Nº 2483 - Dezembro de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Na procura do alvo: A Utilidade da Força
Tenente-coronel
Pedro Miguel Andrade de Brito Teixeira
1.  Introdução
 
A ideia de escrever este artigo surge pelo gosto de partilhar ideias e conceitos que estão inseridos no âmago da nossa profissão - a carreira das armas. Por vezes apenas a partilha das ideias não é suficiente porquanto não surge a necessária argumentação para debater e apresentar diferentes opi­niões. Todavia, impelido pelo estimulante livro “Utility of the Force” do General Rupert Smith, procurarei salientar as ideias chave do livro, que traduzem conhecimento resultante da sua experiência feita.
 
Identificar consequências no actual paradigma da Guerra - Execução da Campanha entre a população - e apresentar possíveis áreas de esforço no médio e longo prazo, para um desenvolvimento das capacidades e critérios da Força Permanente do Exército (FOPE) constitui também o objectivo deste artigo.
 
 
2.  “Utility of the Force” - uma descrição possível
 
A actualidade e pertinência do livro “Utility of the Force” são evidentes. As alterações do ambiente operacional, a longevidade requerida para resolução dos conflitos, a alteração da natureza da ameaça, a vertente multinacional das Forças, constituem factos sobre os quais o autor analisa e reflecte com os leitores. A simplicidade do título expressa uma dimensão no seu interior que abrange um período histórico compreendido entre o fim do século XIX até ao início do século XXI. O testemunho das suas funções como segundo Comandante as Forças da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) na Europa (DSACEUR), trazem uma realidade e uma pertinência de factos e considerações que interpelam inclusive o leitor menos motivado para estes assuntos.
 
Assumir hoje que o ambiente operacional é essencialmente urbano e que os conflitos e confrontos se concretizam tendo como denominador comum a população de permeio não constitui uma tema novo. Contestar a forma exclusiva como o poder das armas é utilizada para atingir objectivos políticos - o poder das armas como último rácio - também não constitui novidade. O que motiva o interesse para além dos factos já conhecidos é a relação que promove entre eles, as tendências que apresenta e o método que sugere para no patamar estratégico e político dos conflitos se determinar o estado final dos mesmos. Interessante é hoje constatar a evolução das doutrinas de referência1, do “Effect Base Approach to Operations” para o “Comprehensive Approach”2, reflectindo em grande parte as considerações que o autor apresenta no seu livro.
 
Com o fim da 2ª Guerra Mundial, o conceito de guerra Industrial entre Nações culminou. É com o fim deste modelo de guerras que o período designado de Guerra Fria surge, o qual o próprio autor não considera ter sido uma guerra, mas uma mera confrontação de que resultou uma vitória obtida por desígnio político. Porém, é no período da Guerra Fria que surge a pequena guerra - guerrilha. O triângulo Clauswitziano3 – Forças Armadas/Estado/Povo - não é esquecido e é com base nele que desenvolve o argumento segundo o qual a guerrilha, surge por assimetria de opções de forma a promover a ruptura desse triângulo. É a necessidade de conquistar almas e corações que vem a debate com o início do primeiro confronto/conflito pós 2ª Guerra Mundial entre Israel e a Palestina. Aproveita ainda o autor a Guerra Fria e o confronto/conflito Israel-Palestina com 45 e 60 anos de duração, respectivamente, para elucidar as actuais operações de respostas a crises (Bósnia, Kosovo, Iraque, Afeganistão), deverão ainda possuir um longo prazo até estarem definitivamente concluídas. (pp 183).
 
A mudança do paradigma Guerra versus Conflito/Confronto já não se traduz na sequência habitual de paz, crise, guerra, resolução e paz, mas antes na inexistência de uma sequência de acontecimentos predefinidos onde a paz pode não ser nem o início nem o estado final a atingir. É precisamente com este racional que o autor afirma que as confrontações dos dias de hoje requerem o uso do poder político, diplomático, da informação, económico, em paralelo e muitas vezes em simultâneo com a vertente militar.
 
Sustenta o autor que a razão pela qual algumas intervenções falham se deve à falta de capacidade da força. No seu entender, capacidade materializa-se através dos: meios - efectivo e material; Caminhos - doutrina, organização, finalidade; e a Vontade, que é o que sustenta a Força na adversidade.Muitas das intervenções falham devido à falta de vontade política para empregar a força; não basta projectar a Força (pp 245). No novo paradigma da Guerra - a execução da guerra no meio da população - as estruturas políticas e militares são parte do mesmo espectro (pp.185). Para reforçar a ideia de que no novo paradigma a política, diplomacia, economia e a informação têm que actuar no mesmo espectro de que o Militar, expressa a necessidade que o estratega possui de compreender a natureza e os limites da vontade política sob pena de a estratégia concebida estar vazia de utilidade (pp 212), contribuindo dessa forma para a inexistência de Utilidade no emprego da Força. A Utilidade da Força reside por isso na estreita ligação que tem que existir entre a política e a Estratégia, a harmonia de todas as considerações políticas para assegurar o triângulo Clauswitziano e uma clara diferenciação entre o objectivo político e o objectivo estratégico militar, já que estes jamais poderão ser os mesmos (pp 217).
 
O autor designa o novo paradigma como, a Guerra no meio Populacional e Urbano. Sustenta-o a com exemplos da Guerra Fria e descreve as tendências dos conflitos futuros.
 
Os dividendos da paz obtida com o fim da Guerra Fria - sem um tiro dado - permitiram que a orientação política quisesse retirar proveitos e consequências da paz obtida daí resultando a partir de 1991 uma redução constante e baixa prioridade para os orçamentos de defesa na maior parte dos países europeus. Esta tendência tem obtido Forças Armadas de menor dimensão, porém, ainda organizadas para continuar a combater um inimigo que já não existe, tal como se ainda estivéssemos a viver um período da Guerra Industrial entre Nações. Todavia, as estruturas e armamentos conti­nuam a ser utilizados nos conflitos actuais como se guerras industriais se tratassem. As anomalias referidas: redução orçamental constante, alteração do inimigo convencional, manutenção de estruturas militares inadequadas, associadas à insuficiente resposta política para o emprego da Força, acarretam como consequência a ideia que estes conflitos nunca são ganhos (pp 269).
 
As seis tendências que o autor aponta para sustentar o novo paradigma da Guerra - A Guerra no meio Populacional e Urbano - são:
n Os fins políticos pelos quais lutamos estão em mutação, transferindo-se de objectivos que decidem o resultado político para objec­tivos que estabelecem condições com as quais se poderá atingir o objectivo político desejado.
n Os acontecimentos de cariz táctico e operacional decorrem em meio urbano, entre a população e não num campo de batalha isolado dos grandes centros populacionais.
n Os novos conflitos pela sua tendência serão prolongados no tempo, senão intermináveis.
n Nós lutamos para preservar a Força em vez de arriscar tudo pela obtenção de um objectivo.
n Em cada ocasião novos métodos e utilizações são encontrados para o uso de organizações e armas antigas cuja origem reside no período da Guerra Industrial entre Nações.
n As partes contra as quais lutamos são na sua maior parte actores não estatais, organizando-se Forças Conjuntas e Combinadas para lhes fazer face.
 
“Ganhar as mentes e corações” é um conceito essencial, porém ignorado ou confundido pelas estruturas políticas e militares no Mundo (pp 279). As estruturas políticas continuam a empregar a Força para atingir objectivos políticos assumindo que esta Força terá condições por si só para os obter. Para as Forças Armadas há muitos anos que existe o entendimento sobre a necessidade de “Ganhar as mentes e corações” da população local; no entanto, estas actividades ainda são encaradas como acções de apoio para a derrota dos rebeldes, em vez de serem identificadas como o objectivo principal.
 
Uma vez que qualquer emprego da Força com cariz Táctico e ou Operacional visa vencer o choque de vontades, torna-se necessário que cada sucesso Táctico e ou Operacional e respectivos efeitos contribuam e reforcem a compreensão da população sobre a finalidade das acções concretizadas. Só assim as forças que empregamos terão Utilidade e maior probabilidade para atingir o objectivo político desejado.
 
O autor continua no seu livro a explicação de todas as tendências anteriormente apresentadas, recorrendo muitas das vezes aos conflitos ocorridos ou ainda a decorrer na Europa, Euro-Ásia e África.
 
Mesmo antes de entrar nas conclusões, o autor realça que a ausência de um inimigo doutrinário constitui o factor determinante para não conduzir nos dias de hoje uma Guerra de cariz Industrial. Se isto reflecte ou não a vivência de um período pós Estado-Nação como actor isolado, fica por confirmar, porém é possível acreditar que o Estado Nação como actor isolado se encontra na luta pela sua supremacia na cena Internacional.
 
Nas conclusões o autor sustenta a sua análise tendo por base os 26 países que constituem a OTAN. No caminho percorrido pelas diferentes Nações que fazem parte da OTAN alude que a escolha da Transformação das Forças Armadas pelos diferentes países é o caminho certo, mas desde que enqua­drado e assente na mudança do paradigma - culminação da Guerra Industrial e mudança para a Guerra no meio Populacional e Urbano. Paradigma este onde a noção de guerra e paz já não existe e o que temos são confrontações e conflitos que se arrastam no tempo, onde os assuntos de segurança e defesa se fundem e relacionam.
 
Desta forma não é expectável que políticos e diplomatas pretendam resolver problemas pela força, nem muito menos se torna possível resolver os mesmos problemas apenas com o uso do braço armado, ou através da concretização de uma acção táctica com sucesso mas fora do contexto da vertente política.
 
O inimigo de hoje são os: rebeldes do Iraque, terroristas nas Filipinas ou no conflito Israel-Árabe ou ainda os senhores da guerra no Afeganistão e África. A sua ameaça é contra os nossos territórios, o nosso modo de vida - cultura e padrões de vida - com a finalidade de nos obrigar a mudar. Encontram-se inseridos no meio da população, nas diferentes comunidades e nos meios de comunicação social.
 
Para que exista Utilidade da Força isto tem de ser reconhecido, o novo paradigma tem que ser entendido.
 
Tem que ser relevado que o novo paradigma requer uma análise Conjunta5, uma vez que neste conceito não existem mais situações puramente militares ou políticas. A guerra no meio populacional e urbano sustenta-se na Informação e não no poder de fogo e a informação de que falamos não é unicamente militar ou política. Na maior parte dos casos os sucessos tácticos militares apenas serão optimizados e úteis se inseridos e associados a outras acções concorrentes e integradas num plano maior. (pp 374-384).
 
O método de utilizar e projectar força apenas e só apenas quando os vectores políticos, diplomáticos, informações e económicos foram esgotados - resposta gradual - não constitui para o autor um erro, desde que para o efeito se saiba qual o estado final que se pretende atingir. Porém, o que o autor defende é a elaboração de um plano que possa ser desenvolvido em diferentes direcções permitindo uma forte cooperação com todas as agências existentes, com base no princípio básico que a colheita de Informação constitui a finalidade primária. O opositor encontra-se disperso entre a população e actua utilizando as forças Militares para atingir o seu objectivo.
 
Restrições e condicionamentos são também referidos e associados aos aspectos legais, éticos dos conflitos nas operações correntes.
 
Também interessante nesta obra é o método que sugere para o planea­mento no patamar Político/Estratégico e Operacional quando associado à projecção e emprego da Força.
 
Constatar hoje que nos deparamos com um novo paradigma, apesar de não ser um assunto totalmente novo para os actores da Defesa, constitui pela abordagem e apresentação dos conhecimentos vividos um livro repleto de interesse que abarca um universo de leitores bem mais abrangente do que apenas a audiência alvo associada aos temas de Segurança e Defesa.
 
Que o livro “Uility of the Force” sumariamente descrito, permita desenvolver no curto espaço de tempo reflexões, debates e comentários. Que no médio e longo prazo possam algumas das ideias contribuir para aperfeiçoar o desenvolvimento institucional das nossas Forças Armadas.
 
 
3.  A Força Permanente do Exército Português
  e a sua Utilidade
 
Os últimos 15 anos reforçaram o uso da OTAN - que em Abril de 2009 irá comemorar 60 anos de existência - como a organização Internacional mais credível para assegurar ou obter Segurança nas mais diversas partes do Mundo. Quer solicitada pela Organização das Nações Unidas ou através dos 26 países que dela fazem parte, decisões foram tomadas - por meios políticos - garantindo às respectivas populações o legítimo desejo de Desenvolvimento e com isso a melhoria da qualidade de vida de milhões de pessoas.
 
A OTAN que vive um período de intenso empenhamento operacional6 e político7, continua a propiciar aos países que dela fazem parte uma fonte de conhecimento imprescindível para a obtenção de desempenhos credíveis e coerentes das Forças Armadas de cada País. Este conhecimento resulta de uma face múltipla e interdependente de actividades nas quais destaco as Operações Correntes, a Educação, Exercícios, Programa de Treino de Forças de Projecção, Processo de Certificação, Experimentação e Lições Aprendidas. É através da acção conjugada destas actividades que a OTAN obtêm Forças de Projecção, coerentes, interoperáveis e de elevada prontidão.
 
A importância das Operações Correntes - Afeganistão e Kosovo - é decisiva no processo de evolução da OTAN, porquanto são elas o verdadeiro campo de aplicação do conhecimento existente, mas também o espaço útil para identificar novas necessidades.
 
Constitui a “NATO Response Force” (NRF) um sistema de forças com um ciclo de vida mínimo de 18 meses, onde assenta o esforço do processo de Exercícios, Treino de Forças de Projecção, Certificação e Experimentação. No âmbito da partilha de conhecimentos gostaria de salientar a importância do fluxo de informação existente entre o processo da NRF - capacidades e critérios - e Comité Militar da União Europeia, no que diz respeito ao conceito de “Battle Group”. Esta transparência permite avanços mais significativos num curto espaço de tempo entre as duas entidades e promove acrescida flexibilidade estratégica à OTAN como actor da Cena Internacional.
 
Assumindo como provável a evolução da NRF para um conceito mais abrangente com a designação de Forças de Projecção da OTAN8, as capacidades que continuam a sustentar esta evolução são: Manobra Conjunta e Combinada; Operações de Informação, Superioridade de Informação e Decisão, Vertente expedicionária e Logística integrada. Os critérios associados à implementação da NRF permanecem bem actuais: Comando e Controlo, Sustentação, Prontidão, Projecção; e sustentam o actual processo de implementação dos Deployable Joint Staff Elements (DJSE). A obtenção de Capacidades e critérios comuns, permitem a condução de um processo de certificação que promove a coerência da preparação das Forças, Interoperabilidade e Prontidão das Forças NATO.
 
Como se depreende dos parágrafos anteriores é do nosso interesse que as nossas Forças Armadas sejam parte activa e solidária nas operações correntes da OTAN e agentes de mudança através da sua participação no ciclo de vida da NRF.
 
Relacionando o livro “Utility of the Force”, a doutrina OTAN para a NRF, Forças de Projecção e utilizando outros conhecimentos decorrentes das minhas referências e experiência pessoal proponho-vos descrever nichos de desenvolvimento (ND) onde entendo ser Útil empreender o esforço e prioridades, com a finalidade de optimizar capacidades e recursos. Os pressupostos nos quais os ND se sustentam são:
 
• uma maior necessidade de Forças projectáveis com cariz Multinacional e Multi-agência, com elevada prontidão;
 
• a existência de um ambiente operacional caracterizado pela Guerra no meio Populacional e Urbano;
 
• a ameaça mais provável e perigosa é tipificada por Forças Irregulares, do tipo actor não estatal, onde o controlo da proliferação de armamento de destruição massiva e narcotráfico assumem prioridade.
 
Os 5 ND que vos apresento possuem expectativas de retorno se entendidos no médio e longo prazo.
ND 1 - Doutrina;
A doutrina de referência dos Estados Unidos da América, após de mais de sete anos de experiência, aboliu com a doutrina designada de EBAO9. A experimentação conduzida, as lições aprendidas dos conflitos do Líbano, Iraque e Afeganistão permitem hoje apontar a nova doutrina orientada para uma Abordagem Compreensiva dos conflitos (Comprehensive Approach). Seria importante ver este tema analisado pelas instâncias competentes do nosso Exército utilizando como ferramentas de trabalho a doutrina do Exército português na Guerra Subversiva10 e os relatórios Fim de Missão das mais diferentes operações realizadas.
ND 2 - C4ISR11;
Este é um ND que se devidamente enquadrado por doutrina e vontade de emprego da Força nos permite adquirir relevantes mais-valias no patamar Táctico, Operacional e com reflexos significativos no patamar Estratégico e Político. Nas operações correntes e futuras o empenhamento efectivo de Forças requer precisão. Na sua génese está a informação que no âmbito da conflitualidade actual não está associada em exclusivo à vertente militar. “A guerra no meio populacional e urbano sustenta-se na Informação e não no poder de fogo e a Informação de que falamos não é unicamente militar ou política.”12
Do ponto de vista da natureza dos recursos humanos, as nossas Forças, o nosso Soldado possui características inatas que com o devido treino lhe permitem conduzir operações de Vigilância, Aquisição de Alvos e Reconhecimento as quais contribuem de forma significativa para o sucesso das Operações13. A constituição de Forças orientadas para estas missões traduz uma organização com menor efectivo, utilizam o efeito das armas combinadas e inserem-se no ambiente Conjunto, no patamar Operacional e Táctico da Guerra. A Utilidade da Força aumenta porquanto a natureza e produto operacional destas Forças contribui para a superioridade de informação e do ciclo da decisão.
 
A acção de Comando destas Unidades, requer uma adequada descentralização da decisão, proporcionando livre iniciativa até aos mais pequenos escalões, com base num claro entendimento da Intenção do Comandante. Actuar decisivamente dentro da estrutura referida é a finalidade.
 
Quanto à vertente de recursos materiais, a menor estrutura destas Forças reforçará a integração logística no Teatro de Operações pretendido.
 
As Operações de Informação (Information Operations) constituem hoje uma área de esforço e a natureza destas forças concorre para esse objectivo.
 
A dimensão tecnológica é abrangente ao C4ISR, mas não determinante, porquanto as Operantes correntes na OTAN são vistas sob uma perspectiva Conjunta. Todavia, adquirir apropriada dimensão tecnológica constitui um multiplicador de oportunidades.
ND3 - Indústrias de Defesa e Universidades;
O aparecimento da robótica, nanotecnologia, materiais compostos e a indústria dos pequenos satélites surge no âmbito do ND 2, mas só possível de concretizar no âmbito de uma estratégia Nacional, supra partidária e inter ministerial. Obter desenvolvimentos nesta área exige uma aproxi­mação das Universidades às Indústrias e estas aos assuntos de Defesa. Ao utilizarem e explorarem nichos de tecnologia, utilizando as Forças Armadas como fornecedor de critérios e “cliente teste”, o espaço de inovação e desenvolvimento em Portugal de uma forma abrangente, sairá reforçado.
ND 4 - Processo de Certificação e o Treino operacional de Forças;
Deverá existir um paralelismo de procedimentos entre o processo de certificação da NRF e Forças Nacionais visando a obtenção de sinergias, optimização de recursos humanos materiais e financeiros. O processo de certificação de forças deve garantir ao Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) e ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) que o reconhecimento oficial de que é feito sobre a certificação da força resulta de um processo onde as capacidades existentes e critérios satis­feitos são coerentes com a missão que se espera que essa Força venha a cumprir, assegurando legitimidade para o emprego da Força, em caso de necessidade. O processo de certificação, reforça a transparência da preparação de forças e como se sustenta em critérios, torna legível e credível a identificação dos problemas e a sua natureza.
 
O Treino Operacional que é conduzido no nosso Exército de uma forma geral e a tipicidade do ambiente urbano de uma forma específica necessitam de ser reforçados com ferramentas - programas de avaliação táctica; área de treino operacional urbano para escalão Agrupamento Motorizado/Mecanizado e simuladores de tiro - para conduzir e apoiar a avaliação interna das pequenas unidades e Quartéis-generais das Grandes Unidades. A doutrina de referência possui exemplos que deveriam ser considerados e devidamente ajustados (i.e Allied Command Operations Forces Standards, Allied Tactical Operations, Allied Joint Publications, NATO Task List).
ND 5 - Unidades de armas combinadas Multi-agência;
A vertente Conjunta dos conflitos é hoje uma realidade, bem como a imprescindibilidade da eficácia do efeito das armas combinadas. Porém acresce dizer que as Forças militares de hoje tendem também elas a integrar estruturas não essencialmente militares na sua cadeia de comando. A capacidade que a OTAN hoje tem para integrar na sua estrutura de Comando e Controlo Organizações não Governamentais é algo de inimaginável há 3 anos atrás.
 
A diminuição do efectivo nas Unidades e respectivos escalões de Comando, associa-se ao investimento financeiro e tecnológico já referidos, ao tipo de missão e ameaça considerados mas também à integração de outras capacidades não essencialmente militares na Força. As acções não cinéticas14, muito associadas às Operações de Informação, encontram hoje um espaço adequado e profícuo se sincronizadas com a diversidade de organizações não governamentais que co-habitam as missões correntes.
 
A forma como hoje preparamos as Unidades para cumprir missões no exterior, visando inserir em exercícios finais apoio real à população local - assistência médica básica, trabalhos de engenharia de apoio geral e contacto com a população - constitui um bom exemplo para garantir continuidade neste processo de transformação. Todavia, esta orientação que constitui um requisito essencial para as missões correntes e futuras não pode servir de desculpa para desvirtuar a natureza do treino operacional, que tem que continuar a assegurar o cumprimento de critérios que atestem, quando necessário, o emprego da Força, como meio adequado para vencer o choque de vontades.
 
 
4. A Vontade de cumprir o Futuro
 
O juízo que faço neste artigo decorre das minhas experiências profissionais, das referências que tenho tido a possibilidade de contactar ou simplesmente ler. Considero que além das áreas de desenvolvimento já referidas é necessário ter presente o seguinte: A Credibilidade, Coerência e Continuidade no desenvolvimento do Exército é algo que desejamos mas que não é viável se não for integrado nas capacidades do país e nos compromissos que assumimos com as organizações Internacionais das quais fazemos parte, nas quais destaco, como membros fundadores que somos, a OTAN. Logo não há Conceito Estratégico que resista se estiver vazio de Vontade política.
 
A necessidade de Forças Expedicionárias, com elevado grau de prontidão e certificadas, continuará a ser um requisito essencial no âmbito da OTAN, onde a designação de “Deployable Forces” irá abranger o actual conceito da NRF. O desenvolvimento do nível operacional da Guerra com a orientação da Logística Integrada, implicará uma redução do rácio entre forças de Combate e forças de apoio logístico, só possível pelo investimento financeiro e tecnológico feito em estruturas de C4ISR e pela inserção de forças não essencialmente militares na estrutura de Comando. Explorar áreas da Governança15, Relações Internacionais, Informações e Segurança, Operações de Informação e Operações Irregulares, na formação de quadros tendo em vista a natureza Multi-agência da estrutura de forças do Futuro é uma necessidade.
 
Porque os conflitos no médio longo prazo se sustentam na Informação e não exclusivamente no poder de fogo, a optimização das nossas capacidades e oportunidades associadas ao C4ISR - Robótica, Comunicações, materiais compostos - é premente.
 
No âmbito da liderança, o Comandante Militar terá que ser cada vez mais um líder empreendedor, adaptado à contingência contínua, apto para actuar no contexto Multinacional e capaz de liderar pelo exemplo. A Acção de Comando será potenciada se enquadrada num espírito de iniciativa e liberdade de acção aos mais baixos escalões, desde que integrados para o efeito num claro entendimento da intenção do Comandante e do estado final a atingir. A própria natureza do Comandante Operacional, nomeado para uma Campanha, poderá ser alterada, porquanto tendencialmente não existem mais situações puramente militares ou políticas. No novo paradigma, a natureza dos problemas tácticos, operacionais, estratégicos e políticos, é interdisciplinar e a sua ligação é horizontal e não vertical. Hoje, o actor no patamar táctico apercebe-se da Utilidade da sua prestação quando os efeitos das suas acções são sentidos, observados e relatados pela população local, meios de comunicação social e pela Organização Internacional na qual se insere.
O cenário Urbano, com uma ameaça do tipo irregular, não estatal, imiscuído com a população, tem que ser correctamente trabalhado. Espaço adequado para treinar Combate em áreas urbanas até escalão Agrupamento Motorizado/Mecanizado em Portugal deverá ser desenvolvido para propiciar às Unidades em preparação realismo no Treino e cumprimento de critérios que as habilitem a actuar de forma sustentada nos Teatros de Operações pretendidos.
 
Os desempenhos Tácticos estarão cada vez mais orientados para solicitar os pequenos escalões - Agrupamento e Sub-agrupamento - promovendo uma maior integração destas Unidades em Forças Combinadas e Multi-agência.
 
O Soldado terá ciclos de prontidão em maior número num menor espaço de tempo disponível de forma a satisfazer os requisitos expedicionários implícitos nos compromissos Internacionais do Estado.
 
O triangulo Clauswitiziano - Povo, Estado, Forças Armadas - está bem presente nos dias de hoje. A profissionalização das FA’s, o modelo de resolução dos conflitos e a Utilidade da Força, obrigam hoje mais do que nunca à existência de uma Comunicação eficaz para que as decisões assumidas sejam em tempo oportuno percebidas - “Milagre de Tancos”16.
 
A crescente Complexidade das Operações de Resposta a Crises, implica uma abordagem compreensiva dos conflitos, onde a integração das vertentes Política, Militar, Económica, Social, Infra-estruturas e Informação (PMESII) sejam inseridas e integradas, constituindo as estruturas política e militar parte do mesmo espectro.
 
A estruturação de Forças deverá considerar uma desenvolvida rede de capacidades para o C4ISR, onde a combinação da natureza Multi-agência da Força, permitirá obter sinergias rentabilizando os efeitos do desempenho operacional17.
 
A mudança do paradigma da Guerra Industrial para a Guerra no meio Populacional e Urbano engloba uma série de alterações das quais devemos estar conscientes para nos permitir questionar conhecimentos adquiridos; sensação eventualmente desconfortável mas necessária para promover a Continuidade, Coerência e Credibilidade do nosso desenvolvimento.
 
 
Bibliografia
 
ARON, Raymond, Penser la guerre, Clauswitz, L’ âge européen, Gallimard, 1976, Vol I, 472 pp.
EXÉRCITO PORTUGUÊS, O Exército na Guerra Subversiva, Exército Portu­guês, 1966, 5 Vols.
EXÉRCITO, Estado Maior, Subsídios para o estudo da doutrina aplicada nas Campanhas de África (1961-1974), Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1990, 327 pp.
EUROPEIAS, Comissão das Comunidades, Governança Europeia, Um Livro Branco, Comissão Europeia, Julho de 2001, 40 pp.
MATTIS, J.N General, Assessment of Effects Based Operations, Memorandum para Comando Conjunto dos USA, 14 de Agosto de 2008.
SMITH, Rupert, Utility of the Force, First Vintage Books Edition, Fevereiro 2008, 430 pp.
 
 
*      Tenente-Coronel de Infantaria. Actualmente colocado no OPD-SHAPE - Staff Officer Planning and Coordination Group.
 
 
 1 NATO, Great Britain (GBR), United States of America (USA).
 2 O uso do braço militar como último rácio ou como aquele que é capaz de atingir os objectivos políticos não é viável no contexto das operações correntes. A doutrina do Comprehensive Approach entende que apenas haverá utilidade da Força quando se souber qual o objectivo político da intervenção e quando para o atingir, as vertentes Políticas, Económicas, Sociais, de Infra-estruturas e Informação sejam inseridas, integradas e sincronizadas com a vertente Militar (PMESII).
 3 ARON, Raymond, Penser la guerre, Clauswitz, L’ âge européen, Gallimard, 1976, Vol I, 472 pp.
 4 Capacidade = Meios * (2*Caminhos) * (3*Vontade).
 5 Conjunta: Marinha, Exército e Força Aérea e dado o contexto do livro envolvendo os braços políticos, diplomáticos, informações e económicos em simultâneo com o militar.
 6 Designação associada às operações correntes: Afeganistão e Kosovo.
 7 Adesão de novos países à NATO.
 8 NATO Deployable Forces.
 9 MATTIS, J.N General, “Assessment of Effects Based Operations”, Memorandum para Comando Conjunto dos USA, 14 de Agosto de 2008.
10 EXÉRCITO PORTUGUÊS, O Exército na Guerra Subversiva, Exército Português, 1966, 5 Vols.
11 C4ISR - Comando, Controlo, Comunicações e Computadores, Informações, Vigilância, Reconhecimento.
12 SMITH, Rupert, Utility of the Force, First Vintage Books Edition, Fevereiro 2008, 430 pp.
13 A Vigilância e Reconhecimento são aqui abordados sempre num perspectiva conjunta e de armas combinadas.
14 Constituem procedimentos, acções cujos efeitos não são letais. Exemplo: Apoio à formação e treino das Forças Armadas de um País em reconstrução; manutenção da liberdade de movimento; assegurar apoio médico básico às populaçöes isoladas.
15 A governança refere-se às normas, processos e condutas através dos quais se articulam interesses, se gerem recursos e se exerce o poder na sociedade, ou seja, significa a capacidade do Estado de servir os cidadãos.
16 Expressão inerente à forma como o Poder político determinou a nossa participação na I Grande Guerra e como o Exército se organizou para constituir o 1 Corpo Expedicionário Português, apesar das lacunas de material, equipamento e treino existentes serem do conhecimento do respectivo poder político.
17 Em Outubro de 2001, no Kosovo, existiam mais de 1000 organizações não governamentais.
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