No debate sobre a construção europeia, as questões teóricas fundamentais mais frequentemente enunciadas, de uma forma explícita ou implícita, dizem respeito à identidade europeia e aos dilemas suscitados pelas várias formas possíveis de posicionamento da Europa no sistema internacional. Os dois tipos de questões estão inter-relacionados, como é evidente, mas surgem muitas vezes no debate de forma separada.
Estas questões estão na base do nosso tema, na medida em que só será possível idealizar a política de segurança e defesa, no quadro de uma política externa e de segurança comum, e esta só terá sentido se decorrer de um processo de legitimidade representativa, quaisquer que sejam os elementos formais da fundação dessa legitimidade.
Relativamente à identidade, são vários os planos da discussão.
Em primeiro lugar discute-se a questão da identidade cultural como elemento formal indispensável da afirmação europeia, em termos de unidade política.
Naturalmente que associada a esta questão existe uma outra, que é a que diz respeito à noção de identidade cultural, como partilha da totalidade dos valores, das crenças, dos mitos e dos ritos, ou como reconhecimento de um vínculo básico ou plataforma comum, assente na diversidade de formas de estar e de sentir, em vez da definição a partir do Outro, com o sublinhar das diferenças face ao estranho.
Outra particularidade que se nos afigura interessante é a da definição da identidade como capacidade de expressão a uma só voz, isto é, como atributo de unidade política legítima.
Em termos mais práticos, o que nos parece que se discute é se será possível conceber uma política externa, por natureza abrangente ou unitária, antes de se alcançar uma base mínima de integração política, e se essa base já está atingida.
Aqueles que defendem a posição afirmativa assumem que a questão não será relevante, na medida em que será o exercício da política, nos moldes em que forem sendo possíveis, que irá favorecendo a integração progressiva, salvaguardando, no entanto, os princípios democráticos e o respeito pelas cidadanias nacionais, requisitos fundamentais da construção europeia.
Num outro plano, ainda se discute se fará ou não sentido conceber a política externa desligada de uma política de defesa, como seu suporte indispensável de afirmação face ao exterior.
Como é por demais evidente, a política externa e de segurança comum europeia projecta-se-à para o exterior da Europa, o que implica uma unidade política europeia, não importando para esta discussão a forma como essa unidade se manifesta, ou seja, como são tomadas as decisões.
Em todo o caso, aquela unidade pressuporá a existência de uma identidade europeia como fonte de legitimação dos actos ou das políticas que em seu nome serão delineadas, e é aqui que surgem as controvérsias, como vimos, designadamente quanto à sua pertinência (o de se saber se será indispensável considerar como requisito de construção de políticas comuns, a identidade cultural dos estados membros e dos cidadãos; se existe, de facto, um nível básico de identidade europeia e, em caso afirmativo, se ele se está fortalecendo ou se se está diluindo em afinidades mais amplas), quanto ao seu âmbito (se deveremos considerar a cultura das elites ou a cultura dos povos, as formas de comportamento ou os sistemas de valores, numa perspectiva geral, se nos deveremos concentrar nas acções concretas, nos eventos que ocorrem, sem procurar a sua justificação, ou se deveremos incidir na análise ou na descrição teorética, na forma como se pensa, ou nas crenças manifestadas), e quanto a outras matérias relacionadas. Esta análise tem naturalmente uma componente histórica, mas o seu aprofundamento escapa aos objectivos desta comunicação - o que aqui iremos propor parece ser suficiente para enquadrar o problema da política de segurança e defesa comum.
Quanto aos dilemas do comportamento da potência europeia no contexto dos grandes actores mundiais, em coerência com o seu poder económico, a questão prende-se com o paradigma das relações internacionais que vier a ser aceite, e com a viabilidade do actual paradigma para a integração europeia.
Afigura-se-nos que algumas destas questões, tal como muitas vezes são enunciadas, terão pouco interesse prático, não devendo no entanto ser escamoteadas, a benefício de um exercício contraditório sempre salutar.
Em todo o caso, a explicação da situação actual relativa à construção europeia não pode dispensar o recurso à História, designadamente na perspectiva colocada por aquelas duas questões essenciais.
Existirão várias aproximações possíveis para tratar o enquadramento histórico da Política Europeia de Segurança e Defesa Comum.
Uma dessas aproximações seria a de analisar os seus antecedentes próximos, a partir do tempo em que se começou por reconhecer formalmente a sua necessidade, a seguir à institucionalização da União Europeia, analisando os documentos produzidos nas cimeiras europeias da década de noventa e os contextos em que elas ocorreram, assim como os resultados visíveis das orientações contidas naquelas resoluções.
Outra seria a de procurar num passado mais longínquo os factores que terão contribuido para a inevitabilidade de uma política comum, como que uma justificação histórica desta iniciativa, enquadrada naturalmente numa ideia de integração política europeia, ou seja, procurar a existência de factores básicos porventura existentes na realidade europeia, segundo a perspectiva histórica. Em boa verdade, esta aproximação corresponderia à construção de uma História da Europa.
A primeira aproximação seria bastante redutora, na medida em que ignoraria um passado multisecular que exerceu uma influência significativa nas opções da actualidade, e remeteria as justificações para eventos e posições de fundamentação excessivamente pragmática.
A segunda aproximação constituiria tarefa ciclópica, não ajustada aos propósitos da presente comunicação.
Por razões de equilíbrio, seguir-se-à uma metodologia que nos coloque numa rota intermédia àquelas duas aproximações, e que convirja no resultado pretendido que é o de fazer o enquadramento histórico da política de segurança e defesa comum europeia.
Diga-se desde já que a ideia da integração europeia não surge apenas com a instituição das comunidades a partir do pós-guerra, embora tenha sido a partir desta data que ela assumiu uma forma de concretização particular.
É possível conceber uma matriz civilizacional para a Europa a que se possa atribuir o substrato de uma identidade, na medida em que representa uma experiência partilhada, e uma generalização de ideias, de métodos de pensar e de regras de agir que se consolidaram e aperfeiçoaram num processo evolutivo que compreendia uma globalidade. Existe um legado histórico europeu, para além da diversidade de culturas e das ambiguidades que algumas vezes são referidas na definição da Europa, a começar pela definição da sua geografia, como sublinhou Braudel.
Sublinhe-se contudo que as identidades não são estáticas, são construidas e como tal evoluiem com o tempo; resultam de processos convergentes e de disputas ou de contestações; elaboram-se por referência a outros, de forma cooperativa, em contradição ou mesmo em confrontação.
Importa extrair a linha mediana destes avanços e recuos, sem com isso pretender atribuir um sentido para a História, mas procurar entender o âmbito, ou os limites dos comportamentos, assim como da expressão dos pensamentos, a forma como os povos e as suas elites se têm manifestado ao longo do tempo.
Parece ser interessante reflectir sobre os pontos de viragem, das convulsões e das sínteses na História da Europa, na medida em que possam contribuir para a explicação da situação actual.
A Europa constituiu uma unidade política e, até certo ponto também cultural, durante o Império Romano, porque existia um Direito e uma língua comuns. E existia, igualmente, uma rede de comunicações notável, tendo em conta a tecnologia da época, o que proporcionava alguma aproximação, pelo menos entre as elites.
A presença política de Roma foi de cerca de seis séculos, o que constitui um período de tempo significativo para o estabelecimento de regras de relacionamento entre povos, embora não se possa negar a continuidade de uma cultura anterior não impeditiva do exercício do poder político imperial.
A paz, depois de conquistada pela força das armas, muitas vezes apenas pela ameaça do seu uso, foi garantida pela legitimação de um poder político, pela existência de um terceiro nas relações entre pessoas e grupos.
É necessário no entanto sublinhar que a cidadania romana, extensiva a todo o território, só se torna realidade em 212 com a Constituição de Antonino Caracala, o que não significa que não tenha havido uma uniformização normativa (apesar das diferenças ou categorias de cidades, consoante a sua aderência às regras do ocupante, ou as origens das pessoas que nelas habitavam), em paralelo ou a envolver uma continuidade das normas do passado, preservando as culturas pré-existentes.
O espaço geográfico da ocupação política e militar romana tinha o seu “limes” a leste, nas linhas definidas pelos rios Reno e Danúbio, a oeste na Península Ibérica, e a norte nas actuais ilhas Britânicas; o Mediterrâneo era um mar romano, assim como as suas margens, a norte, a sul e a oriente.
Esta divisão política romana do território europeu, no cabo da Ásia, marcada por razões de insuficiência de poder imperial, suscitou o reconhecimento de diferenças e a apetência dos povos vizinhos, em especial quando sentiram necessidade de se deslocarem e se deram conta das barreiras que os impediam. Porque estavam fora daquela civilização da Europa Ocidental, àqueles povos se atribuiu a designação de bárbaros.
Para além dos factores de integração já mencionados, surge, cerca de duzentos anos depois do início da ocupação romana, um outro factor que irá ser determinante para a construção europeia - trata-se do factor religioso, do desenvolvimento do cristianismo.
A conversão do Imperador Constantino em 312, é um marco histórico fundamental para a sustentação política europeia, na medida em que o poder temporal e o poder espiritual se fundem, ao nível mais elevado das hierarquias. Mas tanto numa esfera como na outra, as discordâncias internas foram relativamente frequentes e resolviam-se com recurso a reestruturações de poder, na esfera temporal, e com recurso aos concílios na esfera espiritual. Contudo, foram muito mais as invasões provindas do exterior, do que as discussões internas, que foram minando as defesas do Império.
Uma das medidas mais importantes de caracter estratégico, neste período de ameaças de invasão, foi a constituição de uma segunda capital em Bisâncio, que passou a designar-se por Constantinopla, e que constituiu também uma nova sede da Igreja Cristã, donde irradiou uma campanha evangélica dirigida para leste com resultados concretos bem dentro do território russo.
As invasões do Império Romano foram protagonizadas num primeiro passo pelos vizinhos germânicos, que acabaram por atingir Roma em 406, provocando um golpe com grande repercussão, como será fácil de imaginar. No entanto, não se vai verificar imediatamente uma ruptura total, passando a conviver os elementos romanos, germânicos e cristãos, em termos de cultura e de política.
Justiniano governa o que tinha restado do Império, a partir de Constantinopla, donde recupera parte do que fora tomado, e estabelece um novo código de leis que haveriam de vigorar muito para além do fim do Império.
A tentativa de restabelecer o Império, segundo outros moldes, em particular pelo predomínio temporal, como foi o caso do Império Carolíngio (que acaba em 843, pela partilha de Verdun, em três reinos: o da futura França, o da futura Germânia e o da Lotaríngia, da foz do Reno à Itália Central) não teve o sucesso esperado.
Esta ideia imperial volta a surgir com a fundação do Sacro Império Romano - Germânico pelo rei da Germânia Otão 1, em 962, que irá subsistir até à invasão napoleónica.
A expansão deste Império para Norte e Leste conduziu à cristianização de toda a Escandinávia e de toda a área até um limite que correspondia ao que hoje é a fronteira da Rússia.
Passámos então a ter uma Europa Cristã, das planícies russas ao norte de Espanha (com uma incrustação muçulmana na Península Ibérica e margens mediterrânicas) com dois polos, o do Ocidente germânico e de base latina, e o do Oriente eslavo e de base grega. A separação destes dois mundos cristianizados passava pela linha Dniepre, Grodno, Halycz.
As divergências entre as duas Igrejas resultaram de aspectos que hoje nos parecem irrelevantes, e de diferentes concepções quanto à relação entre os poderes temporais e espirituais.
Aqueles aspectos, à excepção da questão doutrinal relativa ao Espírito Santo, diziam respeito a hábitos e a ritos, e também a diferentes concepções de relacionamento entre a Igreja e o poder temporal. Foi-se criando uma separação provocada por preconceitos, apesar das manifestações de desejo de unidade, ao nível das cúpulas, da discussão livre com consensos conciliares posteriormente não ratificados pelas respectivas sedes.
A dependência que o Papado tinha do Imperador Ocidental, por razões pragmáticas de sobrevivência, e a interferência deste nas questões da Igreja, não era aceite ou compreendida no Oriente.
Em 1054 os delegados papais que tinham sido enviados a Constantinopla pelo Papa, então preso pelos Normandos, em Itália, para reforçar a união entre as Igrejas, acabaram por excomungar o Patriarca, num acto que foi historicamente entendido como a formalização do cisma.
Apesar deste facto, as tentativas de aproximação continuaram, embora sem resultados positivos nítidos, em termos de unificação.
A opção militar para submeter Constantinopla face ao cisma, traduziu-se no desvio da 4ª Cruzada, pelos Venezianos, que teve como resultado a conquista da cidade, em 1204; a reconquista da sua capital pelos bisantinos ocorreu em 1261.
Em 1453 o Império Bizantino cai às mãos dos Otomanos. Perante este facto, que era esperado, a Igreja procura a conversão do conquistador, à semelhança do que tinha acontecido com Constantino, com Clóvis, com Recáredo, e com tantos outros, e com as alianças de Roma com alguns dos povos invasores. Tal diligência resultou infrutífera, no final, e marca uma separação nesta zona de interface entre a Europa e a Ásia.
As invasões do Império Romano pelos bárbaros, que surgiram com maior intensidade a partir do final do século IV, produziram uma enorme instabilidade e insegurança, que foi dando origem a uma evolução nas soluções políticas.
A guerra marcou presença de forma quase permanente ao longo da História da Europa.
Desde o século XV aos nossos dias ocorreram mais de 300 guerras entre unidades políticas e um número igualmente elevado de guerras internas.
Parafraseando Heráclito, diríamos que terá sido também destes confrontos que se terá criado algum sentimento de unidade, ainda que o valor da Nação, assumido com diferentes intensidades ao longo do espaço e do tempo, tenha superado qualquer outro sentimento de pertença a um conjunto mais vasto.
A pulverização resultante do vazio de poder com o derrube do Império fez recorrer à organização local para obtenção prioritária de segurança, em tomo dos guerreiros mais fortes que demarcavam o território em função da sua força real.
Assim se desenvolveram os pactos informais ou formais, onde se trocava a segurança proporcionada pelo senhor pelo trabalho fornecido pelo servo.
As relações entre estas pequenas unidades, assim como no seu interior, baseavam-se em critérios de lealdade pessoal e em códigos de conduta que se foram aperfeiçoando com o tempo, desaparecendo a noção romana de Estado, esvaziando-se portanto a federação de cidades que então se havia constituido.
A ética baseada nos princípios cristãos, o castelo, o pequeno burgo, a Cavalaria, o poder baseado na relação familiar, os laços pessoais da clientela romana, ou da companhia germânica, ou da vassalagem carolíngia serão os traços essenciais do período medieval.
O universalismo vai sendo progressivamente abandonado e os interesses vão sendo localizados.
As malhas dos senhorios, dos senhores dos senhores vai-se instalando pela guerra.
A consolidação dos espaços, a delimitação de novas fronteiras, o surgimento da figura do príncipe, tudo isto vai tendo lugar num ambiente de guerra muito frequente, algumas delas bastante prolongadas.
Cada casa senhorial procurava alargar os seus domínios, e de acordo com o poder de facto, estabeleciam-se laços de dependência ou de solidariedade, na base de uma relação familiar.
O critério da expansão não estava circunscrito à proximidade geográfica, mas sim à reivindicação hereditária.
É assim por exemplo que os Absburgos detinham um vasto império, com a sua máxima extensão no século XVI, que incluia territórios em Itália, nos Países Baixos, na Alemanha, na Austria, em Espanha, entre outros lugares.
O objecto fundamental da diplomacia era o casamento e o estudo das leis relativas ao processo hereditário.
A guerra resultava sempre que surgiam interpretações diferentes, e quando a argumentação invocada por uma das partes não era aceite pela outra.
É preciso no entanto notar que todo este tipo de relacionamento decorria no quadro de um universo mais vasto, que era o universo da Cristandade, cujos princípios e autoridade constituiam o factor de legitimação da expansão territorial de cada grupo de famílias.
A dimensão de cada família ou grupo de famílias, que detinham as terras e tudo o que nelas se encontrasse, ia correspondendo a espaços geográficos de vastidão variada onde se verificava uma unidade de comando.
É pois perfeitamente natural que estas unidades tivessem desenvolvido as suas estratégias próprias para consolidar o adquirido e procurar ocupar espaços vazios de jurisdição, e se possa falar de guerras para a conquista de territórios, com foi o caso da guerra dos cem anos entre a França e a Inglaterra, pela disputa da Normandia.
Contudo, isto não significa que existisse neste período, até ao século XV, uma sociedade de Estados com uma interacção perfeitamente regulada.
A auto consciência da Nação tem desenvolvimentos diferentes na Europa, em função das circunstâncias; pode-se dizer, por exemplo (Ben Jonson, 1620, citado em Wedgwood, 1938) “ que se sentia, generalizadamente, a necessidade de que todos os homens deveriam amar o seu país”.
Existiam problemas partilhados quanto a fronteiras e problemas particulares dentro de cada Reino.
Mas a verdade é que a lealdade a uma causa, a uma religião, a um senhor era mais forte do que a lealdade a um país.
A França e a Espanha eram termos muito mais confusos do que as dinastias de Bourbon e Absburgo, embora se reconhecessem com rigor as fronteiras entre os dois reinos.
O desenvolvimento económico, particularmente a redução das autarcias e a prática comercial ou mercantilista, assim como da concentração do poder político, fizeram alterar as relações entre os vários actores, e criar funções de natureza política e social, o que foi resultando numa amplificação das funções da Igreja e do Estado, e no desenvolvimento de instituições que começaram a ter um peso cada vez maior dentro de cada Reino.
Os senhores foram deixando de exercer um poder exclusivo, porque a maquinaria burocrata que tinham ao seu dispor era insuficiente para dar as respostas às novas circunstâncias, fundadas num novo processo de intermediação entre o Senhor e os Súbditos...
As dissidências no interior da Igreja Cristã de Roma, movidas por diferentes interpretações da doutrina e das formas de intervenção da hierarquia eclesiástica, levaram ao aparecimento de correntes declaradas como heréticas, e que se opuseram aos poderes instituidos que as declaravam como ilegítimas, impedindo-as de se manifestarem.
A conversão de alguns reis a essas novas correntes fez com que existissem também católicos inibidos de praticar o seu próprio culto.
Esta situação deu origem a guerras sangrentas no interior dos reinos, assim como a interferências de reinos estranhos na defesa das minorias que professavam a sua religião num outro Reino.
A intolerância religiosa provocou muitos milhares de mortos.
A dinâmica interna das sociedades e a evolução das consciências nacionais, assim como a ambição de poder dos lideres políticos, para consolidação e reforço das suas posições, começou a suscitar a questão da dependência dos reis a um Papa estrangeiro situado a longa distância.
Daqui resulta o sentimento de libertação, que no plano das ideias é também função do reconhecimento do desenvolvimento de crenças racionalizadas, por oposição da exclusividade da crença revelada.
O aparecimento de correntes discordantes quanto a aspectos específicos da doutrina religiosa é aproveitado para a libertação acima referida, pelos poderes temporais de facto existentes, reduzindo esta guerra a uma guerra religiosa, na sua aparência.
A questão fundamental que fez desencadear a guerra dos Trinta Anos, que marcou de forma determinante a marcha europeia, e que se considera englobada na designação genérica de guerra religiosa, foi a revolta dos Países Baixos contra a tutela de Espanha, que face à derrota espanhola, ao longo de quarenta anos de encontros militares, deu origem a um acordo de tréguas, em 1609, por um período de doze anos, e no qual era reconhecida a independência das Províncias Unidas.
Ficou claro para todos os actores que este período correspondia a um tempo de espera para o retomar das hostilidades, e começaram os preparativos para enfrentar a crise.
Razões de natureza temporal fizeram com que os Reinos protestantes de Inglaterra, da Dinamarca, da Suécia, da Liga Hanseática, da Polónia não se mostrassem, inicialmente muito inclinados a participar numa aliança contra o império Absburgo, na defesa do Estado protestante das Províncias Unidas.
Pelo contrário, a França Católica do Cardeal Richelieu, que materialisava o império dos Bourbons, constituiu-se como o principal opositor dos Absburgos, ou da Espanha, em apoio dos protestantes. Até mesmo o Papa se mostrou favorável a seguir esta mesma aliança com os Bourbons.
As razões destas posições eram de natureza estratégica, e portanto tinham na sua base questões de avaliação de poder.
Na sequência da guerra sangrenta que assolou principalmente o centro da Europa, nos séculos XVI e XVII, criaram-se unidades políticas baseadas no critério de “ um Rei, uma Lei e uma Fé”, e com o Tratado de Vestfália, em 1648, que encerra esta confrontação, veio reconhecer-se a figura do Estado independente, com fronteiras rígidas entre eles, dando origem a uma nova era, a era da soberania dos Estados, ou seja, o fim da autoridade imperial.
Passou a vigorar a Ordem baseada na Razão de Estado, com aplicação do princípio exclusivista da soberania, com a procura da estabilidade pela via da Balança do Poder.
Mas seria irrealista, nesta nova era, continuar a admitir a existência de 350 estados alemães. O desenho da Europa estava ainda por definir, o que iria equivaler a novas disputas territoriais nos tempos que se iam seguir.
A ideia da universalidade, da fusão do espiritual com o temporal, deixou de ser considerada, em termos de possibilidade e de aceitação.
Impunha-se uma nova Ordem, em face do colapso do conceito de unidade ou de universalidade. Essa Ordem seria a Ordem da Razão de Estado e da balança de poder.
Isto significava, em termos drásticos, que os Estados não estavam condicionados por um código moral, sendo o bem do Estado o seu valor mais elevado, e sendo a obrigação do estadista a elevação dêsse valor, assim como da sua glória.
O mais forte deveria (tinha a obrigação de) dominar e o mais fraco deveria resistir e procurar alianças que inibissem os desejos do mais forte, criando-se assim o equilíbrio de poder desejável para atingir a situação de paz.
A ausência de equilíbrio conduziria à hegemonia de um Estado sobre os outros, e os equilíbrios eram com frequência testados através da guerra.
Pretendia-se que nenhum Estado tivesse uma preponderância de poder que lhe permitisse, sozinho, dominar o Continente; por isso, as principais guerras ocorridas tiveram por motivo, directo ou indirecto, evitar que a França expandisse o seu poder em relação aos seus vizinhos.
Era reconhecida a interdependência dos Estados, assim como o seu interesse comum de preservar a ordem e garantir a liberdade, o que ainda continua a ser o dilema mais importante das relações internacionais.
No espaço continental europeu, a disputa entre a França e a Espanha continuou a marcar o período que vai até ao tratado de Utrech de 1713, tendo-se conseguido alguma estabilidade, resultado de uma aceitação de fronteiras.
A outra grande potência europeia do Norte, a Suécia, perdeu o domínio do Báltico que tinha obtido desde a guerra dos Trinta Anos e das ofensivas que se lhe seguiram, em benefício da Dinamarca, da Rússia, da Polónia, e dos Estados Germânicos do Norte.
A Rússia com Pedro o Grande, e depois com Catarina II, abre-se à Europa e garante acesso ao Báltico e ao Mar Negro.
A França e a Inglaterra persistem na luta pela preponderância marítima que aquela perde, com a cedência do Canadá e da Louisiana.
A Prússia de Frederico II desencadeia uma ofensiva à Austria adquirindo a Silésia e a Saxónia, aumentando assim o seu poder, e colocando-se em óptima posição para impor a sua lei a toda a Alemanha.
Enfim, era esta a lógica da Ordem da balança de poder.
No período em que as relações entre Estados são mais baseadas no poder, e em que se aceita que o Estado tem não só o direito, como a obrigação, de ocupar os vazios de jurisdição, ocupando território para preencher os interesses do Estado, testando a cada momento a relação de poder, com a legitimidade apenas dependente da vontade do soberano, surgem as teorias que defendem a possibilidade da paz perpétua, o primado da Razão, as propostas de governo mundial, a crítica ao regime político reinante, a proposta de libertação dos povos; ao mesmo tempo descobre-se o conceito de cidadania.
São estas ideias de liberdade, de igualdade e de fraternidade que teoricamente estão na base na Revolução Francesa, embora na prática tenham sido os motivos económicos e as novas formas de representação (o Terceiro Estado) as causas próximas da revolta desordenada inicial.
São os valores relativos aos Direitos do Homem e do Cidadão que irão constituir matéria essencial nas Constituições, valores universalistas, portanto.
Contudo, a exportação desses valores era suportada pelo Exército Francês, na ambição de constituir um Império dirigido pela Nação Francesa.
Na sua máxima expansão, o Império Francês atingiu metade da superfície da Europa, mas soçobrou em 1815, por imposição dos outros Reinos europeus.
As ideias que estiveram na origem da Revolução generalizaram-se um pouco por toda a Europa, com mais ou menos oposição por parte dos regimes políticos.
Consolidou-se o conceito de Nação, fortaleceu-se o reconhecimento da nacionalidade, procurou-se ajustar a Nação com o Estado, e foi-se percorrendo um percurso nesta direcção até à actualidade.
A nova Ordem saída do Congresso de Viena impunha a continuidade da balança do poder, procurando introduzir-lhe um critério de justiça, uma legitimidade moral para o recurso à força armada.
As Nações concertavam-se entre elas para autorizar a intervenção militar, sempre no sentido da busca dos equilíbrios de poder.
Os polos de poder existentes no interior da Europa que pretendiam manter equilíbrio, foram sofrendo desenvolvimentos diferentes. No seguimento da Revolução:
- a França atingiu um máximo que foi sendo condicionado pelas forças já existentes (a Inglaterra, relativamente ao domínio marítimo, o Império dos Absburgos, o Império Otomano e a Rússia no continente euro-asiático);
- o Império dos Absburgos foi caminhando para a sua fragmentação, até ficar confinado à Áustria e Hungria;
- e a nova força, a Confederação Germânica, e depois o Império Alemão, foi assumindo uma posição dominante.
Foi uma época em que se falou muito de Estados Unidos da Europa, apelando à direcção francesa, numa primeira fase, e ao exemplo do tratado aduaneiro (Zollverein) alemão, numa fase posterior.
Entre a Revolução Francesa e a Grande Guerra tiveram lugar na Europa 74 conflitos violentos, dos quais 28 foram conflitos internos, o que ainda assim correspondeu a um declíneo da violência relativamente a períodos anteriores.
Neste espaço de tempo houve períodos em que as Nações Europeias não se guerrearam mutuamente, designadamente de 1815 a 1854 e de 1871 a 1914.
As guerras internacionais neste período resultaram da expansão revolucionária e da contra-revolução, da definição de territórios nacionais, em particular, e tiveram a seguinte expressão:
- guerra entre a Rússia com a Prússia contra a Polónia;
- guerra entre a Rússia e a Turquia;
- guerra entre a Rússia e a Suécia;
- guerra entre a Sardenha e a Áustria;
- guerra entre a Prússia e a Dinamarca;
- guerra entre o Schleswig e o Holstein;
- guerra entre a Túrquia, com a Grã-Bretanha, a França, e a Sardenha, contra a Rússia e a Grécia;
- guerra entre a Sardenha com a França contra a Áustria.
Foram guerras pela unificação (caso da Prússia em 1864, 66, 70,71), ou de interferência em lutas internas de independência.
Os conflitos civis mais importantes foram desencadeados em resultado da luta pelo reconhecimento da identidade nacional, que se traduzia, quer nas exigências de libertação dos povos relativamente a poderes que julgavam ilegítimos, quer pela unificação num mesmo Estado, de povos que se encontravam dispersos por várias dependências políticas.
O pensamento de muitos autores no final do século XIX, que consideravam o progresso material como o instrumento fundamental para o progresso da Humanidade e para o desenvolvimento do Homem, para a sua libertação definitiva numa sociedade de bem-estar, sugeria uma ideia de integração europeia, em primeiro lugar pela via económica ou comercial, em segundo pela inevitabilidade da integração política.
Na base desta sugestão estava a crença de que seria possível criar alianças duradouras, condicionar mutuamente o comportamento das unidades políticas, resolver as disputas entre Estados pelo recurso aos congressos, quebrar as barreiras comerciais, aumentar as comunicações - tudo isto deveria ser o princípio da federação europeia.
Havia naturalmente vozes discordantes, que consideravam que só seria possível caminhar para a integração quando o republicanismo e o nacionalismo estivessem perfeitamente consolidados (Mazzini).
Ao mesmo tempo, e na sequência da unificação alemã ou do sucesso do Zollverein, da aproximação no mesmo sentido do Império dos Absburgos (de alargamento do tratado aduaneiro), ou da simpatia da França perante este sucesso de expansão a partir de uma Mittel-Europa, surgem as divisões entre o Norte e o Sul em termos económicos e culturais, e entre o Oeste e o Leste em termos religiosos.
As novas unidades políticas que se iam constituindo na Europa, quer pela via da unificação política, quer por via do aparecimento de pequenas unidades políticas, trazidas pela corrente do nacionalismo (dentro dos limites das dimensões em termos populacionais e económicos que se admitiam como possíveis para sustentar uma identidade nacional ou um Estado-Nação), não fizeram desiquilibrar, de imediato, a balança do poder.
Estas ideias integradoras foram no entanto mitigadas quando a expansão colonial se generalizou. Neste contexto, começou a ser consenso que o Mundo estava a ser dividido em blocos comerciais potencialmente hostis.
Os Acordos de Viena de 1815 trouxeram uma novidade no que respeita à prática das relações internacionais, na medida em que desenharam não só os termos da paz, mas também conceberam os mecanismos para garantir esses termos. Era a paz obtida através do Concerto das Nações, ou seja, pelas conferências entre as grandes potências, tendo obviamente por base a balança do poder e os interesses dessas potências; entre as referidas conferências, funcionava o sistema do Congresso.
No início da sua vigência, a ameaça mais provável vinha de França, pelo seu comportamento recente. Para travar a sua expansão, os Absburgos, a Prússia, a Baviera, entre outros, procederam a aquisição de territórios que lhes servissem de tampão, e constituiu-se a Confederação Germânica dominada pelas duas maiores potências da Europa Central: o Império dos Absburgos, apesar de alguma mutilação, e a Prússia.
Com o evoluir do tempo, outra ameaça à paz começa a surgir na Europa Central que era o desenvolvimento acelerado da Prússia. A constituição do Zollverein em 1834 fez acelerar ainda mais o crescimento e a integração dos estados alemães, sob o domínio da Prússia.
A unificação alemã tem sido referida muitas vezes como exemplo para uma integração europeia, relativamente aos passos a seguir, ou seja a da adopção de uma área aduaneira como prelúdio da integração política, embora não existam muitas dúvidas que foram as armas prussianas que de facto impuseram a integração política dos estados alemães e a quebra de influência dos Absburgos no Norte.
Em1866 o exército prussiano derrotou a Áustria e os seus aliados, o que levou à constituição da Confederação Germânica do Norte.
Quatro anos mais tarde a derrota dos franceses na guerra franco-prussiana de 1871 eliminou a única resistência à criação de uma Alemanha dominada pela Prússia, e à conversão da Confederação Germânica do Norte no Império Germânico, ou Segundo Reich (o primeiro havia sido o Império Sacro Romano Germânico).
Contudo, na perspectiva dos pensadores dominantes do século XIX, que acreditavam no desenvolvimento, no comércio e nos congressos como as armas previlegiadas para o alcance da paz, e também segundo vários dirigentes políticos desse tempo, a ideia da federação dos estados europeus ganhou alguma força - o francês Guido de Molinari propôs, por esta altura, uma união aduaneira para a Europa Central composta pela França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Áustria e Suiça, baseada na experiência do Zollverein, numa primeira fase, com extensão à Grã-Bretanha numa fase posterior.
Esta tendência federalista extrapolada da MittelEurope e no sentido de a aplicar ao centro e norte europeu, foi de certa forma contrariada pelo aparecimento do nacionalismo.
Apesar da orientação proteccionista, no final do século XIX verificou-se um padrão de aumento de integração económica e um aumento do crescimento. Por outro lado, o nacionalismo foi aproveitado para contrariar a tendência hegemónica dos grandes Impérios, em particular o Império Prussiano, que passou então a constituir a principal ameaça aos Estados não incluidos nele.
Em qualquer caso, a Europa antes da 1a Grande Guerra mostrava um nível de integração económica e cultural que só muitas décadas depois viria a ser igualado.
No final da Grande Guerra, face à situação de caos, houve vários apelos à ordem, muitos deles passando pela proposta de uma união europeia, a começar pela constituição de uma união aduaneira.
A definição geográfica desta união não era no entanto pacífica; as opções fundamentais seriam a consideração, ou não, do Reino Unido, e a sua centragem, ou não, numa conciliação franco-germânica.
O Reino Unido preferia uma estratégia global baseada no comércio livre e na Liga das Nações; se isso não resultasse, voltaria ao seu Império.
A Alemanha preferia a MittelEuropa constituindo uma base de poder no centro e leste da Europa - a integração a leste dependeria sempre de um forte apoio ocidental.
A proposta alemã no início da guerra era a da constituição de uma associação económica através de tratados aduaneiros com a França, a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca, a Áustria-Hungria, a Polónia, e talvez a Itália, a Suécia, e a Noruega - é evidente que se propunha ela própria liderar esta hipotética associação.
Esta proposta mereceu uma reacção negativa conjunta da França e da Inglaterra, ainda durante a guerra, com a finalidade de contenção do avanço alemão para leste e do evidente desequilíbrio europeu.
A fragmentação do pós-guerra no Leste europeu levou à tentativa de várias federações de Estados, cujo desenho chegou a ser designado por Estados Unidos da Europa Central, embora nunca tivesse tido concretização. Pelo contrário, aquilo que se veio a estabelecer foi a aliança militar entre a Checoslováquia, a Roménia e a Jugoslávia, em oposição à Hungria que tinha reivindicações territoriais com aqueles três países.
No Norte propôs-se a federação báltica composta pela Estónia, pela Finlândia, pela Letónia e pela Polónia que também não se chegou a concretizar.
Em 1923 é apresentada uma proposta designada por Pan-Europa e assinada pelo austríaco Coudenhove-Klergi, preconizando os passos para a constituição de uma união europeia, anti-proletária, autoritária e elitista, que não incluia a Inglaterra nem a Rússia, a primeira pela razão do seu império, a segunda por razões ideológicas e pela ameaça que significava. Esta proposta assentava no pressuposto de uma conciliação franco-alemã, condição indispensável para a criação de uma união europeia.
No ano seguinte surge uma Comissão Internacional para uma União Aduaneira Europeia, em contraponto à Pan-Europa, que previa a inclusão da Inglaterra e da Rússia, e que assentava no facto de não se considerar o Anschluss da Alemanha e Áustria como ameaça para a França ou para a Europa. Os seus proponentes entendiam, pelo contrário, que essa realidade iria facilitar a constituição da unidade europeia.
O Tratado de Lucarno de 1925 que reconheceu as fronteiras franco-germânicas e belgo-germânicas, assim como a renúncia ao uso da força na resolução das questões internacionais, foi considerado por uma grande parte da imprensa como o primeiro passo para os Estados Unidos da Europa. A realidade era no entanto outra: a Alemanha pretendia evitar uma aliança franco-britânica e ir ganhando a sua soberania, que havia sido fortemente condicionada pelo Tratado de Versalhes.
O ambiente na segunda metade da década de 20 fazia crer que se caminhava para a unidade europeia, em termos económicos. Existiam no entanto duas reservas quanto a este optimismo: uma resultava do medo dos Estados Unidos da América, em termos comerciais e dado o seu estilo proteccionista, outra dizia respeito ao renascimento da ideia do Anchluss entre a Alemanha e a Áustria.
No intervalo entre as duas guerras ressurgem as ideias do governo mundial e da autodeterminação dos povos, funda-se a Liga das Nações baseada em valores que excluiam deliberadamente a penalização dos perturbadores do sistema, acreditando-se na possibilidade da auto-contenção dos actores.
Em 1928 é assinado o Pacto Kellog-Briand que fundamentalmente contém uma renúncia à guerra em todas as circunstâncias, e que para além do seu idealismo aparente pode ter significado o apoio que o Primeiro Ministro Francês Briand procurava junto dos Estados Unidos da América, face ao enfraquecimento progressivo do seu poder, relativamente à Alemanha.
O mesmo Primeiro Ministro aproxima-se, informalmente, da Alemanha sugerindo uma iniciativa política do “género de uma federação europeia”, e concorda ser presidente honorário da União Pan-Europeia Coudenhove-Kalergi.
Os alemães desconfiam destas atitudes entendendo-as como vias para reforço do poder francês.
Briand sublinhou entretanto que essa iniciativa tinha em vista objectivos de natureza económica, e que deveria ser enquadrada politicamente no âmbito da Liga das Nações.
Na Assembleia da Liga das Nações em 1929, Briand apresenta a ideia, tendo sido decidido que deveria elaborar um documento mais trabalhado, para a próxima reunião, o que de facto sucedeu.
Este documento tinha por título “Memorando para a organização de um regime de União Federal Europeia”, e continha as linhas gerais dessa organização, claramente influenciadas pela estrutura institucional da Liga; nele se preconizava o princípio da soberania dos Estados e a autoridade política da Liga das Nações. A reacção a este documento não foi muito entusiástica, por parte da Inglaterra e da Alemanha, o que fez com que fosse remitido para uma Comissão para estudo mais aprofundado, o que significou ter ficado esquecido.
Entretanto, ainda antes de se conhecer qualquer desfecho para a proposta de Briand na Liga das Nações, a Alemanha e a Áustria lançam o projecto Anchluss, que é tornado público em 1931. Aí se refere o princípio da independência dos dois Estados subscritores, se circunscreve o seu âmbito às relações económicas e se admite a possibilidade da sua expansão a outras Nações que possam vir a estar interessadas. A crise económica que assolou a Áustria e os países do Leste europeu condicionou a consolidação deste projecto.
Os movimentos intensos que se vão desenvolvendo na Europa entre as duas guerras decorrem de visões idealistas acerca da relação entre os Estados, de circunstâncias de natureza geopolítica e económica, e da percepção do perigo que representava a expansão económica da Alemanha.
Por um lado existia o reconhecimento da necessidade de uniões aduaneiras ou económicas, por outro vingava a ideia nacionalista, da prerrogativa soberana, do primado da política, da consideração estratégica.
Com o desmembramento do império Austro-Húngaro, e com a retracção do império Otomano a leste e ocupação deste espaço pela Rússia, criou-se um vazio de poder que levou à tentativa de constituição de várias alianças, muitas delas com carácter precário ou flutuante. Foi o caso:
- em primeiro lugar, da “pequena détente” (Checoslováquia, Roménia e Jugoslávia, em oposição à Hungria);
- da tentativa de união aduaneira entre a Roménia, a Jugoslávia e a Hungria;
- da união do Danúbio promovida pela Inglaterra;
- da união balcânica;
- da federação báltica (Polónia, Finlândia, Estónia, Letónia);
- da associação entre a Itália, a Áustria e Hungria para o estabelecimento de um programa de consulta política e de cooperação económica (que a Itália abandonou para aderir ao Pacto com a França).
Enfim, o reconhecimento de que existiam duas Europas em termos de desenvolvimento económico, a Europa industrializada do centro e a Europa agrária do Leste, levou à busca de soluções regionais e ao abandono da solução global europeia.
Do ponto de vista político, desenhava-se um círculo de protecção contra o expansionismo germânico, e a Alemanha criou também esta percepção (nenhuma solução europeia poderia ser construída à margem da Alemanha, e esta entendia ser a única capaz de assumir a liderança).
Só poderia existir a coordenação europeia se as grandes potências actuassem concertadamente, mas isso não era possível porque desconfiavam dos propósitos de cada uma.
A Alemanha estava de facto a construir pela via informal um império na Europa Central e de Leste, quebrando todas as resistências, pela força das circunstâncias do seu desenvolvimento económico. Rejeitando a proposta francesa do multilateralismo na preferência de relações económicas, ia estabelecendo preferências bilaterais com os Estados vizinhos do Leste.
As esperanças da contenção da Alemanha falharam, tanto no campo económico como no campo político. A bilateralidade prevaleceu, como foi o caso do Tratado Germano-Húngaro e do Tratado Germano-Jugoslavo assinados em 1934, do Tratado com a Roménia assinado no ano seguinte. A Alemanha fez renascer o Anschluss em 1938, o que fez criar no Ocidente a analogia com o Miteleuropa antes da 1ª Grande Guerra, e a ideia de integração europeia foi completamente posta de parte, pela análise destes acontecimentos.
O sucesso inicial das forças alemãs permitiu pensar, do lado germânico, na construção de uma nova Ordem na Europa, imposta pela força das armas e sustentada ideologicamente pela doutrina nacional socialista.
Contudo, em termos concretos, a estrutura política dos países ocupados correspondia a uma situação caótica, e a economia era de sobrevivência e de alimentação do aparelho militar germânico, através do fornecimento obrigatório de matérias primas.
Da parte da resistência surgiu de novo a ideia da união europeia, como solução para evitar a catástrofe que se estava vivendo, embora a consideração de uma federação europeia no pós-guerra não fosse completamente aceite pelas populações ocupadas do Ocidente (o seu objectivo era sempre o da libertação nacional); mas esta ideia federativa foi também apropriada pela Alemanha, embora numa outra perspectiva, a da sua direcção, como era evidente - a Nova Ordem, para quem ainda tivesse dúvidas iria ser determinada, unilateralmente, pela Alemanha.
A ideia nazi inicial era a de construir o Lebensraum, que se traduziria na expansão a leste, o que começou a acontecer com a ocupação da Polónia, onde uma parte do seu território foi de imediato integrado na Alemanha, e com o desmembramento da Checoslováquia num estado germânico satélite eslovaco e num protectorado da Boémia e da Morávia, e sua incorporação no território alemão.
Ao Norte, os Dinamarqueses, os Noruegueses e os Holandeses eram considerados pelos nazis como povos germânicos, e como tal deveriam pertencer ao Reich Alemão - o seu destino político iria ser ditado pela liderança alemã, numa perspectiva de integração.
A Oeste o objectivo era eliminar a possibilidade da existência de qualquer potência ou conjunto de potências com poder suficiente para fazer frente, no presente e no futuro, ao poder germânico.
A guerra não foi desencadeada para definir novas fronteiras a Ocidente, mas para destruir fisicamente todos aqueles que se opusessem ao querer alemão.
Apesar dos vários entendimentos sobre o futuro da Europa, quer pelos ocupados quer pelos ocupantes, nunca existiu nenhuma orientação oficial do lado do vencedor, naquela altura, quanto ao desenho político da Europa do futuro. Nunca houve uma tentativa de normalização administrativa dos ocupados ou dos satélites, para além da extensão do controlo administrativo e do controlo pelas autoridades militares. No pensamento de Hitler, a Nova Ordem iria ser determinada depois da vitória final.
O debate no interior da Alemanha e dos países ocupados, sobre o futuro europeu foi proibido por Hitler.
No exterior, e em particular na Inglaterra esse debate continuou por algum tempo, tendo atingido algum consenso a tese federalista: “a única solução possível será uma federação de qualquer espécie, que inclua um esquema de defesa, uma Europa aduaneira e uma moeda única” (Anthony Eden, Ministro do Ultramar).
Foi inclusivamente proposta uma “união indissolúvel” com a França, já depois da sua rendição, que foi no entanto rejeitada.
Face a esta situação, a Inglaterra apresentou uma proposta informal de idêntico teor aos Estados Unidos, para a constituição de uma União Anglo-Americana, apesar das vozes internas discordantes que consideravam uma grande desproporção de poder e uma consequente desvantagem para a Inglaterra; inicialmente os americanos mostraram pouco interesse.
Este assunto, o do futuro pós-guerra só veio a ser discutido depois da Carta do Atlântico assinada em 1941 por Roosevelt e Churchill.
A Carta do Atlântico assinada entre o Presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, e o Primeiro Ministro Britânico Wiston Churchill, em Agosto de 1941, a bordo de um cruzador nas costas da Terra Nova, marca o comprometimento dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, e segue-se a uma comunicação à Nação Americana feita pelo Presidente, em que afirmou: “... não aceitaremos um mundo dominado por Hitler. Não aceitaremos um Mundo, como o Mundo do pós-guerra de 1920, no qual as sementes do hitlerismo puderam ser plantadas e foi permitidido que crescessem. Só aceitaremos um Mundo consagrado à liberdade de expressão e de pensamento - liberdade de cada pessoa adorar Deus à sua maneira - libertação de necessidades - e libertação de terror”. Não se tratava apenas de controlar o Atlântico, mas também de realizar uma visão de uma nova ordem mundial.
Esta nova ordem deveria permitir a realização das quatro liberdades mencionadas no discurso, mas também a garantia de acesso às fontes de matérias primas, e a cooperação para a melhoria das condições de vida em todo o Mundo.
A Carta diz que “depois da destruição final da tirania nazi, as Nações livres deverão renunciar ao uso da força e impor um desarmamneto permanente naquelas Nações que constituam ameaça de agressão”.
A autodeterminação nacional deveria ser a pedra de toque desta nova ordem mundial.
A Carta do Atlântico determinou os objectivos políticos da guerra, na sua máxima abstracção, isto é, estabeleceu uma definição da comunidade dos valores.
No campo da resistência continental, influenciada ainda pelas correntes iluministas, defendia-se a ideia de que só uma federação ou confederação poderia garantir a paz, chegando a admitir-se a eliminação dos exércitos nacionais, privilegiando a garantia federal dos direitos humanos acima da lei nacional. Pensava-se numa estrutura federal composta por uma câmara de representantes, por um Senado e por um triunvirato na presidência. A questão fundamental, objecto de posições contraditórias, era a atitude a assumir sobre o destino da Alemanha.
Quando se aproximava o fim da guerra, os Aliados começaram a discutir planos para o pós-guerra.
Estaline foi dos Aliados aquele que mais cedo se preocupou com este tema, pressionando os Ingleses nesse sentido, apresentando as suas reivindicações de início:
- reconhecimento das suas fronteiras de 1941 (partilha da Polónia efectuada com a Alemanha na altura da invasão conjunta);
- divisão da Alemanha em três unidades políticas;
- atribuição da Prússia Oriental à Polónia.
Realizadas estas reivindicações ser-lhe-ia indiferente qualquer tipo de organização federativa que se viesse a acordar para a Europa.
O debate interno na Inglaterra sofreu várias flutuações, relativamente a esta proposta soviética, desde uma inclinação para vir a aceitá-la (Anthony Eden), até a uma rejeicão de se discutir nessa altura (Churchill) ou a uma negação com dois argumentos: o receio de ferir os americanos e a suspeição quanto às verdadeiras intenções de Estáline.
Roosevelt começou por rejeitar esta proposta de Tratado Anglo-Soviético, mas depois deixou de lhe fazer qualquer crítica pública.
Por outro lado, Estáline deixou de insistir em concessões territoriais explícitas.
Relativamente às propostas de união apresentadas em Janeiro de 1942 entre a Polónia e a Checoslováquia, e entre a Jugoslávia e a Grécia, a posição soviética pareceu ser relutante, o que levou ao abandono pelos seus autores, por receio de eventual afrontamento.
Segundo a percepção ocidental, Estaline nunca viria a aceitar qualquer federação que constituísse uma espécie de cordão sanitário em volta da Europa Central.
Do lado dos resistentes sob ocupação, designadamente da Noruega e da Holanda, surge a ideia de um sistema de segurança atlântica, envolvendo americanos e ingleses, com aplicação à Europa segundo a forma associativa ou federativa, em qualquer caso global.
Uma outra ideia apontava para a organização em termos de várias confederações por afinidades regionais. Esta diferente visão deu origem a que no Norte a Suécia se propusesse aliar à Finlândia, para constituir a Aliança Escandinava.
Depois da capitulação alemã, e antes da do Japão, 50 países assinam em S. Francisco, nos Estados Unidos, a Carta das Nações Unidas, e é com base na provisão da Carta para a legitimidade do recurso à defesa individual ou colectiva dos seus Membros, que é assinado o Tratado do Atlântico Norte em 4 de Abril de 1949.
No final da guerra, face a uma Europa destroçada, cria-se a percepção inicial de que seria possível manter a coesão dos aliados, sendo o problema mais importante o destino a dar à Alemanha. Esta visão idealista de pronto se esfumou, sendo substituida no concreto pela materialização de blocos, ou de esferas de influência que cada bloco procurava maximizar, o que significou uma divisão da Alemanha e com ela uma divisão da Europa.
Os Estados Unidos criaram a percepção de que, se não travassem a estagnação europeia, a Europa Continental poderia passar para a esfera de influência comunista, e de que seria necessário fornecer-lhe ajuda, para salvar os valores a que se tinham comprometido na Carta do Atlântico, e naturalmente, para a defesa dos seus próprios interesses.
A França questiona a pertença dos territórios do Ruhr e da Renânia pela Alemanha, o que levanta preocupações por parte da Inglaterra. É esta questão em particular que leva ao Tratado Anglo-Françês de Dunquerque de 4 de Março de 1947, que é um compromisso de defesa mútua no caso de virem a ser atacados pela Alemanha, que até certo ponto restabelece o equilíbrio europeu, e adia as preocupações imediatas de controlo do poder alemão.
A decisão da ajuda americana, o Plano Marshall, que é o resultado de uma avaliação da incapacidade de reconstrução rápida pelos europeus, com riscos à segurança mundial, e o reconhecimento da inviabilidade da proposta americana sobre a internacionalização do Ruhr, é tomada no pressuposto de serem os europeus a definirem os termos dessa ajuda e a geri-la, porque as Nações se tinham encerrado sobre si próprias tentando isoladamente a sua sobrevivência, e porque os americanos não estariam interessados em continuar envolvidos directamente na resolução dos problemas do pós-guerra.
Assim é criada a Organização para a Cooperação Económica Europeia, que acabaria por ter um efeito estruturante.
É esta mesma filosofia que leva os americanos a exigir que os europeus se organizem, em termos da sua defesa, o que se traduziu na assinatura do Tratado de Bruxelas de 1948, que deixou de fora a Alemanha e a Itália, e que a seguir fez nascer o Tratado do Atlântico Norte e a ajuda militar à Europa.
O Tratado de Bruxelas, que tem por título “Treaty of Economic, Social and Cultural Collaboration and Collective Self-Defense” foi assinado pela Bélgica, pela França, pelo Luxemburgo, pelos Países Baixos, pelo Reino Unido e pela Irlanda, em 17 de Março de 1948.
No seu preâmbulo faz apelo:
- aos princípios e valores que deverão orientar toda a actividade política, designadamente o respeito pelos direitos humanos fundamentais, os ideais da Carta das Nações Unidas, os princípios da democracia, da dignidade da pessoa humana, as liberdades políticas;
- ao reforço dos laços económicos, sociais e culturais que já existem entre as partes;
- à criação de uma base para a recuperação económica na Europa Ocidental;
- à contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais, assim como à resistência a qualquer agressão, de acordo com a Carta das Nações Unidas;
- à tomada de acções concertadas para repelir uma eventual re-acendimento da política de agressão da Alemanha.
O seu articulado é um conjunto de prescrições para a organização e coordenação das partes, para a elevação do nível de vida, para uma melhor compreensão pelos seus povos dos princípios que formam a base de civilização comum e para os consequentes intercâmbios.
No Artigo IV diz-se que os signatários se comprometem a dar assistência mútua em caso de ataque a qualquer um deles, no espírito do artigo 51º da Carta das Nações Unidas.
Para efeitos de consulta em conjunto sobre todas as questões relacionadas com o Tratado, as Partes comprometeram-se a criar um Conselho Consultivo, organizado de forma a poder exercer as suas funções de forma contínua.
As partes comprometeram-se a manter as suas obrigações perante o Tratado durante um período de cinquenta anos, podendo a partir daí denunciar a sua aderência, desde que com um aviso de um ano.
Entretanto um conjunto de onze países (Bélgica, Dinamarca, França, República da Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Suécia, Reino Unido e Irlanda do Norte) assinam em 5 de Maio de 1949, em Londres, o Tratado para a criação do Conselho da Europa, que viria a entrar em vigor em 3 de Setembro do mesmo ano.
As aderências de novos países vieram a aumentar sendo o seu número de 39 no ano de 1996, constituindo-se como a organização europeia mais vasta em termos de território. As razões que estiveram subjacentes a esta criação foi a consciência de que a paz, baseada na justiça e na cooperação internacional, é vital para a preservação das sociedades humanas e da civilização, e de que existia a necessidade de uma união mais forte entre todos os países da Europa que acreditavam nos mesmos valores morais e espirituais, como herança comum, que constituem a base de todas as democracias genuinas.
Para atingir estas finalidades impunha-se uma organização que colocasse todos os países da Europa em estreita associação.
A finalidade do Conselho da Europa era a de adquirir uma maior unidade entre os seus membros, para salvaguarda e realização dos ideais que são a herança comum, assim como para promover o progresso social e económico.
De uma forma explícita, foi estabelecido que não estariam no âmbito do Conselho da Europa os assuntos relacionados com a defesa.
Os órgãos do Conselho da Europa constantes do estatuto seriam o Comité de Ministros, a Assembleia Consultiva, apoiados por um Secretariado. Os Ministros eram os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países membros e os elementos da Assembleia Consultiva eram nomeados, segundo um dado critério, pelos países membros.
No final de 1949 a situação na Europa era a seguinte:
- estava aprovado o Acto para a Assistência Mútua de Defesa pelos Estados Unidos;
- o problema da Alemanha estava por resolver, embora já pertencesse à Comissão para a Cooperação Económica Europeia, e tivesse sido constituida a República Federal Alemã a 20 de Setembro, mas continuava em vigor o Estatuto de Ocupação pelo qual os seus poderes eram limitados, e existia o risco (antes da criação da RFA), ainda que aparente, por força do Plano Marshall, de, a troco da integração, passar para o controlo soviético;
- existia alguma cooperação política através do Conselho da Europa, constituido em Setembro;
- assistia-se ao desenvolvimento de alguns grupos sub-regionais de que o Benelux era um exemplo;
- tinha sido constituida a Organização do Tratado do Atlântico Norte, em 4 de Abril de 1949, por 12 países (Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos);
- o bloqueio soviético a Berlim Ocidental tinha terminado a 9 de Maio, tendo tido uma duração de 323 dias.
Conforme se referiu, a OTAN nasce na sequência do Tratado de Bruxelas de 1948 com o envolvimento dos Estados Unidos.
Mas não estava garantida a participação liderante americana, desde o início, por razões políticas internas - para que ela se tivesse tornado realidade foi necessário um trabalho político interno, nos Estados Unidos, que acabou por ficar contido no que se veio a designar por Resolução de Vandenberg em homenagem ao senador responsável pela proposta, aprovada no Senado em 11 de Junho de 1948.
Idêntico trabalho havia sido efectuado no Canadá, alguns meses antes.
Esta Resolução tem seis pontos que tratam, em síntese, de um apelo para um papel reforçado das Nações Unidas (“a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais requerem cooperação internacional através de um uso mais efectivo das Nações Unidas”).
Um desses pontos prescreve o desenvolvimento de arranjos regionais e colectivos para a auto-defesa colectiva, de acordo com os fins, os princípios e as provisões da Carta.
Um outro ponto defende a associação dos Estados Unidos, através do processo constitucional, a tais arranjos regionais e colectivos, numa auto-ajuda contínua e efectiva, na medida em que afecte a sua segurança nacional.
Os outros pontos tratam do direito de auto-defesa na iminência de um ataque, de acordo com o artigo 51º da Carta, na regulação universal e na redução de armamentos com garantias adequadas e de confiança contra eventuais violações.
A Resolução que se inseria na doutrina Truman, permitiu o desenvolvimento de contactos com os países subscritores do Tratado de Bruxelas e com o Canadá, logo em Setembro de 1948. A Resolução foi favoravelmente recebida pelo Conselho Consultivo europeu, que se traduziu numa identidade de pontos de vista quanto ao princípio do estabelecimento de um pacto defensivo para a área do Atlântico Norte.
A Europa Ocidental não poderia sobreviver sem a economia alemã, e não poderia sentir-se segura sem o seu potencial militar integrado numa organização europeia.
Uma área de disputa franco-alemã por esta data dizia respeito ao controlo do Sarre, que não estava na esfera da República Federal Alemã, que era reivindicado por esta e de que a França não abdicava.
As negociações franco-alemãs sobre este tema começaram em Janeiro de 1950, dando origem à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço cerca de um ano depois.
Isto significava que a produção franco-germana do carvão e do aço seria controlada por uma Alta Autoridade, no quadro de uma organização aberta a todos os países europeus; “a produção conjunta deveria constituir as fundações comuns para o desenvolvimento económico como primeiro passo da federação da Europa”.
Foi esta proposta que foi aberta a todos os países, tendo inicialmente sido recebida com alguma desconfiança, a que se seguiu um longo período de debate, interrompido no entanto, por uma questão que passou para ponto prioritário das agendas políticas, e que foi de novo o problema do rearmamento da Alemanha.
A proposta de Robert Schuman, preparada por Jean Monet, representava uma evolução no tipo de organizações que até aqui haviam sido estabelecidas, depois do fim da guerra, como o Programa de Recuperação Europeia, a Organização da Cooperação Económica Europeia, o Tratado do Atlântico Norte, a União de Pagamentos Europeia - pela primeira vez se refere a constituição de uma Comunidade Europeia, distinta da Comunidade Atlântica, sem a participação dos Estados Unidos, embora estes tenham tido contribuido para a sua concretização. Faz-se referência também nesta proposta a um carácter supranacional, ao criar uma Alta Autoridade com poderes de gestão de certa forma independentes das Nações, embora esta ideia tenha sido posteriormente clarificada mais num sentido da intergovernamentabilidade.
E esta clarificação consistiu numa precisão das competências dessa autoridade, e na criação de um Tribunal e dum Conselho de Ministros que definiam as orientações e fiscalizavam os actos da Alta Autoridade, e também na institucionalização de uma Assembleia Comum e de uma Comissão Consultiva. A eterna questão do supranacionalismo e do intergovernamentalismo estava assim resolvida, mais pendente para este último.
Outra característica interessante da proposta é que ela visava reduzir, de forma nítida, a potencialidade de ocorrência de conflitos violentos na Europa, pela união das nações europeias, sem anular as respectivas soberanias, o que significava a existência de uma grande margem de manobra dos países para a condução das suas políticas de segurança e para o estabelecimento livre de alianças, num quadro de balança de poder, embora se esperasse que esta união civil facilitasse a segurança militar.
Com o desencadear da Guerra da Coreia, foi de certa forma estabelecida uma analogia entre o que aí se estava a passar, no avanço da Coreia do Norte sobre a Coreia do Sul, com o apoio dos países comunistas, e o que se poderia vir a passar com as duas Alemanhas, o que suscitou de imediato uma insistência europeia junto dos Estados Unidos relativamente ao reforço de tropas na Europa. A resposta americana traduziu-se de facto num maior empenhamento na defesa da Europa e na constituição do Comando das Forças Aliadas na Europa (SHAPE), mas continha uma exigência que era a de integrar a Alemanha na defesa militar europeia, ou seja, rearmar a Alemanha.
Esta questão criou uma apreensão muito grande da parte dos franceses que, de certa forma, à semelhança do que tinham sugerido para o problema da produção industrial, internacionalizando-a, propuseram a constituição de forças armadas europeias, para além das forças nacionais.
Por outras palavras, significava esta proposta que todas as forças a levantar pela República Federal Alemã deveriam ser colocadas à disposição de comandos europeus, e para efeitos de prontidão deveriam ficar dependentes do Ministro Europeu da Defesa, a criar - para o caso particular da Alemanha, e sendo o primeiro país a quem se aplicaria o princípio, não seria autorizada a constituição de um Ministério da Defesa.
A resposta dos aliados a esta proposta discriminatória francesa, foi no sentido de a considerar, mas com a aplicação do princípio federal da defesa ao nível da Aliança, na sua globalidade, ou seja, a todos os países da mesma forma, e não ao nível regional europeu apenas.
Os franceses aceitaram discutir esta contraproposta, mas só após a aprovação do Plano Schuman para a Comunidade do Carvão e do Aço.
Face às dúvidas dos outros aliados quanto ao controlo do rearmamento alemão, pelo menos haveria que garantir o controlo da produção industrial.
Não foi pacífica a aceitação do Tratado da Comunidade pelo lado dos alemães. Por interferência americana junto dos alemães, o tratado que estabeleceu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, designado por Tratado de Paris, foi assinado em 18 de abril de 1951, com uma vigência prevista de cinquenta anos.
Vencida esta batalha, a França volta a insistir no seu plano de integração europeia no âmbito da defesa militar, e convence os americanos das virtudes desse plano.
Os alemães preferiam naturalmente o enquadramento da sua defesa num plano OTAN, mas em termos de política interna seria mais fácil aos dirigentes da altura fazerem aprovar a opção europeia.
É evidente que o interesse prioritário da República Federal Alemã era o fim do Estatuto da ocupação e a obtenção da soberania plena, pelo que as negociações foram efectuadas em simultâneo, estavam interligadas.
Nestas circunstâncias, os franceses, agora apoiados pelos americanos, avançaram com as negociações para a assinatura de um tratado que visasse a criação de uma Comunidade de Defesa Europeia, que uma vez implantada daria lugar à desocupação militar. Os dois tratados vieram a ser assinados em 26 e 27 de Maio de 1952.
No decorrer das negociações houve modificações profundas aos textos iniciais, sendo expurgado o elemento discriminatório contra a Alemanha, factor essencial da aprovação prévia do Plano que havia tido lugar em Outubro de 1950, pela Assembleia Nacional Francesa.
Uma das contribuições que teve grande impacte foi a italiana que pretendia alargar o âmbito da Comunidade dando-lhe um caracter mais político, de feição federalista, sugerindo inclusivamente que a Assembleia Geral desta Comunidade ficasse com o encargo de elaborar uma Constituição europeia.
O Tratado para a Comunidade de Defesa, tal como finalmente acordado, previa o estabelecimento de uma autoridade supranacional e o estatuto de uma Comunidade Política Europeia, foi redigido pela Assembleia da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, prevendo a unificação das duas comunidades (esta e da defesa) com coordenação das políticas externa, económica e monetária.
A reacção inglesa, a princípio titubeante, foi a de propor que tanto a Comunidade de Defesa como a Comunidade do Carvão e do Aço ficassem enquadradas pelo Conselho da Europa, o que seria contra os seus estatutos, como se viu.
O carácter supranacional e a tendência federalista manifestada pelos aliados desagradou ao Governo francês pelo que o Primeiro Ministro resolveu pedir a ratificação do Tratado, tal como tinha ficado após negociações, à Assembleia Nacional Francesa, que o rejeitou em 30 de Agosto de 1954.
O fracasso da Comunidade Europeia de Defesa constituiu um golpe muito duro para aqueles que sonhavam com o alargamento progressivo dos temas da segurança e da defesa na Comunidade Europeia, dado o sucesso alcançado na integração ao nível económico, no seu percurso de cerca de três anos, e o seu envolvimento directo neste processo particular - no pressuposto da aceitação da Comunidade de Defesa, a Assembleia Comum chegou a redigir um Esboço de Constituição Europeia, como se referiu.
Face a esta nova situação, sem acordo para a integração da Alemanha, a França decidiu propor um alargamento da Organização do Tratado de Bruxelas para incluir o enquadramento que permitisse o armamento da Alemanha.
Para o efeito, teve lugar, logo em Setembro uma reunião em Londres das potências do Tratado de Bruxelas, com a participação da Alemanha e da Itália, e preparam-se os textos correspondentes àquela inclusão.
Os acordos de Paris desse mesmo ano consistiam de seis artigos onde era referida a aderência da República Federal Alemã e da Itália ao Tratado de Bruxelas, e as alterações correspondentes no Tratado, em especial as referências à Alemanha como potencial ameaça, e onde era sugerida a entrada daqueles países na OTAN.
As alterações de 1954 ao Tratado de Bruxelas de 1948 contêm em particular referências à necessidade de desenvolver as suas actividades em cooperação estreita com a OTAN; ao reconhecerem não ser desejável uma duplicação dos estados maiores militares, é determinado que o Conselho e as Agências deverão confiar nas autoridades militares apropriadas da OTAN para informação e conselho sobre assuntos militares.
Recorde-se, no entanto, que esta decisão já havia sido tomada em Dezembro de 1950 com a nomeação do General Eisenhower como primeiro SACEUR, porque os países consideraram ser a OTAN o elemento central do sistema de segurança da Europa Ocidental e do Atlântico Norte.
As alterações reiteram a determinação de criar um Conselho, que a partir daí se deveria chamar de Conselho da União da Europa Ocidental, devendo de imediato criar-se uma Agência para o Controlo de Armamentos.
Um ponto importante era também o que determinava a elaboração de relatórios anuais a serem submetidos a uma Assembleia composta pelos representantes dos países membros da União da Europa Ocidental na Assembleia Consultiva do Conselho da Europa.
O Tratado Geral de 1954 atribuia atribuia a soberania à República Federal Alemã, que ficava com autoridade plena relativamente aos seus assuntos internos e externos.
No âmbito da Comunidade do Carvão e do Aço, o debate que então existia com frequência era o relativo à transição para uma solução mais avançada, que contemplasse não apenas a união aduaneira mas o mercado comum, e a energia nuclear.
Esta orientação foi decidida no Conselho de Messina da Comunidade do Carvão e do Aço de Junho de 1955, tendo sido designado o Ministro dos Negócios Estrangeiros Belga, Paul Henri Spaak, para apresentar uma proposta nesse sentido.
O corolário deste trabalho foi a assinatura do Tratado de Roma em 25 de Março de 1957 em Roma, que criou a Comunidade Económica Europeia. O pilar central da nova construção europeia era a criação de um mercado comum, entendido como uma área económica de circulação livre de bens, serviços, pessoas e capital, segundo a perspectiva liberal.
A Inglaterra. reagiu a esta tendência, declarando-se indisponível para subscrever uma solução que contemplasse uma união aduaneira, por razões do impacto na Commonwealth, propondo em alternativa uma área de comércio livre que reduzisse, ou eventualmente eliminasse as tarifas sobre os bens industriais. O resultado foi o estabelecimento, mais tarde, da EFTA (European Free Trade Association) com uma organização específica tipicamente intergovernamental.
Apesar de estar bem claro no Tratado do Atlântico Norte que a OTAN constituia uma organização na qual as Nações soberanas estavam afiliadas para a defesa comum, envolvendo matérias de segurança colectiva, com a necessária consulta política, havia quem a entendesse como uma organização supranacional, com todas as consequências que daí derivavam.
Era a suspeita que a França tinha à altura na convicção de que a direcção suprema pertencia aos Estados Unidos.
Por isso o General de Gaulle propôs em 1958 um triunvirato composto pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, além da França, òbviamente, para tratar de todos os assuntos de segurança à escala global, e não necessariamente apenas à escala da Aliança Atlântica. Esta proposta foi recusada pela totalidade dos outros parceiros.
De seguida, e na sequência da suspeição da influência americana exagerada na estrutura de comando, o General de Gaulle retirou as forças navais francesas do Mediterrâneo do Comando da OTAN, com o argumento de que ao cumprir as missões nacionais estavam a preencher objectivos de segurança da Aliança.
Relativamente ao conceito de forças sob comando OTAN, o General de Gaulle entendia que só as forças na linha da frente, leia-se na Alemanha, deveriam usar desse estatuto.
A França teve uma influência determinante nas ideias que se foram assumindo àcerca da integração europeia, em particular através da posição do General de Gaulle.
A sua visão de uma Europa dos Estados, do Atlântico aos Urais, é ainda hoje invocada com frequência.
Dava portanto previlégio ao carácter intergovernamental para a definição política, à integração das questões técnicas e ao debate alargado através de uma Assembléia Geral.
A delimitação geográfica significava o caminho para uma terceira potência mundial comparável às duas grandes potências existentes.
Em Fevereiro de 1961 a Comissão Europeia reuniu-se para discutir uma metodologia para os encontros regulares dos Chefes de Estado e de Governo, por proposta da França.
Nesse encontro a visão gaullista para a Europa foi fortemente combatida, em especial pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros holandês, e em particular quanto ao facto consumado da relação franco-germânica, deixando de fora a Inglaterra.
Apesar disso continuaram as actividades quanto à realização da união política europeia, segundo a proposta francesa.
Na reunião de Novembro de 1961 sobre presidência francesa foi apresentada uma proposta para o desenvolvimento de uma política externa e defesa comum, a ser implementada de acordo com um quadro institucional em que se previa uma decisão unânime do Conselho, um parlamento fraco, e em que a Comissão Política Europeia seria composta por funcionários dos departamentos de negócios estrangeiros de cada Estado Membro.
A proposta, já depois de reformulada, continha uma declaração onde se afirmava que a constituição da Comunidade Política iria reforçar a Aliança Atlântica.
Mesmo com sucessivas reformulações, a proposta não foi aprovada, o que correspondeu ao abandono deste projecto pela existência de duas visões da Europa perfeitamente inconciliáveis.
No seu discurso de 15 de Maio de 1962, o General de Gaulle defendeu a Europa das Pátrias e atacou fortemente a ideia de integração supra-nacional “... não existe uma entidade supranacional porque não existe, de facto, um federador para a criar.... poderia existir um, de facto, mas (esse) não seria europeu”.
O veto francês quanto à entrada da Inglaterra na Comunidade deu-se imediatamente a seguir à assinatura do tratado Franco-Germânico, ainda que a França não tivesse comunicado formalmente a sua decisão à Alemanha, o que contrariava os termos do tratado, e que por esse facto criou algum mau-estar.
Aliàs, o próprio Tratado Franco-Germânico não foi muito bem recebido tanto nos Estados Unidos como em Inglaterra, o que obrigou a declarações interpretativas por parte do Parlamento alemão, para manter algum equilíbrio entre esse Tratado e as relações com a Aliança Atlântica.
As disputas comerciais com os Estados Unidos, o problema do financiamento da política agrícola comum e a proposta de envolvimento dos europeus, incluindo a Alemanha, no planeamento nuclear atlântico, foram questões interrelacionadas que levantaram alguma insatisfação da França na medida em que suspeitava de forte influência americana nos destinos europeus.
A 21 de Fevereiro de 1966 o General de Gaulle anunciou que a França reafirmaria a sua soberania sobre todas as forças dentro do seu território, e que se retiraria da estrutura de comando militar integrado da Aliança; a decisão foi confirmada por carta em 7 de Março e a retirada ocorreu em Julho.
A Aliança Atlântica, a que a França continuava a pertencer, decidiu então definir o seu papel face à nova situação, e clarificar os aspectos da gestão da estratégia de dissuasão.
Para este efeito foi designado um grupo de trabalho presidido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Belga, Pierre Harmel, que elaborou um documento que depois de aprovado, em 1967, continha o que se passou a designar por doutrina Harmel.
Em termos sintécticos, o que aí se refere é que desde a assinatura do Tratado do Atlântico Norte em 1949, a situação internacional mudou, e nesta mudança, as tarefas políticas da Aliança assumiram uma nova dimensão.
A Aliança Atlântica tem duas funções principais. A primeira é a de manter a adequada força militar e solidariedade política para deter a agressão militar, ou outras formas de pressão, e para defender os territórios dos países membros, se a agressão vier de facto a ocorrer.
Não pode ser excluida a possibilidade de uma crise enquanto as questões políticas centrais na Europa, a primeira das quais será a questão alemã, não estiverem resolvidas.
A situação de instabilidade e incerteza não permite uma redução de forças militares, e, nestas condições, os Aliados manterão como necessário, uma capacidade militar adequada para assegurar o equilíbrio de forças.
A segunda função da Aliança é a de prosseguir a busca no sentido de se criarem condições para uma relação mais estável, na qual as questões políticas possam ser resolvidas. A segurança militar e uma política de “détente” não são contraditórias mas complementares. A defesa colectiva é um factor de estabilização.
A coesão e a solidariedade constituiem elementos de estabilidade. Cada Aliado deverá promover as suas relações com os países soviéticos e da Europa de Leste, no sentido de se efectuar uma aproximação dentro dos critérios de firmeza indispensáveis para a resolução dos problemas políticos.
O problema da reunificação alemã e a sua relação com um acordo europeu tem sido tratado entre a União Soviética e as três potências ocidentais, e assim deverá continuar, devendo a Alemanha associar-se com carácter de regularidade àquelas reuniões.
Deverá ser estudado o problema do desarmamento e as medidas necessárias para o seu controlo, constituindo estas diligências uma demonstração da vontade dos Aliados no sentido de uma “étente” efectiva com o Leste.
Deverá ser dada especial atenção à segurança no flanco sul da Aliança e aos problemas de segurança no Mediterrâneo.
A OTAN deverá colaborar com as Nações Unidas na gestão de crises fora da área OTAN.
Era esta, em resumo, a doutrina Harmel, que viria a ser adoptada durante todo o período da guerra fria.
A dinâmica das relações euroatlânticas fez sentir a necessidade dum reforço do pilar europeu de defesa, o que resultou na criação do Eurogrupo em 1968, fruto de iniciativas informais multilaterais.
O objectivo primário do Eurogrupo era o de contribuir para o reforço da Aliança no seu conjunto, procurando assegurar que a contribuição europeia para a defesa comum fosse tão forte e coesa quanto possível.
Este objectivo deveria ser atingido por duas vias: pela constituição dum forum informal no qual os Ministros da Defesa europeus pudessem trocar pontos de vista em questões políticas e de segurança, e pelo fomento de cooperação prática através de sub-grupos constituidos por especialistas.
O apoio de estado maior seria dado pelas representações nacionais no Quartel-General da OTAN.
Os subgrupos entretanto constituidos foram:
- o Eurocom, para promover a interoperatibilidade ao nível das comunicações tácticas das forças terrestres;
- o Eurolog para fomentar uma cooperação mais estreita entre as Nações europeias no campo do apoio logístico às forças armadas;
- o Eurolongterm para a elaboração de conceitos com aplicação no longo prazo;
- o Euromed para reforçar a cooperação no âmbito da medicina militar;
- o EuroNad para a cooperação na aquisição de equipamento militar; este subgrupo deu origem ao IEPG - Independent European Programme (que era independente da OTAN e do EUROGRUPO);
- o EuroNATO Training concebido para se desenvolverem facilidades comuns para o treino (ex. Long Range Reconnaissance Patrol School, Basic Helicopter Pilot Training School, Joint Jet Pilot Training Programme).
A Cimeira de Haia da Comunidade Europeia de 1969 sentiu a necessidade de lançar um programa para revigorar a integração interna, reforçando as instituições comunitárias, e tendo em vista estabelecer a união económica e monetária, no contexto do alargamento.
Foram mandatados os Ministros dos Negócios Estrangeiros para apresentarem um estudo sobre a melhor forma de obter progressos na questão da unificação política.
A 27 de Outubro de 1970, em Luxemburgo, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis acordaram em:
- assegurar um melhor entendimento em relação às grandes questões políticas internacionais, pela troca de informação e consultas regulares;
- aumentar a sua solidariedade pela harmonização de pontos de vista, pela concertação de atitudes e de acções conjuntas sempre que possível e desejável.
Para além de variadas questões processuais, desta reunião saiu também a proposta de criação de uma Comissão Política composta pelos Chefes dos departamentos políticos dos Estados Membros, para realizar aqueles objectivos e para preparar as reuniões dos ministros, que a partir daquela data se passaram a efectuar com regularidade. Estava assim criada a Cooperação Política Europeia.
O desenvolvimento económico da República Federal Alemã, a sua relação a Leste através da sua Ostopolitik, fez com que a Europa dos seis, e em especial a França, se mostrasse mais disponível para a aceitação do alargamento que desta vez viria a contemplaria a Inglaterra, além da Dinamarca, o que veio a efectivar-se em 22 de Janeiro de 1972.
No início da década de setenta o Pacto de Varsóvia fez uma proposta à Comunidade Europeia para a realização de uma conferência sobre segurança e cooperação na Europa.
Da parte ocidental houve inicialmente alguma reserva quanto às verdadeiras intenções do proponente.
Vários terão sido os motivos daquela iniciativa, parecendo certo que inicialmente eles tivessem a ver com o crescimento económico da Europa Ocidental, com os problemas existentes em alguns paises do COMECON, com a evolução política na República Federal Alemã, designadamente a sua Ostopolitik, o seu poder e o seu desejo de unificação claramente expresso em posições públicas, enfim com a percepção de uma potencial instabilidade na Europa, ou por influência da doutrina da OTAN.
Da agenda inicial fazia parte o reconhecimento das fronteiras actuais, isto é, uma segunda ratificação de Yalta.
A República Federal Alemã propôs a inclusão de uma redução mútua e equilibrada de forças na Europa; mais tarde veio a ser incluido um outro ponto, por pressão ocidental, que era o relativo à salvaguarda dos direitos humanos.
A Conferência abriu em 1973 e o Acta Final foi assinada em 1975 em Helsínquia, e teve um carácter intergovernamental, na medida em que só os Estados estiveram representados.
Esta Acta final incluia provisões para a continuidade do processo de consultas, mas não ficou criada nenhuma comissão permanente, para o seguimento, por desejo expresso da União Soviética.
O conteúdo desta Acta manifestava a esperança de melhores relações, a realização da vida em paz duradoura, livre de qualquer ameaça que atente contra segurança; de uma melhor solidariedade entre os povos; de uma vontade de reforçar a História comum, em particular os elementos comuns nas suas tradições e valores; de junção de esforços para ultrapassar desconfianças; do reconhecimento da indivisibilidade da segurança na Europa e do interesse comum no desenvolvimento da cooperação.
Nesta conformidade foi aprovada a adopção dos seguintes princípios:
- igualdade soberana dos Estados e respeito pelos direitos inerentes à soberania;
- abstenção de ameaças ou de utilização da força contra a integridade territorial ou a independência política;
- inviolabilidade de fronteiras; resolução das disputas por acordo pacífico;
- não interferência nos assuntos internos;
- respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais;
- igualdade de direitos dos estados e autodeterminação dos povos;
- cooperação entre os Estados.
Previa-se o desenvolvimento de um conjunto de medidas destinadas a reforçar a confiança, incluindo nos aspectos de segurança e desarmamento, como a notificação prévia de exercícios e manobras, a troca de observadores, a notificação prévia de movimentos militares, entre outros.
E ainda a cooperação em matéria económica, ciência, tecnologia e ambiente; a segurança e cooperação no Mediterrâneo e a cooperação em acções humanitárias.
Em 1973 Henry Kissinger, então Conselheiro para a Segurança Nacional, declarou esse ano como o Ano da Europa, e fez uma proposta para uma nova Carta do Atlântico, onde sublinhava uma diferença de âmbito entre os Estados Unidos e a Europa: os primeiros com interesses e responsabilidades globais, a segunda com interesses regionais.
Esta posição era de certa forma uma resposta a uma declaração dos Chefes de Estado e de Governo Europeus feita após o alargamento recente: “... a Europa deverá fazer ouvir a sua voz nos assuntos mundiais, e dar uma contribuição original compatível com os seus recursos humanos, intelectuais e materiais; deverá afirmar os seus próprios pontos de vista nas relações internacionais, como será próprio da sua missão ser aberta ao Mundo para o progresso, para a paz e para a cooperação...”.
No final de 1973 a Comunidade teve necessidade de preparar um documento sobre a identidade europeia, com o objectivo específico de permitir que os Estados Membros pudessem adquirir uma melhor definição das suas relações com os outros países e das suas responsabilidades, assim como do lugar da Europa nos assuntos mundiais. A identidade europeia foi definida de uma forma tripartida:
- através do grau de unidade já alcançada dentro da Comunidade Económica;
- pelo grau com que os Nove já agiam em conjunto nos assuntos mundiais;
- e pela dinâmica da própria unificação europeia (existência de integração formal, prática atravès da Coordenação Política Europeia e das relações externas e processo de integração).
Neste mesmo documento foram elencados um certo número de princípios que deveriam ditar as relações exteriores:
- em primeiro lugar, a defesa dos princípios da democracia representativa, o primado da lei, a justiça social e os direitos humanos;
- em segundo lugar uma vontade de estender a participação a todas as Nações europeias que partilhem estes ideais;
- em terceiro lugar a permanência dos laços históricos que os Estados Membros tenham mantido com outras partes do Mundo;
- em quarto lugar a contribuição para uma economia mundial aberta, devendo toda a riqueza obtida pela Comunidade ser utilizada em benefício de todas as relações económicas;
- e finalmente, basear a defesa militar na Aliança Atlântica, nas armas nucleares americanas e nas forças americanas estacionadas na Europa.
É de referir, a este propósito, que já Robert Schuman tinha afirmado em 1951 que “.. antes que a Europa evolua para uma aliança militar ou para uma comunidade económica, deverá ser uma comunidade cultural...”.
Isto significaria que a integração numa esfera política, e especialmente numa esfera de segurança militar, não deveria ser forçada antes que os Estados, e em particular os cidadãos se sentissem suficientemente europeus, isto é, pensassem em termos de resposta em segurança europeia, e em política europeia, aos desafios e aos riscos a que a Europa viesse a estar sujeita.
O desenvolvimento de uma identidade europeia não requere apenas um quadro institucional com regras de decisão claras e eficientes, e com partilha de encargos devidamente assumida por todos os Estados Membros; depende também dum sentimento de um legado comum, de raizes comuns, assim como de um destino comum.
Assim como a construção da União Económica e Monetária necessita do cimento duma interdependência económica complexa, também uma Política Externa e de Segurança Comum, e eventualmente, uma Política de Defesa Comum, deverão ter a sua fundação em valores e interesses comuns; uma avaliação partilhada dos principais riscos, desafios e ameaças à segurança da Europa, assim como a prioridade que devem assumir.
A partir de 1974 foram dados passos importantes no caminho da integração europeia, previlegiando no entanto a via intergovernamental. Foi o caso da institucionalização do Conselho Europeu composto pelos Chefes de Estado ou de Governo, de eleições directas para o Parlamento Europeu, do início da preparação para o sistema monetário europeu, do início do debate sobre o conceito de União Europeia, do conceito da subsidiaridade.
Todas esta ideias e actividades tiveram lugar logo em 1974 ou princípios de 1975, embora a sua concretização tenha sido mais dilatada, como foi o caso do sistema monetário europeu que só viria a entrar em vigor em Março de 1979.
Ao nível da Aliança Atlântica a questão mais importante, objecto de alguma disputa entre os dois lados do Atlântico, era o “burden sharing”, ou seja, a partilha equitativa dos encargos de defesa, em que os americanos insistiam numa contribuição europeia mais forte.
Os Estados Unidos e a União Soviética continuavam a fazer progressos importantes no controlo de armamentos, designadamente no campo dos mísseis balísticos intercontinentais.
Contudo, o problema da segurança na Europa agravou-se com as intenções soviéticas de destacar mísseis de alcance intermédio, e com o desiquilíbrio de forças convencionais.
Em 1977 o Chanceler Schmidt solicitou aos Estados Unidos que fizessem entrar este tipo de armamento nas conversações sobre redução de armas nucleares; em 1979 surgiu a estratégia “dual track” associando o destacamento de mísseis Pershing II e mísseis cruzeiro americanos na Europa, e a sua retirada subsequente, se do lado soviético tal também viesse também a acontecer.
Na década de 80 mantêm-se os problemas no âmbito da Aliança Atlântica que vinham do anterior, por um lado, e existe alguma insatisfação com os avanços da Cooperação Política Europeia.
Face a esta situação, apresentam-se propostas para o reforço da integração que irá culminar no Acto Único Europeu e no Mercado comum Europeu.
A política externa não fazia parte dos Tratados das Comunidades Europeias, e a política de segurança não estava a ser contemplada nos projectos para a Cooperação Política Europeia. Esta matéria era deixada em exclusivo para a Aliança Atlântica, ou era tratada num âmbito exclusivamente nacional.
Neste contexto, os Estados Membros sentiram a necessidade de tratar esta componente de política de defesa, em conjunto, no quadro da política europeia; ao procurarem um enquadramento para uma cooperação nesta área, encontraram uma alternativa que era a moribunda União da Europa Ocidental; esta solução dava guarida, em particular, a uma colaboração franco-germânica nesta área, num quadro multilateral, evitando assim as suspeitas da cooperação bilateral que poderiam surgir.
Na Declaração de Roma de Outubro de 1984 que revitaliza a UEO tem-se um grande cuidado em não ferir a susceptibilidade americana, reafirmando-se que a decisão reforçaria a relação transatlântica.
Como já se referiu, a UEO foi constituida em 1954 com a modificação do Tratado de Bruxelas de 1948 que havia sido criado, essencialmente, para contrariar a ameaça alemã; por pressão americana, e em face do fracasso da Comunidade Europeia de Defesa, a Alemanha passou a fazer parte deste Tratado que foi reformulado, no sentido de o adaptar ao novo contexto político, alargando o seu objecto à contribuição europeia para a defesa da Europa.
Como se sabe, as responsabilidades principais dos Estados fundadores do Tratado haviam sido assumidas, no que concerne aos aspectos concretos da defesa militar, pela OTAN em 1951, passando as suas responsabilidades de âmbito económico, social e cultural para a Organização Europeia de Cooperação Económica, para o Conselho da Europa e até, de uma maneira informal, para as Comunidades Europeias.
As suas tarefas principais durante as décadas de 60 e 70 estavam relacionadas com a verificação, através da Agência para o Controlo de Armamentos, do cumprimento das limitações voluntárias de armamento acordadas no Tratado de Bruxelas e nos Acordos de Paris, assim como com a intensificação da cooperação em matéria de armamento entre os signatários.
A UEO serviu também como fórum informal, até 1973, para os contactos entre os seis países signatários do Tratado de Roma de 1957 e o Reino Unido.
A reactivação da UEO resultou também da necessidade de reforço da contribuição europeia para a Aliança Atlântica, e de uma afirmação da necessidade de uma dimensão de segurança mais vigorosa para o processo da construção europeia, para além da dimensão económica, e da dimensão política prevista para a Cooperação Política Europeia. Dadas as limitações da Cooperação Política para tratar de questões de segurança, os sete membros da UEO decidiram utilizá-la para discussões regulares de questões de segurança europeia.
As bases para a decisão de reactivar a UEO estão contidas na Declaração de Roma adoptada pelos Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros da UEO, de 27 de Outubro de 1984.
A Declaração enfatiza a indivisibilidade da segurança dentro da área do Tratado do Atlântico Norte e reforça a necessidade de uma concertação com outros aliados que não sejam membros da UEO; apela a um melhor uso do quadro da UEO para aumentar a cooperação e encorajar consensos em ordem a preservar a paz, aumentar a dissuasão e a defesa e consolidar a estabilidade, não só para contribuir para a segurança da Europa Ocidental mas também para a melhoria da defesa comum de todos os países da Aliança que constitui a fundação da segurança ocidental.
A Declaração reconhece ainda que a cooperação acrescida em manter a adequada força militar e a solidariedade política na Europa proporcionou a base para a aquisição de uma relação mais estável entre os países do Leste e do Ocidente.
Em Outubro de 1987 os Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros da UEO apresentaram um documento que intitularam por Plataforma sobre os Interesses de Segurança Europeus, em que a conclusão mais importante era de que a construção de uma Europa integrada ficaria incompleta se não incluisse a segurança e a defesa, havendo portanto a necessidade de desenvolver uma identidade de defesa europeia mais coesa, o que constituiria um pre-requisito para uma contribuição conjunta para a defesa comum mais efectiva, combinando solidariedade política com força militar.
A Cooperação Política Europeia não estava abrangida pelo Tratado de Roma, e era conduzida como um processo inter-governamental fora das instituições da Comunidade Europeia. O Acto Único veio dar reconhecimento legal à Cooperação Política Europeia.
O Acto Único Europeu, que como se disse começou a ser preparado em 1969, e continuou pelas cimeiras de Copenhaga (1973), de Londres (1981), introduziu alterações aos tratados que tinham instituido as Comunidades Europeias (CECA, CEE, CEAA), reforçou o objectivo de constituição do mercado interno a 31 de Dezembro de 1992, e criou disposições sobre cooperação europeia em matéria de política externa.
Quanto a este último ponto, estabeleceu-se que as Partes se iriam esforçar por formular e aplicar em comum uma política externa europeia, através de um processo de troca de informação e de consulta, desenvolvendo a sua própria política tendo em consideração a política comum, procurando-se uma coerência entre as políticas externas da Comunidade Europeia e as políticas acordadas no seio da Coordenação Política Europeia, e uma cooperação estreita com a União da Europa Ocidental e a OTAN.
O Acto Único Europeu de 1987 introduz alterações importantes nas instituições europeias, no sentido da criação de condições para um mercado único europeu a atingir a sua plenitude em 1992.
A criação deste mercado seguido de algumas medidas para evitar desiquilíbrios entre os Estados mais poderosos e os mais fracos, provoca alguma preocupação tanto nos Estados Unidos que criam a imagem da “Europa Fortaleza”, quer no COMECON, onde se vive uma crise interna, que se vê de certa forma ameaçado pelo vizinho instantaneamente agrupado num só mercado.
Entretanto, a Conferência de Segurança e Cooperação na Europa mantinha a sua continuidade, embora cada vez com menos intensidade.
Por razões de ordem vária, onde se incluirão também o desenvolvimento do Mercado Europeu, a crise económica a leste, a aproximação, por contactos bilaterais, de alguns países do leste europeu à Comunidade Europeia, as conversações entre superpotências para a redução das forças nucleares, a União Soviética invocou a ideia da casa comum europeia e a sua inclusão lógica nesta casa.
A Cimeira de Reykjavik de Setembro de 1986 entre os presidentes americano e soviético, que conduziu à redução drástica da arma nuclear dos dois blocos, criou apreensões na Europa, que ficaria à mercê das forças convencionais soviéticas em grande vantagem sobre as forças europeias.
Contudo, ainda no mesmo ano e na Conferência de Estocolmo sobre Medidas para a Criação da Confiança e da Segurança, conferência que havia sido um produto da Conferência sobre Segurança e Desenvolvimento na Europa, a União Soviética autorizou inspecções no local às forças convencionais do Pacto de Varsóvia.
Diga-se que uns meses antes, em Junho, o Pacto de Varsóvia tinha proposto, e a Aliança Atlântica tinha aceite, negociações para a redução de forças convencionais na Europa.
Um ano mais tarde atingiu-se também um acordo para a redução das forças nucleares de teatro (forças nucleares intermédias, INF).
A melhoria das relações entre as superpotências levaram os europeus a intensificarem a cooperação entre eles.
Em 1987 os presidentes francês e alemão acordam na constituição de uma Brigada franco-germânica e num conselho de defesa e segurança.
Esta Brigada não foi colocada sob comando aliado integrado.
Em Junho de 1989 é criada uma Conferência Intergovernamental para a criação da moeda única, na sequência da livre circulação de capitais, de bens e de pessoas, e das imposições óbvias do mercado comum que estava em marcha.
O Relatório da Comissão sobre a União Económica e Monetária na Comunidade Europeia pressupunha um processo com três fases, sendo a primeira fase de convergência económica e de incorporação de todas as moedas num mecanismo de razão de câmbios, a segunda fase a criação do sistema europeu de banco central, que seria responsável pela gestão da política monetária, e finalmente a fase três de bloqueamento das taxas de câmbio.
Em Novembro de 1989 cai o Muro de Berlim, e poucos dias depois o Chanceler Alemão apresenta um plano de dez pontos no qual anuncia que “a República Federal está preparada para desenvolver estruturas confederativas entre os dois Estados na Alemanha, com o objectivo de criar uma federação, isto é, o sistema federal na Alemanha”.
A reunificação alemã criou alguma perplexidade nos outros países europeus, tanto mais que o seu anúncio não foi objecto de consulta prévia.
Da parte da Alemanha houve a necessidade de se declarar que a unificação alemã deveria estar ligada à integração europeia, isto é, deveria ser entendida neste quadro e reforçaria a necessidade de uma marcha mais acelerada a caminho da integração.
Por outras palavras, qualquer tendência de desagregação hipotéctica europeia criaria problemas de equilíbrio de poder na Europa - a integração europeia seria portanto, nesta circunstância, uma necessidade estratégica.
O problema da reunificação da Alemanha, sendo um problema complexo no que concerne à segurança europeia, teve uma resolução relativamente rápida porque foi tratado num ambiente de boa vontade por todos os seus intervenientes, gerado pelo compromisso mútuo dos dois Pactos de não mais se considerarem como adversários.
A primeira questão teve a ver com a inclusão da Alemanha unificada na Aliança Atlântica - chegou a ser declarado, ainda antes da unificação, que para a República Democrática sair do Pacto de Varsóvia seria necessário que a República Federal saisse da Aliança Atlântica.
A fórmula encontrada para o tratamento do problema, traduzida na expressão de 2+4, considerando uma primeira fase entre as duas Alemanhas para os problemas internos, e os quatro aliados da última guerra para os problemas internacionais, produziu efeitos muito positivos.
Uma das possíveis complicações era a das fronteiras com a Polónia, ou seja, o de manter a linha Oder-Neisse, e o de resolver o problema da expulsão dos alemães da Polónia no final da guerra - foi resolvido por comum acordo com a renúncia a reparações de guerra.
Outra grande complicação era o da pertença da Alemanha a uma Aliança, ou ser-lhe imposto um estatuto de neutralidade - houve consenso quanto ao potencial perigo que poderia constituir para a segurança europeia a existência desta grande potência num estatuto neutro.
Os acontecimentos mais relevantes, para além da unificação alemã, com reflexo no novo quadro de relações políticas surgido do fim da guerra fria, foram as sucessivas ratificações dos Tratados sobre Forças Armadas Convencionais na Europa (CFE) e a Carta de Paris para uma Nova Europa, de 1990.
A Carta de Paris, resultante da reunião da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, proclama uma nova era na democracia, e adopta os dez princípios da Acta Final de Helsínquia. Considera elementos essenciais da política o respeito pelos direitos humanos, o exercício da democracia e o primado da lei; a liberdade e responsabilidade económica; o estabelecimento da confiança baseada em relações amigáveis; a consideração da segurança baseada no controlo dos armamentos e na consolidação de medidas de confiança.
A partir daqui teve lugar uma grande intensificação da actividade da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, na medida em que se criou um Conselho composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros, que reuniriam pelo menos uma vez por ano, e uma Comissão para preparação das reuniões do conselho, além de um Secretariado. Previa-se a constituição de um Centro de Prevenção de Conflitos, e de um gabinete de Eleições Livres.
Em 1991 o tema da política externa e de segurança comum europeia voltou à agenda política, designadamente através da proposta de integração da União da Europa Ocidental na Comunidade, o que provocou reacções dos Estados Unidos, na medida em que esta diligência poderia ser entendida como a substituição da OTAN por um outro mecanismo - esta posição foi também defendida por países europeus, no sentido em que nada deveria ser feito que enfraquecesse a Aliança Atlântica, devendo a UEO constituir uma ponte entre a Aliança Atlântica e a Comunidade, e portanto a Comunidade não deveria adquirir a sua própria política de defesa. Esta era no entanto uma das faces do debate, dado que se iam verificando avanços na construção da política externa comum.
Mas à medida que o debate sobre a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) ia tendo lugar na Europa, ia-se construindo, no âmbito OTAN, um conceito de Identidade Europeia em Segurança e Defesa (ESDI); os participantes dos dois debates eram sensivelmente os mesmos, exceptuando, fundamentalmente, os Estados Unidos.
O problema que importava resolver era o do reequilíbrio nas relações entre os dois lados do Atlântico, no campo da segurança e defesa, na perspectiva do “burden sharing”, incentivando os europeus a assumirem maiores responsabilidades - pretendia-se que a Europa adquirisse uma capacidade militar genuina, evitando naturalmente duplicações desnecessárias nas estruturas de comando, nos estados maiores de planeamento e nos recursos e capacidades militares já existentes na OTAN, e que, com a contribuição europeia houvesse um reforço nas missões e actividades da Aliança.
O objectivo último seria a da construção de uma capacidade europeia coerente, através das contribuições dos países europeus - esta capacidade seria dada em conjunto e daí a expressão de identidade, num sentido de autonomia.
O desenvolvimento da ESDI constituiria um elemento de desenvolvimento da própria União Europeia, no processo de aquisição da sua identidade como um todo, e não apenas como uma potência económica. Mas este desenvolvimento é também um elemento fundamental no interior da OTAN no sentido da adaptação a esta nova realidade das suas estruturas políticas e militares.
No Conselho de Luxemburgo de 1991 o Presidente da Comissão apresentou uma proposta em que baseava a União Europeia em três pilares:
- um seria o das Comunidades acrescido da união económica e monetátria;
- o segundo seria o da política externa e de segurança comum;
- e o terceiro seria o dos assuntos internos e judiciais.
Tratava-se de garantir o legado comunitário e de estabelecer um compromisso para um futuro com a Europa mais integrada.
Em Dezembro tem lugar o Conselho de Maastricht onde é aprovado o Tratado da União Europeia que comprometeu os Estados Membros a um grau de integração mais forte do que o previsto no Acto Único Europeu.
O Tratado de Maastrich instituiu a União Europeia e atribuiu-lhe os seguintes objectivos:
- a promoção de um progresso económico e social equilibrado e sustentável através da criação de um espaço sem fronteiras, do reforço da coesão económica e social, do estabelecimento de uma União Económica e Monetária que incluirá a adopção de uma moeda única;
- a afirmação da sua identidade na cena internacional, através da execução de uma política externa e de segurança comum, que incluirá a definição de uma política de defesa comum, que poderá evoluir, no momento próprio, para uma defesa comum;
- reforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dos Estados Membros, mediante a instituição de uma cidadania da União;
- a cooperação estreita no domínio da justiça e dos assuntos internos.
Os objectivos da política externa e de segurança comum seriam os seguintes:
- a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais e da independência da União;
- reforço da segurança da União e dos seus Estados Membros, sob todas as suas formas;
- a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas e da Acta Final de Helsínquia e com os objectivos da Carta de Paris;
- fomento da cooperação internacional;
- desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de Direito, bem como o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.
Estes objectivos serão prosseguidos através de:
- instituição de uma cooperação sistemática entre os Estados Membros na conduta da sua política;
- realização gradual de acções comuns nos domínios em que os Estados Membros tenham interesses importantes em comum;
- apoio activo e sem reservas dos Estados Membros à política externa de segurança da União, num espírito de lealdade e de solidariedade mútuas, abstendose de empreender quaisquer acções contrárias aos interesses da União ou susceptíveis de prejudicar a sua eficácia.
Os Estados Membros deverão trocar informação e concertar posições no âmbito do Conselho, e coodernarão a sua acção no âmbito de organizações internacionais.
O Conselho decidirá, com base em orientações gerais do Conselho Europeu, se uma dada questão deverá ser objecto de uma acção comum, e definirá o seu âmbito preciso, os objectivos gerais e específicos que a União se atribui para a sua realização, assim como os meios, os procedimentos, as condições, e se necessário, o prazo aplicável.
A União solicitará à UEO, que faz parte integrante do desenvolvimento da União Europeia, que prepare e execute as decisões e acções da União que tenham repercussão no domínio da defesa.
Os Estados Membros que são membros permanentes do Conselho de Segurança defenderão, no exercício das suas funções, as posições e os interesses da União, sem prejuizo das responsabilidades que lhes incumbem por força da Carta das Nações Unidas.
O Tratado de Maastrich prevê o desenvolvimento de uma política externa comum, o que significa um avanço significativo relativamente a Coordenação Política Europeia, tendo em vista “uma afirmação de identidade na cena internacional”.
Não foi contudo pacífica a discussão que levou à assinatura do Tratado - por um lado defendia-se a primazia atlântica e a oposição a qualquer transferência de competências, em matéria de segurança, para a União Europeia, embora se considerasse muito importante a coordenação das políticas externas entre os Estados Membros; esta era a posição de alguns países em que sobressaía o Reino Unido. Por outro lado, a França, reafirmando o seu desejo de reforçar as suas relações com a Alemanha, sugeria que esta colaboração se efectuasse a um nível europeu.
No final, o objectivo era o de constituir de facto esta política comum como um dos pilares fundadores da União, dentro dum único quadro institucional com um mesmo processo de decisão: “... a União deverá em particular assegurar a consistência das suas actividades externas como um todo no contexto da sua política de relações externas, de segurança, de economia e de desenvolvimento.
O Conselho e a Comissão deverão ser responsáveis por garantir tal consistência. Deverão assegurar a implementação destas políticas, cada um deles de acordo com as suas competências...”.
O Conselho passou a ser o único fórum para a PESC. “Os Estados Membros deverão informar e consultar os outros no âmbito do Conselho em qualquer assunto de politica externa e de segurança de interesse geral a fim de assegurar que a sua influência combinada seja exercida tão eficazmente quanto possível por meio de acções concertadas e convergentes...”; o que não é muito diferente do que se passava na Coordenação da Política Europeia - o que passou a ser diferente foi a criação de posições comuns da União, esperando-se que as políticas nacionais se conformassem com aquelas posições comuns que viessem a ser apresentadas e defendidas nas instituições internacionais como posições da União. Essas posições comuns poderão dar origem a acções conjuntas, que deverão ser sempre bem definidas previamente: “... Sempre que o Conselho decida segundo o princípio da acção conjunta, deverá descrever o seu âmbito específico, os objectivos gerais e específicos a prosseguir com tal acção, se necessário a sua duração, e os meios, procedimentos e condições para a sua implementação”.
Estas decisões deixam de ser tomadas segundo a regra da unanimidade, e será o Conselho que definirá quais serão os assuntos que deverão ser decididos por uma maioria qualificada.
Os Ministros dos Negócios Estrangeiros ficaram incumbidos em Maastrich de preparar os princípios estratégicos para a conduta da política externa e de segurança comum.
Como princípio fundamental ficou então entendido que a acção externa da União deveria ser menos reactiva aos acontecimentos, e mais activa na prossecução dos interesses da União e na criação de um ambiente internacional mais favorável, devendo ser desenvolvida uma diplomacia preventiva.
Propuseram-se áreas geográficas e domínios horizontais, como base de partida para a implementação da política externa e de segurança comum, fornecendo-se como indicadores os seguintes:
- o reforço dos princípios e das instituições democráticas, e o respeito pelos direitos humanos e das minorias;
- a promoção da estabilidade regional e a contribuição para a criação de quadros económicos e políticos que encoragem a cooperação regional e que favoreçam a integração regional ou sub-regional;
- a contribuição para a prevenção e resolução de conflitos;
- a contribuição para uma mais efectiva coordenação internacional no tratamento de situações de emergência;
- o reforço da cooperação existente em questões de interesse internacional como sejam o combate contra a proliferação de armas, o terrorismo e o tráfico de drogas ilícitas;
- a promoção e o apoio para uma boa governação.
Os interesses geográficos foram ordenados por proximidade e vizinhança, e contemplados em duas grandes regiões, com subdivisões entre elas.
A primeira prioridade foi dada à Europa Central e de Leste, incluindo os Balcãs e a Rússia e as repúblicas ex-soviéticas.
A segunda prioridade compreendia o Magrebe e o Médio Oriente.
A África, a Ásia, a América Latina e o Caribe foram consideradas em conjunto.
São ainda mencionados os Estados Unidos, o Canadá e o Japão como alvos de um reforço das acções bilaterais já existentes.
O domínio horizontal para a implementação da estratégia de segurança seguiu os processos desenvolvidos no âmbito da Conferência para a Segurança e Desenvolvimento na.Europa, ou seja: desarmamento e controlo de armamentos na Europa; não proliferação nuclear; controlo de exportação de armas, regulação na transferência de tecnologia militar.
As acções conjuntas desenvolvidas imediatamente a seguir à criação da União Europeia adoptaram a seguinte orientação: a utilização da arma económica como explicitamente prevê o Tratado, a ajuda económica e humanitária, a organização ou patrocínio de conferências internacionais, a participacão de forma isolada ou em conjunto com outras entidades internacionais em acções de estabilização política, a publicitação de posições comuns, etc.
Numa declaração anexa ao tratado da União os então dez membros da União da Europa Ocidental divulgaram as suas propostas para o papel dessa Instituição e sobre as relações entre ela e a OTAN, sublinhando que “... a União da Europa Ocidental será desenvolvida como a componente de defesa da União Europeia, e como um meio de reforço do pilar europeu da Aliança Atlântica.
Para esse fim formulará uma política europeia comum de defesa e desenvolverá a sua implementação concreta através da realizacão do seu próprio papel operacional...”.
Para além disto, a declaração oferecia o acesso de pleno direito ou com o estatuto de observador, aos Membros da União ainda não pertencentes à UEO.
Na sua última configuração, a UEO era composta pelos seguintes membros de pleno direito: Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Espanha e Reino Unido; os membros associados eram: República Checa, Hungria, Islândia, Noruega, Polónia e Turquia; os parceiros associados eram: a Bulgária, a Estónia, a Lituânia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia; os observadores são: a Áustria, a Dinamarca, a Finlândia, a Irlanda e a Suécia.
De acordo com o Tratado de Bruxelas modificado, a UEO proporciona uma garantia de defesa colectiva a cada um dos signatários que estejam sujeitos a um ataque na Europa.
A UEO foi reactivada em 1984, no contexto que já referimos, e permitiu que os seus membros actuassem colectivamente fora da área de operações da OTAN.
O Conselho de Ministros da UEO, na sua reunião de 19 de Junho de 1992 expressou a intenção de dinamizar a sua componente operacional, caracterizando essa actividade como missões humanitárias e de resgate, de apoio à paz e de empenhamento operacional em gestão de crises - estas missões passaram a designar-se por missões de Petersberg, em referência ao local onde decorreu a reunião.
Pela sua importância histórica, e pela frequência com que é referida, parece ser interessante, apresentar uma síntese desta Declaração do Conselho de Ministros da União da Europa Ocidental.
Essa Declaração começa por descrever, na perspectiva do Conselho, o panorama da segurança na Europa, fazendo uma apreciação sobre os factos mais recentes.
Enaltece a importância do papel acrescido da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, e sugere o seu desenvolvimento no âmbito da prevenção de conflitos, da gestão de crises e resolução pacífica dos conflitos, e reitera o seu apoio no sentido da Conferência se vir a constituir uma organização regional, no âmbito do Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas, devendo ter nesta qualidade autoridade para iniciar e prosseguir operações de apoio à paz segundo a sua responsabilidade própria.
Neste contexto, a UEO declarava-se estar preparada para apoiar, numa base casuística, e de acordo com os seus procedimentos, a implementação efectiva das medidas de prevenção de conflito e de gestão de crises, incluindo as acções de “peacekeeping” determinadas pelo Conselho de Segurança da ONU ou pela CSCE.
Ao mesmo tempo que se declarava que a UEO, em conjunto com a EU, estava pronta para a construção da segurança europeia, reafirmava-se a convicção de que a Aliança Atlântica era uma das fundações indispensáveis para a segurança da Europa.
O Conselho declarava a sua satisfação pelos progressos no controlo de armamentos, ao nível do Tratado CFE, do Tratado START e da Convenção das Armas Químicas, e mostrava apreensão pela continuação da presença de forças estrangeiras nos Estados Bálticos.
Quanto à implementação da Declaração de Maastrich, o Conselho reafirmou a importância da UEO nas suas relações com a EU e a Aliança Atlântica, e sugeriu a tomada de medidas concretas para a ligação entre o Conselho da UEO e o Conselho do Atlântico, ao mesmo tempo que determinava a transferência dos seus órgãos de Londres para Bruxelas, o seu reforço em pessoal militar e a realização das reuniões dos Chefes da Defesa da UEO com carácter de regularidade.
O Conselho congratulou-se com as decisões tomadas ao nível do EURO-GRUPO e do IEPG, e com as perspectivas de fusão no sentido de se vir a constituir uma futura Agência de Armamento Europeia da UEO.
Relativamente ao reforço do papel operacional da UEO, talvez a parte mais importante da Declaração, o Conselho considerou como princípio que a UEO deveria constituir a componente de defesa da União Europeia, concebida para reforçar o pilar europeu da Aliança Atlântica, e que os Estados Membros estavam preparados para disponibilizar unidades militares para serem empregues em todo o espectro de aplicação das forças armadas convencionais, sob a autoridade da UEO, sendo a decisão para este efeito ser tomada pelo Conselho e de acordo com a Carta das Nações Unidas.
Para além da sua contribuição para a defesa comum de acordo com o Artigo 5º do Tratado de Washington e o Artigo V do Tratado de Bruxelas modificado, as unidades militares dos Estados Membros, actuando sob a autoridade da UEO, deveriam ser utilizadas em:
- tarefas humanitárias e de salvamento;
- tarefas de peacekeeping;
- tarefas de forças de combate em gestão de crises, incluindo “peacemaking”.
As forças seriam atribuidas pelos Estados Membros, incluindo aquelas que estivessem atribuidas a missões OTAN, carecendo neste caso de consulta prévia com esta organização, e seriam organizadas numa base multinacional e conjunta.
Foi prevista nesta reunião o estabelecimento de uma Célula de Planeamento, sob a autoridade do Conselho, que deveria preparar os planos de contingência, efectuar recomendações para os arranjos de comando e controlo, e preparar procedimentos operacionais.
Um outro ponto importante desta Declaração foi a decisão de convidar os países europeus ainda não pertencentes a aderirem, segundo diferentes estatutos:
- membro de pleno direito para os países da UE;
- observadores;
- membros associados, para os países europeus não pertencentes à UE, mas fazendo parte da OTAN.
Para facilitar o cumprimento destas tarefas foi constituído uma Célula de Planeamento, localizada junto ao Conselho da UEO, que entretanto havia sido transferido de Londres para Bruxelas. Nessa Célula foi constituída uma Secção de Informações e um Centro de Situação, e respectivo estado-maior.
Na Cimeira da OTAN de Janeiro de 1994 foi muita bem recebida a entrada em vigor do Tratado de Maastrich, designadamente o lançamento da União Europeia, como meio de reforçar o pilar europeu de defesa da Aliança, permitindo uma contribuição mais coerente para segurança de todos os aliados. Aí foi referido que a Aliança seria o fórum essencial para a consulta entre os seus membros e para a obtenção de consensos nas políticas relativas aos comprometimentos dos aliados, em termos de segurança e defesa.
A cooperação entre a OTAN e a UEO deveria ser incentivada, num sentido de complementaridade e transparência, em termos de disponibilização de recursos na base de consultas com o Conselho do Atlântico para operações conduzidas pela UEO, a favor da PESC. É aqui que é reforçado ou justificado o conceito CJTF (Commom Joint Task Force), com composição flexível de forças multinacionais e utilisando quartéis generais móveis ou amovíveis, separáveis mas não separados da OTAN, para serem utilizados pela UEO.
Por seu lado, a UEO efectuou um inventário de forças que poderiam ser designadas para o cumprimento das suas missões; estabeleceu um compromisso de criar um sistema de satélites, e de criar um sistema de exploração de dados de satélite para efeitos de reconhecimento e vigilância; e previu a aquisição de um avião de transporte de grande dimensão para reforço da sua capacidade de transporte estratégico.
A UEO produziu entretanto um documento preliminar definindo objectivos, âmbito de actuação e meios necessários para uma política de defesa comum. Nesse documento se estabelecem quatro níveis de responsabilidades e de interesses:
- responsabilidade directa pela segurança e defesa dos seus cidadãos e territórios;
- responsabilidade de projectar segurança e estabilidade;
- interesse em contribuir para a criação de condições de estabilidade nos países do Mediterrâneo, como contributo para o reforço da segurança europeia;
- assunção da sua quota parte de responsabilidade na promoção da segurança, da estabilidade e dos valores da democracia em todo o Mundo, incluindo a execução de medidas de apoio à paz e de gestão de crises sob a autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou da Organização para a Segurança e Desenvolvimento da Europa;
- disponibilidade para assumir os novos desafios de segurança tais como as emergências humanitárias, a proliferação de armas, o terrorismo, o crime internacional e os riscos ambientais, incluindo os relacionados com o desarmamento e a destruição de armas químicas e nucleares.
Esta proposta sublinhava o facto de que uma política comum de defesa iria requerer um reforço das capacidades operacionais, um plano genérico para a prontidão, e um plano de contingência, mobilidade estratégica, defesa anti-míssil e informações de defesa na Europa, assim como um mecanismo para a partilha de recursos e para a atribuição dos encargos.
Como parte da política de defesa deveria estabelecer-se um política de armamento, através do Grupo de Armamento da Europa Ocidental e uma Agência Europeia de Armamento.
A União, através da UEO, tentou criar uma força de defesa compatível com a Aliança Atlântica e para reforçar o pilar europeu baseada no princípio das capacidades militares separáveis mas não separadas.
Um dos problemas importantes, que na altura reflectiam de certa maneira a natureza do processo de integração europeia, é que não existia identificação da totalidade dos Estados Membros europeus com as três instituições fundamentais em termos económicos ou políticos e de segurança: havia países que sendo da União Europeia não o eram da OTAN, outros que não pertenciam à UEO, e outros que pertencendo a uma ou a ambas destas instituições, não pertenciam à União Europeia. Para colmatar esta situação, criaram-se os estatutos de membro associado e de partenariado, à semelhança do que de resto aconteceu com a OTAN.
O Tratado de Amesterdão de 1997 introduz algumas alterações aos tratados anteriores e, no capítulo da política externa e de segurança reforça o sentido do Tratado de Maastrich.
Diz que a política externa e de segurança comum deverá incluir todas as questões relativas à segurança da União, incluindo o enquadramento progressivo de uma política de defesa comum, que poderá conduzir a uma defesa comum, se o Conselho assim o vier a decidir.
Põe o ênfase nas tarefas de Petersberg a circunscrever o seu âmbito de actuação sem prejuizo de uma ligação estreita aos objectivos e missões da Aliança Atlântica.
Preconiza que a União deverá desenvolver relações institucionais mais próximas com a UEO, com vista à possibilidade de integração desta na União Europeia, se o Conselho assim o vier a decidir.
Insiste na posição de que o enquadramento progressivo de uma política de segurança e defesa comum deverá ser apoiada, tanto quanto os Estados Membros considerem apropriado, pela cooperação entre eles no campo dos armamentos.
O Tratado de Amesterdão anexou uma Declaração da UEO, que reafirma a importância da intensificação de esforços no sentido de desenvolver uma identidade europeia de segurança e defesa, em que a Europa assuma maiores responsabilidades em assuntos de defesa, tal como tinha declarado em 1991 em Maastrich.
Considera-se como uma parte integrante do desenvolvimento da União Europeia, fornecendo-lhe uma capacidade operacional no contexto das tarefas de Petersberg, e considera-se também como um elemento essencial no desenvolvimento da ESDI dentro da Aliança Atlântica, de acordo com a declaração de Paris e as decisões da OTAN em Berlim.
A UEO junta membros da União Europeia, países europeus não pertencentes à União Europeia e pertencentes à Aliança Atlântica, e países da Europa Central e de Leste ligados à União Europeia por um acordo de associação, candidatos à União Europeia e à OTAN.
A UEO reafirma o objecto definido em 1991 de progressivamente vir a constituir a componente de defesa da União Europeia.
Quando a União Europeia decidir utilizar a UEO, esta implementará decisões e acções da União Europeia que tenham implicações de defesa, actuando de forma consistente, de acordo com o estabelecido no Conselho Europeu.
Neste sentido, iniciaram-se os contactos para a definição dos arranjos mais adequados para reforçar a cooperação entre a União Europeia e a UEO.
A UEO reafirma que a Aliança Atlântica continuará a ser a base para a defesa colectiva de acordo com o Tratado do Atlântico Norte. Serão utilizadas forças nacionais e da OTAN a operar segundo controlo político e direcção estratégica da UEO.
A cooperação entre a UEO e a OTAN verificar-se-á nos seguintes campos:
- mecanismos de consulta entre a UEO e a OTAN no contexto da gestão de crises;
- envolvimento activo da UEO no processo de planeamento de defesa da OTAN;
- estabelecimento de links operacionais entre a UEO e a OTAN para planeamento, preparação e conduta de operações utilizando recursos e capacidades OTAN sob controlo político e direcção estratégica da UEO, incluindo:
- planeamento militar conduzido pela OTAN em coordenação com a UEO, e exercícios;
- acordo para transferência, supervisão e retomo de recursos e capacidades OTAN;
- ligação entre a UEO e a OTAN no contexto dos arranjos dos quartéis-generais.
A UEO, com recursos fornecidos pelos Estados Membros numa base nacional ou multinacional, e com recursos e capacidades OTAN, apoiará as Nações Unidas e a OSCE nas tarefas de gestão das crises. A UEO fará uma utilização optimizada dos recursos disponíveis, incluindo quartéis generais de uma Nação, ou multinacionais, disponibilizados à UEO, e recursos OTAN.
O aprofundamento da identidade de defesa, no caminho para uma defesa comum, foi simbolicamente traduzido pelo levantamento do Eurocorps que é composto por forças alemãs, francesas, espanholas, luxemburguesas, e belgas, e que corresponde à expansão da brigada franco-germânica criada em 1993, como já se referiu. O Eurocorps estabeleceu um acordo com a OTAN para ficar sob seu comando em tempo de crise, e esperava-se que viesse a ser constituido por quarenta mil homens.
Para além do Eurocorps os Estados Membros estabeleceram um conjunto de acordos bilaterais para a constituição de forças, que colocariam à disposição da UEO. É o caso da força anfíbia anglo-holandesa em que Portugal também participa, que faz parte dos planos OTAN; do Grupo Aéreo franco-britânico; do EUROFOR que é uma força terrestre, e da EUROMARFOR que é uma força naval para emprego no sul da Europa.
A seguir a Maastrich, a União Europeia ficou dotada dos mecanismos legais suficientes para desenvolver uma política externa comum e para encarregar a UEO de executar essas políticas no plano da segurança. Contudo, face ao primeiro desafio para pôr em prática esta politica, no caso na ex-Jugoslávia, fracassou parcialmente, na medida em que demonstrou uma ausência de consenso e uma incapacidade para resolver conflitos, e para antecipar situações graves. Daqui nasceu um sentimento de que haveria necessidade de agir para rectificar o desiquilíbrio entre a potencialidade económica e a potencialidade política da Europa.
A primeira manifestação desse sentimento foi o resultado da Cimeira Franco-Britânica de Saint Malo realizada em Dezembro de 1998. Pelo que representou em termos de viragem no concerto europeu quanto a uma política de defesa e segurança comum, justifica-se que aqui façamos uma síntese do comunicado então produzido.
A primeira afirmação refere que a União Europeia necessita de estar numa posição que lhe permita desempenhar o seu papel na cena internacional, o que significa cumprir o Tratado de Amesterdão em particular quanto às provisões relativas à política externa e de segurança comum, o que inclui a responsabilidade do Conselho Europeu decidir sobre o enquadramento progressivo de uma política de defesa comum.
A segunda afirmação diz que a União deverá ter a capacidade para a acção autónoma, apoiada por forças militares credíveis com o nível de prontidão apropriado, e os meios para decidir quanto à sua aplicação, a fim de poder responder às crises internacionais. Os compromissos da defesa colectiva assumidos no Artº 5º do Tratado de Washington e no Artº V do Tratado de Bruxelas deverão continuar a serem mantidos. Ao reforçar a solidariedade entre os os Estados Membros da União, de forma a que a Europa se possa ouvir a uma só voz sobre as questões mundiais, está-se a contribuir para a vitalidade duma Aliança Atlântica modernizada, que é a fundação da defesa colectiva dos seus membros.
A terceira afirmação diz respeito ao processo de decisão para a acção militar dentro da União, sempre que a Aliança Atlântica não esteja envolvida, no seu conjunto. Preconiza-se que a União seja dotada das estruturas apropriadas com capacidade para análise de situações, obtenção de “Intelligence”, planeamento estratégico relevante, sem duplicações desnecessárias, tendo em conta os recursos existentes na UEO e a evolução das suas relações com a UE; a UE necessitará de ter recurso a meios militares (capacidades europeias pré-designadas dentro do pilar europeu da OTAN, ou meios nacionais ou multinacionais fora do quadro da OTAN).
A quarta afirmação diz que a Europa necessita de forças armadas reforçadas que possam reagir rapidamente aos novos riscos, e que sejam apoiadas por uma indústria e tecnologia de defesa europeia forte e competitiva.
Saint Malo é considerado como um ponto de viragem, tanto na aproximação de Londres à Europa, como numa concessão francesa à legitimidade atlântica. É aqui que se prevê transitar de uma identidade de defesa europeia para uma política de segurança e defesa comum.
O Conselho de Colónia de 1999 faz a seguinte descrição da situação, relativamente à política externa e de segurança comum:
- O Tratado de Amesterdão entrava em vigor em 1 de Maio desse ano, e nele se previa a possibilidade de integração da União da Europa Ocidental na União Europeia, se o Conselho assim vier a decidir;
- no Conselho de Viena desse mesmo ano foi considerado que a política externa e de segurança comum deveria ser suportada com capacidades operacionais credíveis;
- a declaração franco-britânica de Saint Malo foi bastante bem recebida e constitui um marco muito importante no estabelecimento da política de defesa comum;
- a Cimeira da OTAN recebeu bem o novo ímpeto dado ao reforço da política externa e de defesa comum, e reiterou que um papel europeu mais forte contribuirá para a vitalidade da Aliança; apoiou o desenvolvimento da PESC, devendo esta ser compatível com a política de segurança e defesa estabelecida no quadro do Tratado de Washington, fornecendo mais complementaridade, mais cooperação e mais sinergia.
O Conselho elaborou a seguir sobre os princípios orientadores no estabelecimento de uma política de segurança e defesa comum:
- pretende-se atingir a finalidade de reforço da política externa e de segurança comum através do estabelecimento de uma política de segurança e defesa comum, o que significa a dotação de uma capacidade para a acção autónoma, apoiada por capacidades militares credíveis e centros de decisão apropriados; as decisões deverão ser tomadas no quadro da política externa e de segurança comum;
- o Conselho deverá estar apto a tomar decisões em toda a gama de instrumentos que tem à sua disposição, de natureza política, económica e militar, em resposta a situações de crise;
- o objectivo último será sempre o de preservar a paz e reforçar a segurança internacional, de acordo com a Carta das Nações Unidas, a Acta Final de Helsínquia e a Carta de Paris;
- as missões a cumprir pelas forças militares da União Europeia enquadram-se nas tarefas de Petersberg;
- o desenvolvimento das capacidades de gestão de crise é visto como uma actividade dentro do quadro da política externa e de segurança comum, que é uma parte da política de segurança e defesa comum;
- a Aliança Atlântica continua sendo a fundação da defesa colectiva dos Estados-Membros, devendo os compromissos do Artigo 5º do Tratado de Washington ser preservados a todo o custo;
- a política da União não prejudicará o caracter específico da política de segurança e defesa de certos Estados Membros.
Relativamente ao processo de decisão, o Conselho chamou à atenção para o facto de que o objecto das operações deverá ficar circunscrito às tarefas de Petersberg, e de que para decidir a União Europeia necessitará duma capacidade de análise da situação, incluindo a Intelligence, e duma capacidade para o planeamento estratégico relevante.
Estas capacidades deverão consistir:
- em primeiro lugar em reuniões do Conselho de Assuntos Gerais com a participação dos Ministros de Defesa Nacional;
- num corpo permanente em Bruxelas, constituindo um Comité de Política de Segurança, com representantes nacionais peritos em assuntos político-militares;
- num Comité Militar com representantes militares para fazer recomendações ao Comité Político;
- num Estado-Maior militar que inclua um Centro de Situação;
- na adopção de outros instrumentos centralizados, como seja o Centro de Satélites, o Instituto de Estudos de Segurança.
Quanto à atribuição de forças sublinha-se que os Estados Membros reterão, em todas as circunstâncias, o direito de decidir se e quando as suas forças serão destacadas.
É evidente que, na base de toda a política estará a necessidade de todos os Estados Membros desenvolverem novas forças e comandos que estejam adaptadas às operações de gestão de crise, sem qualquer duplicação desnecessária, e com as seguintes propriedades básicas:
- a destacabilidade;
- a sustentabilidade;
- a interoperatibilidade;
- a flexibilidade;
- e a mobilidade.
As operações conduzidas pela União Europeia poderão ser executadas com recursos e capacidades OTAN, ou sem ter necessidade de recorrer a esses recursos. Isto pressupõe o acesso garantido da União Europeia às capacidades de planeamento da OTAN, e a presunção de disponibilidade para a União Europeia de capacidades OTAN pré-definidas, para além dos recursos próprios da União.
Segundo se declarou, o sucesso da política de segurança e defesa comum exigirá:
- a possibilidade de todos os Estados Membros, incluindo aqueles que não pertencem à OTAN, em participar por igual nas decisões relativas às operações da União Europeia;
- os arranjos satisfatórios dos membros europeus da OTAN que não sejam membros da União Europeia para assegurar o seu completo envolvimento nas operações conduzidas pela União Europeia;
- os arranjos para assegurar que todos os participantes nas operações conduzidas pela União Europeia tenham iguais direitos a respeito da conduta das operações, sem prejuizo do princípio da autonomia no processo de decisão da União Europeia, designadamente, o direito do Conselho de discutir e de decidir assuntos de princípio e de política;
- a necessidade de assegurar o desenvolvimento da consulta mútua efectiva, da cooperação e da transparência entre a OTAN e a União Europeia;
- a consideração das vias para assegurar a possibilidade aos parceiros associados da União da Europa Ocidental para virem a ser envolvidos.
O Conselho de Helsínquia de Dezembro de 1999 preocupou-se com o seguimento das decisões tomadas do anterior, no sentido do desenvolvimento de capacidades militares mais efectivas para a execução das tarefas de Petersberg, e com o establecimento de novas estruturas político-militares consentâneas com aquelas capacidades.
Foi sublinhado que todas as medidas a tomar neste âmbito serão em apoio da PESC e reforçarão o papel externo da União Europeia, permitindo o recurso a todos os instrumentos desde actividade diplomática, assistência humanitária e medidas económicas até ao policiamento e às operações de gestão de crises.
A União Europeia cooperará com a ONU, a OSCE, o Conselho da Europa e outras organizações internacionais duma forma mutuamente reforçada na promoção da estabilidade, no aviso precoce, na prevenção de conflitos, na gestão de crises e na reconstrução pós-conflito.
Neste sentido o Conselho concordou na necessidade de se definir uma meta comum europeia para as capacidades militares destacáveis, e objectivos colectivos nas áreas do comando e controlo, do “intelligence” e do transporte estratégico, para serem atingidos pela coordenação nacional voluntária e através de esforços multinacionais.
Os Estados Membros utilizarão os procedimentos existentes de planeamento de defesa, incluindo, quando apropriado, os disponíveis na OTAN.
Foram definidos os seguintes corpos políticos e militares permanentes no âmbito do Conselho:
- o Comité Político e de Segurança;
- o Comité Militar, composto pelos Chefes de Defesa ou equivalentes, representados pelos delegados militares;
- o Estado-Maior Militar.
Foram ainda tomadas medidas neste Conselho sobre a gestão das crises não militares, incluindo o levantamento de capacidades e as acções de coordenação internas e externas para dar coerência à acção da União Europeia no exterior.
Os objectivos em termos de capacidades militares foram fixados em 15 brigadas, auto-sustentáveis, com capacidade de comando e controlo autónomo, com logística própria e serviços de apoio ao combate, e adicionalmente, como apropriado, elementos aéreos e navais.
Na Cimeira da OTAN de Abril de 1999 foram tratados os problemas de coordenação entre a União Europeu e a OTAN, no novo contexto resultante das decisões do Conselho de Colónia, designadamente:
- os meios para assegurar o desenvolvimento da consulta mútua efectiva, da cooperação e da transparência entre a União Europeia e a Aliança, baseada nos mecanismos já existentes entre a OTAN e a UEO;
- a participação dos Aliados europeus não pertencentes à União, no processo de decisão e na contribuição com meios e capacidades em projectos de defesa da Europa;
- os arranjos de ordem prática para o acesso da União Europeia às capacidades de planeamento e aos recursos e capacidades da OTAN;
- a Iniciativa para as Capacidades de Defesa (DCI) relativa à obtenção de eficácia das operações multinacionais futuras em todo o espectro das missões da OTAN;
- o estabelecimento dos princípios fundamentais para o trabalho futuro da ESDI;
- a identificação do alcance das opções de comando no âmbito das operações lançadas pela União Europeia, e a definição do papel do DSACEUR;
- a adaptação do sistema de planeamento de defesa da OTAN para incorporar de forma mais compreensiva a disponibilidade de forças para as operações conduzidas pela União Europeia.
O Tratado de Nice reflecte o que foi entretanto discutido, a partir do Tratado de Amesterdão, sublinhando que a política da União Europeia em segurança e defesa não pode prejudicar o caracter específico da política de segurança e defesa de certos Estados Membros, e respeitará as obrigações de certos Estados Membros que vêm a sua defesa comum realizada na OTAN, e deverá ser compatível com a política de segurança e defesa estabelecida naquele enquadramento.
O enquadramento progressivo de uma política de segurança e defesa comum será suportada, quando os Estados Membros considerarem apropriado, pela cooperação entre eles no campo dos armamentos. O que se contém no Tratado não impede o desenvolvimento de cooperações reforçadas entre dois ou mais Estados, a nível bilateral, no quadro da UEO e da OTAN, desde que tais cooperações não sejam contra ou prejudiquem o que se contém no Tratado sobre política comum de segurança e defesa.
A cooperação reforçada deverá ser orientada para a salvaguarda dos valores e a satisfação dos interesses da União Europeia como um todo, pela afirmação da sua identidade como uma força coerente na cena internacional. Deverá respeitar:
- os princípios, os objectivos, as orientações e a consistência da PESC e as decisões tomadas neste quadro;
- os poderes das Comunidades Europeias;
- a consistência entre todas as políticas da União Europeia e as suas actividades externas.
As cooperações reforçadas deverão ser comunicadas à Comissão e ao Parlamento Europeu e a autorização deverá ser dada pelo Conselho.
No final foi adoptada uma declaração que diz que de acordo com os textos aprovados relativamente à política de segurança e defesa comum, é objectivo da União Europeia que essa política fique operacional o mais depressa possível, o que significa que a entrada em vigor do Tratado não constitui pré-condição à sua execução.
Os meios e as capacidades operacionais da União Europeia são, na sua quase totalidade, atribuidos pelos Estados Membros para operações específicas, ou disponibilizados pela OTAN. Acontece que ainda existem Países europeus, não pertencentes à União Europeia, que pertencem à OTAN, o que poderia constituir algumas dificuldades, em termos de disponibilização dos recursos ou de discriminação relativamente à segurança da Europa.
Daí que se tenham concebido mecanismos para prevenir potenciais situações de conflito; esses mecanismos passam, genericamente, pela adopção de procedimentos para a transferência de recursos e capacidades, assim como regras para o estabelecimento das consultas que se definem como apropriadas a cada tipo de situação.
As conversações para o estabelecimento de um acordo neste sentido foram longas, dando-se por encerradas em Dezembro de 2002, ficando o acordo designado por “Berlin plus”.
O levantamento das capacidades militares necessárias procederá naturalmente da definição de uma estratégia e da adopção de procedimentos de planeamento e de revisão dos comprometimentos dos Estados Membros. Conforme já se referiu, a União Europeia adoptou os mecanismos OTAN já provados, tendo começado por definir um objectivo de forças no Conselho de Helsínquia, a que já se fez referência. Para além do Corpo de Exército, com efectivos da ordem dos 60000 homens, de forças aéreas e navais, os Estados Membros decidiram identificar com rapidez objectivos de capacidade colectiva no campo do comando e controlo, do Intelligence e do transporte estratégico, e em particular:
- desenvolver e coordenar meios militares de aviso precoce e de vigilância;
- abrir os quartéis generais nacionais existentes a oficiais de outros Estados;
- reforçar as capacidades de reacção rápida das forças multinacionais já existentes;
- preparar o estabelecimento de um comando europeu de transporte aéreo;
- reforçar a capacidade de deslocamento estratégico marítimo;
- reforçar a capacidade em meios de defesa contra mísseis terraterra, armamento de precisão, apoio logístico, capacidade de simulação, busca e salvamento.
Os princípios adoptados para a conciliação entre o objectivo de Helsínquia e a DCI foram os seguintes:
- preservação da autonomia da União Europeia no processo de decisão, em particular na definição, na avaliação, na verificação e no seguimento dos objectivos em capacidades;
- reconhecimento da natureza voluntária e política dos comprometimentos feitos, o que implica que os Estados Membros são responsáveis por qualquer ajustamento à luz da avaliação feita;
- transparência, simplicidade e clareza, por forma a poder fazer comparações entre as contribuições de cada Estado Membro;
- uma avaliação contínua e regular dos progressos efectuados;
- a necessária flexibilidade para adaptar os comprometimentos a novas necessidades entretanto identificadas.
Os Estados Membros comprometeram-se a indicar as forças que poderiam tranferir para o comando da União Europeia, tendo em vista a constituição de um sistema de forças europeias coerente - para este propósito realizou-se em Novembro de 2000 uma conferência, cujo título era “ Military Capabilities Commitment Conference”. O resultado da Conferência foi a elaboração de um Catálogo de Forças.
Tem vindo a ser proposto desde longa data a constituição na União Europeia de uma Agência intergovernamental para o desenvolvimento e aquisição de capacidades para as actuais e futuras missões da política de segurança e defesa comum, com as seguintes finalidades:
- definição de objectivos militares e avaliação de capacidades;
- desenvolvimento de um sistema de procura de material eficiente;
- coordenação das actividades de Investigação e Desenvolvimento em matéria de Defesa;
- harmonização do equipamento militar;
- promoção de soluções multinacionais;
- estabelecimento de programas cooperativos;
- criação de uma base tecnológica e industrial.
Estes são, a nosso ver os antecedentes da política de segurança e defesa comum da União Europeia, na perspectiva histórica.
Impõe-se uma breve síntese, resultante de um interpretação dos factos apresentados.
Não parece haver dúvidas quanto à existência de um património cultural europeu, com as variantes impostas pelas razões circunstanciais, designadamente de natureza política.
De facto, as unidades políticas que se foram constituindo ao longo do tempo, em resultado de afinidades sociais e de determinadas relações de poder, viveram durante largos períodos em ambiente de competição, que algumas vezes resultaram em conflito, nem sempre contido em termos pacíficos.
A frequência da guerra foi superior a uma por ano, considerando-se este último período de cinquente anos um dos mais pacíficos da História da Europa, se tivermos em conta apenas a confrontação real violenta.
Segundo Evan Luard, a motivação para a guerra variou nos últimos seis séculos, desde a questão dinástica, à questão religiosa, à Razão de Estado, à questão nacional e à questão ideológica, dependendo dos valores que em cada período a sociedade assumia como sendo relevantes, para justificar o emprego dos meios violentos para a sua salvaguarda.
A Ordem internacional foi assim evoluindo na prossecução da estabilidade do sistema, a que hoje se atribui uma grande relevância por razões da globalização.
O processo da construção europeia assume aspectos de elevada complexidade, pela forma adoptada e pelas condicionantes resultantes de uma diversidade de factores.
Desde o seu início que se têm manifestado duas correntes, uma no sentido mais federalista que pressupõe uma direcção supranacional, outra que assume a relevância dos valores nacionais e que considera o Estado como a entidade mais adequada para a sua preservação, ainda que num quadro de forte interdependência, com cedências de soberania em benefício dos objectivos colectivos que salvaguardem aqueles valores.
Os factores de necessidade e as tentativas de conciliação entre as duas teses criam ambiguidades que vão sendo geridas de uma forma muito pragmática.
Em todo o caso, parecem não existir muitas dúvidas que o processo europeu se insere numa Ordem baseada no Estado Moderno, com as atenuantes pós-modernas que são próprias de um ambiente de forte interdependência, e de grande interacção, onde o objectivo comum da estabilidade e do progresso gerais ultrapassam os objectivos imediatos e específicos de cada membro.
Esta situação tem os seus reflexos óbvios no estabelecimento de uma política de segurança e defesa comum, criando dilemas difíceis de resolver.
Em primeiro lugar coloca-se o problema da criação de uma Europa política, em termos de unidade, designadamente quanto à impossibilidade de existência de uma Europa económica, e mesmo social, sem ter a capacidade de representação política face ao exterior.
Ou seja, assumindo a necessidade de uma política externa, o problema que urge resolver é o da coerência de posições, isto é, nunca será possível admitir posições externas em termos de economia em contradição, ou em desapoio de posições políticas.
Por outro lado, a construção da União Europeia assenta na figura do Estado Membro como entidade dotada de autonomia, que voluntariamente aceita seguir regras definidas pelo conjunto, segundo um processo de decisão democrático, salvaguardando a preservação dos valores que considere como vitais.
A União Europeia funciona assim como uma entidade enquadradora, assente em princípios e valores que são os princípios e os valores dos Estados Membros.
Em termos puramente lógicos, é de esperar a existência de um espaço de competição entre membros, na medida em que não existe, institucionalmente, uma subordinação total do interesse nacional ao interesse europeu, sendo que este deverá ser o de permitir a realização daqueles.
Quando os líderes europeus defendem que a Europa deve ter uma capacidade de decisão autónoma na cena internacional, e falar a uma só voz, associam sempre o facto de que tal só poderá ser possível quando existir uma política externa e de segurança comum, e quando esta política puder ser apoiada por um sistema de defesa coerente e credível.
Quando se propõe a autonomia, que é aliàs a única forma de realização, ainda que num quadro de interdependências de múltiplas naturezas, suscita-se naturalmente o problema da competição com outras entidades autónomas.
Considerando a segurança como um bem, susceptível de ser oferecido ao exterior, para benefício da estabilidade de vizinhos, parceiros ou amigos, ou em prol desse bem, por si mesmo, considerado como valor universal, será conveniente registar que os meios que a União Europeia dispõe para essa finalidade são insuficientes em comparação com os meios de outros actores porventura colocados a um mesmo nível na cena internacional, em termos de poder económico.
Quando a União Europeia se procura afirmar de forma autónoma, donde se poderia concluir pela possibilidade da competição que se referiu, a Aliança Atlântica, ou em particular os Estados Unidos, manifestam preocupações quanto a essa eventualidade, ainda que remota.
Daí os avisos do lado da Aliança quanto a duplicações, separações (decoupling) e discriminações (neste caso, com aplicação aos países europeus não pertencentes à União Europeia), ao mesmo tempo que se incentiva a uma maior responsabilização da Europa relativamente à defesa do Mundo Ocidental.
Trata-se de um dilema que deverá ser resolvido sempre no quadro alargado da Aliança Atlântica, e que é frequentemente considerado no debate político europeu.
A política de segurança e defesa comum está prevista desde a institucionalização da União Europeia, com a aprovação e ratificação do tratado de Maastrich em 1992.
As declarações políticas desde então têm sido unânimes quanto à vontade de prosseguir nessa direcção, mas existem dificuldades em outros discursos, em especial quando se considera o problema da integração.
A Cimeira de Saint Malo de 1998 trouxe um outro alento à construção de uma política de defesa, porque juntou os desejos do eixo Paris-Berlim com o pragmatismo britânico, conciliando duas perspectivas quanto ao desenvolvimento europeu, trazendo o problema para o quadro da Aliança e, ao mesmo tempo, reforçando a posição europeia. Contudo, este resultado foi possível em face de um fracasso europeu, muito determinado por uma resposta emocional.
Dum ponto de vista institucional, não parece que possam surgir problemas significativos - a burocracia para a defesa vai certamente funcionar.
As dificuldades poderão surgir por via da insuficiência de capacidades, ou mais concretamente, da coordenação para a obtenção de capacidades, na execução de planos de prontidão e de contingência realistas para o levantamento e aplicação das forças.
Este realismo tem a ver com a atribuição de recursos em prioridade para serem aplicados no quadro da União Europeia, à semelhança do que fazem os países relativamente à Aliança Atlântica.
A forma como têm sido planeados os recursos, indo-os buscar aos que existem nos Estados Membros, ou retirando-os da OTAN, só dificilmente poderá produzir resultados coerentes com os objectivos da União Europeia.
Não se trata de duplicação de meios para cada plano operacional: o nacional, o europeu e o atlântico. Pelo contrário, trata-se de ajustar a configuração para cada tipo de aplicação.
A razão fundamental para a diferença de capacidade de defesa, em comparação com os Estados Unidos, resulta, de facto, dum conjunto de duplicações que existem na área da prontidão, incluindo a investigação e o desenvolvimento.
Um outro ponto não menos importante tem sido, sem dúvida, a vontade de defesa, que resulta de uma dependência que já tem quase um século.
É possível conceber uma política de defesa europeia num quadro típico de aliança, antes de se contemplar o objectivo demasiado ambicioso, actualmente, de uma defesa comum europeia. E essa possibilidade resulta de uma transposição de métodos praticados na Aliança ao longo de mais de meio século, no campo do planeamento de defesa.
As provas de fogo da política externa e de segurança comum resultaram em fracasso no início do problema na ex jugoslávia, em termos de obtenção de uma posição comum em tempo util, e voltaram a fracassar na recente intervenção militar no Iraque, o que significa que existirá ainda um longo caminho a percorrer até que exista sobreposição entre o que se vai propondo e o que vai acontecendo, no terreno.
Nota: Este artigo resultou de compilação e de alguma interpretação de notas que foram sendo recolhidas através de leituras e releituras, na preparação de uma comunicação com o mesmo título, para uma Conferência sobre Política de Segurança e Defesa Comum, organizada pela Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República em 4 e 5 de Maio, de 2004.
* Sócio Efectivo da Revista Militar. Vice-Presidente da Assembleia Geral.