Entendemos por Integração da Defesa Europeia «a coordenação de esforços dos Países Europeus, individualmente, da União Europeia e da OTAN para criar um conjunto de capacidades de defesa colectiva, mais eficaz e mais interdependente, capaz de enfrentar as futuras necessidades de defesa da Europa». Temos a percepção, pelas indefinições do passado e pelas interrogações do presente, que as intenções de uma Política de Segurança e Defesa Comum da União Europeia serão melhor atingidas se aquela integração começar a ser encarada como uma solução para melhor responder a ameaças que nem os Estados Unidos nem a Europa, por si sós, podem enfrentar, e como uma resposta ao desenvolvimento político que se pretende para a Europa. Realisticamente pensamos que, dadas as dificuldades políticas e orçamentais que as capitais europeias atravessam para aumentar as despesas com a defesa, o caminho óbvio para fazer face às vulnerabilidades existentes e aumentar as capacidades de defesa julgadas necessárias será o da integração da defesa. Com devidas ponderações.
Os governos europeus reconhecem que se a actual tendência continuar, a capacidade para a Europa conduzir operações militares integradas e eficazes, nas tremendas exigências do ambiente internacional que se vive, diminuirão progressivamente na próxima década. Os 25 Países da União Europeia têm despesas com a defesa (pessoal, equipamento, operação) muito diversificadas: Malta e Portugal gastam mais de 80% com pessoal; só seis Países (Chipre, Suécia, Áustria, Eslovénia, República Checa e Grécia), atingem os 20% nos gastos com equipamento; a maior parte dos Países não atinge os 30% nos gastos com operação e treino (Portugal, com a menor percentagem no conjunto, não atinge os 10%). Também, no conjunto, há tremendas e desnecessárias duplicações em áreas que vão desde as infra-estruturas (quartéis-generais, bases e campos de treino) até meios capazes de serem deslocados (aviões de combate, navios e submarinos, carros de combate e viaturas blindadas). Duplicações que gastam recursos preciosos que poderiam ser orientados para um esforço coordenado para pesquisa, desenvolvimento e “procurement”, que melhoraria as capacidades de defesa (só quatro Países europeus ultrapassam os 100 euros per capita para aquelas finalidades, que nos EUA atingem os 500 euros).
A Europa e a OTAN concordam nas cinco ameaças principais à sua segurança e defesa, que orientarão as suas estratégias no futuro previsível: terrorismo, proliferação de armas de destruição massiva, crime organizado, estados em colapso e conflitos regionais. Consequência desta avaliação, foram iniciadas acções para atenuar vulnerabilidades e aumentar capacidades de defesa.
Em 1999, a OTAN lançou a Iniciativa das Capacidades de Defesa (Defense Capabilities Iniciative-DCI), para “assegurar que todos os Aliados continuem a manter a sua interoperabilidade e que melhorem as suas capacidades face aos novos desafios à segurança”. Três anos mais tarde, face ao pouco progresso realizado nas 58 capacidades sugeridas, a Aliança anunciou os Compromissos de Capacidades de Praga (Prague Capabilities Commitments-PCC), versão mais reduzida e menos ambiciosa do que a DCI. Apesar das boas intenções, o PCC ainda não produziu mudanças significativas. Mas a OTAN parece ter conseguido organizar uma Força de Resposta (NATO Response Force) que melhorará, substancialmente, a capacidade da Aliança para deslocar forças com rapidez para enfrentar uma crise.
A União Europeia também lançou iniciativas com vista a fortalecer as capacidades de defesa dos seus estados membros. Em 2000, houve o compromisso para criar uma Força de Reacção Rápida Europeia (European Rapid Reaction Force - ERRF), envolvendo 60 000 efectivos, capaz de, no prazo de 60 dias, estar pronta a deslocar-se para uma área em crise e aí permanecer em operações até a um ano. Em 2001, lançou o Plano de Acção das Capacidades Europeias (European Capabilities Action Plan-ECAP), seleccionando catorze áreas para melhoria de capacidades militares. Existe a esperança de que o ECAP, em conjugação com os Headline Goals da União para 2010, consigam trazer para o campo da realidade a Força de Reacção Rápida. Em 2004, o Reino Unido, a França e a Alemanha propuseram a criação de nove Battle Groups - formações combinadas de 1 500 efectivos cada, prontas a entrar em operações com o pré-aviso de 15 dias e capacidade de sustentação até 30 dias.
Estes compromissos que não têm passado do papel, poucas melhorias têm produzido e há um crescente sentimento, de um e do outro lado do Atlântico, que chegou o tempo de mudar. Nos EUA e no Canadá, à euforia da doutrina do choque e espanto segue-se a realidade de constatar que, por si sós, não serão capazes de enfrentar os novos desafios. Na Europa, ao objectivo louvável de manter uma componente social, a realidade mostra que o ideal tem de encontrar modelos ajustados aos factos. Não podemos comprometer o futuro e aceitar condicionamentos, que se adivinham, à Liberdade.
De todos os factores que têm contribuído para o falhanço da Europa na aquisição de melhores capacidades militares, o mais citado tem sido o crescente declínio dos orçamentos da defesa. Comparados com os EUA, muitos governos europeus gastam consideravelmente menos do seu PIB em segurança e defesa, não ultrapassando em média os 1,9%. Factores demográficos, tal como o progressivo e acelerado envelhecimento das populações, irão agravar a situação, não permitindo mesmo que aqueles gastos acompanhem a inflação.
É preciso que a Europa gaste melhor e com mais inteligência na defesa, pondo mais acento na pesquisa e desenvolvimento, na consolidação de uma indústria europeia de defesa e na melhor cooperação transatlântica. Manter a dicotomia de «comprar Americano» ou «comprar Europeu» não irá melhorar as capacidades das forças europeias.
As Nações europeias devem adquirir rapidamente as capacidades militares que lhes permitam partilhar a responsabilidade da segurança global. Tal só será conseguido através de um abordagem urgente à integração da defesa, para a qual vários modelos, teoricamente, são possíveis.
As Nações europeias podem acordar juntar recursos nacionais para levantar e sustentar unidades combinadas ou capacidades militares específicas (como foi feito com a força AWAC da OTAN), com menos custos e sobrecarga nacional, permitindo o acesso a capacidades que de outro modo são impossíveis de adquirir. Esta situação é particularmente relevante para forças activadas permanentemente e multiplicadores de forças.
Nações, individualmente, podem optar por desenvolver capacidades militares específicas (transporte aéreo e marítimo estratégicos, forças especiais, veículos aéreos não tripulados, unidades de defesa Química, Bacteriológica, Radiológica e Nuclear, unidades de apoio médico de emergência, etc.), disponibilizando-as para organizações de segurança e defesa colectiva, como a OTAN ou UE.
E, finalmente, através da harmonização do “procurement” de armamentos e equipamentos caros, recorrendo às mesmas origens e desenvolvendo economias de escala com parceiros.
Naturalmente que cada Nação soberana, ao aceitar uma integração da defesa, deve pensar nos interesses próprios, salvaguardando o que não poderá ser integrado, mesmo naquilo que se designa por «repartição do trabalho estratégico». São assuntos em que o conselho militar pode, com realismo, auxiliar a decisão política. É que os militares não têm dificuldades em aceitar integrações, a que estão habituados pela prática em formações multinacionais, tendo mecanismos que diferenciam graus de autoridade. Colocando meios sob «comando operacional» ou outras formas de controlo à disposição de um comando não nacional não afectará o sagrado princípio do Comando.
Os dirigentes europeus têm de compreender que os riscos que diziam poder enfrentar - já que na política é necessário correr riscos - se transformaram em ameaças. É tempo de, com realismo, mas sem hesitações, pensar em alternativas que permitam à Europa adquirir capacidades militares que lhe permitam ter voz nas questões de segurança e defesa a nível global e que tornem mais eficaz o que se pede aos contribuintes para fazer face a tremendas exigências que o futuro lhes promete.
A Revista Militar deixa aos seus leitores mais esta Questão para Pensar.
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.