O Final do Serviço Militar Obrigatório
Na sequência de decisões há alguns anos anunciadas parece ter chegado ao seu final o sistema de conscrição para obtenção de recursos humanos para a defesa da Nação. Sem querermos lembrar argumentos apresentados em sede própria e no tempo oportuno sobre as vantagens e inconvenientes da modificação do sistema, gostaríamos de saudar, nas páginas de uma publicação que nos seus mais de 150 anos de publicação contínua, já relatou guerras, mudanças do regime político na Nação, reorganizações militares, rearmamentos e reequipamentos do instrumento militar, dúvidas e interrogações sobre o seu emprego, aqueles que, de acordo com as Leis da Nação, cumpriram o seu Serviço Militar. E evocar, com respeito e saudade, todos os que no cumprimento daquele dever cívico para com a Pátria deram a vida.
O que agora termina não é o Serviço Militar Obrigatório, ideia-força que por tanto orquestrada, por vários agentes e meios, foi transmitida à opinião pública. O que acabou foi mais um direito e um dever da cidadania: o direito de participar na defesa da Nação e o dever de continuar a Pátria.
Temos de reconhecer que os tempos mudam e a sociedade procura caminhos. É fácil estabelecer conceitos estratégicos quando não se sabe o que é o outro, essencial para fundamentar a acção estratégica. É fácil desarmar as Nações, quando a segurança exige sacrifícios e as lideranças políticas sobrevivem perante os seus votantes não apelando a sacrifícios. É cómodo pagar a poucos para que façam o que é dever de muitos. Está na moda bramar contra aquelas Nações que tentam estabilizar conflitos utilizando a força militar, denunciando tendências imperiais para esconder as incapacidades próprias. No Sudão morrem milhares de seres humanos diariamente porque a Europa não tem capacidade de proteger com a força.
E o futuro?
Questões demográficas, sociais, culturais e financeiras podem comprometer o futuro, se pretendermos esquecer o imediatismo que representa a falta de legislação reguladora da preparação da Nação para a defesa, que se traduz nas leis de requisição e mobilização.
Portugal atravessa momentos de crise nos nascimentos, o que significa um dos envelhecimentos da população mais rápidos na Europa; a crise de crescimento económico vai ter consequências no emprego e no investimento, agravando tensões sociais; a miscigenação de culturas, com uma imigração descontrolada, não se faz sem controlar conflitos; as finanças públicas não têm capacidade para enfrentar custos crescentes dos aparelhos militares profissionalizados. Resultado? A Instituição Militar terá tendência a desaparecer na intenção de dirigentes e a renascer na vontade da Nação. Como diria um velho de Cabinda, quando via o pássaro tentar bicar em pau rijo “pica-pau, pica-pau, tu é que fazes as tuas dores de dentes!”.
* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.