Nº 2433 - Outubro de 2004
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Visita a Portugal do General Ge Zhenfeng: Subsídios para uma primeira análise
Tenente-coronel
Manuel Alexandre Garrinhas Carriço
1.  Introdução 1
 
Em 16 de Julho de 2004 o General Ge Zhenfeng, “Vice-Chefe de Estado-Maior do Exército Popular de Libertação” da República Popular da China visitou Portugal, tendo sido recebido no Instituto de Altos Estudos Militares pelo Chefe de Estado-Maior do Exército Português, o General Valença Pinto, onde após as honras protocolares e a apresentação de cumprimentos, assistiu a um briefing sobre a organização do Exército Português2.
 
A visita inseriu-se num renovado programa de intercâmbio militar entre Portugal e a República Popular da China (RPC) iniciado aquando da visita a Pequim em finais de 2003, do Ministro da Defesa Nacional, o Dr Paulo Portas.
 
A notícia lançada na intranet do Exército possui uma incorrecção no que concerne à designação correcta do cargo desempenhado pelo General Ge, uma vez que existem na estrutura organizacional do Exército Popular de Libertação (EPL) assimetrias que não permitem efectuar um paralelismo automático de responsabilidades quer políticas quer militares relativamente à organização das Forças Armadas ocidentais (especialmente da NATO), pois o EPL é um Exército de Partido (o Partido Comunista Chinês). Nas páginas que se seguem iremos procurar esclarecer melhor estas assimetrias, para além de indicar algumas das envolventes político-estratégicas associadas ao recrudescimento das relações entre a UE e a China e ao interesse de Pequim para que a União levante o embargo de venda de armas estabelecido após as manifestações de Tiananmen em 1989.
 
 
2.  Vantagens Sumárias dos Programas de Intercâmbio Militar
 
Os programas de intercâmbio militar em conjugação com as representações militares (adidos militares) entre, e nos diversos países, inserem-se numa matriz de aferição qualitativa do poder militar de um dado país no critério correspondente à capacidade de conversão das forças armadas, a qual tem como sub-items:
(1) as ameaças e a estratégia;
(2) a doutrina, treino e organização;
(3) a relação entre civis e militares;
(4) a capacidade de inovação.
 
Os programas de intercâmbio militar têm a vantagem de contribuírem para o desenvolvimento de aparelhos militares modernos, profissionais e mais eficazes, reduzindo percepções de ameaça e potenciando relações criadoras de confiança mútua independentemente das diferenças culturais existentes.
 
Quando estes programas envolvem o Exército Popular de Libertação normalmente, e consoante a maior ou menor importância do parceiro, tendem a surgir maiores ou menores queixas no que se refere à falta de reciprocidade por parte de Pequim na cedência de informação de carácter militar. Algumas das reclamações centram-se em redor da falta de franqueza nas discussões, dificuldades de acesso a informação e pessoal militar, e outras actividades relacionadas com as trocas militares bilaterais. Por norma, enquanto que os líderes militares chineses estão sempre a solicitar dados e opiniões dos seus congéneres (cuja intensidade da solicitação é proporcional à importância que conferem ao seu congénere militar, à instituição e país a que pertence), em contrapartida as suas respostas a questões sobre o EPL reverberam muitas das vezes a “linha do Partido Comunista Chinês” (mais notório quanto maior é a patente), para além de se cingirem àquilo a que se designou apelidar de “generalidades e culatras”3.
 
Por exemplo, quando militares estrangeiros visitam a China, o que acaba por os frustrar é a forma como os representantes do Ministério da Defesa constróiem barreiras burocráticas destinadas tanto ao controlo do pessoal do EPL como dos visitantes. Uma outra técnica de perpetuarem uma relação desigual - na qual obtêm mais informação do que aquela que fornecem - consiste em “afogarem os seus convidados em mordomias”. Sob esta técnica, os acompanhantes e a escolta chinesa não estão lá apenas para restringirem o contacto dos visitantes com militares em serviço nas unidades visitadas (o que parece executarem com eficácia), mas para assegurarem que os convi­dados estão confortáveis e seguros contra “eventuais maus elementos”. Um estratagema adicional consiste em estender o convite às esposas dos militares ou políticos, o que tende a transformar tais visitas em meros passeios turísticos. Algumas das vezes fazem alterações de última hora na agenda dos contactos e negociações bilaterais por forma a desestabilizar o planeamento da delegação visitante.
 
Tendo por base este peculiar modus operandi, torna-se importante, como medida de precaução (a não ser que se pretenda que os programas de intercâmbio militar bilateral não passem de visitas turísticas, com briefings generalistas e insípidos) que todos os líderes políticos e militares envolvidos em tais programas interactivos sejam briefados sobre a forma como a China, e neste caso o EPL abordam a relação bilateral. O conhecimento da estratégia negocial do EPL (envolvente polítco-estratégica) é importante especialmente nos estágios iniciais da relação.
 
Deve-se igualmente estar preparado para a exploração da dimensão psicológica das relações interpessoais por parte dos representantes chineses. Esta personalização das relações diplomáticas pode originar atitudes de deferência e cedência para com o anfitrião chinês (sob pena de ofender a sua hospitalidade) mas que lhe permite manter a iniciativa mantendo-se focalizado no seu objectivo (obtenção de informações que considere importantes).
 
Quanto às alterações de última hora na agenda negocial é importante que ambas as partes tenham conhecimento atempado dos tópicos a debater, cingindo-se exclusivamente aos mesmos, garantindo a continuidade da abordagem dos mesmos em futuras visitas, de forma a que não caiam no esquecimento - não obstante eventuais alterações que surjam por parte de Pequim.
 
Por fim, e se se tiver uma agenda orientada para objectivos concretos, é importante que a política de reciprocidade de contactos seja rígida, ou seja as visitas só deverão ser efectuadas à China quando seja necessário concretizar objectivos bem definidos, e não apenas como mera e polida retribuição de uma visita efectuada a Portugal por parte de um representante militar chinês.
 
 
3.  Organização do EPL
 
O EPL é um “Exército de Partido com características profissionais” e está organizado segundo uma estrutura quadripartida de ramos, na qual estes são relativamente equivalentes entre si ao nível dos orçamentos, organização e influência na política de defesa nacional. Como o seu nome deixa indiciar, o Exército Popular de Libertação é um Exército continental cuja herança organizacional resulta das suas próprias experiências com a guerra terrestre, misturada com um toque de influência alemã de início do século vinte, e refinada por um assinalável período de tutela doutrinária e operacional por parte da União Soviética.
 
 
 
 
 
À semelhança da maioria das instituições militares, a sua organização foi sofrendo alterações de forma a poder fazer face às actuais necessidades de segurança, mas a experiência histórica não deixou de moldar o modo como as novas ideias e conceitos são integrados (ou sinificados). Assim o EPL permanece como uma força militar unificada na qual a Força Aérea e a Marinha são ramos de apoio das forças terrestres, tal como as Forças de Míssseis Estratégicos (ou “2ª Artilharia”) e os antigos mas já extintos comandos de artilharia e de cavalaria4.
 
Funcionalmente pode-se dizer que a formulação da política de defesa nacional chinesa é o resultado da concatenação de inputs de vários orgãos segundo uma organização de círculos concêntricos:
(1) O núcleo central materializado pela Comissão Militar Central (CMC - Zhongyang junwei)5.
(2) O primeiro círculo interno formado pelo Departamento Geral de Estado-Maior (Zongcanmou Bu; DGEM), que funciona como o braço executor da CMC e garante apoio essencial à reunião de informação, análise, e formulação de políticas à esta. Funciona adicionalmente como Estado-Maior do Exército.
(3) O segundo círculo interno baseado nos outros orgãos centrais militares os quais providenciam inputs regulares no processo de tomada de decisão política, ainda que apenas e só nas respectivas áreas de responsabilidade. O círculo inclui o Departamento Geral de Política (Zong Zhengzhi Bu; DGP), Departamento Geral de Logística (Zong Houqin Bu; DGL), o Departamento Geral de Equipamento (Zong Zhuangbei Bu; DGE), a Comissão para a Ciência, Tecnologia, e Indústria Nacional de Defesa (CCTIND, e os estantes três ramos (Marinha - Jiefangjun Haijun; Força Aérea - Jiefangjun Hangkongjun; e as Forças de Mísseis Estratégicos ou 2ª Artilharia - Er Pao).
(4) O terceiro círculo e mais externo, assente nas Regiões Militares (Jun Qu) que detêm um papel importante na aplicação e adaptação às condições locais das doutrinas operacionais formuladas pelo núcleo central, bem como na Academia de Ciências Militares (Junshi Kexue Yuan) e na Universidade de Defesa Nacional (Guofang Daxue).
 
 
4.  Missão da Comissão Militar Central
 
A Comissão Militar Central é a corporização organizacional das relações entre o poder político e as armas, ou seja é o orgão de trabalho militar (junshi gongzuo bumen) do Partido Comunista Chinês, respondendo perante o Comité Central do Partido e o Politburo. Ainda que seja uma das mais importantes e poderosas instituições da China, a CMC é um orgão pequeno e aligeirado burocraticamente que opera independentemente do resto do comando militar, estando localizada desde Outubro de 1999 no edifício Primeiro de Agosto, ao lado do Museu Militar, em Pequim.
 
 Uma imagem mais correcta talvez seja a de que a CMC funciona de uma forma similar à dos “Pequenos Grupos de Líderes” que normalmente são criados como fóruns ad hoc destinados a facilitar a coordenação, comuni­cação, supervisão e consulta entre vários orgãos de decisão política envol­vidos na questão ou problema que originou a necessidade de constituição desse Grupo de Líderes6. A CMC tem um poder e estatuto similares ao Conselho de Estado ou à Comissão Permanente do Politburo do Partido. Na Primavera de 1983 e de acordo com a nova Constituição então aprovada, foi formada a CMC estatal como parte de um esforço tendente a separar o Estado do Partido e a transmitir a noção de um controlo civil sobre as Forças Armadas. No entanto este “novo órgão” não passa de uma “ostra vazia” uma vez que as individualidades que têm assento na CMC do Partido são exactamente as mesmas que figuram na CMC estatal. Ou seja, a CMC é “a mesma moeda mas com duas faces diferentes”, sendo a face estatal meramente simbólica.
 
Em meados da década de oitenta foi atribuída a um grupo de estrategas militares chineses a missão de planearem uma reforma organizacional do EPL com vista a adaptá-lo aos quesitos do século vinte e um. Uma das principais conclusões foi a de que a CMC estatal deveria passar a ter uma autoridade efectiva ou que fosse formado um novo Conselho de Defesa Nacional o qual deveria trabalhar em estreita coordenação com o Ministério da Defesa Nacional. Para os autores do estudo, esta reforma era essencial uma vez que o processo de modernização militar havia-se tornado tão amplo e complexo que a CMC do Partido não tinha capacidade de o gerir eficazmente.
 
No entanto, as consequências políticas e militares das manifestações de Tiananmen em Junho de 1989, obrigaram a uma suspensão deste programa de reformas, fazendo com que o Partido reforçasse o seu controlo sobre o EPL, arquivando definitivamente a possibilidade de se vir a constituir uma CMC estatal com poder efectivo7.
 
Sendo a CMC o órgão máximo responsável pela política operacional (zuozhan fangzhen) das questões de segurança e defesa, as suas funções incluem a formulação da estratégia militar, a gestão atempada das contin­gências e de questões vitais relativas à moderrnização das forças armadas, coordenação das estratégias militares, económicas, políticas (zhengce) e diplomáticas, e formulação dos princípios (fangzhen) e linhas de força de actuação, aprovação das promoções de Oficais Generais, e coordenação com o Conselho de Estado das necessidades do orçamento de defesa. Em caso de guerra a CMC pode assumir o comando de todo o EPL, montando um centro de comando de operações ao mesmo tempo que coordena a organização das diversas Regiões Militares e respectivas unidades na resposta a efectuar (neste caso sob a liderança do General Guo Boxiong). A CMC concretiza a sua missão de supervisão sobre os quatro Departamentos Gerais, Ramos, e Instituições Superiores de Ensino Militar, por intermédio do seu Gabinete Geral (bangongting). Este Gabinete tem sob a sua alçada um Secretariado (mishu chu), um Gabinete para a Investigação e Pesquisa (zonghe diaoyan ju), um Gabinete Jurídico (fazhi ju), um Gabinete de Auditoria (shenji ju), e um Gabinete de Comércio Militar (junmao ju).
 
Concomitantemente, a CMC como apex do poder militar chinês é o orgão máximo de planeamento e supervisão dos cinco grandes objectivos da liderança militar chinesa para a primeira década do século vinte e um:
(1) A continuação da redução dos seus efectivos por forma a concentrar recursos nas unidades de elite.
(2) A preparação de planos de contingência associados a eventuais guerras limitadas no plano regional e contra adversários tecnologicamente superiores.
(3) O reforço do controlo político do Partido Comunista Chinês sobre o EPL.
(4) O combate à corrupção e outras “tendências pouco saudáveis” no seio das forças armadas, reforçando o seu treino militar.
(5) O aumento do orçamento de defesa nacional sem prejudicar o desenvolvimento das prioridades atribuídas ao sector civil.
 
O General Guo Boxiong é actualmente o militar de mais elevada patente ao serviço do EPL, tendo sido nomeado membro da CMC em Outubro de 1999 como Vice-Presidente, tornando claro que iria ser o núcleo da quarta geração de líderes militares chineses. Guo herdou a pasta do General Zhang Wannian, tornando-se o principal responsável do EPL pelos programas relacionados com a doutrina, a estrutura de forças, e o treino8.
 
O General Guo Boxiong nasceu em Julho de 1942 em Liquan na província de Shaanxi, tendo feito a maioria da sua carreira militar nesta mesma província. Aderiu ao EPL em 1961, tendo frequentado um curso de dois anos na Academia Militar de Nanjing (a precursora da Universidade de Defesa Nacional) entre 1981 e 1983. Guo fez a sua ascensão na carreira na Região Militar de Lanzhou, desempenhando missões como comandante de esquadra, pelotão, e Companhia (a 8ª), Oficial de propaganda do 164º Regimento, e Oficial de Estado-Maior sucessivamente do 164º Regimento, da 55ª Divisão, e do 19º Exército, e Vice-Chefe de Estado-Maior da Região Militar. Durante vinte e quatro anos (1961 a 1985) desempenhou estas funções numa única unidade: a 55ª Divisão do 19º Corpo de Exército. Entre 1985 e 1990, desempenhou funções como Vice-Chefe de Estado-Maior da Região Militar de Lanzhou. Entre 1990 e 1993, comandou o 47º Grupo de Exército, sob a dependência directa do General Fu Quanyou (posterior Director do DGL e do DGEM). Em 1993, foi transferido para a Região Militar de Pequim onde serviu como 2º Comandante até 1997, quando foi novamente transferido de volta para a Região Militar de Lanzhou, agora para comandá-la, o que fez até 1999. Neste mesmo ano foi nomeado para a CMC regressando a Pequim, desempenhando as funções de membro do Gabinete político do Comité Central do Partido. O General Guo é considerado um especialista em operações terrestres e metodologia de treino militar, tendo sido um dos primeiros Generais a conduzir exercícios de grandes unidades de infantaria mecanizada.
 
 
Nota: Em negrito referem-se os comandantes militares relevantes para a argumentação que preside a este artigo.
 
De uma forma geral pode-se afirmar que a nova CMC eleita em Novembro de 2002 tem como características gerais dos seus representantes militares:
(1) Uma média de idades de 61 anos. Só Cao Ganchuan tem 68. Isto significa que salvo acontecimento extraordinários, esta será a liderança até 2010.
(2) Ainda que os seus percursos de carreira tenham sido bastante diversos, todos eles fizeram carreira apenas num sistema funcional do EPL, o que providencia um aespécie de “divisão de trabalho” entre si. Três comandaram Regiões Militares (Guo Boxiong, Liang Guanglie, e Liao Xilong), dois vieram do DGP (Xu Caihou e Li Jinai) e um (Cao Gangchuan) é um veterano do complexo militar-industrial chinês. Todos ascenderam na sua carreira por razões de méritocracia.
(3) Alguns comandaram Regiões Militares (Dajunqun) bastante importantes, tendo supervisado operações militares delicadas e durante as quais provaram a sua lealdade tanto aos seus superiores militares como do Partido: Guo Boxiong foi comandante do 47º Grupo de Exército durante as operações militares anti-separatista realizadas em Xinjiang entre 1990 e 1992; Liao Xilong comandou as forças que terminaram com a rebelião em Lhasa, no Tibete, em 1989; Liang Guanglie terá comandado o 54º Grupo de Exército na supressão das manifestações em Pequim, em 1989; os três (especialmente Liang Guanglie) desempenharam funções associadas ao planeamento e condução de exer­cícios militares contra Taiwan.
(4) A CMC continua a ser dominada pelas forças terrestres, ainda que a Força Aérea, a Marinha e a 2º Artilharia têm agora uma maior importância e relevo no EPL. Li Jinai tem um background no âmbito das forças de mísseis estratégicos, ainda que como comissário político (Zhengzhi weiyuan) e não como técnico ou comandante de uma base.
(5) Estes militares são todos profissionais, com carreiras de prestígio e um claro sentido de missão. Adicionalmente possuem uma vasta experiência ao nível de comando de grandes unidades, detendo ainda alguma formação militar avançada e em áreas paralelas passíveis de serem úteis ao EPL (teoria política, estratégia, ciência política, etc.).
 
 
5.  Missão do Ministério da Defesa Nacional
 
No início da década de oitenta do século XX foi criada a posição de Ministro da Defesa Nacional a partir da análise de instituições congéneres de conotação profissional e não partidária, acoplando-a ao governo ainda que de uma forma meramente protocolar, por forma a facilitar a equiparação dos contactos bilaterais a nível ministerial nos assuntos de defesa com outros países. O MDN possui uma organização extremamente aligeirada com um Gabinete para a Política Externa, o Gabinete Geral e Gabinete para a Conscrição, empregando na totalidade não mais que cinquenta pessoas. O MDN controla nominalmente os adidos militares chineses, a missão militar nas Nações Unidas, a delegação chinesa à Comissão do Armísticio Coreano em Panmunjom, e o Gabinete para os Assuntos Externos do EPL, mas, na verdade, é o 2º Sub-Departamento do DGEM que os controla.
 
Após a crise de Tiananmen em 1989, o Partido decidiu que poderia passar a ter relações directas com outros Partidos que não comunistas e socialistas. Ainda que esta decisão não se tenha até agora reflectido materialmente na forma como o EPL contacta com o mundo exterior, ela permite abrir uma porta capaz de redefinir as relações entre o EPL e a comunidade de defesa internacional, uma vez que políticos de cada uma das comunidades envolvidas no intercâmbio bilateral podem agora trabalhar directamente e não por intermédio dos seus aparelhos de informações.
 
O MDN depende directamente da CMC, não tendo qualquer relação com o DGEM, o qual dirige operacionalmente não apenas os quatro ramos do EPL (Exército, Marinha, Força Aérea, e Forças Nucleares Estratégicas) como as sete Regiões Militares (Sheniang, Lanzhou, Chengdu, Guangzhou, Pequim, Jinan, e Nanjing), a Universidade de Defesa Nacional e a Academia de Ciências Militares.
 
Apoiado ao nível das informações pelo 2º Sub-Departmento (Informações) do Departamento Geral de Estado-Maior (DGEM) do EPL especialmente pelo Gabinete de Política Externa, o actual Ministro da Defesa, o General Cao Gangchuan, detém igualmente assento na Comissão Militar Central, orgão máximo de planeamento e decisão sobre questões de segurança e defesa nacional chinesa (genericamente equiparado ao nosso Conselho Superior de Defesa Nacional), sendo responsável pela gestão de programas de cooperação e intercâmbio militar com outros países - ainda que o seu Ministério não desempenhe qualquer papel ao nível da formulação da política de defesa nacional. No entanto, o MDN pode em caso de conflito coordenar com as autoridades regionais a preparação de planos de contingência, uma vez que muitas destas criaram em meados da década de noventa comités provinciais de mobilização. Alguns indícios existem que apontam para um crescimento da importância do MDN entre os quais o facto de o gabinete (ju) para a política externa ter subido um nível, sendo desde 1997 um Gabinete Geral (ting).
 
O General Cao Gangchuan, é o Ministro da Defesa desde Março de 2003, tendo substituido Chi Haotian. A sua biografia refere que é um especialista tanto em armamento como em intercâmbios militares com outros países, sendo o segundo militar mais importante, a seguir a Guo Boxiong. O General Cao nasceu em Dezembro de 1935, em Wugang, na província de Henan, tendo aderido ao EPL em Julho de 1954.
 
Duas características distinguem a carreira de Cao Gangchuan: uma experiência a nível de armamento terrestre convencional e os laços que possui com a Rússia. Iniciou os seus estudos na Nova 3ª Escola Técnica de Artilharia e Munições do EPL em Zhengzhou, tendo terminado o curso dois anos mais tarde. Foi então destacado para Dalian onde frequentou durante um ano um curso de língua russa antes de ser enviado para a União Soviética a fim de frequentar um curso de seis anos na Academia de Engenharia e Artilharia do Corpo de Artilharia das Forças Armadas Soviéticas onde permaneceu até 1963, não obstante a cisão sino-soviética. A carreira subsequente de Cao relacionou-se exclusivamente com armamento e munições no DGL (1963-1982). Existem relatórios não confirmados que apontam para a sua presença na guerra sino-vietnamita de 1979, com a missão de coordenar os fogos de artilharia do EPL. Em 1982, foi nomeado para o DGEM onde desempenhou funções no Sub-Departamento de Equipamento Militar até 1989. Foi então nomeado Director do Sub-Departamento de Assuntos Militares, cargo que lhe permitiu transformar-se no principal negociador no processo de aquisição de armamento e equipamento à Rússia, desempenhando um papel fulcral no processo de modernização do EPL. Entre 1992 e 1996 ocupou as funções de Vice-Director do DGEM, responsável pelo armamento e equipamento. Em 1996, substituiu Ding Henggao como Director da Comissão para a Ciência e Tecnologia da Defesa Nacional, onde presidiu a um extenso e profundo processo de reorganização do complexo militar-industrial chinês que daria origem à consti­tuição de um novo Deparatmento Geral do EPL, o Departamento Geral de Equipamento. Uma vez criado o DGE em 1998, Cao foi a escolha lógica para o dirigir tendo simultaneamente sido nomeado como membro da CMC.
 
Com a sua promoção a um dos Vice-Presidentes da CMC e como Ministro da Defesa, o General Cao Gangchuan passou a desempenhar um papel dual, ou seja, fruto da sua vasta experiência em negociações com Moscovo, começou a funcionar como pivot do processo de aquisição de armamento, ainda que a necessidade de viajar para o estrangeiro em missões de carácter diplomático lhe retirem algum tempo. Cao terá sido assim a melhor opção para Ministro da Defesa Nacional.
 
Como já se referiu, o EPL é um “Exército de Partido com características profissionais” onde continuam a existir algumas assimetrias organizacionais que geram dificuldades de comunicação em programas de intercâmbio. Estas assimetrias funcionais entre a organização da Defesa Nacional Chinesa e da maioria das suas congéneres ocidentais, as quais convém perceber, por forma a justificar discrepâncias hierárquicas de poder efectivo.
 
O Ministro da Defesa Nacional da China, é um cargo intermédio entre o seu congénere político ocidental e o Director do DGEM. Funcional e tecnicamente, Hu Jintao (1º Vice-Presidente da CMC) é que se poderá traduzir como o equivalente ao conceito ocidental de Ministro de Defesa Nacional. No entanto, o facto de ser Presidente da República Popular da China e Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês coloca-o numa posição de “excesso funcional e protocolar” face ao seu congénere ocidental10. Da mesma forma Jiang Zemin, será o equivalente a Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), não fosse o facto de ser civil e políticamente ter tanto ou mais “poder informal” do que Hu Jintao (especialmente no seio do EPL), materializando uma situação de ambiguidade e indefinição na gestão e controlo do poder sobre as forças armadas chinesas nomeadamente em caso de crise, ainda que a linguagem oficial a designe como “uma liderança colectiva da qual Hu Jintao é o centro”11. À falta de melhor opção, talvez aquele que melhor correspondesse ao equivalente a um Ministro da Defesa Nacional ocidental (em termos de poder efectivo) fosse o General com maior peso protocolar e assento na CMC, ou seja actualmente o General Guo Boxiong. Mas como o Ministro da Defesa é o General Cao Gangchuan, a opção mais “óbvia” seria a de criar um equivalente a CEMGFA, o General Guo Boxiong. Nesta perspectiva, Liang Guanglie passaria a ser Vice-CEMGFA. Na verdade existem fortes indícios que apontam para a materialização desta solução (que já parece estar em funcionamento mas ainda não foi declarada oficialmente) a qual pode vir assim a facilitar a comunicação funcional entre lideranças nacionais aquando da implementação de intercâmbios militares12.
 
Um outro exemplo das dificuldades destas assimetrias organizacionais é o de que não existe na verdadeira acepção da “palavra e de funções” um equivalente ao Chefe de Estado-Maior do Exército português, o General Valença Pinto. As funções do seu Estado-Maior tal como dos da Marinha e da Força Aérea da maioria das forças armadas ocidentais, são desempenhadas na China primariamente pelo DGEM. Com o DGEM como orgão basilar, os vários Departamentos Gerais do EPL recebem informações dos vários comandos, consolidam-nas, planeiam e supervisam a implementação da estratégia militar do EPL. Desta forma pode-se afirmar que não existe na verdadeira acepção do termo uma estratégia do Exército; verifica-se antes a existência de uma estratégia do EPL na qual as forças terrestres são os elementos básicos apoiados por forças aéreas e navais e que desempenham o papel central, ainda que não completo, nos cenários de combate. Existem ainda algumas outras assimetrias na forma como a doutrina é desenvolvida e aplicada. Um escalão abaixo do DGEM existem as Regiões Militares (uma versão chinesa do que é um Comando Conjunto) e uma série de comandos de apoio, incluindo o da Marinha, da Força Aérea, e da 2ª Artilharia. Os comandantes equivalentes aos Chefes de Estado-Maior da Marinha e da Força Aérea portuguesa comandam os respectivos ramos como se estes fossem grandes unidades, detendo um menor grau de responsabilidade no EPL do que os seus congéneres portu­gueses.
 
 
 
 
 
6.  Missão do Departamento Geral de Estado-Maior
 
De acordo com o Livro Branco da Defesa Nacional Chinesa, publicado em 2000, “o DGEM é o principal órgão de planeamento e gestão operacional das Forças Armadas. Tem como missões:
(1) A organização da construção das Forças Armadas nacionais, bem como das suas operações militares.
(2) A condução de estudos de Estado-Maior para a liderança do EPL apoiando a sua tomada de decisão.
(3) Funcionar como órgão-chave no que concerne às decisões relativas ao programa de modernização militar.
(4) Coordenar as suas acções com os outros três Departamentos Gerais do EPL.
(5) Administrar o sistema jurídico militar.
(6) Providenciar linhas orientadoras para o apoio logístico.
(7) Providenciar orientação para a investigação militar.
(8) Providenciar orientação para os estudos de aplicação da tecnologia militar.
(9) Providenciar apoio ao nível das informações.
 
Sob o seu comando existem Subdepartamentos (bu) responsáveis pelas operações, informações, treino, mobilização, e coordenação de forças”13.
Em termos de hierarquia protocolar (zuzhi xulie) os seus Sub-Departamentos são organizados da seguinte forma descendente: Operações; Informações; Comunicações; Treino; Assuntos Militares; Mobilização; Ramos; Contra-Medidas Electrónicas e Radares; e Aviação do Exército.
 
O Director do DGEM é o General Liang Guanglie, nascido em Dezembro de 1940, em Santai, na província de Sichuan, aderiu ao EPL em Janeiro de 1958 tendo a maioria da sua carreira decorrido na antiga e agora já extinta Região Militar de Wuhan (que foi dividida entre as Regiões Militares de Guangdong e Chengdu em 1985). Entre 1958 e 1970, esteve colocado em várias unidades de engenharia e infantaria (incluindo a frequência de um curso de quatorze meses na Academia de Infantaria em Xinyang) tendo servido no Departa­mento de Operações da Região Militar de Wuhan entre 1070 e 1979. De 1979 a 1990, desempenhou funções no 20º Corpo de Exército em Kaifeng, na província de Henan, tendo sido promovido a comandante do mesmo em 1985, cargo que desempenhou até 1990. Durante este tempo frequentou cursos de qualificação intermédia (entenda-se na áreas de Estado-Maior) na Academia Militar de Nanjing (Março de 1982-Janeiro de 1983) e na Universidade de Defesa Nacional (Agosto de 1987-Dezembro de 1987). Concluiu em 1986 uma licenciatura em teoria política pela Universidade de Henan. Em 1990 foi nomeado para comandar o 54º Grupo de Exército sediado em Xinxiang, Henan. Em 1991 frequentou mais um curso de quatro meses de especialização na Universidade de Defesa Nacional. Em 1993 passou a desempenhar as funções na Região Militar de Pequim, respectivamente de Chefe de Estado-Maior (1993-1995) e 2º Comandante (1995-1997). Em 1997 seria nomeado Comandante da Região Militar de Nanjing onde permaneceu até 2002, ano em que assumiu as actuais funções. Pela sua folha de serviços, a sua escolha foi a mais lógica para suceder a Fu Quanyou (anterior Director do DGEM). Esta decisão política, poderá também indiciar uma maior assertividade da liderança chinesa face a Taiwan, uma vez que o facto de ter estado três a comandar a Região Militar de Nanjing confere-lhe um conhecimento profundo sobre o teatro de operações do Estreito de Taiwan14.
 
O DGEM tem vindo a crescer de importância não apenas ao nível da gestão operacional dos meios militares como na implementação de políticas e na influência no processo de tomada de decisão ao mais alto nível. Como o mais poderoso dos quatro Departamentos Gerais, o DGEM é um “polvo admininistrativo” dividido em nove Sub-Departamentos e vários gabinetes (chu) e secções (ke) empregando cerca de 100 mil efectivos. As suas responsabili­dades incluem entre outras a recolha e análise de informação militar estratégica e táctica, transmissões, gestão operacional das unidades de categoria A15, mobilização, e treino. A liderança do DGEM é dominada por Oficiais do Exército, especialmente Comandantes de Grupo de Exército e de Divisões que desempenharam meritoriamente as funções nestas grandes unidades. Pode-se assim afirmar que o DGEM não funciona como um Estado-Maior Conjunto. É-o ao nível das responsabilidades mas não no que respeita aos seus quadros orgânicos de pessoal. Com o esforço que tem vindo a ser dado a operações conjuntas especialmente no litoral marítimo chinês, verificaram-se pressões no sentido de inserir nesta estrutura Oficiais da Marinha e da Força Aérea, as quais não têm surtido grande efeito16.
 
A sua estrutura de liderança é composta por um Director, normalmente com posto de General (shangjiang), alguns Sub-Directores com o posto de Tenentes-Generais (zhongjiang) e possivelmente um ou dois “Adjuntos do Director” com o posto de Major-General (shaojiang). Na verdade o número de Sub-Directores como de Adjuntos do Director tem variado de acordo com as circunstâncias. Neste momento existem cinco Sub-Directores, sendo um deles executivos (o Tenente-General Ge Zhenfeng) e um Adjunto do Director. Cada um dos Sub-Directores detem o comando sobre uma área específica do DGEM (Relações Externas, Operações, Informações, e Treino) ainda que supervisem as restantes sub-áreas (veja-se figura 3).
 
Neste momento ainda não é possível obter um currículo detalhado do Tenente-General Ge Zhenfeng, mas o seu percurso culminou com a anterior nomeação para Director da Academia de Ciências Militares em 2000, cargo que desempenhou até ao ano passado, altura em que foi transferido para o DGEM, como Sub-Director Executivo do General Liang Guanglie. Em 20 de Junho deste ano foi promovido ao posto de Tenente-General. Existem alguns indicadores que apontam para a possibilidade do General Ge ser uma “estrela em ascensão” uma vez que foi o único militar a fazer parte da delegação que acompanhou Wu Bangguo (Primeiro Vice-Secretário Geral do Partido ou o segundo na hierarquia logo a seguir a Hu Jintao), o Vice-Primeiro Ministro Zeng Peiyan, e o Vice-Ministro do Comércio Yu Guangzhou numa visita realizada em 30 de Outubro de 2003 à Coreia do Norte, numa manobra diplomática destinada a levar Piongyang à mesa das negociações, após o impasse das negociações de Agosto17. Posteriormente, em 19 de Novembro, o General Ge, compareceu no aeroporto de Pequim a fim de apresentar cumprimentos de boas vindas ao Primeiro Vice-Secretário Geral da Comissão de Defesa Nacional da Coreia do Norte, o General Jo Myong Rok, onde se deslocou para receber tratamento médico adicional a um transplante renal que efectuou18.
 
 
 
 
 
Este protagonismo pode indiciar a possibilidade de o General Ge poder vir a substituir a curto prazo o General Cao Gangchuan como Ministro da Defesa (por este atingir o limite de idade ou por substituir Guo Boxiong por motivos de doença deste).
 
 
 
 
 
 
No DGEM existem três Sub-departamentos bastante importantes: os Segundo e Terceiro (Informações) e o de Operações. Os dois Sub-departmentos de Informações constituem-se como uns dos principais órgãos de recolha e análise de informação, não apenas a nível militar, mas também a nível estratégico e de política externa. O Segundo Sub-departamento possui vários gabinetes, incluíndo o de análise internacional, bem como uma célula em cada Região Militar que lhe transmitem informações directamente.
 
O Terceiro Sub-departamento está envolvido prioritariamente na recolha de informação tecnológica. O Tenente-General Xiong Guangkai, um dos Subdirectores do DGEM é o responsável pela supervisão das actividades destes dois Sub-departamentos20. O Sub-Departamento de Operações é responsável pelo planeamento de operações de combate bem como do emprego operacional das unidades de combate do EPL. Ao formular planos de guerra e de contingência, o Sub-departamento desempenha um papel importante e influente na política e estratégia face a Taiwan, especialmente desde a crise de 1995/96.
 
 
7.  Objectivos Políticos Subjacentes à Visita do General Ge Zhenfeng a Portugal
 
A visita do General Ge Zhenfeng a Portugal pode-se inserir numa estratégia mais abrangente por parte da China face à União Europeia (UE) iniciada em meados do ano passado e reforçada com a visita do Primeiro-Ministro chinês Wen Jianbao a vários países europeus no início deste ano21. Esta estratégia assenta numa visão multipolar das relações internacionais, na qual a UE é um dos pólos22.
 
Independentemente do intercâmbio militar bilateral que, para além de visitas aos dois países por parte de responsáveis políticos e militares pelas respectivas estruturas de defesa nacional, tem permitido a frequência de militares chineses de cursos no Instituto de Altos Estudos Militares; o objectivo fulcral do EPL e da liderança política chinesa centra-se numa ofensiva diplomática sobre a UE que visa o levantamento do embargo da venda de armas e tecnologia dual (utilizada no meio civil, mas passível de ser empregue em sistemas militares) imposto após a supressão das manifestações de Tiananmen em 1989.
 
Liderada pela França e Alemanha, a UE tem estado em fase de revisão deste embargo à venda de armas à China, não obstante as fortes pressões políticas de Washington. O objectivo passa pelo levantamento do mesmo a tempo da próxima cimeira UE-China a realizar em Dezembro deste ano. No início de 2004, o Presidente francês, Jacques Chirac “declarou que já não fazia sentido a continuidade do embargo, uma vez que os direitos civis tinham melhorado na China”. Segundo a lógica de Paris, se a UE tem vendido armas a regimes tão ou mais opressivos que o chinês, o reforço dos laços de cooperação ao nível da segurança e defesa associado ao final do embargo pode contribuir para aumentar a pressão reformista sobre a China23. Esta é uma opinião partilhada por Tony Blair, o Primeiro-Ministro britânico.
 
O final do embargo tem estado há vários anos na agenda política europeia, em parte como uma recompensa pelo processo de liberalização económica levado a cabo por Pequim. Em Março, Javier Solana, referiu-se às relações entre a UE e a China como uma “parceria estratégica abrangente”, sendo necessário resolver a breve trecho a questão do embargo24.
 
No entanto o eventual levantamento do embargo não terá um efeito rápido no EPL. Desde 2000 que o orçamento de defesa da China tem vindo a aumentar anualmente acima do crescimento do produto interno bruto, o que resulta em parte do facto de Pequim se ter transformado no maior importador mundial de armamento.
 
Antes de Maio, o processo esteve praticamente a ser concluido, mas a entrada de dez novos membros na UE forçou a um protelamento do mesmo, fruto do facto de alguns dos novos países admitidos serem fortes aliados dos Estados Unidos. Entretanto, nos corredores do poder europeu, Paris e Berlim têm aumentado a pressão e o lobbying sobre os novos membros, uma vez que cada Estado tem a possibilidade por intermédio do seu veto, de abortar o levantamento do embargo.
 
Como a “lista de compras” do EPL inclui sistemas de informações e radares, munições de precisão, submarinos convencionais e tecnologia de orientação e guiamento de mísseis, os quais poderão contribuir para condicionar seriamente a capacidade de operação da Marinha americana no Estreito de Taiwan. Para a administração americana a manutenção do embargo é essencial para a “gestão” da evolução da China como potência regional (entenda-se contenção do seu crescimento). Por outras palavras, o levantamento do embargo poderá colocar em perigo no futuro as forças americanas que sejam empregues no teatro de operações de Taiwan, tendo havido algumas insinuações do Pentágono de que poderá privar os seus aliados europeus da NATO de alguma tecnologia militar que pretendam adquirir aos Estados Unidos. Por exemplo, e não obstante o facto de a UE se poder vir a tornar neste ano como o maior parceiro comercial da China (destronando o Japão) e de esta participar no projecto conjunto da rede de satélites de observação Galileu (orçado em mais de 3 biliões de dólares), a UE, após fortes pressões americanas acabou por recusar partilhar com Pequim a componente militar do projecto bem como a tecnologia a ele associada.
 
Um outro receio que é alimentado pelo Pentágono é o de que o fim do embargo europeu possa desencadear um “efeito de ricochete” ou seja, países que vendem actualmente armamento e tecnologia à China (nomeadamente a Rússia, Israel, e a República Checa) sejam tentados a aumentar o nível tecnológico do material para venda por forma a manterem a competitividade no mercado internacional.
 
Em resumo, os crescentes interesses profissionais do EPL resultantes de um acentuado processo de modernização militar têm conduzido a uma reorganização estrutural ao longo da década de noventa por forma a poder responder adequadamente aos novos desafios tecnológicos e militares resultantes da atribuição de diferentes missões e prioridades. O domínio tradicional do Exército tem vindo a ser lentamente erodido, uma vez que outros ramos como a Força Aérea e a 2ª Artilharia, começaram a receber uma maior fatia do orçamento de defesa destinado à aquisição de armamento. Como os principais desafios militares que se deparam à China no futuro localizam-se em áreas marítimas, é possível que venhamos a assistir a um acentuar desta tendência. As decisões a nível militar assumirão um carácter de maior consensualidade entre ramos e serão o resultado do debate entre várias entidades fruto de uma maior aproximação a critérios de profissionalismo no seio do EPL.
 
Os programas de intercâmbio bilateral assumem uma importância fundamental para o EPL uma vez que lhe permitem tomar contacto com os mais recentes emolumentos doutrinários verificados tanto ao nível dos Exércitos da NATO como da Rússia, permitindo-lhe proceder a ajustamentos organizacionais e funcionais quando os vê como benéficos para o seu funcionamento. Por outro lado, quando conjugados com uma dimensão político-diplomática, funcionam como “alavancas” destinadas a fragilizar ou a quebrar programas ou decisões políticas que considera prejudiciais ao seu desenvolvimento (como é o caso do embargo económico à venda de armas e tecnologia militar). Valerá a pena continuar a acompanhar a evolução desta “ofensiva diplomática sobre a Europa” até final de 2004, ainda que os resultados e as vantagens que o EPL daí possa retirar só no final da presente década se farão notar.
 
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*      Capitão de Infantaria. Sócio Efectivo da Revista Militar.
 
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 1 Os dados biográficos dos líderes militares chineses aqui referenciados foram obtidos a partir de Chinatoday.com, Zhong Hairen; (2002); Di Si Dai; Hong Kong, Mirror Books. Andrew J. Nathan e Bruce Gilley; (2002); China’s New Rulers: The Secret Files; New York, New York Review Book. Malcolm L. Lamb; (2003); Directory of Officials and Organizations in China; Armonck, M.E. Sharpe. Agradeço a Jian Wan a cedência e tradução de partes do livro Di Si Dai, bem como alguns esclarecimentos linguísticos.
 2 “Vice-Chefe de Estado-Maior do Exército Popular de Libertação da República Popular da China, o General Ge Zhenfeng, visita Exército”; Rede de Intranet do Exército Português (acedida em 17 de Agosto de 2004). O General Ge Zhenfeng, partiu de Pequim em 6 de Julho numa viagem que o levou à Noruega e a Portugal. As visitas, segundo fontes do Ministério da Defesa, destinaram-se “a melhorar substancialmente a cooperação militar bilateral”, no ano em que se comemoram os vinte e cinco anos de relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China e os cinquenta anos entre Oslo e Pequim. Xinhua; July 7, 2004. Sina.com (acedido em 18 de Agosto).
 3 Experiência pessoal do autor em Agosto de 2001.
 4 Para uma visão sobre esta primeira organização a nível de comandos veja-se William W. Whitson; (1973); The Chinese High Command: A History of Communist Military Politics, 1927-71; New York, Praeger.
 5 O termo Comissão Militar Central ou CMC ainda que geralmente aceite, apresenta algumas nuances. O termo em mandarim é zhongguo gongchandang zhongyang junshi weiyuanhui, o qual significa literalmente Comissão Militar do Comité Central do Partido Comunista Chinês. O termo em mandarim é normalmente encurtado para zhongyang junwei ou junwei. Mais correctamente, zhongyang refere-se ao Comité Central. Enquanto que o termo em mandarim não foi alterado desde a criação da CMC, a tradução quer para inglês ou português foi sendo ajustada. Nas décadas de sessenta e setenta a Comissão era conhecida por Comissão dos Assuntos Militares (CAM).
 6 Existem vários destes Grupos de Líderes. Por exemplo, o Pequeno Grupo de Líderes para a Política Externa, o Pequeno Grupo de Líderes para Taiwan, o Pequeno Grupo de Líderes para a Economia, o Pequeno Grupo de Líderes para o Investimento e Modernização do Interior da China, etc.
 7 O papel dominante da CMC do Partido foi codificada na Lei de Defesa Nacional aprovada pelo Congresso Nacional do Povo em Março de 1997. O seu Artigo 19 refere que as forças armadas “estão sujeitas à liderança do Partido Comunista Chinês”.
 8 Têm circulado alguns rumores que apontam para a eventualidade do General sofrer de problemas associados a um tumor no estômago, que lhe foi diagnosticado em 2000.
 9 Independentemente do facto de Liang Guanglie ser o Director do DGEM, tendo precedência sobre Xu Caihou do DGP, este está hierarquicamente acima do primeiro porque assume funções no Secretariado do PCC.
10 Uma vez que Jiang Zemin antigo Presidente da China e Secretário Geral do PCC manteve-se como Presidente da CMC em Novembro de 2002, à semelhança do que havia sucedido com Deng Xiaoping. Esta continuidade de Jiang cria uma limitação ao espaço de manobra política de Hu Jintao, não obstante este ser Vice-Presidente da CMC desde 1997, altura em que a sua nomeação para este cargo deixou indiciar a possibilidade de vir a ser o sucessor de Jiang à frente dos destinos da China (o que se confirmou).
11 A mesma terminologia foi aplicada ao mandato de Jiang Zemin.
12 Pelo que a notícia do site do Exército referida no início deste estudo não está correcta.
13 Information Office of the State Council of the PRC; (2000); China’s National Defense in 2000.
14 “Promotion of Liang Guanglie Indicates Military Pressure on Taiwan”; Ming Bao; November 16; 2002; FBIS-China. Acedido via Lexis-Nexis.
15 O EPL tem unidades de duas categorias. A categoria A (jialei budui) corresponde a unidades com maior prontidão operacional (prioritárias nos programas de aquisição e distribuição de armamento), a categoria B (yilei budui) a unidades territoriais em reserva e às milícias. A categoria C (binlei budui) foi extinta.
16 Oficiais da Marinha, Força Aérea e 2ª Artilharia têm desempenhado funções apenas no Sub-Departamento de Operações, sendo obrigados a envergarem os uniformes do Exército e não os dos seus respectivos ramos. Conversa do autor com um Oficial do EPL em Agosto de 2001
17 Agência noticiosa Kyodo News, October 30, 2003.
18 Agência noticiosa Kyodo, December 2, 2003.
19 O EPL é uma instituição bastante protocolar. O primeiro critério para a atribuição de importância é a data de antiguidade de formação de um determinado comando ou Região Militar. Inerentemente, o Comandante de uma determinada Região Militar ou orgão pode ter precedência protocolar sobre um outro Comandante de Região Militar ou orgão, não obstante a possibilidade de este ser mais moderno a nível de promoção ao posto que ambos detêm (Tenente-General).
20 Na década de noventa o General Xiong desempenhou um papel fundamental na modelação da imagem externa tanto do EPL como de Jiang Zemin, sendo por exemplo o ponto de contacto no diálogo e intercâmbio militar entre a China e os Estados Unidos.
21 No segundo semestre de 2003 Pequim foi visitada pelo Primeiro Ministro inglês (Tony Blair), pelo Primeiro Ministro holandês (Jaap de Hoop Scheffer), pelo Presidente alemão (Johannes Rau), pela Presidente da República da Irlanda (Mary McAleese), pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco (Benita Ferrero-Waldner), pelo Primeiro Ministro italiano (Silvio Berlusconi), pelo Chanceler alemão Gerhard Schroeder, pela Ministra do Negócios Estrangeiros espanhola (Ana Palacio). Já este ano Hu Jintao visitou Paris (26 de Janeiro), enquanto que o Primeiro Ministro dinamarquês (Anders Fogh Rasmussen) visitava Pequim. Deslocaram-se ainda em visita à China até final de Abril deste ano, a Ministra dos Negócios Estrangeiros portuguesa (Teresa Patrício Gouveia), o Comissário Europeu para o Comércio (Pascal Lamy) e o Secretário Geral do Conselho da UE (Javier Solana).
22 Ilustrativamente a China publicou em 13 de Outubro de 2003 o Livro Branco da Política Chinesa para a UE - o primeiro desde o estabelecimento de relações diplomáticas em 1975. Entre outros pontos, o livro apela ao atenuar das restrições europeias à exportação de alta tecnologia para a China.
23 Em Março, quatro dias antes das eleições presidenciais em Taiwan, a China efectuou o primeiro exercício naval conjunto com a França.
24 Esta parceria estratégica é uma entre as várias que a China assinou com os Estados Unidos, a Rússia, e o Japão. Todas elas são na realidade meras declarações de retórica político-diplomática.
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2009-06-25
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Tenente-coronel

Manuel Alexandre Garrinhas Carriço

Tenente-Coronel de Infantaria. Assessor do Instituto da Defesa Nacional. Vogal da Direção da Revista Militar.

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