dar bom testemunho, caracterizando-se determinados períodos da história universal em função e associados intimamente a esses conflitos. Assim, temos o período das “Guerras Púnicas”, da “Guerra da Sucessão Espanhola”, da “2ª Guerra Mundial”, entre muitos outros, que marcaram uma época e definiram uma dinâmica no contexto regional ou global onde históricamente se inseriram. Neste âmbito, cada conflito apresenta num dado momento da história, uma dinâmica conjuntural onde se associam um conjunto de características únicas e próprias. No entanto considera-se que a heterogeneidade dos conflitos, aduz transversalmente, aspectos e circunstâncias comuns que permitem conceptualmente estabelecer um modelo de análise sistemático para o conflito. As causas e consequências da actual conflitualidade, independentemente da sua base geográfica, ideológica, política ou de circunstância, apresentam aspectos “normalizados” e mais ou menos comuns, que possibilitam estabelecer um modelo padrão de abordagem à análise aos conflitos, centrando-se normalmente nas suas principais características: intensidade, durabilidade e os mecanismos de gestão associados.
A sistematização do conflito num modelo padrão e a sua consequente análise, associados num “ciclo”, permitem, como vimos, numa primeira instância, um melhor entendimento da dinâmica da «vida do conflito», permitindo mais facilmente congregar estratégias e afectar recursos, tendentes a reduzir ou a limitar o seu impacto nas sociedades. Nesta perspectiva teorizadora da conflitualidade, vários modelos foram entretanto idealizados, quase todos, tendencialmente cíclicos, conjugando níveis de intensidade, evoluindo da paz para a guerra, passando pela crise e vice-versa, até se restabelecer novamente uma paz. Consequentemente, agruparam-se etapas, definiram-se as fases ascendentes e descendentes da curva do conflito, limitaram-se situações pré e pós conflituais, permitindo uma mecanização na adopção de termos e uma conceptualização doutrinária mais sólida e muito mais abrangente.
Actualmente, os ciclos de análise dos conflitos, inscrevem-se numa curva de aceleração variável que corresponde inicialmente a uma fase de crescimento do conflito (de aceleração positiva), seguida de um período de recessão e de retorno à paz, onde se passa por algumas etapas e estágios evolutivos, nos quais a gestão de conflitos inscreve mecanismos e estratégias próprias, principalmente no âmbito da sua prevenção e resolução. Embora a tendência académica, seja no intuito de se padronizar os conflitos, importa reter que nem tudo é padronizável, que «cada conflito é um conflito» e que em regra, será necessário uma análise cuidada, multidisciplinar e contextualmente abrangente, para se poder comparar as fases de evolução, etapas, ou processos, pois a dinâmica dos conflitos não é sempre linear. Contudo, a progressão do conflito permite uma relativa padronização em determinadas fases da sua evolução e nesse intuito permite-nos afirmar que os modelos orientam a análise académica dos conflitos mas não explicam cabalmente os seus motivos, causas e permitem perspectivas as consequências.
Presentemente, o modelo apresentado pelas Nações Unidas no que concerne à resolução dos conflitos designados de “maior responsabilidade” (para identificar o grau de importância), usados na terminologia de Hillen, é desenvolvido normalmente à custa de “…coligações de vontades, lideradas por estados poderosos ou alianças credíveis com uma unidade de comando clara e perfeitamente definida…” (Branco, 2004, 113). Neste sentido, o grau de complexidade crescente nos conflitos regionais actuais que proliferam no mundo, implica, como vimos, uma multidisciplinaridade e multinacionalidade dos actores aos vários níveis da intervenção. Prova desta realidade é o facto dos mecanismos tendentes à resolução de conflitos intra estatais9, conjugarem uma miríade de acções e processos diferenciados tendentes à sua resolução. Neste âmbito, Hugh Miall, concebe inovadoramente três níveis de empenhamento dos vários actores consoante os vários actores que intervêm nesse conflito, permitindo aferir do grau de importância e da robustez dos meios empregues na resolução do conflito (Figura 2).
O modelo admite um nível de comprometimento de meios e de acções que foram designados e estratificados por: “Nível I”, mais baixo e limitado no âmbito, estando reservado e vocacionado à resolução local e onde se recorre por excelência, à resolução interna do conflito, afectando entidades locais e o próprio Estado, no sentido de resolver o conflito intramuros. O “Nível II”, que se refere à intervenção de entidades ou de actores de nível sub-regional, ONG’s, empresas e organizações privadas e num “Nível III”, nível máximo de intervenção, normalmente de dimensão regional, internacional e multinacional, em que se emprega um conjunto de mecanismos com meios mais robustos, complexos e por norma, globais, como último rácio para resolver o conflito (Miall et. al., 2004, 20). Neste modelo, são ainda apresentados conteúdos relativamente à adopção de iniciativas com vista a adequar a intervenção dos vários agentes que actuam aos diferentes níveis de resolução do conflito. Importa contudo reter que, actualmente, a intervenção na resolução de conflitos integra conjunturalmente um ou mais níveis, que numa intervenção, agentes do Nível II ou mesmo do Nível III, podem actuar antes ou em sobreposição com os do Nível I. Contudo, parece-nos que o modelo pode constituir uma base conceptual útil para que se possa fazer uma abordagem teórica à resolução de um conflito regional num determinado continente.
Um Modelo de Análise dos Conflitos Internos
O quadro conceptual empregue para efectuar a análise dos conflitos internos num Estado, elaborado por Pauline Baker e publicado pelo “Fundo pela Paz” (Fund for Peace)10, dá-nos uma percepção global do conflito assente no seu «ciclo de vida», desenvolvendo-se como que uma ferramenta de análise e de monitorização da sua evolução, quer este progrida para uma situação de deterioração e conduza ao conflito armado ou para um estágio de segurança e paz sustentável (Figura 3).
O modelo de análise dos conflitos internos proposto por Pauline Baker, sustenta o diagnóstico e a intervenção da Comunidade Internacional, em face dos desenvolvimentos em torno de um conflito interno, num determinado Estado ou região, sendo apresentado como especialmente vocacionado para a análise de conflitos no continente Africano (Fund for Peace, 2003). Este processo assenta conceptualmente em cinco etapas da “vida do conflito” e apoia-se num ponto de decisão, compreendendo um conjunto de “sugestões” para a sociedade internacional, com vista a levar a cabo acções consensuais no sentido de resolver o conflito ou a reduzir o seu impacto nas populações. Numa breve abordagem ao modelo, podemos dividir este em duas partes distintas: a identificação das fases do conflito, que se inicia pela análise das “rootcauses” (causas profundas) e causas imediatas do conflito, seguidas das fases três e quatro, que inclui directamente a resolução do conflito e numa última fase, onde se pretende alcançar o “estado final” desejado para o conflito. Num segundo patamar lista-se o conjunto das acções a empreender tendente à sua resolução, na qual se referem medidas concretas e em linha com as supracitadas fases do conflito. Apesar da sua aplicação nem sempre ser linear, o modelo constitui uma útil ferramenta de análise e um excelente guia para a intervenção e acompanhamento do evoluir de um conflito interno num determinado Estado por parte da Comunidade Internacional.
A fluidez do conflito, as suas características e a análise à conjuntura, permitem aludindo ao modelo de Pauline Baker, garantir potencialmente uma maior flexibilidade na interpretação do conflito e ajustá-lo a uma evolução negativa ou positiva, possibilitando não só no contexto da prevenção, mas especialmente na fase de resolução, empregar processos e recursos previamente reservados para este fim. Neste contexto, salienta-se que as causas estruturais e os indicadores de possíveis tensões podem estar associados a acontecimentos e a ameaças ao próprio conflito. O “Ponto Decisivo” (PD) surge desta forma, como o momento em que face ao evoluir dos acontecimentos a sociedade internacional, pode (e deve) intervir para resolver o conflito interno, constituindo o elemento fulcral no contexto conflitual em causa. O conflito deriva para o “Caos”, quando se assiste a uma desfragmentação do Estado e à destruição do sistema social ou em alternativa, este evolui para um “Constitucionalismo” democrático, com a realização de eleições livres e a formação de um governo de unidade nacional, figura recorrente nas últimas intervenções das Nações Unidas na resolução de conflitos em todo o mundo. Este quadro conceptual de indicadores do conflito versus acções a tomar para o gerir, é actualmente, o referencial empregue para analisar e acompanhar as intervenções das organizações mundiais nos conflitos internos nos estados, onde se ressalta especialmente a intervenção universalista da Organização das Nações Unidas, no seu papel de pacifista pelo mundo. Particularmente quando a tipologia das acções levadas a efeito são utilizadas pelas organizações, em função do ponto decisivo definido e em consequência das decisões adoptadas pelos órgãos de conselho e decisórios, sendo nas Nações Unidas protagonizado em regra pelo seu Conselho de Segurança.
Conclusões
Temos vindo a constatar que os conflitos que proliferam regionalmente no mundo, apresentam uma nova geografia, movendo-se por uma geopolítica e geoestratégia inovadora, que lhe conferem características próprias de intensidade e prevalência nas sociedades, alterando consequentemente a forma de encarar a sua gestão, prevenção e resolução. Estes conceitos nem sempre foram entendidos pela Comunidade Internacional de igual forma e significaram propósito idêntico, tendo levando à necessidade de se estabelecer um diálogo multidimensional e mais esclarecedor na sociedade internacional, conduzindo ao aparecimento de várias teorias especializadas na abordagem da conflitualidade e dos fenómenos da paz e da guerra. O tema dos conflitos adquiriu por essa via, uma nova relevância, passando a estar associado ao desenvolvimento sustentado e a preocupar toda a sociedade, pois sem segurança participada não pode haver desenvolvimento sustentado e sem desenvolvimento não há segurança.
Uma das bases conceptuais de partida para se analisar um conflito é recorrendo ao «ciclo de vida do conflito», constituindo-se como modelo de análise que sintetiza o evoluir do conflito e traça as linhas mestras da intervenção em prol da pacificação do mesmo. Neste modelo pressupõe-se, entre outros aspectos, uma abordagem às suas raízes (causas) mais profundas (rootcauses), especialmente em relação aos actores envolvidos, aos litígios em causa, às estruturas de oportunidade, à interacção estratégica conjuntural e a própria dinâmica do conflito. Factores estes que ao se associarem, tornam a detecção das causas que deram origem a um conflito, num completo “puzzle” de hipóteses. Facto que nem sempre tem contribuído para um correcto entendimento do mesmo por parte da Comunidade Internacional, pois, sem se saber concretamente as causas de um determinado conflito, tendo a mesma base conceptual, não faz sentido falarmos em gestão, prevenção ou resolução do conflito. Enquanto a prevenção de conflitos tem como objectivo acções de longo prazo, tendentes a evitar o surgimento ou a escalada do diferendo ou contencioso, assentando em grande medida, na diplomacia preventiva e no pré-posicionamento de forças militares, a resolução, acontece em estágios mais adiantados do ciclo de vida do conflito, quando este ultrapassa o limiar da violência e se pretende alinhar as desavenças entre as partes em conflito, no intuito de preferencialmente pela via do diálogo, restabelecer a paz e desacelerar a curva do ciclo de vida do conflito.
O quadro conceptual para análise dos conflitos internos num Estado apresentado por Pauline Baker, permite-nos uma percepção global do conflito, que assente no «Ciclo de vida» de Swanström e Weissmann, proporcionam uma ferramenta de análise e de monitorização constante em face da sua evolução. Identifica-se estes modelos como uma ferramenta conceptual importante para qualquer estudioso da conflitualidade e modelo académicos e importantes quanto temos em vista sistematizar as causas e os efeitos desse conflito. Na prevenção e resolução de conflitos, existem vários modelos e inúmeras estratégias de intervenção para encontrar a paz e a estabilidade regional, contudo não haverá uma “solução milagrosa” para todos os conflitos pois na sua génese, cada conflito é um conflito…
A análise conceptual tendo por base os modelos académicos, contribuirá para a necessária análise das “rootcauses” do conflito. Contudo, uma abordagem correcta deve ter sempre em mente as duas realidades, a dimensão real e o modelo académico, da cabal interacção entre estas duas realidades, sairá uma possível explicação para o conflito, permitindo assim a sua gestão, prevenção e resolução. Em suma, podemos dizer que para cada conflito haverá mediante uma análise concreta às suas causas mais directas e profundas, um conjunto de intervenções e estratégias multifacetadas, tendentes a prevenir, resolver, gerir ou a transformar o mesmo. Estas dinâmicas pretendem contribuir para a segurança regional, a estabilidade global e uma paz mundial, em prol de um desenvolvimento regional e global, aspectos característicos da “nova” ordem internacional.
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* Major de Infantaria. Mestre em Estratégia e doutorando em Ciências Sociais, especialidade de Relações Internacionais, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas (ISCSP). Actualmente é Assessor Militar de S. Ex.ª o General Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
1 As “cinturas de fragmentação” ou “shatterbelts”, em concordância com o conceito apresentado por Saul Bernard Cohen (surgindo em 1975 e evoluiu até 1982), reflecte as regiões no globo onde existe uma separação geográfica entre civilizações, religiões ou outros interesses geoestratégicos, tendo ao longo dos tempos, sido origem ou palco de muitos conflitos regionais e mundiais.
2 Luís Moita, refere a este propósito que a sistematização da análise evolutiva do conflito permite, entre outros aspectos, alertar-nos para a relativa simetria entre os sintomas anteriores ao conflito e os da fase posterior à resolução da contenda, ajudando a evidenciar o facto crucial de que o final da violência física não significa de forma alguma a estabilidade política e social, e que, em qualquer momento, a linha descendente da curva do conflito, pode voltar a caminhar no sentido da crise e escalar para a guerra (2005, 147).
3 O Relatório A/47/277 - S/24111, da ONU, elaborado por Boutros-Ghali, em 17 de Junho de 1992, designado por “An Agenda for Peace Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peace-keeping”, recomenda quatro formas de intervenção para a resolução de conflitos, referindo-se nomeadamente à Diplomacia Preventiva (Preventive Diplomacy), o Restabelecimento da Paz (Peacemaking), a Manutenção da Paz (Peacekeeping) e na fase do pós conflito, a Consolidação da Paz (Peacebuilding). [http://www.un.org/documents/ga/res/47/a47r120.htm].
4 Este modelo elaborado pela Secção de Ensino de Estratégia, do Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), tipifica as operações militares que podem ser acometidas genericamente às Forças Armadas, nestas vertentes (Viana, 2002, 171-172).
5 No uso de terminologia relacionada com os conflitos e a sua gestão, pode-se aferir que a separação tradicional entre prevenção, resolução e gestão de conflitos, não só lhes atribui concepções diferentes, como tem associado, processos, dinâmicas e objectivos diferenciados, que contudo apresentam uma base conceptual comum, quer na forma de o compreender, quer mesmo nas metodologias e processos tendentes ao seu estudo e à sua resolução.
6 Podendo incluir acções que vão desde a monitorizações, inspecções, consultadorias, missões de busca e todo o tipo de avisos (AJP- 3.4.1, 2001, 2-3).
7 Os actores que têm intervido mais frequentemente na gestão de crises, no mundo são por vocação a ONU, e a nível regional, quer seja na sua área de responsabilidade ou fora dela, a OTAN, a União Europeia (UE) e a União Africana (UA) para os conflitos regionais em África.
8 Onde se incluem, segundo o autor, a guerra civil, os conflitos étnicos, os movimentos anti-coloniais e de libertação, seccionistas e autonómicos, bem como os conflitos territoriais e as guerras pelo poder.
9 Algumas inovadoras técnicas de resolução de conflitos, ainda não estudadas, incluem: “Cultural Peacebuilding”; “Strutural Peacebuilding”; “Elite Peacebuilding”; “War Limitation”; “Elite Peacemaking” e “Cultural Peacemaking” (Ramsbotham, 2006, 14).
10 O artigo contendo a análise apresentada consta do livro “Armed Conflict in Africa”, de Caroly Pemphrey e Rye Schwartz-Barcott, editado em 2003, pelo Instituto de Estudos Estratégicos, em Oxford e descreve a metodologia idealizada por Pauline H. Baker do “Fund for Peace”, em Washington D.C., tendo sido já desenvolvido uma versão em software, “Conflict Assessment System Tool”. Este modelo de análise é utilizado especialmente pela ONU. [http://www.fundforpeace.org/programs/cpr/cpr.php].