Recentes escritos, comentários e declarações públicas têm levantado uma questão que não sendo nova na História de Portugal assume contornos diferentes, nos motivos, nos arautos e na forma de a comunicar. Isso mesmo: estamos a falar de sinais de algum descrédito instalado em meios muito específicos da sociedade portuguesa sobre as possibilidades de a Nação prosseguir no seu caminho de independência de quase nove séculos devido a uma paragem no seu crescimento económico.
Sem nada termos a opor ao diálogo e cooperação entre estados vizinhos e mesmo em espaços mais alargados, maneira nova e inteligente de prevenir conflitos e agora servida por tecnologias que permitem a comunicação em tempo real, acreditamos que a identidade nacional portuguesa tem factores de coesão que resistirão a mais esta tentativa de caixeiros, escriturários e mercadores para nela introduzirem factores de dissociação.
Mais do que Mudar Portugal será necessário, e urgente, introduzir na cultura portuguesa e na mentalidade dos Portugueses valores de modernidade e de adaptação aos novos tempos e à sociedade que se está a construir, não tendo receio de ser português, mas antes avivando os fundamentos da nossa identidade nacional numa Europa que se constrói no respeito pela diversidade de identidades, cultivando o patriotismo, sem termos complexos de que alguns o queiram confundir com o despertar de nacionalismos ultrapassados.
Escreveu o Professor Jorge Dias: “Ao contrário do que muitos disseram, o Português não degenerou; as virtudes e os defeitos mantiveram-se os mesmos através dos séculos, simplesmente as suas reacções é que variam conforme as circunstâncias históricas. No momento em que o Português é chamado a desempenhar qualquer papel importante, põe em jogo todas as suas qualidades de acção, abnegação, sacrifício e coragem e cumpre como poucos. Mas se o chamam a desempenhar um papel medíocre, que não satisfaz a sua imaginação, esmorece e só caminha na medida em que a conservação da existência o impele. Não sabe viver sem sonho e sem glória.
Esta maneira de ser torna particularmente difícil a tarefa dos governantes, sobretudo em períodos históricos em que as circunstâncias não permitem desempenhar uma acção que lhes agrade e desencadeie as energias.
Nas épocas extraordinárias, quando acontecimentos históricos puseram à prova o valor do povo, ou lhe abriram perspectivas novas, que o encheram de esperança, então brotaram por si, naturalmente, as melhores obras do seu génio. Porém, nos períodos de estagnamento nasce a apatia do espírito, a relutância contra a mediania, a crítica acerba contra o que não está àquela altura a que se aspira, ou cai-se na saudade negativa, espécie de profunda melancolia” 1.
Talvez Portugal e os Portugueses estejam a viver uma época extraordinária, de grandes mudanças e necessidade de ajustar azimutes, que exigem esforço e esperança. E é preciso dizer aos Portugueses que não lhes foi proibido o direito à esperança, mas que têm de ajudar à sua materialização.
Será difícil dar conselho por onde começar. Não só porque nos faltaria o engenho, mas também porque olhando à volta seria muito subjectivo seleccionar prioridades nas várias áreas que todos os dias, uma comunicação social que cada vez mais se aproveita das oportunidades de uma sociedade fragilizada, vai denunciando estarem em profunda crise ou mesmo em colapso. Família e costumes, segurança e disciplina dos seus agentes, justiça e educação, trabalho e contratos sociais, saúde e ambiente, economia e finanças públicas, liderança e Estado, vão sendo denunciadas como não respondendo às necessidades de uma população que tudo espera, mas que pouco contribui, como sociedade civil consciente e organizada, para a procura de soluções.
Mais do que mudar Portugal há que orientar os Portugueses para uma Cidadania Activa e Criadora, onde o patriotismo possa coexistir com os conceitos da Liberdade, da Democracia e dos Direitos Humanos, onde a justiça social comece na solidariedade com os concidadãos que não têm, onde a disciplina consentida, na convivência e nos actos, aceite uma liderança baseada na competência. Continuarmos no caminho de pensar que a relva do vizinho é sempre mais verde do que a nossa, que a nossa felicidade passa pela infelicidade de outros, que as leis são indicadores para o que não se deve cumprir ou que a boa política continua a ser a dos manuais, mas que não interfira com a nossa maneira de estar, será um mau caminho.
Essa Cidadania tem de começar no exemplo dos cidadãos que se propõem a funções de liderança, continuar no direito de escolha que a Democracia proporciona, mas que tem de ser escolha e não opção por escolhas preparadas, reforçar-se na aprendizagem diária para distinguir o interesse nacional dos interesses que se desenvolvem nas “guerras culturais” em que frequentemente se querem envolver os Portugueses.
“O conceito de país pobre, que precisa de trabalhar mais e gastar menos, sob um regime de justiça social possível, parece o único que consentirá manter viva a convicção de que há diferença entre ser pobre e ser politicamente subdesenvolvido, e que a independência de governo próprio é um valor que compensa outros sacrifícios” 2.
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.
1 DIAS, Professor Doutor Jorge,OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA CULTURA PORTUGUESA, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa,1986.
2 MOREIRA, Professor Doutor Adriano,FACTORES DE COESÂO E DISSOCIAÇÂO DA NAÇÃO PORTUGUESA, Conferência no IAEM, Pedrouços. 15 Dez1982.