Introdução
Para os portugueses, Portugal deve estar no centro do Mundo. Os interesses portugueses deverão subordinar os raciocínios políticos e estratégicos dos responsáveis políticos, e o amor da pátria deverá ser um sentimento de todos os cidadãos.
Por outras palavras, os problemas com que Portugal se confronta presentemente, que não são nada pequenos, terão de ser abordados de uma perspectiva nacional, a partir de Lisboa, e nunca com uma visão deturpada pelos pontos de vista de Bruxelas, Washington, Madrid, ou qualquer outra capital, por mais poderosa que ela seja.
Isto não é fácil num país que, presentemente (nem sempre foi assim no passado), tende a aceitar a colonização cultural e cientifica proveniente do estrangeiro, que nos olha em função do respectivo interesse, o que é normal; um país cujos governantes têm dificuldade em abordar o futuro com uma ambição realista, e com base numa análise ponderada dos objectivos que se pretendem, face aos meios disponíveis ou a desenvolver; um país onde os que mandam escolhem normalmente posicionar-se, face às outras potências, em situação de subalternidade e prontos a ceder, predispostos a abater bandeiras.
Para um país como Portugal, de reduzida dimensão geográfica, apenas com fronteira com um Estado bem mais poderoso, situado numa encruzilhada de espaços, e de civilizações, que se viu obrigado a ir pelo mundo para compensar o fraco poder de que dispunha, sujeito às mais variadas ameaças, também violentas, mas especialmente de natureza política, económica e cultural, para um país nestas condições, é vital agir inteligentemente na esfera internacional.
Sabedoria, prudência, determinação, agilidade e imaginação, e alguma capacidade de dissimulação, possuindo a arte de actuar com força apesar de fraco, estas qualidades, que caracterizaram historicamente as nossas relações externas e prestigiaram a nossa diplomacia, são, mais do que nunca, essenciais.
Mas não se deve fugir aos problemas que, na ordem internacional, talvez só encontrem paralelo na sequência da segunda guerra mundial. Tal como nessa data, o mundo encontra-se em fase de consolidação/desafio de uma nova ordem, agora de natureza unipolar, com a única superpotência a tentar afirmar-se como poder imperial, e todos os restantes actores a reagirem perante ela, uns contestando-a, embora de formas variadas (desde a competição ao conflito), outros acomodando-se a ela, com mais ou menos reticências.
Situação agravada pelo facto do modelo económico-social de obtenção e partilha dos recursos nacionais, que adoptámos depois do 25 de Abril, se encontrar em causa, senão em vias de esgotamento, e necessitar de ser urgentemente ajustado às novas realidades.
Precisa também o sistema de Segurança Nacional de ser reavaliado? No âmbito da Defesa, haverá que romper com o modelo tradicional de Forças Armadas preparadas para combates de elevada intensidade, no nosso espaço de interesse estratégico imediato e próximo?
Principais ameaças
A liberdade de acção dos portugueses para gerirem os seus interesses (através dos órgãos de soberania democraticamente eleitos) face ao mundo exterior, a que comummente chamamos independência, precisa de ser preservada naquilo que entendem como vital para a sua sobrevivência como sociedade politicamente organizada, com uma identidade e um destino comuns.
Presentemente, e no futuro visível, as ameaças que poderão afectar significativamente esta liberdade de acção, isto é, que põem em causa a Segurança Nacional, dividem-se em dois grandes grupos: ameaças promovidas por outros Estados, e ameaças com origem não estatal.
Ameaças estatais (clausewitzianas)
Quanto às primeiras, convém reafirmar que as probabilidades de sobre nós se desencadearem acções de natureza militar são praticamente inexistentes. Porque, no espaço estratégico que nos envolve, a Leste e a Oeste, temos alianças militares fortes com os Estados aí existentes, o que, por si só, anula tal possibilidade quanto a esses Estados, e também relativamente aos outros situados a Sul, que são relativamente fracos e serão dissuadidos pelas alianças nos protegem.
Com muita probabilidade, tais ameaças apenas são susceptíveis de ocorrer em fronteiras de interesses afastadas dos espaços estratégicos mencionados, onde podem surgir conflitos regionais ou verificar-se situações de falência de Estados ou mesmo o seu colapso, que exijam respostas. Se isso acontecer, além de participarmos à nossa medida nas acções que tiverem de ser tomadas, teremos de nos socorrer das alianças onde nos inserimos e da ONU, para nos ajudarem na solução dos problemas com que nos defrontamos, se eles ultrapassarem as nossas possibilidades. Esta lógica terá de conduzir ao nosso apoio aos aliados, ou à intervenção em conflitos regionais, na luta contra a proliferação de armas de destruição maciça e em Estados falidos ou em colapso, no âmbito das alianças a que pertencemos, da ONU e em coligações militares a que entendamos aderir.
Ainda neste primeiro grupo de ameaças, e relativamente aos espaços de soberania imediatos e próximos, as ameaças mais perigosas para a nossa Segurança Nacional são as não militares, com realce para as ameaças políticas, económicas e culturais. E elas poderão (estão a) ser desencadeadas pelos nossos maiores aliados, a começar pela superpotência, e pelos mais próximos, com destaque para a Espanha. Não deveremos esconder esta realidade, nem fazer de conta que ela não existe. Temos de saber exactamente a sua dimensão e os seus objectivos e métodos de aplicação, avaliar a sua natureza, e escolher as modalidades de resposta, o que poderá incluir a mobilização de apoios e/ou o reforço interno das nossas potencialidades. Resposta que não poderá deixar de ser de natureza não militar, agindo com base no soft power.
Podemos apontar três exemplos deste tipo de ameaças, todas extremamente graves para a Segurança Nacional: 1) com uma postura idealista, aceitarmos decisões políticas da União Europeia que nos privem do núcleo essencial da soberania, partindo do princípio de que o já adquirido não será passível de alteração, o que é completamente irrealista, numa arena internacional em acelerada mudança; 2) deixarmos de ter controlo sobre o essencial da nossa economia e ela entrelaçar-se de tal forma com a economia espanhola, que ficamos sem a possibilidade de escolhermos posições alternativas às actuais, em caso de crise grave; 3) ou ainda, se deixarmos erodir os valores que configuram a nossa identidade, permitindo que outros valores nos colonizem. Qualquer destas ameaças, a concretizar-se, ferirá de morte a Segurança Nacional e, de facto, corresponderá à perda da independência, mesmo que formalmente ela se mantenha.
Ameaças do mesmo tipo, provenientes de Estados localizados em espaços geográficos distantes, se desencadeados por actores poderosos (caso das economias emergentes da Ásia, como a China e a Índia), poderão produzir efeitos catastróficos para a sobrevivência de Portugal como país independente, mas esta situação verificar-se-ia em simultaneidade com o bloco económico em que nos inserimos, portanto a resposta será que ser do conjunto do bloco e não isoladamente de cada um dos Estados que o compõem. Eis uma grande vantagem das alianças económicas.
Ameaças com origem não estatal (não-clausewitzianas)
A ordem internacional em fase de afirmação e a globalização económico-financeira, de comunicação e informação, e cultural, associada às pressões existentes sobre os recursos escassos (especialmente combustíveis fósseis e água) e à degradação ambiental e acidentes ecológicos, fizeram acentuar ameaças não emanadas dos Estados, mas sim da própria natureza degradada pelos descuidos dos Estados, e de organizações não estatais de natureza transnacional. Destas, umas centram-se no exercício da criminalidade, que pode ser violenta - criminalidades transnacionais organizadas (CTO). Outras têm por finalidade a consecução de objectivos políticos - organizações terroristas de origem islamista.
As ameaças ambientais devem ser objecto de tratamento específico português; mais frequentemente, obrigam a um desenvolvido processo global ou regional de preparação nos mais diversos domínios (desde as actividades de vigilância e de prevenção, ao político, económico, legislativo, policial e limitação de estragos), exigindo concertação e tratados internacionais, bem como o levantamento de capacidades adequadas em estruturas a elas destinadas, algumas das quais poderão ser da responsabilidade das Forças Armadas.
As CTO atingem tal dimensão que provocam importantes efeitos políticos, e chegam mesmo a controlar poderes estatais ou para estatais, com a finalidade de potenciarem os lucros das actividades criminosas a que se dedicam, e/ou passam mesmo a perseguir objectivos de natureza política, com base na sustentação que obtiveram com os meios que o crime lhes proporcionou. Estas CTO actuam no âmbito de todos os tipos de tráfegos - de pessoas e de bens (droga, armas, metais raros, capitais sujos, tecnologias várias, incluindo as de destruição maciça, etc.) -, e promovem as piratarias, marítima e informática.
As organizações terroristas alcançaram uma expressão global, com o aparecimento da Al Qaeda e a formação, à sua volta, de uma autêntica galáxia de que ela é o foco, mais inspirador do que orientador. Utilizam as mais modernas tecnologias; mobilizam os povos muçulmanos que se sentem explorados e humilhados pelo Ocidente (especialmente pelos EUA) e pelos seus próprios governantes, que consideram testas de ferro dos interesses ocidentais; recorrem a métodos terroristas sofisticados, espectaculares e catastróficos, que conseguem produzir efeitos políticos demolidores; e, como combatentes, usam elementos socialmente bem situados, fanatizados pelas doutrinas fundamentalistas islâmicas, que aceitam e procuram o martírio ofensivo para actuarem.
Este conjunto, disposto, mais do que organizado, em malha, constitui uma terrível ameaça a todos os países cujo comportamento se pauta pelo respeito dos direitos humanos e pela prática da democracia. Portanto, também a Portugal.
Actuando com regras próprias do período medieval, que mitificam, porque ligam aquele período com o auge do brilho, prosperidade e poder muçulmanos, a galáxia terrorista islamista lança mão de todos os processos, incluindo o recurso ao crime transnacional organizado, para a obtenção de financiamentos para as suas actividades, numa relação promíscua, onde se desconhece onde termina o político e o religioso e começa o criminoso.
A proliferação de tecnologias de armas de destruição maciça potencia ao infinito o perigo da ameaça terrorista, que não hesitará em utilizá-las, se conseguir alcançá-las, o que, sabe-se, está a tentar. Atentados com este tipo de armas significarão o verdadeiro armagedão.
Estas ameaças, de origem não estatal, são aquelas cuja probabilidade de atingirem os nossos espaços de interesse estratégico próximo e imediato é de temer.
Estratégias
A estratégia de resposta às ameaças que referimos terá de passar prioritariamente pelos seguintes domínios:
1) Reforço permanente da nossa identidade e coesão nacionais, especialmente através do aprofundamento dos nossos valores e do desenvolvimento de uma sociedade onde as tensões sejam reduzidas, em que os cidadãos se sintam bem e da qual tenham orgulho; as estratégias cultural, mediática e educativa, além das económicas e sociais, são aqui essenciais.
2) Melhoria do nosso potencial económico, o que contribuirá significativamente para alcançar o objectivo anterior e aumentará a nossa capacidade para articular e desencadear todas as estratégias; as estratégias económica, financeira e do ordenamento do território são as que mais se ligam com este objectivo.
3) Desenvolvimento de uma estratégia política externa que assente fundamentalmente na Organização das Nações Unidas (ONU), no relacionamento com os EUA, se possível no âmbito da Aliança do Atlântico Norte (NATO), na União Europeia (UE) e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
4) Aperfeiçoamento da eficácia dos sistemas de informações portugueses, tanto na sua vertente estratégica não violenta, como nas de segurança interna e militar.
5) Adopção de uma estratégia policial e militar gizada em função das actuais realidades estratégicas, portanto tendo apenas em atenção as ameaças que precisam destas respostas, e não outras (ameaças) com que nos deparámos em contextos estratégicos do passado. Esta atitude aplica-se principalmente aos sistemas de forças militares a adoptar, que deverão abandonar o modelo de umas Forças Armadas preferencialmente do tipo convencional pesado, cujos meios são, de um modo geral, desproporcionais para as ameaças com que nos defrontamos, extremamente dispendiosos para os nossos recursos, e susceptíveis de serem disponibilizados no quadro das alianças em que nos inserimos.
Grandes tópicos da estratégia política externa
Os dois espaços geopolíticos chave da política externa portuguesa são o do Atlântico e o Europeu, ambos compreendendo as respectivas margens, os Estados ribeirinhos para o primeiro e os mares e Estados periféricos para o segundo.
Portugal deve agir politicamente no sentido de garantir a união estratégica destes dois espaços, como aconteceu durante a guerra-fria, e ainda se passa presentemente, já que, nestas condições, localizar-se-á no centro de um grande bloco (pode ser designado genericamente por Ocidente), portanto por ele protegido.
As ameaças que nos poderão atingir pelas fronteiras Sul/Sudeste, com o Norte de África, serão esbatidas, desde que se desenvolvam esforços no sentido do grande bloco ocidental de segurança absorver o rimland norte-africano, através de relações especiais com a União Europeia, numa primeira fase, e da sua inserção posterior a esta organização. O que obriga a que o nosso país esteja na primeira linha dos países da União que privilegiam o factor estratégico como o critério fundamental do seu alargamento.
No caso de ser impossível manter a união transatlântica, Portugal deve optar pelo espaço geopolítico atlântico, embora procurando garantir as ligações com os países da União Europeia que não tiverem igual opção. Isto aconselha ligações privilegiadas com os estados membros atlantistas, como sejam o Reino Unido, a Holanda, a Dinamarca, os países nórdicos, a Itália, e os países de Leste, com destaque para a Polónia e a República Checa.
O relacionamento com a Espanha deve merecer cuidados especiais, promovendo as melhores relações, mas evitando situações de entrelaçamento/dependência económica que nos impossibilitem uma posição atlantista, caso a Espanha escolher o continentalismo, e relações absurdas de aparente submissão (caso de Olivença). Outro país estrategicamente próximo que merece especial atenção é Marrocos, com quem deveremos estabelecer laços de entendimento em todos os domínios, incluindo o militar.
Embora a tendência natural, quando se fala do espaço geopolítico do Atlântico, seja pensar apenas na sub-região do Atlântico Norte, para Portugal, a sub-região do Atlântico Sul tem enorme importância. Nela, situam-se dois importantes países lusófonos - o Brasil, grande potência global emergente, e Angola, que pode ter pretensões a potência regional e que, desde já, tem papel chave em duas regiões da África a que simultaneamente pertence, a grande diagonal africana da bacia do Congo aos Grandes Lagos, e a África Austral.
É a altura de referir o terceiro círculo da maior importância estratégica para o nosso país - a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Não constituindo um espaço geopolítico, por falta de continuidade, a sua relevância estratégica tem uma dimensão específica do maior interesse, já que poderá garantir uma irmandade cultural e identitária, especialmente através da língua que partilhamos, que se poderá traduzir numa cumplicidade de comportamentos e de interesses (do tipo da que caracteriza o “clube” anglo-saxónico), com vantagens mútuas para todos os seus componentes.
O facto de cada um dos países lusófonos se situar em áreas estratégicas diferenciadas, que, praticamente, alcançam todas as principais regiões geoestratégicas do planeta, empresta especial relevo à CPLP. A CPLP empresta a cada um dos seus membros, para as relações no seu espaço próprio, o peso que os seus parceiros da comunidade recolhem por pertencerem a organizações nos respectivos espaços.
Um dos países lusófonos (Timor-Leste), assim como a Região Administrativa Especial de Macau, na China, com quem temos relações privilegiadas, permitem-nos ainda ter pontes com um outro espaço geopolítico - a Ásia emergente, que engloba a Ásia/Pacífico e o sub-continente indiano -, cujo papel no mundo cresce exponencialmente, e com quem é indispensável que Portugal estreite relações políticas e económicas, na cola, aliás do que o Brasil, inteligentemente, vem fazendo.
Portanto, a NATO, a União Europeia, a CPLP, as ligações com a Ásia emergente, formam o quadro onde se devem ancorar as nossas relações geopolíticas. A que se deve acrescentar um pilar que é para nós crucial - a Organização das Nações Unidas (ONU). Para um país do nosso potencial, é essencial a referência do direito internacional, que a ONU personifica. A exigência do respeito pelas regras que a comunidade internacional estabelece é uma das mais fortes garantias da defesa dos nossos interesses, como país independente.
Grandes tópicos das estratégias de política interna e militar
Os factores cruciais destas estratégias são:
1) a estrutura para a segurança do Estado;
2) o sistema de informações;
3) as prioridades estratégicas e os correspondentes sistemas de forças;
4) adequados instrumentos legislativos.
Estrutura para a segurança do Estado
A inexistência, no topo da estrutura para a Segurança Nacional do Estado, de um órgão de staff que assessore os órgãos de soberania, com ênfase para o chefe do governo, em assuntos de segurança nacional, é um erro que nos está a sair caro.
É indispensável criar um gabinete (Gabinete para a Segurança Nacional - GSN) que efectue permanentemente a análise da situação estratégica e sugira as modalidades de resposta mais adequadas lhe fazer face. Seria um órgão ligeiro, dotado de especialistas dos vários sectores do Estado (política externa, economia e finanças, política interna, cultura, comunicação, ordenamento do território, defesa, etc.), capaz de uma visão integrada da estratégia, apto a funcionar, se necessário, vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, e assumindo as funções que hoje cabem ao gabinete de crise. Junto dele funcionaria uma antena dos serviços de informações, e poderia ser dotado transitoriamente de outros especialistas cuja colaboração fosse conjunturalmente necessária.
Sistema de informações
O sistema de informações, tal como actualmente se encontra concebido, desde que o Secretário Geral nele previsto tenha competências para orientar o esforço de pesquisa dos Serviços que coordena, para os poder estruturar de forma a evitar sobreposições e a promover sinergias, e desde que possa utilizar os métodos operacionais próprios de um serviço eficiente, embora com todas as cautelas que uma democracia exige, poderá aperfeiçoar significativamente o conhecimento de tudo o que pode afectar os nossos interesses (as ameaças).
Neste sistema, é indispensável que as Forças Armadas (FA) disponham de órgãos de informações, nos vários escalões em que actuam, conforme a doutrina exige. Para apoio do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, terá de existir uma Divisão de Informações Estratégicas, à qual ele possa ordenar que obtenha os elementos essenciais de informação (EEI) e os outros elementos de informação (OEI). Esta Divisão não deverá ser para o apoio do Ministro, embora este, como tutela política das FA, possa naturalmente ter acesso à sua actividade.
Prioridades estratégicas e correspondentes sistemas de forças
A prioridade das prioridades deverá ser a resposta às novas ameaças (terrorismo transnacional e outras criminalidades transnacionais organizadas), relativamente às quais, como já se disse, existe razoável probabilidade de serem desencadeadas nos espaços de soberania nacional. Para baixa prioridade, passarão capacidades para fazer face às ameaças tradicionais sobre estes espaços, na medida em que a probabilidade da sua concretização é praticamente inexistente, no prazo visível.
Esta prioridade só não é nula, porque é conveniente ter uma participação à medida da nossa dimensão, portanto reduzida, em esforços que haja necessidade de levar a efeito ao abrigo dos compromissos internacionais que assumimos, pela ONU, NATO ou UE, em conflitos de média intensidade. A nossa participação em operações de elevada intensidade deve ser remetida para a uma prioridade mais baixa, a não ser em pontos específicos, já que: por um lado, as ameaças que as originam não são prováveis nos dois espaços geopolíticos que nos são vitais (Atlântico e União Europeia), eventualmente serão de reduzida probabilidade nas margens da UE; e por outro lado, o seu elevado custo não se enquadra na situação económica actual e previsível nos próximos anos no nosso país, nem se adequa ao nosso potencial.
Prioridade igualmente elevada deve pertencer às capacidades necessárias para vigiar e controlar os espaços sobre os quais temos competências que derivam do normativo do direito internacional, assim como as que se destinem a projectar forças, num único lanço, até escalão batalhão, nas fronteiras de interesse estratégico do país, e a evacuar cidadãos nacionais em perigo, por razão de catástrofes ou de graves crises políticas envolvendo conflito.
Também deverá ser concedida primeira prioridade à capacidade de: operar em ambientes de baixa e média intensidade, em missões humanitárias, de manutenção e/ou imposição de paz, e de estabilização pós-conflito de elevada intensidade, com forças especiais ou convencionais de tipo ligeiro ou médio, preferencialmente com forças com preparação especial, até ao escalão de brigada independente; em ambientes de elevada intensidade, com forças especiais e/ou forças convencionais apropriadas. Esta prioridade deve ser orientada prioritariamente para capacidades para as quais existem meios escassos no quadro das alianças a que pertencemos, e para que tenhamos especial aptidão (preferencialmente capacidades de contra-subversão e outras próprias para certos nichos de especialização que nos convenham), e ainda cujo custo económico nos seja relativamente acessível. O que significa particularmente forças terrestres, evidência para que o General Chefe do Estado-Maior do Exército chamou a atenção, recentemente”1.
Destas prioridades estratégicas resultarão sistemas de forças ligeiros, sem meios pesados e dispendiosos, nem terrestres nem aéreos nem navais, sob o comando do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a partir de um Quartel-General Conjunto, tanto em situação de guerra como no estado de sítio, de crise, de emergência, e em tempo de paz.
Nos nossos espaços de soberania, o esforço deve ser de natureza policial e nas operações de transição entre as operações policiais e militares (Guarda Nacional Republicana), suplementadas, quando necessário, por operações militares. As Forças Armadas podem dispor de meios que lhes permitam levar a efeito operações tipo policial ou de apoio a operações policiais, sempre que, por motivos de rendibilidade económica, a organização de forças policiais a elas destinadas (as designadas como outras operações de interesse público a cargo das FA) se não justificar.
Insistir num modelo militar tradicional com base em forças convencionais pesadas e caras, do tipo do que era ajustado durante a guerra-fria, no actual e previsível ambiente estratégico que as não exige, não só não é necessário em termos de defesa, como é muito dificilmente comportável no quadro do modelo económico-social de extremo rigor que precisamos de implantar. Ou seja, além de se traduzir num desperdício injustificável, não passaria de um disparatado delírio militar dos responsáveis políticos.
Adequados instrumentos legislativos
A indefinição sobre a origem das novas ameaças que se venham a desencadear sobre os nossos espaços de soberania, que conduz a uma certa ambiguidade quanto ao traço divisório das situações específicas da segurança interna (próprias das operações policiais) daquelas que se inscrevem na segurança externa, isto é, contra ameaças com origem externa, esta indefinição aconselha a promover rapidamente instrumentos legislativos clarificadores.
Tais instrumentos determinariam as situações de “crise interna”, a estabelecer pelos órgãos de soberania envolvidos nos estados de emergência e de sítio previstos na Constituição, através de procedimentos semelhantes. Só nesta situação é que seria autorizado que as FA conduzissem operações de natureza militar (de combate) no território nacional.
Actos legislativos idênticos deveriam ser aprovados para situações de não guerra e de não paz, durante as quais é conveniente o emprego de forças militares em teatros de operações exteriores, onde se podem ver envolvidas em combate. Poderiam ser designadas por situações de “crise internacional”.
Conclusões
Assim como está em vias de esgotamento o modelo económico-social de obtenção e distribuição de riqueza, em que temos vivido desde 25 de Abril de 1974, encontra-se profundamente alterado o ambiente estratégico que nos condiciona actualmente e afectará no futuro previsível, que justificou o modelo de segurança e defesa prosseguido desde aquela data. O modelo adequado à guerra-fria.
O fim da guerra-fria, e a emergência e acentuação das novas ameaças, especialmente do terrorismo internacional que o 11 de Setembro de 2001 revelou, aconselham vivamente um novo modelo estratégico para a segurança e defesa nacional.
No quadro de um modelo económico-social bem mais exigente daquele que tem vigorado, o novo modelo estratégico a implantar, além de diferente, terá de ser comportável em termos económicos e sociais.
Um modelo mais ágil e ligeiro, sem meios militares pesados, orientado prioritariamente para as novas ameaças, está ao nosso alcance em termos económicos, podemos potenciá-lo por sermos especialistas nas operações que lhe são próprias, e retiramos dele grandes vantagens, porque as forças que o integram são escassas e muito desejadas no conjunto das alianças em que nos inserimos, estando constantemente a ser-nos solicitados.
Um modelo de segurança e defesa do tipo tradicional, com meios pesados e centrado na capacidade de executar operações convencionais, não é adequado às nossas necessidades estratégicas, não consegue competir com os modelos semelhantes dos países mais poderosos nossos aliados (que dispensariam a nossa colaboração), cujos meios são muito mais sofisticados. Portanto, à nossa dimensão e no actual contexto estratégico interno e externo, seria um desperdício imperdoável, e representará um verdadeiro delírio militar do poder político que for por ele responsável.
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* Comunicação enviada ao 1º Congresso da Democracia Portuguesa, efectuado em 11 e 12 de Novembro de 2004.
1 Entrevista do CEME ao Jornal do Exército, distribuída em separata ao número 533, de Outubro de 2004: (…) é hoje manifesto para os países da NATO e da UE, a centralidade das forças terrestres e do transporte estratégico na prevenção e na resposta às novas ameaças”.