A Expedição de Loison ao Alentejo. Análise dos Relatos do Tenente-General Thiébault.
O estudo apresentado à Direcção da Revista Militar é o resultado de uma investigação que teve como objecto os relatos do tenente-general Thiébault, chefe do estado-maior do corps d’observation de la Gironde, relativos à expedição dos corpos do exército francês reunido em Lisboa e comandados pelo general Loison ao Alentejo.
As fontes são as cópias dos boletins e dos relatos sucessivos do tenente-general Thiébault enviados ao ministro da guerra francês, ao general-em-chefe Junot, duque de Abrantes, ao tenente-general Laborde, ao tenente-general Loison, ao tenente-general Kellerman, ao tenente-general Margaron e ao tenente-general Brenier, entre outros oficiais distintos do exército francês.
Na análise e interpretação das fontes privilegiámos os aspectos militares, tendo em vista a originalidade e o interesse que elas encerram para o melhor conhecimento do que foi a marcha dos corpos franceses comandados por Loison na sua expedição ao Alentejo no Verão de 1808.
Na descrição dessa expedição, incidiremos sobre dois momentos distintos embora inteiramente relacionados: no primeiro, sobre a formação dos corpos franceses em Lisboa e estratégias delineadas pelo general-em-chefe Junot; no segundo, sobre a movimentação das forças no Alentejo e confrontação com as portuguesas e relação com as altas autoridades e o povo português. Evidenciaremos os momentos mais difíceis vividos por esse corpo bem como das forças portuguesas, como foram a tomada de Montemor-o-Novo e Évora e o regresso a Abrantes por Portalegre.
A Incursão do General Loison ao Alentejo
No dia 18 de Junho, as notícias alarmantes sobre a situação no Alentejo confirmavam-se inteiramente. Junot e o seu Estado-Maior não tinham dúvidas que aquela província se encontrava em plena revolta. Organizavam-se corpos de exército formados por tropas portuguesas e espanholas com o apoio de civis e dentro em pouco deveriam estar prontos para entrar em campanha. Duas forças estavam a ser preparadas: uma com missão de marchar sobre Setúbal para se apoderar da cidade e depois de Almada para ocupar as suas linhas de elevação; a outra marcharia pela margem esquerda do rio Tejo com o objectivo de estabelecer ligação com as forças amigas que se movimentavam na margem direita do mesmo Rio.
O general em chefe tendo conhecimento desta dupla movimentação levada a efeito pelas forças portuguesas a Norte e a Sul no Alentejo cujo objectivo era Lisboa, reuniu o Estado-Maior e tomou a decisão de fazer frente a uma delas. As forças localizadas a Norte eram mais numerosas mas estavam mais afastadas de Lisboa e, além disso, tinham uma marcha mais difícil de executar, o que levou Junot a tomar a decisão de antes de se ocupar do Norte de Portugal, lançar uma expedição ao Alentejo.
Essa expedição exigia, com efeito, o empenhamento de um menor número de forças, menos tempo de acção que uma expedição a Norte e, consequentemente, logo menos dificuldade o que permitia que depois de pacificado todo o Alentejo e Algarve abastecer Lisboa de víveres, revitalizar Elvas, atacar Badajoz, marchar sobre Coimbra e, em caso de necessidade, socorrer Lisboa passando o rio Tejo em Abrantes ou Santarém.
O duque de Abrantes sem efectivos militares para empenhar e sem notícias do general Loison e da sua incursão pelo norte do país, permanecia na maior inquietude. Ela só terminaria quando no dia 11 de Julho recebeu uma carta do corregedor-mor de Abrantes a informar que o general Loison estava para aí chegar com as suas tropas1. De facto assim aconteceu, Loison vindo de Pinhel, passando por Almeida, Guarda, Sarzedas, Sardoal chega a Abrantes a 9 e a 11 a Santarém de onde marcha para Lisboa via fluvial.
Junot ordenou a reunião das tropas que eram constituídas pelos seguintes corpos: Os 3º batalhões do 12º e 15º Regimentos de Infantaria Ligeira; o batalhão do 58º de Linha; um batalhão e meio do 86º de Linha; a Legião Hanovrienne; dois batalhões de granadeiros; oito peças de canhão; os 4º e 5º Regimentos Provisórios de Dragões 2. A força desta divisão era constituída por um efectivo de 7 000 homens.
O comando desta missão foi entregue ao general Loison que teve para esse efeito sob as suas ordens os generais de brigada Solignac3 e Margaron. Recebidas as disposições do duque de Abrantes, as instruções relativas às operações e um código em cifras para as comunicações mais importantes passou o rio Tejo com destino a Évora a 25 de Julho. Como estava no Verão com as temperaturas bastante elevadas, decidiu avançar sobre Évora em pequenas etapas. A 26 do mesmo mês encontra-se em Pegões, a 27 em Vendas Novas e a 28 em Montemor-o-Novo, onde a vanguarda das suas forças encontrou a retaguarda do exército português4, o derrotou, matando cerca de cinquenta homens e aprisionando uma centena de camponeses que desarmou e reenviou para as suas casas5.
Em Montemor-o-Novo Loison informado que as forças portuguesas se encontravam reunidas em Évora, deixou aquela vila pelas três horas da manhã e chegou às primeiras elevações que cobrem a praça daquela cidade pelas 11.
A vanguarda das forças francesas ao aproximar-se daquelas elevações foi atacada por fogo de atiradores apoiados por oito peças de artilharia. Estabelecido o contacto, o general Loison ordenou a paragem das suas forças e deslocou-se para a vanguarda com os generais Solignac e Margaron a fim de procederem ao reconhecimento da situação, verificar a posição das forças portuguesas e espanholas, da praça e preparar a ordem de batalha6.
As forças portuguesas e espanholas ocupavam as elevações a uma distância de meia légua7 da cidade e estavam colocadas da seguinte forma: a direita nos moinhos de São Bento com o apoio de 4 peças e uma companhia de artilharia a cavalo com 80 homens, 300 infantes e 50 cavalos todos espanhóis; o centro estava colocado sobre o Outeiro de São Caetano onde foram colocados dois obuses e 10 artilheiros a cavalo dos noventa que tinham sido levados de Badajoz pelo tenente-coronel Luiz de Michelena. À frente da posição central da linha de defesa das forças portuguesas e espanholas estendia-se outra linha formada pela Legião Estrangeira e pelo Batalhão de Estremoz, precedida pelos miqueletes de Vila Viçosa e dos caçadores de Évora8. A esquerda foi colocada na Quinta dos Cucos, pequena elevação que domina a estrada para Montemor-o-Novo com uma peça de artilharia servida por 10 artilheiros a pé, 200 paisanos e 60 jinetes montados em éguas. 200 cavaleiros dos húsares de Maria Luiza e 60 cavaleiros espanhóis colocaram-se sobre o flanco esquerdo da infantaria e também junto ao Outeiro de São Caetano.
Por melhor que fosse a escolha da posição ocupada pelas forças portuguesas e espanholas e a disposição adoptada no terreno pelo general Francisco de Paula Leite, não foram bastante fortes e os nossos soldados suficientes para se baterem contra uma divisão francesa tão numerosa, disciplinada e bem armada.
As baterias eram comandadas pelo coronel Vicente António de Oliveira, tenente-coronel Domingos Franco e tenente-coronel D. Luiz de Michelena. As milícias espanholas estavam sob o comando do coronel Victoria, o batalhão de Estremoz do coronel Aniceto Simão Borges, o de voluntários estrangeiros do sargento-mor D. António Maria Gallego, a cavalaria espanhola do tenente-coronel Ramos e a portuguesa do tenente-coronel Francisco Manuel Couceiro, os caçadores de Vila Viçosa do coronel António Lobo. O General Paula Leite comandante da força fixou-se junto à bateria colocada no centro da defesa e Moretti tinha uma posição móvel, deslocando-se por toda a parte de acordo com as necessidades e circunstâncias da acção.
Reconhecidas as posições das forças portuguesas, o general Loison deu indicações ao general Solignac para à ordem atacar as forças portuguesas e desapossá-las das posições que ocupavam na quinta dos Cucos, depois contornar a cidade pela direita e colocar as suas forças de maneira a apoiar a direita na estrada para Estremoz. O general Margaron recebeu ordens para deslocar o batalhão 58º de linha sobre a sua esquerda, com a missão de forçar as posições direitas das forças portuguesas colocadas no Alto dos Moinhos de São Bento, de tomar de assalto as peças que as apoiavam, de repelir a infantaria e a cavalaria que os defendiam e deslocar-se para a estrada de Arraiolos a fim de juntar a esquerda das suas forças com a esquerda das tropas do general Solignac e impedir a retirada, por esse sector, das tropas portuguesas. O 86º também às ordens do general Margaron, recebeu ordens para atacar o centro da defesa no outeiro de São Caetano, romper as linhas formadas pela infantaria, juntar-se ao 58º a a Solignac para barrar todas as saídas da cidade de Évora.
A artilharia foi colocada de forma a melhor poder apoiar os diferentes movimentos do exército francês. A cavalaria tinha como missão manter-se pronta a desobstruir sobre a sua esquerda e direita e carregar sobre todas as forças que procurassem retirar pelas estradas de Arraiolos, Estremoz e Beja. A reserva de granadeiros ocupava a posição no intervalo entre as duas brigadas com a missão de as reforçar em caso de necessidade.
As ordens do general Loison eram para ser executadas com grande precisão e sobre todas as posições das forças portuguesas e, realmente, o ataque começou ao mesmo tempo. Os portugueses e espanhóis resistiram durante quatro longas e difíceis horas através do fogo vivo da infantaria e da artilharia. Contudo não conseguem suportar o ímpeto do ataque das tropas francesas e são forçados a abandonar as posições, as peças de artilharia, sete canhões e os mortos e a refugiar-se no interior da cidade. O combate manteve-se em todas as posições com uma obstinação tão elevada que não era de esperar por umas tropas que nem em número nem em disciplina estavam à altura de se enfrentarem com as forças francesas.
O movimento da divisão francesa foi executado conforme as ordens de Loison, as primeiras posições das forças portuguesas e espanholas foram tomadas de assalto e a cidade foi cercada.
O general Loison intimou à rendição da cidade e os portugueses queriam capitular, mas forças espanholas que se encontravam na sua defesa não o aceitaram e foi necessário recorrer às armas e preparar as forças para um novo combate9.
As forças portuguesas e espanholas eram formadas pelos regimentos espanhóis de Burgos, de Badajoz, os voluntários de Ciudad-Rodrigo, o regimento Royal-Etranger, os Hussards de Marie-Louise reforçados por alguns cavaleiros portugueses e os regimentos portugueses e corpos de milícias de Estremoz, de Évora, de Beja, de Montemor e de Viana do Alentejo. Faziam, ainda, parte na defesa da cidade uma multidão, ajuntamento de habitantes armados das províncias que foram colocados sobre os flancos da cidade, sobre os parapeitos, os bastiões e as torres.
“Les régiments espagnols de Burgos et de Badajos, los volontaires de Cidudad-Rodrigo, le régiment Royal_Etranger, et les hussards de Marie-Louise, réunis à quelques cavaliers portugais; les régiments portugais ou corps de milices d’Estremos, d’Evora, de Beja, de Montemor, de Viana, ainsi qu’une foule d‘habitans armés, et même de détachemens venus de provinces plus éloigmées, furent placés sur les flancs de la ville, sur les remparts, les bations et les tours10.
Enquanto as forças conjuntas faziam os seus preparativos de defesa, o general Solignac recebeu ordens para atacar a praça do lado da cidadela e das portas que conduziam a Elvas, Estremoz e Arraiolos e o general Margaron, de atacar do lado de Beja, Montemor-o-Novo e do aqueduto.
A força do ataque das tropas francesas foi de tal impetuosidade que levou uma parte das forças espanholas a iniciar uma retirada pela estrada de Estremoz. O general Solignac apercebendo-se da fuga da cavalaria espanhola ordena a sua perseguição por um dos seus batalhões que a alcança e a derrota deixando no solo mais de trezentos homens e fazendo um grande número de prisioneiros11. Alguns cavaleiros portugueses e espanhóis conseguem fugir e pôr-se em grande trote com as cinco peças de canhão que haviam sido utilizadas no combate da manhã. O 4º Regimento de Dragões chega, entretanto, com tempo para carregar sobre as últimas tropas matando 150 homens12.
Durante o combate, a infantaria ligeira do general Solignac tinha continuado o ataque. Comandada pelo major Petit consegue chegar próximo dos muros e como a sua demolição era impossível os soldados com as suas baionetas faziam uma espécie de escada e escalavam as muralhas passando para o interior da praça.
No seu movimento, o general Margaron, tinha destruído tudo o que se tinha oposto às suas tropas, estava igualmente junto às portas da cidade e ordenou a sua demolição que foi executada sob um fogo muito intenso. Demolida parte da muralha e arremessadas algumas pedras conseguiu entrara na cidade. O general Margaron, seguido de M. Simmers do Estado-Maior do príncipe de Neuf-Châtel e de M. Auguste de Forbins do Estado-maior de Junot, entraram na praça onde começou um combate atroz. Forças portuguesas e civis colocados sobre as muralhas, as janelas e as torres da cidade procuraram resistir, mas acabaram por capitular. A tomada da cidade levou o exército francês aos extremos e todo aquele que foi encontrado com uma arma foi exterminado13.
“le général Margaron, suivi de M. Simmers, de l’état-major du prince de Neuf-châtel, et de M. Auguste de Forbin, de l’état-major du duc d’Abrantès, se précipita dans la place, où commença un combat furiex, pendent lequel on tira sur nos soldats, des remparts, des fenêtres, des tours, et on en égorgea dans les rues avec une cruaté atroce.
Cet acharnement mit le comble à la fureur des tropes, et tout ce qui fut trouvé portant les armes fut exterminé”14
A defesa da cidade estava sob a responsabilidade do coronel Francisco Pereira da Silva. Das cinco entradas da cidade, três delas tinham sido obstruídas com pedra e barro, conservando-se abertas apenas duas por uma questão de serviço. Atendo à desproporção de forças e impetuosidade do assalto era muito difícil às tropas portuguesas repelir um ataque daquela natureza e ainda mais quando reinava a confusão por todas as partes da cidade15.
As tropas espanholas e o seu comandante Morreti recolheram-se a Juromenha. D. António Maria Gallego comandante da legião de estrangeiros bateu-se valentemente na defesa da cidade com a legião de voluntários estrangeiros fazendo um fogo tenaz ao inimigo nas ruas, sendo feito prisioneiro depois de elevadas perdas da sua unidade. O batalhão de Estremoz, os caçadores e a cavalaria de Évora dispersaram-se, a companhia de Vila Viçosa recolheu-se a esta vila16.
O resultado desta jornada militar francesa foi a destruição da maior parte das forças espanholas e portuguesas reunidas no Alentejo, a anulação de quase todo o exército de Badajoz, a tomada de sete bocas-de-fogo, entre elas dois obuses, a destruição de todas as munições e de todas as armas que se encontravam nessa praça e a tomada de oito estandartes e de uma cidade muito importante que as forças portuguesas e espanholas guardavam como sua protecção. Esta jornada levou, ainda, à submissão de Estremoz e da maior parte das vilas e cidades do Alentejo através de delegados e mensageiros enviados a Évora ao conde Loison entregando as suas declarações de submissão e comprometimento em fornecer os contingentes para serem empregues contra a Espanha.
“la soumission d’Estremos et celle de la pluprte dês villes de l’Alentéjo, qui par députés, par courriers, en voyèrent au général Loison des protestations de soumission, dont plusiers renfermoient l’offre de fournir des contigens contre l’Espagne”17
O exército francês sofrera neste combate a perda de noventa homens entre os quais se encontrava M. Spinola, oficial de engenharia e M. Cotteret, oficial do estado-maior ligado ao general Solignac e de 200 feridos.
As forças portuguesas e espanholas tiveram 8 000 mortos ou feridos e 4 000 prisioneiros. Entre os mortos encontrava-se o general Loti, muitos oficiais superiores espanhóis e um grande número de outros oficiais, quase toda a infantaria castelhana que se encontrava em combate. Três coronéis ou tenentes-coronéis foram encontrados entre os feridos. Os prisioneiros eram quase todos pertencentes ao regimento de Estremoz, além de um número de 3 600 camponeses que o general Loison enviou para suas casas.
“L’ennemi a eu 8,000 hommes tués ou blessés, et 4,000 faits prisoniers. Au nombre des morts nous citerons le géneral portugais Loti, plusieurs officiers supérieurs espagnols, un grand nombre d’autres, et presque toute l’infanterie castillane qui étoit à l’affaire: trois colonels ou lieutenans-colonels espagnols furent trouvés parmi les blessés; les prisoniers se composèrent de presque tout le régiment d’Estremos, outre 3,600 cultivateurs portugais (…) que le général Loison renvoya dans leurs foyers”18
Os dias 30 e 31 de Julho foram aproveitados pelas forças francesas para descansar em Évora. O repouso era indispensável. A estação do ano só por si provocara grandes sofrimentos, a fadiga das tropas, de maneira que durante os combates realizados no dia 29, um grande número de homens tinha morrido, rendidos pelo efeito do calor que lhes provocava hemorragias fazendo-os sangrar pela boca, pelo nariz e pelos ouvidos.
O general Loison permanece dois dias na cidade para estabelecer a ordem, melhorar as tropas, procurar víveres e receber as autoridades e organizar um centro de governo de todo o Alentejo. Colocou à frente do governo o arcebispo da cidade Dom Frei Manuel do Cenáculo, ancião respeitável cujo primeiro acto de autoridade foi a pastoral que produziu sob as exigências de Loison a obedecer às forças francesas e o desarmamento do clero.
“Le général Loison employa cês deux jours à se procurer quelques vivres, à reformer les corps, à y rétablir l’ordre, à recevoir les autorités, à organiser pour tout l’Alentejo un centre de gouvernement à Evora, governement à la tête duquel il mit l’archevêque, vieillard respectable, dont le premier acte d’autorité fut une pastorale, qui parut faire un grand effect dans le pays”19.
No dia 1 de Agosto o conde de Loison desloca-se a Estremoz com o regimento daquela vila o qual depois viria a agraciar. A presença daquele corpo que se julgava ter sido completamente destruído durante os combates provocou no povo uma enorme satisfação e alegria20.
A 3 de Agosto, novamente já em Évora, o general Loison recebeu as garantias de devoção dos habitantes e do regimento que se encontrava na cidade de nunca mais voltar a levantar as armas contra as tropas francesas e de correr em seu auxílio sempre que fosse necessário21.
Depois de sair de Évora e já em Estremoz, o general Loison recebeu relatórios de situação que o levaram a pensar que um corpo de 15 000 espanhóis, vindos de Badajoz, marchava contra as suas tropas. Contudo, um pouco mais tarde, veio a verificar que aquela notícia era desprovida de fundamento e marcha em direcção a Elvas, cidade onde acabou por chegar no mesmo dia. Nesta cidade, os fortes encontravam-se no seu melhor estado, ainda não tinha havido a necessidade de juntar os aprovisionamentos de sítio. A cidade, ainda que sem tropas, não tinha permitido a entrada de nenhuma força espanhola. O coronel Miquel comandante superior desta praça, acabara de morrer dos ferimentos que sofrera poucos dias antes, o que levou Loison a nomear um novo governador, o comandante de batalhão de engenharia Girod de Novilard, oficial do estado-maior de Junot22.
A 4 de Agosto, dois batalhões de infantaria e o 4º Regimento de Dragões sob o comando do major Theron, executaram um reconhecimento sobre os campos de Badajoz. O chefe de esquadrão Simmers que acabara de nomear e M. Trentinian ajudante de campo do general Thiébault seguem-no com os despachos, segundo os quais deveriam tentar entrar em Badajoz como parlamentares. Na presença destas forças, os postos avançados dos espanhóis retiraram-se para o interior da praça e os comandantes da força Simmers e Trentinian foram obrigados a entregar os despachos aos comandantes dos postos avançados das tropas espanholas que lhes recusaram a entrada sob pretexto de não se responsabilizarem pela sua situação caso entrassem na praça e viessem a ser mortos pela fúria do povo23.
O general-em-chefe julgava que havia poucas tropas em Badajoz e alguns relatórios levavam a pensar que quase todas elas tinham sido reunidas e se juntado ao exército espanhol ou sido destruídas no assalto a Évora. As informações não eram esclarecedoras e nada de positivo se sabia.
Apesar desta expedição, a situação no Alentejo complicava-se a cada dia que passava, Beja estava a tornar-se no centro de uma nova resistência e Loison não podia marchar sobre aquela cidade. Se pudesse ter permanecido mais algum tempo no Alentejo e aí deixado as colunas móveis, talvez pudesse destruir todas as forças espanholas e inglesas que se encontravam no Algarve e depois pacificar toda a margem direita do rio Tejo. Contudo, os acontecimentos precipitavam-se com bastante rapidez e, muito dificilmente, as tropas podiam concentrar-se num único objectivo, pois tinham de deslocar-se logo para outro para fazer face a um novo perigo.
Se havia dúvidas quanto à perda de Portugal, elas desvaneceram-se a partir do momento em que Junot foi informado que um comboio de duzentas velas inglesas tinha chegado à Figueira da Foz transportando tropas, artilharia e munições.
“Mais déjà toute la sagesse des hommes ne pouvoit plus rien à nos destinées, chaque instant hâtoit leur accomplissement, et il ne reta plus aucun doute que le Portugal étoit perdu pour nous, du moment où le Duc fut informé qu’un convoi de 200 voiles anglaises venoit d’arriver à Figuières, apportant des troupes, de l’artillerie, des munitions, et devant être suivi par des convois plus considerábles encore”24.
Esta notícia chegou através do relatório do general Thomières25 (que se encontrava na guarnição de Peniche) e da polícia e rapidamente se difundiu por toda a população portuguesa. As dúvidas quanto a esta notícia estavam desvanecidas depois de vários falsos ruídos e Junot estava convicto. A consequência desta notícia foi a pronta chamada do general Loison e da sua divisão. Vários correios foram enviados para o Alentejo a informar Loison do sucedido e de que ele deveria retirar imediatamente do Alentejo passando por Abrantes.
Os despachos foram enviados sem atraso e o general Loison apressou-se a executar as ordens de Junot. No dia 5 de Agosto encontrava-se em Arronches e inicia a marcha de retirada, a 6 em Portalegre, a 7 em Tolosa, a 8 na Casa Branca e a 9 em Abrantes. As tropas que chegaram a Abrantes estavam excedidas de fadiga, extenuadas pelo calor e exaustas de necessidades. Os habitantes das aldeias, vilas e cidades por onde passou depois de Elvas, tinham fugido à sua aproximação e não forneceram quaisquer víveres. A carne, o vinho, o pão tinham faltado. A falta total de água durante dias inteiros no percurso da marcha contribuiu ainda mais para a penúria e miséria das tropas.
As falsas informações no sentido de encontrar água provocaram danos irreparáveis na esperança de encontrar um riacho, uma fonte, mas o que encontraram foram águas estagnadas ou pior, águas envenenadas pelo cânhamo. Os soldados mesmo informados sobre o perigo que essas águas representavam, com o excesso de sede precipitavam-se sobre elas.
Nestas condições esta marcha provocou um elevado número de mortos por esgotamento, doenças, fadigas e assassínio, particularmente os que por esgotamento não conseguiam acompanhar a marcha normal do exército.
Conclusão
A falta de meios seguros de comunicação entre o estado-maior em Lisboa e os seus generais colocados no terreno contribuiu para que as ordens não fossem prontamente executadas. Junot tinha conhecimento que estava em marcha uma sublevação generalizada por todo o país, mas não tinha meios militares suficientes para fazer face a essa situação.
Enquanto o estado de sublevação piorava de dia para dia a incerteza tornava-se cada vez mais séria; não havia notícias de França, Espanha e mesmo de Inglaterra. Tinham-se multiplicado os espiões, mas nenhum deles regressara e quando havia notícias era para dar a saber que tinham sido capturados e mortos.
As notícias que chegavam através da imprensa - Gazeta de Badajoz - eram alarmantes e produziam um sentimento de insegurança e incerteza nas tropas, no estado-maior e no próprio general-em-chefe. Esta situação levou a que as tropas permanecessem acantonadas, sem movimentos, por receio dos chefes militares poderem estar a executar um falso movimento, seguir um mau aviso ou colocar-se demasiado tarde em condições de combate.
Os relatórios de situação sobre o estado geral do País e das forças portuguesas quando chegavam ao estado-maior provocavam uma grande incerteza, pois não se podia acreditar neles, confirmá-los ou desmenti-los. Quando eram tomadas medidas, elas só aconteciam depois de serem bem ponderadas o que em caso de guerra dificulta qualquer tomada de decisão.
Nenhum país onde o exército francês combateu criou este tipo de dificuldade ao mesmo nível que Portugal. Esta situação era característica da forma de ser dos portugueses: discretos, dissimulados, constantes nos seus projectos, pacientes na espera do momento mais favorável para desencadear a insurreição mais desenfreada.
Muitas medidas que uma vez tomadas pareciam ser as mais urgentes e acertadas, horas depois revelavam-se erradas ou insuficientes. Todos os dias eram tomadas medidas diferentes das do dia anterior e a todo o momento tinham que ordenar e contra-ordenar os movimentos das tropas.
Do ponto de vista militar esta incursão ao Alentejo pode ser considerada como mais um insucesso, uma vez que não foram alcançados os objectivos delineados pelo duque de Abrantes de pacificar todo o Alentejo e o Algarve, abastecer Lisboa de víveres, revitalizar Elvas, atacar Badajoz e marchar sobre Coimbra.
Esta marcha pelo Alentejo teve como consequências para o exército francês um elevado número de baixas provocado pelas altas temperaturas, pela falta de víveres, pela falta de descanso e pelo envenenamento das águas.
A partir do momento em que Junot foi informado através do relatório do general Thomières de que uma esquadra de 200 navios tinha chegado à Figueira e teve de chamar Loison do Alentejo, não lhe restavam dúvidas de que aquela província não poderia ser pacificada e Portugal estava perdido.
Bibliografia
Fontes
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Idid. 2000. O Tempo de Napoleão em Portugal: Estudos Históricos. 2ª ed. Lisboa: Comissão Portuguesa de História Militar.
* Sargento-Ajudante Pára-quedista. Licenciado em História (ensino de), professor do Ensino Secundário e mestre em Estudos Históricos Europeus pela Universidade de Évora. Desempenha funções na Comissão Portuguesa de História Militar.
1 Cfr., Thiébault, “Expédition de L’Alentéjo, et dèbarquement de l’armée anglaise” in Relation de l’expedition du Portugal faite em 1807 et 1808 par le 1er corps D’observation de la Gironde devenu Armé de Portugal, Paris, Libraires pour l’art Militaire, 1917, p. 145.
2 Cfr., Thiébault, “Expédition de L’Alentéjo, et dèbarquement de l’armée anglaise” in Relation de l’expedition du Portugal faite em 1807 et 1808 par le 1er corps D’observation de la Gironde devenu Armé de Portugal, Paris, Libraires pour l’art Militaire, 1917, p. p. 157-158.
3 O general Solignac foi substituído na 3ª divisão pelo ajudante do comando de Bagneris, sub-chefe do Estado-Maior General do Exército Imperial.
4 Essa força foi mandada deslocar para Montemor-o-Novo pela junta de Évora e era constituída pelo batalhão de Voluntários de Estremoz às quais se juntaram outras tropas, somando um total de oito centenas de homens e 4 peças de artilharia e era comandada pelo coronel Simão Aniceto Borges. Face ao ataque das forças francesas o coronel Simão Borges foi forçado a retirar para Évora. Para mais informação consulte-se: António Mexia Fouto Galvão Pereira, Évora no seu abatimento, Lisboa, Tipographia Lacerdina, 1810.
5 Sofre o comportamento das forças francesas em Montemor-o-Novo, consulte-se Jorge Fonseca, O saque de Montemor-o-Novo e Évora por Loison nos relatos da época, comunicação apresentada ao Congresso Internacional e Interdisciplinar Evocativo da Guerra Peninsular integrando o XVII Colóquio de História Militar nos 200 anos das Invasões Napoleónicas em Portugal, 2007.
6 Idem., Ibidem, p. 158.
7 Referimo-nos à légua francesa que tinha 4 200 metros. Estando as forças portuguesas colocadas a cerca de meia légua da cidade, distavam dela cerca de 2 100 metros.
8 José Acúrsio das Neves, “Ataque de Évora, saque, mortandade horrorosa e outras consequências deste sucesso desgraçado. Mudanças de governo e novas juntas; assassínio do corregedor”, In História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da restauração Deste Reino, Tomos III, IV e V, Lisboa, Edições Afrontamento, p. 248.
9 Cfr., Thiébault, “Expédition de L’Alentéjo, et dèbarquement de l’armée anglaise” in Relation de l’expedition du Portugal faite em 1807 et 1808 par le 1er corps D’observation de la Gironde devenu Armé de Portugal, Paris, Libraires pour l’art Militaire, 1917, p. 161.
10 Idem., Ibidem, p. 162.
11 Idem., Ibidem, p. 162.
12 Idem., Ibidem, p. 163.
13 De acordo com os relatos do Tenente-General Thiébault os oficiais generais e os oficiais do Estado-Maior não conseguiram evitar as pilhagens que se generalizaram por toda a cidade, mas conseguiram fazer respeitar as igrejas onde estavam refugiados mulheres, idosos e outros cidadãos. Após a ordem estabelecida pelo conde de Loison foi assegurado que esses refugiados chegassem a suas casas sem serem sujeitos a insultos, agressões e violações. Contudo, devemos salientar outras fontes, nomeadamente portuguesas que referem precisamente o contrário dos relatos do chefe do estado-maior do duque de Abrantes sobre o assalto à cidade de Évora. Essas fontes referem que o exército francês cometeu as maiores barbaridades sobre o povo de Évora. Consulte-se entre outros autores, José Acúrsio das Neves, “Ataque de Évora, saque, mortandade horrorosa e outras consequências deste sucesso desgraçado. Mudanças de governo e novas juntas; assassínio do corregedor”, In História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da restauração Deste Reino, Tomos III, IV e V, Lisboa, Edições Afrontamento, p. 250.
14 Idem., Ibidem, p. 164.
15 José Acúrsio das Neves, “Ataque de Évora, saque, mortandade horrorosa e outras consequências deste sucesso desgraçado. Mudanças de governo e novas juntas; assassínio do corregedor”, In História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da restauração Deste Reino, Tomos III, IV e V, Lisboa, Edições Afrontamento, p. 250.
16 José Acúrsio das Neves, “Ataque de Évora, saque, mortandade horrorosa e outras consequências deste sucesso desgraçado. Mudanças de governo e novas juntas; assassínio do corregedor”, In História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da restauração Deste Reino, Tomos III, IV e V, Lisboa, Edições Afrontamento, p. 250.
17 Idem., Ibidem, p. 165.
18 Idem., Ibidem, p. p. 165-166.
19 Idem., Ibidem, p. 166.
20 Idem., Ibidem, p. 167.
21 Idem., Ibidem, p. 167.
22 Idem., Ibidem, p. 167.
23 Idem., Ibidem, p. 169.
24 Idem., Ibidem, p. 171.
25 O general Thomières tinha como missão proteger Peniche e, para esse efeito, estavam sob o seu comando o 2e de infanterie ligérè, duas peças de canhão e cinquenta dragões.