Europa
A questão do véu muçulmano em França
Confessamos sentir dificuldade em atribuir para já, toda a gravidade que em França se pretendeu atribuir ao uso do véu muçulmano nas escolas francesas, não obstante considerarmos o caso digno de cuidadosa atenção, assim como não entendemos nem reconhecemos licitude à proibição do uso de sinais de outras religiões em determinadas circunstâncias, a pretexto de se afectar a laicidade francesa e, em consequência, a República.
Custa-nos conciliar isso com a apregoada “liberdade, igualdade e fraternidade”, já em si mesma algo contraditória, e neste, como noutros casos, mais restringida a palavras sonoras de pouco objectivo sentido, do que a louváveis e concretas práticas.
A proibição do véu foi aprovada e tornada lei, subscrita por grande maioria de deputados e senadores, mediante invocação de razões que comentadores prestigiados consideraram bem fundamentadas. Mas, além de a opinião pública não ser muito favorável aos legisladores, o que desacredita a lei, não basta o bom acolhimento dos comentadores para ela ser boa, em virtude da indispensabilidade de ela conciliar o ideal nacional com o de cada indivíduo. Reforçados, pois, pela lei os valores do pacto republicano, importa, como alguém disse, que este seja aplicável, respeitado e respeitável.
O Director do L’Express considera que a lei do véu não passa de um começo, para lá do qual se impõe uma verdadeira política de integração, que não tem funcionado por emperramento das medidas necessárias. Criar guetos é dar armas ao integrismo, pelo que preconiza um plano Marshall de amplitude muito grande para os bairros dos arredores de Paris.
O assunto da integração também respeita a Portugal, como aliás a toda a União Europeia, felizmente para nós de forma diferente e atenuada, embora não deixando de ser questão séria e complexa, e necessitando de providências adequadas, de que importa ter consciência e agir na justa medida. Mas, sem dúvida que a integração social em França, com as reacções provocadas, exige, agora novas e urgentes providências, além das legislativas já tomadas, porque se naquele país não investirem fortemente nelas, concordamos com a previsão do citado periódico de que os franceses sofrerão grandes infelicidades. Até por também nos parecer que essa aprovação legal só representa que a procissão afinal, mesmo depois de haver a lei, ainda só vai no adro.
A política de integração pode vir a complicar-se com gravidade se os jovens imigrantes franceses rejeitarem a lei e se se politizar em excesso o islamismo, de modo a constituírem-se guetos corânicos consequentes de uma segregação que não deixará de ser aproveitada pelos fundamentalistas. Daí, que haja quem preconize medidas de grande vulto e que o mencionado plano Marshall incida sobre os bairros periféricos de Paris com vista a viabilizar uma integração pacífica e natural. Tal via em menor escala, felizmente e não tanto por motivos religiosos, mas mais étnicos, também nos é necessária para se evitar o encaminhamento de muitos dos nossos imigrantes para a senda do banditismo organizado.
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Muçulmanos na Europa
Na sua página “La Balise”, o L’Express de 26 de Janeiro publicou as cifras mais significativas da Europa. Assim:
França: véu em vias de interdição legal nas aulas e proibição do uso para os funcionários; 2 a 4 milhões de muçulmanos (3 a 4% da população); originários da Argélia, de Marrocos, da Tunísia, da África Ocidental e da Turquia;
Alemanha: véu autorizado aos alunos; debate sobre o uso do véu pelos professores e outros funcionários (em via de interdição em certas regiões); 2 a 4 milhões de muçulmanos (3%); originários da Turquia, do Irão, de Marrocos e do Afeganistão;
Reino Unido: nenhuma interdição; todos os sinais religiosos admitidos, inclusive nos funcionários; 2 milhões de muçulmanos (3%); originários do Paquistão, da Índia, do Bangladesh e da Nigéria;
Espanha: imigração feminina muito fraca; véu autorizado; 3000 muçulmanos (0.8%); originários de Marrocos;
Itália: imigração feminina muito fraca; véu autorizado; 350.000 muçulmanos (0.6%); originários de Marrocos, da Tunísia, do Egipto e do Senegal;
Países-Baixos: véu autorizado mediante decisão do chefe do estabelecimento; debate actual sobre a integração; 800.000 muçulmanos (5%); originários de Marrocos, da Turquia e da Indonésia;
Suécia: véu autorizado mas proselitismo proibido por decisão do chefe do estabelecimento, 350.000 muçulmanos (4%); originários do Iraque, da Bósnia e do Irão;
Turquia: véu totalmente interdito de 1954 a 1991 e tolerado hoje nas ruas; interdição mantida nas universidades e nas escolas por professores e alunos; debate actual sobre um levantamento de interdição na universidade; 71 milhões de muçulmanos (99%).
Um terceto mal compreendido (ou bem?)
Com este título, sem acrescentar entre parênteses naturalmente, no mesmo número do L’Express e na sua secção Les Indiscrets (Monde), acompanhado pela fotografia do Primeiro-Ministro português Durão Barroso, é publicado um comentário sobre a reunião franco-anglo-alemã de 18 de Fevereiro, que a Redacção reconhece ter suscitado certo mal-estar em alguns parceiros europeus. É o seguinte: Todos os membros têm o direito de se reunirem entre si, mas que alguns se reúnam para fazerem um cozinhado e servirem uma refeição inteiramente preparada, isso é inaceitável. Nós confessamos ser daqueles a quem também assenta mal no estômago esse tipo de refeições, tendo a ideia que além disso, também não serem saudáveis para um bom crescimento da Europa.
Mundo
A nova face do patriotismo
Defende o L’Express de 2 de Fevereiro no seu Editorial, que a França está em estado de sítio económico, e, se cada francês não cuidar de aperceber-se disso, a derrota do país será certa. Afirmou-o Albert Camus em Novembro de 1945, mas a ideia subsiste no presente. E não se trata já de uma questão de poder ou de prestígio, mas de sobrevivência como nação independente.
Primeiro aparte: mas então os políticos, e não só os nossos, que, tão progressistas, chamavam nomes feios a quem cuidasse disso, também por essa Europa fora, onde em coro com a bem amezendada e autocrática tecnocracia bruxelense, diziam que assim é que era bom e que pensar de outro modo representava provincianismo, não diremos terceiro, mas segundo-mundista de povos periféricos?
Mais objectivo o L’Express avisa que a mundialização se tornou um bulldozer que esmaga a personalidade dos Estados e dos indivíduos. A máquina de produzir riqueza e de vencer as desigualdades, em vez disso, torna semelhantes identidades próprias e diferenciadas, e afoga no seu betume os sedimentos do passado de cada país, que cede sem se preservar. Desse modo, alerta, tornou quase doentia a própria ideia de patriotismo.
Ora afigura-se-nos dramático e assustador a elevada percentagem dos que, têm voz e influência, mas receiam perdê-la, ironizando e ostracizando os que entendem ser necessária a um pequeno país como o nosso, auto-estima e sobretudo o orgulho pelo que fomos por havermos aberto o Mundo aos outros povos, sendo apenas um milhão de gente com tão poucos recursos. Só o conseguimos, há que reconhecê-lo, e não negá-lo, devido á técnica avançada que possuíamos, à coragem, resistência pertinaz e, sem dúvida também por um modo diferente de lidar com os outros povos. Naturalmente que nessa tarefa não usámos apenas punhos de renda para sobreviver e vencer num tempo e contexto de terras, povos e lugares onde, se não usássemos a força, nos tornaríamos com frequência pura e simplesmente num óptimo petisco para refeição dos nativos.
Desse passado nos ficou uma sabedoria e trato natural com que nas operações militares de paz, em que agora participamos, os nossos militares se distinguem tornando-se estimados, respeitados e louvados, pelas populações com quem lidam, por vezes muito diferentes da nossa.
Mentes mais esclarecidas pensam já que, em vez de papaguear ideias feitas espalhadas aos quatro ventos pelos meios de comunicação social e por fazedores de opinião fabricados à pressa, as nações resistirão tanto melhor à globalização quanto mais cultivarem e reforçarem o seu patriotismo.
É o caso dos Estados Unidos, da China, do Japão ou da Coreia do Sul, nações que cultivam tal sentimento e se destacam pelo esforço prioritário dedicado á investigação e sabem conjugar a internacionalização das trocas com um patriotismo permanente. Em contrapartida, a França, do ponto de vista do editorialista, que já cultivou noutros tempos tal valor até aos píncaros, está hoje na fila da frente dos que desvalorizam glórias suas, como Valmy e Verdun entre muitas mais, por elas evocarem feitos de guerra opostos a uma aspiração de paz, preguiçosa e irrealista e remetida em exclusivo à afirmação postiçamente bombástica de gritos de “ guerra nunca mais”. Insistimos no postiço, pois esta atitude assenta no engano de se descurar a necessidade de força dissuasora para se conservar o bem precioso da paz, certamente solução muito mais eficaz do que uma moleza angelicamente pacifista.
O patriotismo, por isso, na afirmação de um francês esclarecido, constitui a ossatura da independência do seu país e, sem dúvida também, a melhor maneira de viver a mundialização sem perder a alma.
Então e nós os portugueses, muito mais pequenos e fracos e vulneráveis, vamos continuar a diabolizar este valor? Ninguém fala em cultivar espírito bélico, mas afigura-se-nos desacertado, em contrapartida, que vivam, com o excesso com que tal é feito, o ideal de discotecas e de copos, em vez da valorização do saber pessoal, ou da coragem dos recordes de velocidade em contra-mão, em vez de rejeição amesquinhada do serviço militar em prol da comunidade nacional a que pertencem.
Tanto mais que, como com relativa frequência temos referido nestas Notícias que, com as nossas comodidades, privilégios e prazeres, nos vamos amolecendo, cercados por desprotegidos do destino, que justificadamente aspiram a não serem fatal e liminarmente privados delas. É, por isso, mais do que provável que venham a tentar algum dia partilharem pela força vantagens que, estando próximas, e insistentemente mostradas pela televisão e por outros media, não são partilhadas por eles.
Os atentados de Madrid são horroroso exemplo de que, ao expressar tal preocupação não estamos a pairar no campo das hipóteses ou a fazermos de “profetas da desgraça”, como argumentam os que, não tendo argumentos, nem eficácia, pretendem apenas manter vantagens adquiridas nem sempre com legitimidade. Isto não pretende significar que ao terrorismo não faltem outras motivações, em especial religiosas.
Além do mais, a luta a travar com ele é global e podem muito bem não terem um único movimento responsável, portanto, os combates não são apenas pelas armas. Os campos de batalha visando atenuar os efeitos da mundialização, são muitos outros com primazia do económico, estendem-se pela terra toda, são marcados por uma ferocidade extraordinária e exigem uma lucidez infalível para evitar ou conter os efeitos do terrorismo.
Em relação à França propriamente, menciona-se como exemplo a questão da saúde e a importância de ela dispor de um grande grupo empresarial no sector da indústria farmacêutica, e critica-se a solução ali adoptada quanto à associação das empresas nacionais com as estrangeiras escolhidas, em contraste com muito melhores escolhas dos anglo-saxões, em prejuízo da independência sanitária francesa.
Em questões dessa natureza impõe-se uma estratégia não exclusivamente financeira para conquistar partes do mercado, sendo necessária uma batalha quanto à própria noção de trabalho, que de novo coloca a questão da independência. A França não compreendeu isso, ao contrário de muitos países, por não ver no patriotismo industrial mais do que um recuo identitário, quando doravante disso depende a liberdade de ser ela mesma.
Se isto um francês afirma da França, reconhecendo que terá razões para o fazer, que dizer no caso de Portugal em questão tão reconhecidamente essencial?
Numerosos empresários se têm pronunciado ruidosamente, manifestando até a sua intenção de baixar os braços e se conformarem com a absorção pelo seu vizinho peninsular. Queremos crer que se trata de uma reacção saída da boca e não conforme com o pensamento e a vontade de quem assim se exprime.
Mas a confusão própria de questões tão complexas, como a da compatibilidade entre a nossa independência nacional e os ínvios caminhos da mundialização que os portugueses têm de percorrer no campo económico, em que reconhecidamente muitos passos têm de ser dados em segredo, por generalizadamente de reconhecer ser ele a alma do negócio, já provoca angustiosas dúvidas. Por quanto se expôs, existe o acrescido dever de sermos patriotas e pretendermos manter o máximo de independência, como a maioria, senão a totalidade, dos países entrados ou em vias de entrar na ainda mal definida estrutura da União Europeia diligenciam fazer.
Importa pois concluir que a generalidade dos portugueses seja tranquilizada pelos responsáveis poderes públicos quanto a estes desejarem manter desperto o seu patriotismo e, alem disso, embora havendo riscos naturais, de que não foram e se lutará para que não sejam ultrapassados os limites de segurança relativos á manutenção da sua segurança.
Isto porque na realidade poucos, a nosso ver, são os que conscientemente se sentem de facto tranquilos na dura luta e perante os pesados e inevitáveis riscos que a mundialização implica.
África
Manifestações e consequências do terrorismo internacional
A África é reconhecidamente um continente vítima de males terríveis, tais como o conflito armado convencional com armamento sofisticado de mistura com guerras civis ou étnicas das mais bárbaras, além de enfraquecida por uma epidemia de sida, sem precedentes e da qual não se vê o fim, esquecida pelos benefícios da mundialização e vivendo a reboque da boa vontade das economias desenvolvidas.
Estará ela nesta situação descrita por Robert Esposti no número da Défense Nationale de Janeiro do corrente ano e, alem disso, em vias de se tornar o terreno de predilecção de movimentos terroristas, como se poderá deduzir das reflexões geopolíticas americanas em relação á guerra mundial declarada contra o terrorismo?
No atentado de 11 de Setembro de 2001 registaram-se 25 vítimas mortais ou desaparecidas de 13 países africanos. Logo no dia seguinte houve uma das primeiras conferências internacionais de reacção contra ele no Senegal, promovida pelo presidente Wade, reunindo grande número de Chefes de Estado africanos que condenaram unanimemente este acto terrorista.
Apesar disso, algumas dúvidas subsistem. Em que medida o continente africano está realmente relacionado com o fenómeno terrorista? Como relacionar esta ameaça com os problemas tradicionais africanos, e quais as respostas possíveis ao eventual risco de um terrorismo africano?
Até ao 11 de Setembro a maioria das redes terroristas internacionais actuavam em África, e não na Europa ou nos Estados-Unidos, com excepção do atentado de pequena importância no World Trade Center de 1993 e no metro de Paris de 1995, atribuídos ás redes argelinas do Grupo Islâmico Armado (GIA).
Em 1995 um grupo integrista egípcio, treinado no Sudão e munido de falsos passaportes, tentou assassinar o presidente Mubarak na sua visita á Etiópia e, como o Sudão deu abrigo de 1993 a 1996 a grupos terroristas, incluindo o de Bin Laden, os americanos efectuaram contra ele um ataque aéreo em 1998, visando destruir uma fábrica de produtos farmacêuticos, a pretexto de ela produzir também armas químicas.
Nesse ano os atentados de Nairobi, no Quénia, e de Dar-es-Salam, na Tanzânia, marcaram a viragem terrorista em África contra os americanos. Mas, como a maioria dos 391 mortos neles registados foram africanos, a generalidade da opinião pública mundial não lhes atribuiu grande importância até ao 11 de Setembro.
O atentado contra o destroyer americano Cole em 2000, no porto de Aden, e mais o de Mombaça e o de Casablanca em 2003, evidenciaram que a mancha da luta contra o Ocidente e seus valores estava a alastrar, gerando uma reacção generalizada de tomada de consciência, mas também um sentimento de mal estar devido ao carácter difuso da ameaça e incerto quanto aos meios de acção para lhes fazer face.
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Em face da mundialização da ameaça e das suas ramificações em África, os Estados-Unidos passaram a encarar de forma alarmista a situação africana, consagrando-lhe uma página inteira o relatório de 2002 do coordenador da luta anti-terrorista, Coffer Black, e George Bush atribuiu-lhe também grande destaque na estratégia anti-terrorista mundial, até por não faltarem ao continente zonas quentes onde intervêm grupos terroristas de modo preocupante.
Por esses motivos, os Estados Unidos relançaram a sua cooperação directa com as forças armadas locais e pensam, a curto prazo ainda, aumentar essa cooperação, a ponto de o Supremo Comandante Aliado na Europa ter anunciado que a África Ocidental e a África Central virem a fazer parte do futuro da NATO, por alguns países nela figurarem claramente como pontos de passagem de todos os tráficos e actividades terroristas.
Se o assunto se prestasse a ironias, não se tornaria descabido citar aos Estados Unidos o nosso adágio popular de que quem semeia ventos, como eles fizeram inclusive contra nós, colhe tempestades.
Como a África não está em condições de torcer o nariz a ajudas materiais de que tanto necessita, os analistas americanos dividiram o continente em três zonas de risco terrorista:
- o Corno de África
- a África Oriental
- a África pan-saheliana.
Pela primeira vez na história, os Estados Unidos instalaram uma base permanente de 1800 militares em Djibuti, qualificada como o seu mais “fervoroso aliado” na luta contra o terrorismo. A Combined Joint Task Force-Horn of Africa, nela instalada, é responsável pela coordenação das operações na África do Leste e no Iémen, e tida como factor de estabilidade na sub-região da Somália, que tão más recordações deixou aos americanos quando os obrigaram a retirar de Mogadício em 1993. Em compensação, é-lhe prometida avultada ajuda económica, que, diga-se de passagem, se cifrou mais em vantagem militar americana do que no benefício humanitário ou económico da região de Djibuti. Isto apesar de, na opinião do Embaixador americano, ela ser indispensável para sobrelevar as tensões entre facções rivais e países limítrofes, alimentadas pelo descontentamento e a discórdia.
Aliás o mesmo se aplica a toda a África, havendo todavia que pôr a questão de saber se, afinal e mesmo assim, o terrorismo se encontra entre os problemas mais graves de África, ou não passa de uma árvore que esconde a floresta. Talvez no presente aconteça assim, mas o atentado do 11 de Março de 2004 em Madrid constitui um aviso muito sério de que, como temos vindo a insistir, se se não tratar seriamente da floresta, a árvore do terrorismo tornar-se-á em especial para a África e para a Europa, uma situação plena de dramas e horrores.
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Mais do que em qualquer outra parte o terrorismo já hoje pode aproveitar em África de condições de expansão muito favoráveis, comparáveis ás que facilitaram a sua instalação na Ásia Menor ou na Ásia, dada a instabilidade crónica instalada em todos os sectores institucionais dos seus Estados e a facilidade que daí resulta para o êxito de ideias terroristas junto de populações desesperadas.
Três factores, que para mais se interligam, ganham relevo e requerem atenção especial quanto a este problema: a pobreza, a segurança e o crescimento do integrismo muçulmano.
A pobreza não é a origem de todos os males, sem dúvida, mas é um dos principais, ligado ao analfabetismo de uma população cada vez mais jovem e, por paradoxo, cada vez mais cônscia e frustrada pelas diferenças entre o seu mundo e o exterior, sobretudo o que a rodeia, como já dissemos antes, acrescentando, alem disso, susceptível de vir a tornar-se também numa das principais causas da ameaça terrorista em África.
A falta de segurança em sentido lato, devida à caótica incapacidade administrativa dos Estados africanos, é outro factor que favorece fortemente as redes terroristas internacionais.
Assim acontece mesmo nos países considerados mais ou menos estáveis ou democráticos, como o Quénia, o Uganda, o Malawi, o Mali, a Mauritânia, o Níger, o Chade, ou os Camarões, mas, na prática, incapazes de controlar o seu espaço nacional e a circulação de pessoas e bens.
As suas fronteiras são teóricas, as superfícies são por vezes imensas e desérticas, as forças de segurança mal treinadas e equipadas, a corrupção é notória e existente tantas vezes ao mais alto nível, o tráfico é de todo o género e implica a cumplicidade de funcionários e dirigentes de escalão elevado, e tudo isto permite e instiga a actuação impune das redes terroristas.
A terrível situação alimentar e sanitária, onde avultam flagelos como o da malária ou da sida, que na África do Sul fragiliza as suas forças armadas infectadas pelo HIV em mais de 60%, também contribuem para que, natural e crescentemente os desprotegidos busquem cada vez mais o Islão, sejam atraídos pelo integrismo, e alinhem com o terrorismo, quer na África francófona, anglófona, ou lusófona.
Será errado e perigoso, no entanto, generalizar que muçulmano é sinónimo de inimigo ou terrorista, mas é certo supor que o problema neste particular virá a complicar-se.
Ele só não é ainda capaz de por si só lançar-se no combate unificado contra os ideais do Ocidente. Mas, na Mauritânia, o modo de vestir feminino já segue a moda dos países que as adoptam vindas de países islâmicos onde se usam vestes ancestrais locais, e as mesquitas na sua arquitectura também são influenciadas pelos imãs da Arábia Saudita, que financiam aliás a sua construção.
Perante estas advertências se não houver cautelas o imã, como afirma Robert Esposti, ocupará o lugar do feiticeiro em pouco tempo.
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Como se verifica, a tarefa é imensa e já aqui advogámos em tempos algo assemelhado a um plano Marshall de iniciativa europeia em relação a África e aos seus dramas de subdesenvolvimento.
Sendo ela mais vítima do que actor activo do terrorismo internacional, devemos interrogar-nos se estamos em condições de ajudar a África a fazer face a esta estratégia manhosa, agindo lentamente por infiltração, e que nos pode fazer acordar de repente sobressaltados por terroristas africanos arvorados em islamitas.
Para já, contudo, não tem havido planos de acção concertados entre vizinhos africanos. A própria União Africana redigiu um protocolo sobre a luta contra o terrorismo, embora ainda não ratificado pelo conjunto dos seus membros, e em Argel foi criado um centro de estudos sobre o terrorismo logo a seguir á última reunião da União. Além disso, o regulamento dos reféns europeus no Saara constituiu um dos exemplos de êxito de projectos entre o Mali e a Argélia, êxitos que se verificaram mesmo com falta de recursos abundantes e tropeços administrativos.
Importa, porém, sublinhar que a via das ajudas e da existência de recursos para dar aos países africanos não basta aos Ocidentais, porque o sistema se encontra sujeito a diversos constrangimentos próprios do sistema económico mundial e ás condições de emprego dessas ajudas nos países recebedores, em virtude de elas nem sempre aproveitarem aos destinatários mais necessitados, devido a desvios provocados pelo desleixo, a desordem ou a corrupção. Assim aconteceu depois da última Cimeira da Organização Mundial do Comércio em Cancun sobre as relações Norte-Sul. Mais uma vez se pode concluir que a África está refém da sua própria impotência.
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A guerra mundial contra o terrorismo lançada pelos Estados Unidos em África ocorre num ambiente muito complexo, aparecendo, se única, a resposta militar como muito inadequada para se encontrar uma solução de longo prazo. Um exemplo foi a iniciativa do Comando Americano na Europa, equipando e treinando unidades de escalão companhia para melhor controlo das fronteiras do Sahel (Mauritânia, Níger, Mali e Chade) mesmo com um orçamento de 6,5 milhões de dólares para cinco anos.
A cooperação multilateral fracassa muitas vezes devido aos interesses concorrentes. Um dos exemplos está no fracasso da “guerra das ideias” que os Estados Unidos pretendiam levar por diante, devido a não ter sido possível juntar em torno dela os actores ocidentais presentes em África, dadas as diferenças de posição sobre a nova ordem mundial, em consequência de choques de interesses entre eles.
Isto não significa, muito pelo contrário, que os países ocidentais possam melhorar a situação aumentando os programas de ajuda existentes, como por exemplo os da cooperação francesa, militar ou civil, ao ajudarem os países africanos a reforçar as suas capacidades no domínio da segurança no sentido lato, nomeadamente a militar, policial e também a civil e humanitária.
Estas reformas, considera o Autor, deverem ser simultâneas com reformas políticas para melhoria da democracia e do governo, confessando, porém serem raros e excepcionais os casos de sucesso, sobretudo quanto à transição democrática, incluindo nestes o caso do Senegal, que efectivamente é talvez o mais bem sucedido, o Quénia, Moçambique e a África do Sul. Sobre a questão já nos pronunciámos aqui quanto aos riscos de se forçarem os costumes locais para alem de certos limites, com o que Robert Esposti, bom conhecedor de África, também concorda, por considerar que, nesse aspecto, as coisas se mantêm mais no âmbito de votos piedosos do que no da alteração das realidades africanas. E, bem mais duro isso se pode tornar, pois nem sequer muitas das atitudes são realmente piedosas, dado que inúmeras medidas olhadas de modo cúmplice como democráticas são, pura e simplesmente autocráticas, opressivas e corruptas.
O Autor escusa-se por a sua análise poder parecer pincelada por grande pessimismo, e acrescenta, para desfazer más impressões, que o terrorismo é mais um risco potencial do que uma realidade na África negra e não lhe parecer que, a curto prazo, haja verdadeiro risco de ver a Al-Qaeda implantar-se ali. Mesmo as bases de treino dos grupos terroristas instalados nos desertos do Sahel, na linha dos campos paramilitares do Afeganistão são pela própria Administração americana consideradas mais no domínio das hipóteses do que de certezas, apesar de haver a tendência para se considerarem como actividades terroristas todas as desenvolvidas nessas regiões desérticas.
O que é necessário é ter cuidado, e nisso estamos inteiramente de acordo e já o temos afirmado muitas vezes, em relação ás tristes condições que prevalecem na África negra e à atracção dos exploradores de misérias, por ser de toda a evidência a necessidade indispensável de se estar vigilante quanto a elas.
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Mesmo na Nigéria se pode considerar estarmos longe do ponto de não regresso do integrismo anti-ocidental.
Há que ter em conta, porém, que a África negra é um continente misterioso e complexo, cuja história atesta a sua capacidade de resistir a qualquer ideologia radical que não tenha nela as suas raízes.
Mais do que nunca ela sente hoje a necessidade de apoio da comunidade internacional e dos seus amigos tradicionais no sentido de resolver por um plano de conjunto as suas crises. A nova parceria para o desenvolvimento de África (Nepad) deve, pois, fazer algo no domínio da segurança, a começar pela luta contra o terrorismo. Para Esposti, a França parece ter adoptado uma atitude menos alarmista, e mais global e equilibrada do que a do seu aliado americano, “atacando sobretudo os males de que se alimentam as ideologias extremistas”, como acrescentou o presidente Chirac.
Ele interroga-se, porém, sobre se para bem da África, que, a nosso ver por culpa de muitos, se fez chegar ao estado calamitoso em que se encontra, não será necessário acrescentar contarem também com a poderosa América, e “sem ideias preconcebidas”? Pensamos que sim e com urgência, pois não estamos de modo algum perante problemas delirantes; mas de tristes e gravíssimas ameaças.
Como se viu, acabaram há pouco, de forma surpreendentemente fácil, de morrer centenas de pessoas às mãos do terrorismo integrista, não em África … mas em Espanha, e portanto na Europa! E já se anunciam para o futuro repetições. Não é de sonhos maus que teremos estado a falar. È de factos concretos.
Convém além disso, atentar bem no barco em que devemos, ou mais realisticamente, temos de nos meter e pensar com firmeza, juízo e coragem no que necessitamos de fazer.
A nova guerra eclodiu na Europa com grande violência e imparável eficácia, num momento em que ela se debate em dúvidas e rivalidades para se organizar, e tem a rodeá-la a África esfacelada e ignorada, Há que preparar a resposta, acreditando que as declarações terroristas, nomeadamente de Al-Qaeda, de não haver lugar a negociações não devem deixar de ser bem ouvidas, pois tal tem sido repetido e insistentemente afirmado de modo a não deixar ilusões. E, sendo a ameaça global, necessita a estratégia de resposta de também o ser nos devidos termos.
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* Coronel de Artilharia e do Antigo Corpo de Estado-Maior. Sócio Efectivo da Revista Militar, de que foi Secretário (1976) e Director-Gerente (1977-1995).