Da Guerra: Lições de Conflitos Armados.
Confrontação e conflito são factos da vida e da morte e a guerra é um factor permanente da condição humana.1 A guerra fará provavelmente parte do futuro, tal como já fez no passado, e não se podendo determinar com exactidão qual será o seu carácter também não se pode passar um cheque em branco aos processos de transformação e estar preparado para qualquer contingência, porque o resultado será certamente falta de foco e reacção em vez de pró-acção.
Nos anos 1990, o colapso da União Soviética parecia demonstrar que a guerra inter-estatal tinha terminado. Algo que resultava também da combinação da globalização, da melhoria das condições de vida, da disseminação das democracias e da interdependência dos mercados. Haveria lugar apenas a conflitos de baixa intensidade e limitados onde a diplomacia e a cooperação desempenhariam os papéis principais. Era a influência de Bill Clinton e o triunfo dos princípios liberais nas relações internacionais.2
Colin Gray previa que o ambiente internacional configuraria a emergência das políticas de poder, baseadas nas grandes potências com possibilidade de utilização de armas nucleares de forma limitada e com forte possibilidade de guerras entre Estados.3 Os optimistas quanto à influência da tecnologia afirmavam que fosse qual fosse o tipo de conflito, a guerra de futuro seria diferente do passado e que se estava perante uma revolução nos assuntos militares (RMA). Por outro lado, os pessimistas afirmavam que a tecnologia era apenas própria da estratégia dos ricos.4 Seja qual for a ideia que se tem do futuro, esperar pela certeza é o caminho mais curto para o desastre porque transfere a iniciativa para o adversário.
Dois factos assumem a centralidade no que será a guerra do futuro: a arma nuclear, que representa um fim no caminho para alcançar a última arma e a destruição mútua assegurada; e a hegemonia militar dos EUA e do Ocidente, não se prevendo que sejam desafiados num conflito convencional.
Aos possíveis adversários apenas restará, previsivelmente, a adopção de abordagens assimétricas que ataquem as suas vulnerabilidades. Isto desafiará as forças ocidentais colocando-lhes um dilema clássico: os processos de transformação devem orientar-se num “enfraquecimento” de capacidades para lidar com um adversário que é previsivelmente assimétrico ou manter as actuais capacidades para combate em alta intensidade e manter o desejo de possuir forças militares para todo o espectro?
A determinação do que será o conflito do futuro é central nos processos de transformação de forças que a maior parte dos países ocidentais está a levar a cabo. Por conseguinte, este ensaio tem como objectivo identificar as tendências, ideias e princípios que moldarão o conflito num futuro próximo e que desafiam os comandantes. Só determinando o que poderá ser o carácter da guerra de futuro se pode determinar o modus operandi de um adversário, foco essencial na utilização da força.
Vai-se delimitar a análise ao emprego de forças militares em operações de combate, contribuindo para que se compreenda qual poderá ser o ambiente operacional do emprego da força, em especial que desafios podem os comandantes enfrentar no campo de batalha. Apesar de a análise ser limitada ao emprego da força, a nossa opção prende-se com o facto de o combate ser a actividade mais desafiante para o comandante e o mais importante catalizador na transformação de forças. Em última instância é o resultado do combate que determina o resultado do emprego de forças.
Os processos de transformação em curso, nomeadamente nos EUA, têm sofrido algum atrito devido, essencialmente, às dificuldades que as forças envolvidas no Iraque e Afeganistão têm experimentado. De acordo com Zhivan J. Alach, e contrariamente ao que é normalmente referido, estamos num período de relativa estagnação no desenvolvimento militar se compararmos com o período da Guerra Fria.5 No Iraque, o fenómeno subversivo tem vindo a ser suprimido e existe a tentação de reviver o período pós-Vietname e centralizar a atenção novamente nas operações de grande envergadura com os meios cinéticos a assumirem posição de destaque. Porém, o momentum que o Future Combat System - sistema de sistemas - adquiriu, pode indiciar que não irá parar e que faça pensar a liderança militar no desenvolvimento de novas capacidades e abandono de outras menos relevantes. Se os advogados das forças blindadas expedicionárias assumirem o controlo do processo, há o perigo voltar de basear a transformação em capacidades, orientada em plataformas, em vez de o ser em ameaças prováveis. E sem ameaças não é possível formular estratégia e sem estratégia não há mais do que tomar decisões sobre equipamentos e armamentos.6
Seja qual for o caminho, parece óbvio que a determinação do que serão os conflitos do futuro será um factor central na transformação de forças. Os pontos de referência da Guerra Fria orientavam as forças militares para uma guerra industrial no centro da Europa. Porém, a Guerra Fria foi ganha pelo Ocidente sem ser disparado um único tiro e os equipamentos e armamentos ainda se mantêm relevantes no Iraque e Afeganistão, embora estes conflitos não fossem tidos em conta para o seu desenvolvimento.
É também muito importante reconhecer que o carácter a guerra tem passado por constantes períodos de transição e transformação. Alguns poderão prever que o futuro será dominado pelas revoluções tecnológicas e que serão maioritariamente de atrito e simétricas. Outros, por ambientes do tipo subversivo, ciberwar, cuja finalidade é erodir a vontade política do oponente. Não obstante, o que se pode tomar como certo é que os exércitos que não aprenderem com os conflitos do passado e que não os tenham como enquadramento no ambiente operacional do momento, poder-se-ão ver como os franceses em 1940 contra os alemães, que com menor efectivo mas com maior capacidade de manobra lhes infringiram a derrota mais marcante da 2ª Guerra Mundial.
Seja qual for a tendência, para que a transformação de forças tenha sentido é necessário determinar, embora com elevado grau de incerteza, que características terão os conflitos e como os comandantes os poderão enfrentar. Em face dos determinantes estratégicos do período pós-Guerra Fria, os conflitos mais prováveis com que as forças ocidentais terão de lidar serão caracterizados pela multidimensionalidade de efeitos de instrumentos ao dispor dos adversários, nomeadamente os políticos, sociais e militares, em áreas de operações onde as vantagens tecnológicas dos exércitos ocidentais possam ser mitigadas.
Utilizamos como pontos de referência:
1. A supremacia militar do Ocidente liderado pelos EUA. O Ocidente, pelo domínio actual que detém em termos militares, não será desafiado militarmente por meios convencionais onde possa tirar partido da sua vantagem qualitativa. Isto é especialmente verdade no mar e no ar, mas pode sê lo através de combates terrestres em ambientes que mitiguem a sua vantagem.
2. Combate. É a função para a qual as forças são desenhadas, treinadas e empregues. Representa a utilização das forças de forma violenta e planeada em que existe uma interacção física entre dois oponentes, sendo pelo menos um contendor uma força militar organizada reconhecida como instrumento de uma autoridade de facto. Pelo menos um dos contendores tem os seguintes objectivos: controlar um território ou população; evitar que o oponente controle um território ou população; dominar, destruir ou incapacitar o seu adversário.7
3. Clausewitz. Há uma grande vantagem em ter numa só obra a definição de guerra e de estratégia com aplicação universal. Seja qual for o carácter da guerra ou sua adjectivação (guerra convencional; guerra subversiva; guerra nuclear; estratégia contra-subversiva; estratégia naval; etc.) os conceitos em Clausewitz englobam todas as suas formas. É claro que guerra convencional é diferente da guerra subversiva, mas não na sua natureza nem na essência estratégica.
4. Era da Informação. Existe uma tendência generalizada em orientar as transformações para compatibilizar as forças militares com a era da informação, o que induz, à partida, para forças com menos efectivos mas de elevado custo. Além do mais, o actual ambiente estratégico comprime os níveis da guerra tendo como resultado mais visível o efeito político e estratégico de pequenos acidentes tácticos.
1. Os Determinantes do Ambiente Operacional
O fim da Guerra Fria testemunhou um ambiente de optimismo que relegava a guerras entre Estados para a História, que pensava a democracia como um sistema político que prevaleceria e em que as instituições ordenadoras do sistema internacional manteriam a liderança na resolução de conflitos de acordo com as normas legais. Todavia, a emergência da superpotência única, veio mostrar que a distribuição do poder militar num único pólo não impedia que a luta por ideias ou ideais continuasse a ser foco gerador de confrontações e conflitos, demonstrando que o sistema internacional passou a ser mais incerto e desordenado do que à primeira vista parecia.
O actual domínio militar dos EUA e a hegemonia que detém não tem precedentes na história e há várias razões para tal: nunca houve uma superpotência que tivesse ao mesmo tempo interesses e capacidade militar de alcance global; nunca outra potência deteve potencial militar que excedesse de tal forma os seus adversários de forma que o confronto directo será improvável; os EUA alcançaram poder sem serem desafiados, portanto sem exaustão de capacidades, pelo que lhes basta defenderem os seus interesses para se manterem na liderança, ou seja, é aos seus adversários que cabe o ónus de desafio; os EUA têm enorme influência nas instituições internacionais onde é elemento chave.
Porém, não é provável ser-se superpotência eternamente e os seus possíveis adversários vão fazendo os possíveis para o diminuírem, algo que se vai tornando mais fácil se no exercício do poder que detêm acumularem erros estratégicos, como no caso da guerra do Iraque, nomeadamente após o derrube de Saddam Hussein em 2003.8 Uma derrota no Iraque demonstraria que afinal os EUA não são invencíveis militarmente, com todas as consequências negativas que acarretaria para o Ocidente e para o mundo. Portanto, para além da existência da arma nuclear e do que significa para a guerra, a hegemonia dos EUA, e em parte do Ocidente, é outro factor importante a ter em conta para um conflito do futuro que envolva os EUA ou qualquer dos seus aliados.
Do fim da Guerra Fria aos ataques do 11 de Setembro, os EUA e o Ocidente embarcaram em processos de transformação sem foco num adversário, resultando daí uma aproximação baseada em capacidades altamente dependentes da tecnologia e assumindo como certo que se poderia ganhar qualquer guerra de forma rápida, eficiente e com forças de reduzido efectivo. O conflito terrestre, contemporâneo e de futuro, seria combatido de uma forma muito diferente daquela que caracterizou a era industrial.
Desde as guerra napoleónicas até 1945, o mundo assistiu principalmente a conflitos entre as grandes potências, alguns dos quais por intermédio de alianças e coligações, que cobriram a maior parte do globo. No caso das duas guerras mundiais, as nações envolvidas investiram todos os seus recursos para alcançar os seus objectivos. Estava-se numa época caracterizada pela guerra total, exércitos de massa, guerras entre Estados-nação e conflitos prolongados. Porém, durante os cinquenta anos da Guerra Fria aquelas características passaram a ser menos prováveis. O fim da Guerra Fria estendeu o emprego de forças militares em espectros desde o apoio a desastres até uma guerra nuclear, mas tem mostrado que a sua probabilidade de emprego se focalizava junto a operações caracterizadas pela baixa intensidade.9
Nos anos 1990 dois termos dominaram o que foi escrito e dito sobre assuntos militares e de defesa: Revolução nos Assuntos Militares (RAM) e Revolução Técnico-Militar (RTM). Embora quase sinónimos, apareceram como resultado das mudanças tecnológicas que as forças armadas norte-americanas incentivaram e introduziram nos assuntos militares e estratégicos. O foco no novo, no mais rápido e no mais eficaz em vez de ideias, ameaças ou pessoas, foram os factores orientadores para o processo de transformação. Todavia, o termo com maior importância foi a RAM, que significa, em termos gerais, uma alteração na natureza do combate devido a aplicação de tecnologias que, combinadas com alterações dramáticas na doutrina militar e conceitos operacionais, modifica de forma profunda a conduta das operações militares. Uma RTM, por outro lado, é orientada na vantagem tecnológica explorada pela utilização de equipamento, treino, organização e doutrina que, temporariamente, representa uma vantagem militar.10
Os conflitos que actualmente proliferam alteraram o contexto de avaliação estratégica, colocando lado a lado do instrumento militar, o instrumento económico e diplomático na sua resolução. Mas o que se torna mais evidente é que as RMA e as RTM, embora importantes, não são a razão pela qual os conflitos actuais são radicalmente diferentes.
Uma das razões para o facto de os conflitos serem hoje diferentes deve se à distribuição do poder, com o alinhamento geopolítico a passar de bipolar para unipolar - em termos militares - e com os factores ordenadores do sistema internacional, a ONU e a OTAN, a necessitarem de transformações que os tornem mais eficazes.
Embora de tendência unipolar em termos militares, o alinhamento geopolítico aparece-nos um pouco mais complexo quando utilizamos outros instrumentos de poder:
• Militar: EUA.
• Económico: EUA, Japão, China, Índia e UE.
• Diplomático: EUA, UE, China e Rússia.
Os EUA mantêm-se no topo, dominante nos três instrumentos. Contudo, o poder económico parece destacar-se pela sua importância, aparecendo desligado do militar e assumindo uma cada vez maior relevância. Isto deve-se essencialmente à globalização, ao facto de os EUA estarem a perder o seu domínio e, muito importante, ao facto de o instrumento militar ser cada vez mais dispendioso, nomeadamente no âmbito da investigação e da utilização.
Quando se confrontam duas forças com assimetria de equipamento, a mais dotado tecnologicamente adquire uma vantagem inicial. Contudo, após o choque inicial, o oponente em desvantagem inicia uma adaptação a fim de levar o combate para os moldes que mitiguem a sua desvantagem, como por exemplo a utilização das áreas urbanizadas e densamente povoadas. De facto, havendo população disseminada na área de operações a probabilidade de danos colaterais é elevada, o que leva os exércitos ocidentais a não explorarem todo o seu potencial de fogo.
O poder militar só tem importância se for possível projectá-lo e esse aspecto parece ter sido estruturante na transformação militar iniciada nos EUA e seguida na maior parte dos países ocidentais. Não devemos esquecer-nos que em 1990-91, na Guerra do Golfo, a coligação liderada pelos EUA demorou cerca de seis meses a projectar as forças necessárias para executar a operação Desert Storm, deixando a 101ª Air-Assault Division (operação Desert Shield) à mercê de um ataque blindado das forças iraquianas. No conflito das Falklands, entre britânicos e argentinos, um míssil Exocet lançado pelos argentinos destruiu parcialmente o Queen Elizabeth II e inutilizou 80% da força de helicópteros britânica. Não fosse o profissionalismo dos britânicos, nomeadamente dos comandos e pára-quedistas; da insuficiente tecnologia da força aérea argentina; e da incapacidade argentina para reforçar as ilhas; o resultado poderia ter sido muito diferente. De facto, não é suficiente dispor do melhor equipamento se não se dispõe de capacidade para o projectar.
2. Clausewitz e Globalização:
Natureza e Carácter da Guerra
O estudo do fenómeno da guerra é central na História, porque tem determinado a história da humanidade. Acima de tudo, a necessidade de estudar a guerra advém dos esforços para a evitar, reduzir a sua frequência e minimizar as suas consequências. A famosa conceptualização de Carl Von Clausewitz de que a guerra é a continuação da política por outros meios e um instrumento para atingir objectivos e proteger interesses, mostra que a guerra é um fenómeno de natureza intrinsecamente política.11
O advento da arma nuclear, com a destruição mútua assegurada como possibilidade real12, o fim da Guerra Fria, a globalização e a disseminação da democracia pareciam ter, no fim do século XX, determinado o fim das guerras catastróficas. Contudo, a Somália, o Ruanda, a Bósnia, o Iraque e o Afeganistão, entre outros, vieram mostrar que o caminho da humanidade não se compadece com o fim da guerra. Por conseguinte, compreender a guerra, não como nós queremos mas como realmente é, mantém-se como uma questão central na política internacional.
E, embora possamos ser avessos às teorias, Clausewitz mantém-se como uma referência central no Ocidente desde os finais do século XIX. Clausewitz descreveu a guerra como um duelo em larga escala para compelir o adversário à nossa vontade.13 Mas, na sua essência, a guerra descreve essencialmente um conflito entre Estados. Nesse âmbito, distingue-se de operações de apoio à paz, raids, demonstrações de força, assistência humanitária, embora todas estas actividades sejam levadas a cabo por forças militares. Daqui surge uma distinção central que se pretende fazer: o uso de forças é diferente do uso da força.
O uso da força, como forma de acção da política, é utilizada como instrumento racional para dominar um adversário, controlar terreno ou população,14 seja ou não de forma justa. Deste modo, por dedução lógica, o território é central na definição e finalidade da guerra propostos por Clausewitz, o que tem levado alguns dos seus críticos a afirmar que as actuais ameaças transnacionais não estão abrangidas pela sua universal teoria, muito por causa de serem consideradas ameaças sem territórios.15 Todavia, as acções contra o terrorismo transnacional têm sido levadas a cabo em países - territórios - como o Afeganistão, Iraque e Sudão. O Afeganistão representa claramente o caso da relação entre a luta contra o terrorismo e controlo de território. Porém, o combate contra a Al Qaeda já sai deste paradigma, porque o que está em causa é o facto de o sucesso poder depender de uma acção das Informações, imposição de lei e ordem, economia e finanças, diplomacia e só em última instância é utilizado o instrumento militar.
Em termos teóricos um Estado não está em guerra se o principal instrumento de poder utilizado não for o militar. Se a guerra é a continuação da política, mantendo o significado clássico da teoria, então o governante não deve embarcar numa guerra sem saber que tipo de guerra irá combater.16 Este ponto é uma referência na determinação dos métodos de emprego da força e de forças militares, especialmente quando a população é o centro de gravidade da actividade militar, como nos casos da contra-subversão.
Clausewitz examina a emergência do povo em armas na qual considera a resistência em apoio à defesa convencional como último recurso do Estado e sugere que quem utiliza a força do povo tem vantagem significativa sobre quem não o considera importante.17 Embora não visse nesse facto o ímpeto para a guerra não convencional, a referência o povo em armas torna a sua obra também aplicável à guerra subversiva, com a expansão da violência a toda a sociedade.
Dada a transformação do carácter da guerra e a actual importância de actores não-Estado, podemos afirmar que a utilização de forças em proveito da política representa hoje em dia também a continuação da política por outros meios, bastando considerar como factores ambiente operacional as dinâmicas do mundo globalizado. O fenómeno da globalização está a acelerar a mobilidade real e virtual das pessoas, coisas, ideias e a aumentar a um nível sem precedentes a sua interligação a nível mundial. O reforço dos valores, a sua disseminação, associados à ideia de democracia e ao mercado livre, e a cada vez maior interdependência da economia e finanças a nível mundial, mostram claramente as dinâmicas da globalização.
O que não parece muito evidente é a determinação do verdadeiro impacto dessas tendências no fenómeno da guerra. Ao mesmo tempo que a globalização melhora o nível e a esperança de vida nos países desenvolvidos, acentua-se o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. Porém, crescimento económico e desenvolvimento não são sinónimos de paz, bastando lembrar a eclosão da 1ª Guerra Mundial (GM) e da 2ª GM.
Na realidade, em contraste com o impacto positivo que a globalização traz na disseminação da democracia e de mercados livres, pode também originar um mundo mais perigoso e imprevisível. Jovens democracias, sem tradição democrática, podem colapsar antes de consolidarem, transformando-se em Estados-falhados, local propício ao abrigo e proliferação de crime organizado e ao terrorismo transnacional. Por conseguinte, é francamente provável que o sucessivo surgimento de crises irá requerer a intervenção militar cada vez mais frequente e rápida para as conter e minimizar os seus efeitos.
As dinâmicas da globalização, como a disponibilidade de informação instantânea a nível global, influenciam e continuarão a influenciar o modo como as operações militares são e serão conduzidas.18 A grande mobilidade de pessoas, coisas e ideias significará mais mobilidade de actores não-Estado, mais possibilidades de acesso a armas e a fundamentalismos radicais de todos os tipos, cujo exemplo é a actividade terrorista de alcance global, com acções na Indonésia, Rússia, Médio Oriente, Paquistão, Marrocos, Europa e EUA. A globalização oferece-lhes a capacidade extraordinária de comunicar e coordenar os seus esforços com apenas um telemóvel ou através da Internet.
Se a globalização está a fazer a guerra mais perigosa e introduzindo novas dimensões, como por exemplo o ciberespaço, será que modifica a sua natureza? A resposta a esta questão não pretende ser simplesmente académica, mas apresentar-se de forma prática, porque a sua natureza tem implicações directas no modo como se utiliza o instrumento militar. Por conseguinte, a definição de “guerra” não está completa se a delimitarmos à expressão violenta da política, ou seja, não haveria lugar ao termo Guerra Fria.
Um erro frequente na descrição da continuação da política por outros meios é a sua delimitação à eclosão de guerra entre Estados ou nações, o que hoje limitaria, à partida o aforismo, de Clausewitz e o emprego de forças. Primeiro, nações e Estados são coisas diferentes: os curdos são nação mas não possuem um Estado; a “nação árabe” tem vários Estados; a ex-URSS era um Estado com várias nações. Em segundo lugar, a guerra também ocorre dentro de Estados, cada vez mais frequentemente, o que significa que só um contendor é Estado; as guerras ultrapassam fronteiras sem serem guerras inter-estatais; algumas guerras serão conduzidas por coligações, como o foram os casos das Guerras do Golfo em 1991 e 2003. A continuação da política por outros meios não se limita a operações de alta intensidade. Quer-se enfatizar que a utilização da força organizada - instrumento militar - para os fins da política não se limita ao combate, representando este a condução da guerra com a primazia na força. Por conseguinte, o emprego de forças militares em operações em proveito da paz ou por questões humanitárias deve também ser englobada na continuação da política por outros meios.
Sendo a política a dar significado à guerra, através da atribuição de uma finalidade e de orientação, passa a ser o centro de gravidade na definição da sua natureza.19 Deve-se também ter em consideração que a continuação da política por outros meios não deve ser reconhecida apenas como um puro acto de força e de destruição. Deste conceito simplista não se deve deduzir como lógico um encadeamento de conclusões que não se adaptam ao mundo real, mas reconhecer que a guerra é um acto não autónomo, um verdadeiro instrumento que não funciona por si mesmo mas que é controlado pelas mãos da política.20
Em Clausewitz encontramos na guerra uma natureza objectiva e uma natureza subjectiva. A natureza objectiva da guerra, inclui os seus atributos, válidos para qualquer situação, como a violência, a dimensão humana da guerra, fricção, acaso e incerteza. A sua natureza subjectiva engloba os aspectos válidos para cada situação em particular como a doutrina, armas, forças e forma de combate, que a tornam num empreendimento humano único.
A natureza subjectiva e objectiva da guerra estão intimamente ligadas e interagem de forma contínua. Novos sistemas de informação, novas armas e novas formas de combate podem reduzir a incerteza ou a violência, mas nunca eliminá-las completamente. De modo similar, os motivos políticos da guerra podem limitar a utilização de determinadas armas, como por exemplo a improvável utilização de armas nucleares estabelecida através dos inúmeros tratados entre as duas potências nucleares.
A ligação entre a natureza objectiva e subjectiva da guerra torna a como um camaleão, única em cada situação.21 O camaleão muda a cor da sua pele para se dissimular no meio ambiente mas o seu organismo mantém a sua configuração interna em qualquer situação.
Tome-se como exemplo a luta empreendida pelos EUA contra o fenómeno do terrorismo. O terrorismo personificado na Al Qaeda e em Bin Laden, é uma excelente representação de um conflito moldado pela globalização - facilidade de movimento de pessoas, coisas, ideias - que nenhum dos contendores quer perder. A Al-Qaeda congrega um conjunto de redes de dimensão e estrutura variáveis, disseminadas por um vasto conjunto de países. Uma das principais motivações da organização é o combate sem tréguas para a defesa da fé islâmica contra os infiéis, mediante uma luta global contra o ocidente, considerado opressor, corrupto e satânico. Os seus objectivos políticos são claros. Bin Laden não se tem cansado de apregoar nas suas mensagens transmitidas pela televisão Al Jazeera que urge restaurar o califado - uma sociedade que reproduza fielmente o modelo das cidades de Meca e Medina governadas por Maomé - de modo que o Islão desponte como a autoridade única agregadora de todos os muçulmanos. A Al Qaeda não pretenderá destruir fisicamente os EUA mas enfraquecê lo politicamente, tirando partido do efeito estratégico que as suas acções terroristas têm no público ocidental.
Por outro lado, os EUA nunca aceitarão uma solução que não corresponda à neutralização ou destruição da Al-Qaeda. A proliferação de armas e a emergência de actores como a Al-Qaeda, não significam o fim das operações militares de grande envergadura. O poder militar hegemónico dos EUA e a forma de combate dos terroristas e seus apoiantes, continuam a induzir a possibilidade de actuação em todo o espectro do conflito, para além da vontade em optar por soluções unilaterais e preemptivas.
Parece claro que a globalização reforça o papel da política na guerra. A motivação da Al-Qaeda não é só ideológica, está muito para além disso. É política e tem como projecto o pan-integrismo islâmico e, acima de tudo, para ambos os lados a guerra é utilizada como um instrumento político, já que subordinam as suas acções a objectivos políticos.
3. Análise a Conflitos Recentes:
Subsídios para Tendências de Futuro
Apesar de muito difícil, é extremamente importante a determinação do que poderá ser uma guerra de futuro, por ser um ponto essencial para determinar que necessidades de transformação ao nível tecnológico, organizacional e doutrinário, que as forças militares necessitam para enfrentar os seus desafios.
Vários autores têm tentado determinar como será o conflito do futuro, como se vão empregar os sistemas de combate e como vão influenciar o campo de batalha. Por exemplo, a doutrina militar britânica, em 1996, era peremptória a explicitar que esse processo era pouco fiável e que deveria englobar a experiência do passado e a influência das armas do futuro, mas o principal pressuposto estava relacionado com a imprevisibilidade do momento e do seu carácter.22
As revoluções tecnológicas, em especial depois da “embriaguez” da Guerra do Golfo em 1991, pareciam mostrar que forças tecnologicamente mais avançadas, aplicadas de forma cirúrgica, podiam obter vitórias fáceis. O caso da campanha aérea contra a Sérvia em 1999 é disso um exemplo. Os responsáveis políticos envolvidos, esperavam uma curta campanha aérea para submeter Slobodan Milosevic mas acabou por durar cerca de três meses, e só terminou após a infra-estrutura económica sérvia ter sido severamente danificada e os russos terem retirado o apoio. As evoluções tecnológicas subestimaram a capacidade de possíveis adversários poderem derrotar forças tecnologicamente mais avançadas, como no caso da Somália, Afeganistão e Chechénia. De facto, as forças mais poderosas, de nível superior, experimentaram dificuldades que em teoria não deveriam ter experimentado. Quer isto dizer que uma força de nível inferior conseguiu resultados muito para além do que se poderia esperar.
a. Modelo de análise
Para a nossa análise partimos do princípio que existem forças de quatro níveis tipo de forças, de acordo com a sua capacidade tecnológica23:
• 1º Nível - Forças militares que integram completamente as tecnologias de informação até ao mais baixo escalão: comunicações digitais; UAV; comunicações por satélite; etc. É o caso apenas dos EUA.
• 2º Nível - Forças militares com elevado grau de integração das tecnologias de informação, nomeadamente nos sistemas de C2, mas com a maioria do seu potencial ainda segundo as características das forças da era industrial. São os casos da maioria dos países da Europa Ocidental, Rússia, China, Japão, Israel e outros sem capacidade económica para atingir o 1º nível.
• 3º Nível - Forças militares da era industrial, cujos países não possuam meios económicos e financeiros ou porque achem não ser necessário para os seus interesses. Englobam a maior parte dos países em desenvolvimento em África, América do Sul e Ásia.
• 4º Nível - Engloba as forças das organizações terroristas ou de “senhores da guerra”. São típicas dos países pobres que sofrem ou sofreram recentemente lutas internas. Não obstante, apresentam alguns equipamentos de alta tecnologia e empenham-se quase exclusivamente em acções terroristas.
Também vai ser tomada em consideração a divisão dos níveis da guerra: o estratégico, o operacional e o táctico.24 O nível estratégico representa o conjunto de actividades levadas a cabo para atingir os objectivos políticos definidos para o instrumento militar. O nível operacional engloba as actividades militares de uma campanha ou operação de grande envergadura para atingir os objectivos estratégicos. Por último, o nível táctico representa o emprego de forças em combate, cujos efeitos cumulativos contribuem para os objectivos operacionais ou estratégicos.
Embora em termos conceptuais seja fácil estabelecer diferenças nos níveis da guerra, na prática a sua divisão torna-se muito mais difícil, especialmente devido à difusão das tecnologias de informação e dos efeitos da globalização. Além do mais, em cada nível da guerra existe uma lógica contra-intuitiva onde pontos fortes e vulnerabilidades podem variar, ao longo dos níveis da guerra, em cada Estado. Uma força pode ter pontos fortes em termos técnicos, tácticos e operacionais mas estrategicamente fraco, como aconteceu com os EUA no Vietname. Esta abordagem pode ser compreendida aos diferentes níveis da guerra tomando como exemplo a linha Maginot: ao nível táctico afigurava-se como uma barreira intransponível; contudo, ao nível operacional e estratégico representava uma barreira num eixo que deveria ser evitado, tal como realmente aconteceu em Maio de 1940.
Sun Tzu preferia derrotar o inimigo através do ataque a pontos fracos evitando os pontos fortes.25 Essa ideia indica-nos que o ataque a uma força de 1º nível não deveria ser levado a cabo por um combate directo, mas antes pela atrição propositada em ambientes urbanos, em montanhas ou no próprio país.
Que métodos, então, uma força de nível mais baixo pode utilizar para derrotar uma de nível superior? Apesar do domínio da tecnologia e da informação transportar quem os detém para o limite do seu emprego, será provável que vá combater num ambiente que explore as suas vantagens?
A superioridade dos EUA e do Ocidente no domínio aéreo e naval é demasiado para poder ser desafiado, pelo que é no combate terrestre que poderão ser desafiados. Além do mais, a principal característica das forças terrestres é dominar terreno e populações o que, em última instância, representa o domínio do Estado. É também o combate terrestre que provoca mais baixas e aquele que se pretende evitar, em especial se não estiverem objectivos vitais em causa.
De acordo com a estratificação das forças, apresentado anteriormente, e em face dos determinantes do ambiente operacional, consideram-se os seguintes métodos no combate terrestre:
• Combate convencional simétrico. Este método é o preferencial para as forças mais dotadas tecnicamente, cujos paradigmas são a Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Golfo em 1991. Principalmente devido aos resultados alcançados pelos países mais dotados tecnologicamente, não é de admitir que os menos dotados optem por este método.
• Encurtar o combate próximo. A proximidade do combate é tal que a força de 1º nível não pode explorar a sua superioridade em poder de fogo nem tirar partido do standoff. O resultado do combate fica muito dependente do combate corpo-a-corpo e, como tal, da dimensão humana. Foram os casos de batalhas na guerra do Vietname, Grozny e actualmente em Bagdade, por exemplo.
• Combate em terreno complexo. Consiste em empenhar uma força de mais elevado nível em ambiente urbano, onde a presença de civis e a degradação da eficácia de plataformas e armamentos, que o ambiente urbano provoca, são os factores mais importantes. Por conseguinte, uma força que se movimenta numa área urbanizada pode ser alvo de acções em todo o seu espaço de batalha, o que em termos humanos é demasiado aterrado por incutir no combatente o receio de ser atingido sem saber de onde nem por quem, como nos exemplos de Mogadíscio e Grozny. Além do mais, a possibilidade de danos colaterais afecta profundamente a capacidade de resposta das forças ocidentais, por causa das restrições políticas e morais. Pelo seu impacto político, este último factor é determinante na escolha deste tipo de terreno para uma força de baixo nível.
• Utilização eficaz do terreno restritivo. Este método combina os anteriores por ser baseado no combate a forças de elevado nível em terreno severamente restritivo. Só em última instância uma força de 3º ou 4º nível poderia combater uma força de primeiro nível em terreno não restritivo. Entra perfeitamente neste método a operação Anaconda (Março 2002), onde os Taliban e elementos da Al Qaeda utilizaram as montanhas de Tora Bora para mitigar a utilização eficaz das tecnologias de vigilância surpreendendo as tropas americanas a partir de posições que não tinham sido identificadas.
b. Batalha 73 Eastings (26-27 Fevereiro de 1991)
Esta batalha foi das mais significativas na operação Desert Storm e um exemplo claro do combate blindado entre uma força de 1º nível e uma de 3º nível. Desconhece-se exactamente o que teria levado os iraquianos a empenhar-se contra as forças da coligação, mas supõe-se que criam na desistência norte-americana se o número de baixas que conseguissem infringir fosse elevado.
O objectivo estratégico das forças da coligação era a saída incondicional do Exército Iraquiano do Koweit. A concentração de poder militar da coligação era esmagador e o seu único receio era a utilização de armas químicas por parte de Bagdad. Em termos teóricos, de acordo com o potencial relativo de combate e configuração do terreno, a vitória da coligação era praticamente certa. Ao nível operacional, o VII Corps (EUA) executava o ataque principal e tinha como missão romper as defesas iraquianas e envolver por Oeste para evitar um contra-ataque da Guarda Republicana. O VII Corps utilizou como força de cobertura o 2nd Armored Cavalry Regiment (ACR) para proteger o grosso das forças e localizar a Guarda Republicana.
A batalha empenhou um Grupo de Reconhecimento do 2nd ACR contra forças de duas divisões iraquianas, uma delas da Guarda Republicana. As unidades iraquianas protegiam o flanco Oeste da cintura defensiva do Koweit e estavam preparadas para contra-atacar se os aliados conseguissem penetrar. Quando as forças de reconhecimento americanas estabeleceram contacto com as iraquianas puderam de imediato explorar as vantagens dos sistemas de visão nocturna, dos mísseis TOW, carros de combate (CC) M1 Abrams, viaturas M2 e M3 Bradley e helicópteros AH-Apache contra os CC T-72 e BMP-1 dos iraquianos, muito inferiores tecnologicamente. O resultado foi a destruição de uma brigada iraquiana, a rotura das defesas iraquianas e a passagem segura das restantes forças do VII Corps em direcção ao Koweit que permitiu uma vitória em 100 horas.
Esta batalha é uma aberração como modelo de combate do futuro porque a opção iraquiana de defender fora de terreno complexo permitiu às forças americanas envolvidas tirarem o máximo partido da vantagem tecnológica que dispunham. O deserto não oferecia cobertura e a elevada amplitude térmica do dia para a noite facilitou de forma decisiva a utilização dos dispositivos térmicos de pontaria e do standoff dos seus sistemas de armas.
c. Mogadíscio, Operação Restore Hope (3 4 de Outubro de 1993)
Esta batalha é um exemplo recente de como uma força de 4º nível pode frustrar os objectivos de uma força de 1º nível, através utilização de terreno complexo. A partir de um ambiente de baixa intensidade, os militares norte americanos enfrentaram um ambiente hostil característico de alta intensidade. O combate acabou por saldar se numa modesta vitória táctica norte americana mas numa derrota ao nível político estratégico.
Em Dezembro de 1992 a situação humanitária na Somália era de tal modo degradante que o Presidente Bush ordenou que forças norte-americanas fossem enviadas para proteger e distribuir ajuda alimentar às populações. Devido ao sucesso inicial, em 1993 o comando das operações no terreno passou para as Nações Unidas (NU) e iniciaram-se as operações estabilização. O ponto de viragem na situação operacional na Somália deveu-se ao facto de as NU terem declarado Aidid e o seu clan como o maior obstáculo ao processo de estabilização. As milícias controladas por Aidid iniciaram uma série de ataques a forças das NU, um dos quais acabaria por provocar a morte a 24 paquistaneses, despertando a liderança norte-americana para a necessidade de nova intervenção.
Foi enviada a Task Force Ranger com a finalidade de executar um golpe de mão para capturar Aidid. Depois de receberem a informação de que “senhores da guerra”, incluindo Aidid, se reuniriam em Mogadíscio, foi preparada uma acção directa pelas forças norte-americanas que acabaria por redundar numa cascata de efeitos extremamente negativos ao nível estratégico.
O sucesso da operação dependeria da junção de uma coluna de viaturas no objectivo para exfiltrar a força e transportar os elementos feitos prisioneiros. A acção iniciou-se com o movimento da força por helicópteros sobre o objectivo e, logo nessa acção, um militar americano caiu ficando gravemente ferido enquanto o grupo de assalto surpreendia os somalis no objectivo. Só que, sem ser previsto, um elemento da milícia somali surpreendido pelo ruído no exterior saiu do edifício e disparou um RPG sobre um helicóptero abatendo-o, matando a maior parte da tripulação. Com a confusão gerada, a população saiu à rua bloqueando as ruas por onde a coluna passaria privando de apoio sanitário e de transporte durante longas horas os elementos da TF Ranger feridos. Para agravar a situação, a população enraivecida apoderou-se do corpo de um soldado americano e arrastou-o pelas ruas à mercê das imagens de televisão difundidas por todo o mundo.
Embora um importante membro do clan de Aidid tenha sido capturado, as imagens de televisão com o soldado norte-americano a ser arrastado teve um impacto dramático na política americana, sendo ignidora para a decisão de fazer retirar as suas tropas em seis meses. Esta batalha demonstrou que a opinião pública é demasiado sensível a baixas em operações fora de um contexto de guerra onde estão em causa objectivos vitais.
A operação na Somália começou como ajuda humanitária, transitou para missão de polícia e culminou numa acção de alta intensidade. A acção em Mogadíscio é um combate de uma força de 1º nível numa área urbanizada num contexto de baixa intensidade. De pouco serviu a tecnologia e poder de fogo ao dispor da força, porque a situação política não permitia que houvesse baixas no seio da população. Além do mais, não é previsível que nenhum conflito aconteça sem uma extensiva cobertura dos media.
d. Operação Anaconda (Março de 2002)
Depois do estrondoso sucesso das operações de Novembro de 2001 para derrubar o regime taliban no Afeganistão, a actuação das forças da coligação foi considerado como modelo de guerra do futuro: O Modelo Afegão. O modelo tinha três pilares: acções das forças especiais, munições de precisão e apoio de forças locais. Porém, este conflito embora parecesse revolucionário, não era mais do que um conflito típico do século XX, ao qual devemos acrescentar a utilização extensiva das armas de precisão guiadas por elementos das forças especiais.26
Os combatentes taliban e da Al-Qaeda no Afeganistão foram surpreendidos e esmagados pela acção militar da coligação, que combinou o Modelo Afegão com a inaptidão dos taliban, tendo sido capturados ou abatidos cerca de 800 elementos. Porém, após os sucessos iniciais das forças da coligação, elementos taliban e da Al-Qaeda, e pensa-se que também Bin Laden, conseguiram retirar para o Paquistão.
Em Março de 2002 foram referenciados nas montanhas junto da fronteira do Paquistão, concretamente no vale Shah-i-Kot, consideráveis efectivos dos taliban e da Al-Qaeda. Todavia, os métodos de combate das forças da coligação já não apanhariam os taliban de surpresa e os resultados de 2001 não foram alcançados em Março de 2002. Os taliban, desta vez, aprenderam com os seus erros e utilizaram o terreno de forma adequada, para se camuflarem e protegerem, e disciplinaram a utilização das suas comunicações.
Os taliban adaptaram-se à superioridade esmagadora dos aliados e alterou-se significativamente o carácter do combate. A significativa vantagem na utilização dos meios de vigilância das forças americanas deixou de ser precisa e, durante a operação, os aliados foram alvo de ataques de posições não previamente identificadas. As posições taliban estavam de tal forma dissimuladas que uma força aeromóvel desembarcou numa posição defensiva taliban empenhando-a durante um dia. Isto quer dizer que o terreno, seja qual for a tecnologia ao dispor, se utilizado de forma adequada, assume características complexas que podem ser facilmente exploradas.
Além disso, durante os bombardeamentos, a maior parte dos taliban conseguiu sobreviver e estar apta para combater, sendo apenas derrotados devido ao emprego das forças ligeiras terrestres em combate próximo. Isto não quer dizer que as munições de precisão não sejam letais, mas quem as orienta pode ser facilmente iludido e o efeito pretendido ficar aquém do previsto. A História está cheia de exemplos da ineficácia dos fogos massivos: em Verdun (1916) as defesas francesas mantiveram a sua eficácia defensiva após dois dias de bombardeamentos alemães; em Monte Cassino (Março de 1944) os pára-quedistas alemães sobreviveram a 300 toneladas bombardeamentos aéreos e derrotaram o assalto da infantaria aliada.
De facto, os taliban adaptaram-se à vantagem aliada e demonstraram que o fogo não é suficiente para derrotar uma força que defende aproveitando bem o terreno. Foi necessário utilizar a infantaria das forças especiais para desalojar as suas forças. A operação Anaconda demonstrou que se trata de um “regresso ao passado”, com o sucesso a depender da combinação do fogo e da manobra e não o triunfo da nova tecnologia.
e. Guerra entre Hezbollah e Israel (Verão de 2006)
O conflito do Verão de 2006 opôs uma força de 2º nível contra uma força de 4º nível, mas com equipamento e armamento de alta tecnologia, actuando de forma atípica e até convencional. Israel optou por uma campanha aérea e utilização de forças sem preparação e equipamento adequado, tendo em mente que a aviação iria infringir danos severos no Hezbollah. Embora o Hezbollah possa ser considerado uma força de guerrilha, colocou demasiada ênfase no controlo de terreno em vez de se ter disseminado com a população. Tendo como facto o domínio aéreo das Forças de Defesa de Israel (FDI), o Hezbollah optou por ocupar posições defensivas dispostas em profundidade ao longo da fronteira, o que lhe permitia manobrar na retaguarda das forças terrestres israelitas.27
Devido ao rapto de dois militares israelitas, em Julho de 2006 o governo Israelita aprovou o lançamento de uma campanha aérea contra o Hezbollah para alcançar três objectivos estratégicos: criar condições para a entrega dos soldados raptados; degradar a capacidade militar do Hezbollah; e empurrar o Governo Libanês a aceitar a Resolução 1559 do Conselho de Segurança das NU para assumir a soberania no Sul do Líbano. As FDI, enquanto traduziam o objectivo político num plano de campanha pretendiam acrescentar um outro objectivo: reforçar a sua imagem dissuasora.28 Lançaram uma campanha aérea que, nas primeiras duas semanas, teve pouco impacto na capacidade do Hezbollah lançar rockets de forma indiscriminada sobre as cidades israelitas. Ao longo de mais três semanas os combates intensificaram-se mas os objectivos israelitas não foram cabalmente atingidos. As FDI perderam cerca de 60 viaturas, das quais 25 Carros de Combate Merkava e dois helicópteros.
Mas o que mais celeuma causou foi a estratégia de emprego da força por parte do General Dan Haloutz, Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas: a utilização do poder aéreo como resposta para esmagar o Hezbollah. O poder político não queria arriscar uma linha de operações com forças terrestres que causasse baixas incomportáveis para a opinião pública.
Apesar dos meios envolvidos, cerca de 360 saídas diárias de aeronaves em missões de bombardeamento, as FDI foram incapazes de travar o lançamento de rockets. A eficácia do Hezbollah deveu-se sobretudo à sua rapidez na mudança de posição, contra o tempo necessário para as FDI adquirirem alvos. O Hezbollah necessitava de oito minutos para disparar e reposicionar-se algumas centenas de metros, tempo insuficiente para o targeting israelita.
Como os efeitos pretendidos com a campanha aérea não foram atingidos, ao nível operacional foi precipitado o emprego das forças blindadas para batalhas não adequadas a essas forças. As FDI subestimaram a capacidade de combate do Hezbollah, traduzido no equipamento de combate de última geração - mísseis anti-carro, anti-navio, meios de comunicação e de vigilância - na organização e no elevado nível de treino.
A pressão por parte do poder político em executar uma campanha rápida levou ao emprego de viaturas blindadas quando o bom senso não o aconselhava. A eficácia dos CC Merkava e M-60 implica uma acção combinada com a infantaria para sua protecção próxima, o que não viria a acontecer, deixando-os à mercê de emboscadas de curta distância. O mito da indestrutibilidade do Merkava caiu por terra, sofrendo perdas que significaram um rude golpe na sua reputação como blindado indestrutível.
O Hezbollah surpreendeu também pela manipulação de imagens de televisão enquanto as FDI optaram por uma postura defensiva, lançando panfletos sobre as áreas das operações militares como meio de informação sobre as operações seguintes nessas áreas e como método para dissuasão.
Ao nível táctico, embora o modus operandi das FDI fosse semelhante ao dos norte-americanos no Afeganistão, os militares israelitas não estavam preparados para se empenhar num corpo-a-corpo com as forças do Hezbollah. Este tipo de guerra demonstrou a necessidade de valorizar o combate com forças de infantaria com treino especial. Era previsível que após o longo período de combate na Cisjordânia as FDI estivessem melhor preparadas.
Este conflito mostrou um actor não-Estado com um comportamento militar típico de um Estado, portanto muito diferente do que se observava no Iraque e no Afeganistão o que nos dá um sinal para o facto de o combate de actores não-Estado não está limitado à acção irregular.
4. Tendências para o Futuro
Os ciclos de mudança na guerra, particularmente os de ruptura com o passado, são difíceis de determinar, porque ao contrário da economia e finanças ou medicina, os conflitos, felizmente, são pouco frequentes. É por este motivo que a observação do curso da guerra ao longo da história é determinante.
Segundo Clausewitz, um dos mais importantes atributos da guerra e que nos mostra a imutabilidade da sua natureza é o conceito de fricção, que transforma o que é fácil em difícil e o que é difícil e complexo em impossível. Além do mais, desde o seu passado distante mostra-nos que a tecnologia não elimina o medo, a confusão, a ambiguidade e a fricção do combate.29 Num ambiente cada vez mais dominado pela tecnologia, os comandantes militares vão ter a capacidade de ver com mais clareza os seus adversários, mas nunca poderão determinar com clareza qual a sua intenção. A intenção de um adversário só pode ser determinada, embora com dificuldade, após o estabelecimento de contacto em combate. Por este motivo não se deve exagerar a importância e dependência das tecnologias como a panaceia para a resolução dos desafios que se colocam aos comandantes.
A guerra será sempre imprevisível e um fenómeno tendencialmente caótico, onde o treino eficaz e as doutrinas de emprego de forças procuram dar ordem. Com a previsibilidade de emprego nas mais variadas situações, apela-se à versatilidade como factor central na eficácia do emprego de forças, onde a doutrina e as técnicas e procedimentos representam um papel de importância máxima, porque dependem em larga medida da capacidade de julgamento do combatente, que adapta a forma de acção ao ambiente previsível no teatro de operações.
Embora a natureza da guerra se mantenha, a conduta está a ser substancialmente modificada pela intersecção da tecnologia, sociedade e instrumentos de poder do Estado. A tecnologia veio aumentar significativamente a distância a que se pode matar, obter informações e a reduzir o tempo necessário para treinar forças. Os países mais desenvolvidos têm optado por exércitos com menos efectivos e mais bem equipados. Todavia, a tecnologia nem sempre foi determinante no resultado de guerras e campanhas, como por exemplo em França (1940), Vietname e Somália.
O Ocidente está a fazer depender a transformação das forças para uma guerra de futuro na tecnologia em detrimento de efectivos e de ideologias. De facto, as forças armadas ocidentais são constituídas por jovens das classes médias voluntários e o seu emprego mais previsível é fora das suas fronteiras, o que induz a vontade política para uma acção rápida e “baixas zero”. Afastados das suas fronteiras e a lutar por causas que poderão não ser vitais, os militares dos países ocidentais serão mais facilmente desmoralizados o que aumenta a complexidade de actuação dos comandantes. Além do mais, os conflitos tendem a ser cada vez mais prolongados o que aumenta o perigo de desgaste da opinião pública, essencial na manutenção do poder político nos regimes democráticos. Um factor a ter em conta na exploração política pelos adversários.
Embora as forças terrestres sejam essenciais para controlo de território e população, os países ocidentais parecem preferir combater com armas de elevada tecnologia e com elevado standoff para evitar os elevados índices de baixas na “última milha”.30 Como no Afeganistão em 2001 e 2002 e no Líbano ficou demonstrado, tem de haver um equilíbrio entre fogo de precisão e manobra, para criar o dilema no adversário: mover-se e ser detectado e destruído pelo fogo de precisão ou ficar imóvel e ser destruído pela manobra. A partir do momento que o adversário fica isolado, a superioridade militar do ocidente será evidente. Neste caso apenas restará aos adversários traduzir a sua derrota em baixas que serão incomportáveis para o ocidente em relação aos objectivos em causa.
Em baixa intensidade a tecnologia tem também muita importância. O conflito que opõe o Hamas a Israel tem mostrado que embora as acções suicidas sejam uma modalidade adoptada, continuam a ser lançados rockets sobre Israel, mostrando que a obtenção de informação por meios high-tech continua a ser relevante, mas que não deve ser a panaceia para os desafios que se colocavam às FDI. No Afeganistão não foi a tecnologia o elemento determinante no sucesso das operações militares, mas acabou por ter um significativo impacto na eficácia da coligação.
Das batalhas que se analisaram, as forças dos níveis 3 e 4 tenderão a evitar a todo o custo um confronto directo com as forças de 1º e 2º nível em terreno que não lhes favoreça a acção táctica e o efeito estratégico. Deste modo vão levar os combates para onde as vantagens tecnológicas serão diminuídas e onde é fácil a utilização precisa dos meios de comunicação social: as áreas urbanizadas com elevado número de habitantes. Para Ruppert Smith, nesse campo de batalha, os alvos, os objectivos a proteger e as ameaças são o povo, por isso denomina o emprego da força nessas circunstâncias como “war amongst the people”.31
Conflitos onde a intensidade pode ser elevada serão de dois tipos: Intervenções preemptivas ou preventivas como Kosovo, Afeganistão e Iraque (até ao derrube dos governantes), onde o sucesso depende da rapidez de acção e do isolamento do adversário; e guerras de atrição como Vietname, Somália, Afeganistão e Iraque, em ambiente subversivo com imensas variáveis mutáveis não dependentes exclusivamente do emprego da força militar.
A conduta na guerra parece ter sofrido mudanças radicais enquanto os exércitos modernos se esforçam numa adaptação ao novo ambiente operacional. Parece ter acabado o monopólio da guerra pelo Estado, os avanços tecnológicos permitem uma escalada de efeitos em tempo real, a informação é um factor multiplicador do potencial e as fronteiras não impedem o fluxo da informação. Thomas Hammes32, numa curiosa abordagem, apresenta nos a evolução do carácter da guerra cujo catalisador responsável pelas inovações do campo de batalha é a sociedade. Na sua abordagem, a guerra passou por três gerações evolutivas para chegar à Guerra de 4ª Geração, como modelo que utiliza todos os recursos - informação, cultura, sociedade, religião, política e militares - para mostrar ao adversário que o preço a pagar pela vitória é demasiado elevado, considerando a abordagem assimétrica como resultado de uma acção multidimensional. Independentemente da crítica que se pode fazer a essa abordagem, consideramos que num ambiente estratégico complexo, uma abordagem multidimensional torna o emprego da força um desafio complexo. Se tomarmos como exemplo o Hezbollah em 2006, encontramos um modelo complexo que combinou capacidades de alta tecnologia, acção de defesa convencional em torno da manutenção de terreno e tácticas típicas de guerrilha.
Não obstante as diferentes abordagens, existe um conjunto de referências que se podem utilizar para orientar o que será o futuro do combate:
• O conflito de baixa intensidade será o tipo de combate mais provável. Desde o final da 2ª Guerra Mundial os conflitos de alta intensidade representaram apenas 12%.33
• Em 2020, cerca de 90% da população mundial viverá em países em desenvolvimento, maioritariamente em cidades, e não terão capacidade para desafiar as potências de 1º nível.34
• A superior capacidade militar ocidental (1º nível) e a probabilidade de acções preemptivas torna pouco provável um cenário de alta intensidade com o Ocidente.
De facto, a possibilidade de conflitos inter-estatais com forças convencionais é baixa e os países que os podem levar a cabo dispõem de armas nucleares, o que faz com que sejam improváveis (Paquistão e Índia e entre Israel e países árabes). O que existe é uma elevada probabilidade de conflitos de baixa intensidade após uma intervenção de alta intensidade, como Afeganistão em 2001 e Iraque em 2003. E nestes casos, o resultado esperado relaciona-se com a capacidade que as forças militares devem ter: apoiar o governo de transição; e estar preparado para combater alta e baixa intensidade em apoio às autoridades. Os dois principais competidores do ocidente em termos militares, a Rússia e a China, manterão os seus arsenais convencionais e como tal, um conflito dessa natureza não é impossível se atendermos à possibilidade de envolvimento numa proxy war.
As doutrinas de contra-subversão nos exércitos ocidentais alertam para o facto de não se conseguir vencer de forma rápida. Por conseguinte é necessário definir pelos líderes políticos e militares se pretendem que as suas forças sejam preparados para esse nicho do espectro do conflito, requerendo novas abordagens ao treino e às doutrinas. Actualmente as forças ocidentais estão estruturadas para levar a cabo operações de baixa e alta intensidade, necessitando apenas de expandir o seu treino para cobrir ambos espectros.35
Em treino e instrução, a alta intensidade deve ocupar uma posição central por que engloba os princípios básicos doutrinários que se podem expandir para a doutrina aplicável a baixa intensidade. De todo o espectro incluído na baixa intensidade, a contra-subversão cobre o intervalo mais provável de participação de forças ocidentais, e onde se destacam como características mais importantes: o reconhecimento da carga política da operação; a primazia na liderança civil das operações; a importância da HUMINT; separar o movimento subversivo do apoio populacional, essencialmente por meios não letais; operações de alta intensidade para derrotar grupos de combate em janela de oportunidade; e reformar estruturas para evitar novas oportunidades ao movimento. Embora a alta intensidade esteja ligada à destruição de forças do adversário, a contra-subversão enquadra-se numa acção de maior âmbito, porque se relaciona com as actividades em apoio às autoridades civis e procura-se compreender os contextos políticos, económicos e sociais da campanha, onde o instrumento militar não é o essencial mas tem de estar presente.36
A doutrina tem de ter um papel central na preparação de um exército para o futuro. Logo após a guerra do Vietname os debates acerca do desastre militar nos EUA orientaram os pensadores militares para dois campos distintos, um dos quais levou o General William DePuy a preparar o FM 100-5 Operations e a não mencionar nesse manual a contra-subversão, ficando centrado apenas no combate convencional de alta-intensidade entre Estados. Já nos anos 1980, os EUA influenciaram todo o ocidente ao optarem por uma nova versão do FM 100-5 Operations cujo valor acrescentado foi a introdução do conceito AirLand Battle cuja finalidade era lidar com as vagas de carros de combate soviéticos através do Fulda Gap onde a tecnologia e o poder aéreo desempenhariam papel de destaque. O fim da Guerra Fria tem vindo a mostrar que os conflitos de baixa intensidade são a norma, sendo até referidos como Operações de não-Guerra (Operations Other Than War) e levando a produzir manuais nesse âmbito. Porém, os acontecimentos na Somália e no Iraque após a queda de Saddam Hussein, parecem demonstrar que as lições do Vietname não foram incorporadas, pelo menos no ensino dos militares profissionais.37
O manual de operações do Exército dos EUA (2001)38 dedicava um capítulo às operações de estabilização e introduzia alterações significativas ao manual de 1982, nomeadamente no que respeita à importância da tecnologia e informação. Porém, no coração do manual evidenciam-se as operações de natureza convencional, com o pressuposto de que as forças conjuntas norte-americanas são dominadoras em termos convencionais a menos que os adversários possam anular ou evitar a sua supremacia em combate. Por conseguinte, as operações de estabilização eram subalternas em relação às operações ofensivas e defensivas. Acima de tudo, o FM 3-0 de 2001 era um manual para um exército em transformação num ambiente operacional contemporâneo prevendo requisitos para o futuro.
Com o conflito no Iraque e no Afeganistão bem presente nos militares dos EUA, é publicado já em 2008 o novo manual de operações39 que, relativamente ao seu antecessor apresenta as operações de estabilização em igualdade com as operações ofensivas e defensivas. Também de importância central aparece um capítulo dedicado à arte operacional, revelando preocupação com as ferramentas a utilizar pelos comandantes num ambiente eminentemente complexo.
O futuro tem lugar para operações de alta e baixa intensidade, mas devido à dissimetria ocidental, o mais provável é ter necessidade de lidar com desordens, acções terroristas e acções subversivas se for decidido intervir em países terceiros. Todavia, a decisão mais crítica a tomar para intervir é o reconhecimento de que as missões serão prolongadas e que estarão simultaneamente em dois níveis de intensidade, onde os líderes ao mais baixo escalão desempenharão acções fundamentais. Por conseguinte, o foco será nas doutrinas e treino das forças, muito mais que em tecnologia, embora esta seja importante, nomeadamente ao nível das comunicações e munições de precisão.
Porém, embora a previsibilidade de emprego de forças seja orientada em operações de baixa intensidade, nomeadamente em apoio à paz, onde o combate não tem primazia, os adversários de nível inferior têm desafiado os de nível superior em combate e têm demonstrado que é possível batê-los porque a vitória depende muito mais da capacidade de lidar com a situação do que da tecnologia que se dispõe. Por conseguinte, a atenção da análise aos conflitos actuais deve centrar-se no emprego da força, aquilo que caracteriza em última instância a imposição de uma vontade.
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* Tenente Coronel de Infantaria. Professor de Táctica na Área de Ensino Específico do Exército no IESM.
1 Cf. Carl Von CLAUSEWITZ, On War, Ed. & Transl. by Michael Howard and Peter Paret (1976), NJ: Princeton University Press (Indexed Edition), 1984, p. 149.
2 Cf. Robert H. DORFF, “Democratization and Failed States: The Chalenge of Ungovernability”, Parameters, Summer 1996.
3 Colin S. GRAY, “How Has War Changed from Cold War?”, Parameters, Spring 2005.
4 Idem, Modern Strategy, Oxford (UK): Oxford University Press, 1999, p. 6.
5 Zhivan J. ALACH, Slowing Military Change, Carlisle: SSI, USAWC, 2008, pp. 3 4.
6 Cf. Douglas V. JONHSON II, Real Change or Retrenchement?, Op.Ed., Carlisle: SSI, USAWC, 2008.
7 Trevor N. DUPUY, Understanding War. History and Theory of Combat, New York: Paragon House Publishers, 1987, pp. 63 64.
8 Cf. Bing WEST, The Strongest Tribe - War, Politics, and the Endgame in Iraq, NY: Random House, 2008, pp. 3 17.
9 Para a finalidade deste texto a alta intensidade engloba o conjunto de operações militares cuja finalidade é destruir as forças militares do adversário. A baixa intensidade engloba o conjunto das operações militares cuja finalidade está para aquém da destruição de forças militares. Associamos a este espectro as operações de contra subversão e as actividades no âmbito das operações de apoio à paz.
10 Cf. Earl H. Tilford, Jr., The Revolution in Military Affairs: Prospects and Cautions, Crlisle Barracks: USAWC, 1995.
11 Clausewitz, p. 87.
12 A utilização da arma nuclear numa guerra total, em termos de lógica, contraria a génese política da utilização da guerra como seu instrumento porque o suicídio mútuo não serve o propósito político.
13 Clausewitz, pp. 76 77.
14 São estas as principais funções das forças terrestres.
15 Por exemplo Martin Van CREVELD, The Transformation of War, NY: Free Press, 1991.
16 Clausewitz, p. 88.
17 Clausewitz expõe no Livro 8 - Defesa a importância do povo em armas para o sucesso da defesa contra um invasor (Idem, pp. 479 484).
18 Um excelente exemplo dessas dinâmicas aconteceu durante o conflito entre o Hezbollah e Israel no Verão de 2006, com o grupo islâmico a fazer a utilização extensiva dos meios de comunicação social para empolar a incapacidade das Forças de Defesa de Israel em cumprir a sua missão - acabar com o lançamento de foguetes no prazo de uma semana - e mostrar os danos colaterais dos ataques israelitas. Foi um claro exemplo da utilização dos media como meio para moldar a decisão política do governo israelita (Cf. Ben David ALON, “Israel Introspective after Lebanon offensive”, Janes Defense Weekly. August 2006, bombardeamentos israelitas para as câmaras de televisão de todo o mundo.
19 Por exemplo, Colin S. GRAY (Modern Strategy) coloca a política no centro da natureza da guerra e na definição de estratégia. Contudo, Van Creveld (The Transformation of War, pp. 124 126) argumenta que o que Clausewitz pretendia dizer que a guerra deveria ser a extensão racional da vontade do Estado e o que realmente é.
20 Clausewitz, pp. 75 89.
21 Ibidem, p. 89.
22 British Military Doctrine, 1997 Edition.
23 Brian STEED, Armed Conflict - The lessons of Modern Warfare, NY: Ballantine Books, 2003, pp. 10 12.
24 Esta é a divisão típica. Porém, E. Luttwak divide os em cinco: grande estratégia, estratégia de teatro, estratégia operacional, estratégia táctica e estratégia técnica (Edward N. LUTTWAK, Strategy: The Logic of War and Peace, Mass: The Belknap Press of Harvard University, 1987, p. 120).
25 Sun TZU, A Arte da Guerra. Rio de Mouro: Coisas de Ler, 2002. 2ª Edição.
26 Stephen BIDDLE, Afghanistan and the Future of Warfare: Implications for Army and Defense Policy, Carlisle: SSI, USAWC, 2002.
27 Stephen BIDDLE & A. Jeffrey FRIEDMAN, The 2006 Lebanon Campaign and the Future of Warfare: Implications for Army and Defence Policy, Carlisle: SSI, USAWC, 2008, p. 73.
28 Cf. Alon.
29 Cf. Clausewitz, pp. 119 121.
30 Cf. Robert H. SCALES, Jr., Yellow Smoke - The Future of Land Warfare for America’s Military, Boston: Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2003, pp. 28 31.
31 Ruppert SMITH, The Utility of Force - The Art of War in the Modern War, NY: Alfred A. Knof, 2005, pp. 5 6.
32 Thomas X. HAMMES, The Sling and the Stone, Zenith Press. MN: 2004.
33 Brian Holden REID, “Enduring Patterns in Modern Warfare”, in The Nature of Future Conflict: Implications for Force Development, Strategic Studies Institute, Camberley, UK, 1998, p. 28.
34 Idem.
35 Raymond MILLEN, “Intervention, Stabilization, and Transformation Operations: The Role of Landpower in the New Strategic Environment”, Parameters, Spring 2005.
36 Ver, por exemplo, Jonh A. NAGL, Learning to Eat Soup with Knife - Counterinsurgency Lessons from Malaya an Vietnam, Chicago: The University of Chicago Press, 2005.
37 Além do mais, parece que as lições de ocupação na Alemanha e no Japão parecem também não ter sido estudadas.
38 FM 3 0 Operations, US Army Headquarters, Washington D.C., 2001.
39 FM 3 0 Operations, US Army Headquarters, Washington D.C., 2008.