Nº 2487 - Abril 2009
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Realidade Virtual & Investigação em Psicologia e no Exército
Professor Doutor
Carlos Serra Magalhães Coelho
Professor Doutor
Jorge Manuel Ferreira de Almeida Santos
Introdução
 
Neste artigo descrevemos o desenvolvimento de sistemas de realidade virtual (RV) aplicados à investigação e tratamento de desordens de ansiedade. Apresentamos inicialmente as raízes históricas da RV e o seu desenvolvimento, até ao momento actual em que se verifica a utilização dos sistemas de RV na prática clínica, como por exemplo na intervenção junto de pessoas a ultrapassar com medo de alturas, medo de voar ou em quadros de distúrbio de stress pós traumático (DSPT). Oriundos de contextos da indústria militar e de defesa, os actuais sistemas RV são no momento presente um utensílio usual nos laboratórios de investigadores, para o tratamento e investigação, em particular na área relativa a desordens de ansiedade.
 
 
História da realidade virtual
 
A realidade virtual é uma área recente de aplicação tecnológica na investigação e prática clínica. Não é, contudo, uma invenção actual. Os seus conceitos nucleares foram explorados e desenvolvidos nos últimos cinquenta anos, estando as raízes da RV descritas desde as indústrias aeroespaciais e de defesa americanas, com o desenvolvimento do simulador de voo (Bouchlaghem, Thorpe & Liyanage, 1996; Littman, 1996)1 iniciado desde a Segunda Grande Guerra. Do primeiro computador digital do exército (o ENIAC) nos anos 40, à investigação da Força Aérea em capacetes de visualização (o VCASS) nos anos 80, as forças armadas americanas têm sempre sido o principal financiador das mais importantes inovações na tecnologia dos computadores. Mas além das origens militares, os primórdios da RV têm uma importante vertente cinematográfica (ver Ijsselsteijn, 2003). Curiosamente, por vezes, as descobertas dos últimos serviam aos primeiros, como veremos a seguir.
 
A invenção do Kinetoscope de Edison em 1889 e a sua primeira demonstração pública em 1894 foi o nascimento de um meio de comunicação capaz de, simultaneamente, criar movimento e uma história complexa (Pimentel & Teixeira, 1993). Em 1927 a Warner Brothers encerra o capítulo dos filmes mudos com o filme The Jazz Singer, e em 1932 a Technicolor introduz a cor. Estas melhorias tecnológicas, juntamente com a introdução de imagens estereoscópicas (3D) e telas maiores, serviram para aumentar no espectador a ilusão de realidade (Pimentel & Teixeira, 1993).
 
Entretanto o cineasta Morton Heiling e o inventor Fred Waller trabalhavam na área cinematográfica em inventos tecnológicos que seriam posteriormente usados em colaboração com os computadores. Os objectivos de Fred Waller eram distintos, mas complementares e úteis à criação da sensação de imersão2 essencial para a RV. Este inventor, responsável por diversas patentes, desejava expandir o campo de visão do ecrã das salas de cinema. Ele compreendeu que, a grandes distâncias, a visão humana confiava menos na visão estereoscópica, e mais em outras pistas visuais, como a paralaxe de movimento. Estas ideias e estudos levaram-no a tentar introduzir a visão periférica nos ecrãs de cinema de forma a oferecer realismo ao observador. Note-se que as telas ocupam apenas uma pequena porção do campo de visão normal, que tem uma abrangência de aproximadamente 180º (horizontal) por 150º (vertical) (Gibson, 1950).
 
No final dos anos 30, na feira mundial de Nova York, Waller demonstrou a utilidade do uso de projecções cinematográficas num espaço esférico, com várias câmaras inerligadas, às quais chamou Vitarama. Este aparelho consistia numa projecção hemisférica de onze películas de 16mm interligadas, preenchendo o campo de visão, e foi adaptada durante a Segunda Guerra Mundial a um sistema de artilharia. O Waller Flexible Gunnery Trainer projectava um filme de ataques aéreos e incluía um sistema electro-mecânico que permitia dar ao atirador feedback positivo em tempo real se o alvo fosse atingido (Ijsselsteijn, 2003). Mas apesar da considerável inovação que constituía para a época, a industria cinematográfica ignorou o invento de Walker. O autor continuou a trabalhar na sua patente, desenvolvendo-a sucessivamente, apresentando em 1952 o Cinerama.
 
O Cinerama foi estreado em New York no Brodway Theatre, em 1952, com alterações derivadas do uso do Vitarama para treino de militares na Guerra. Para a construção desta evolução, Waller reduziu o número de câmaras de forma a tentar comercializar o seu produto. Cada cena num filme de Cinerama era fotografada de ângulos ligeiramente diferentes por três câmaras sincronizadas de 35mm, e projectada num ecrã curvo para envolver o campo de visão dos membros da audiência, criando assim um panorama de 146 graus de largura. A este sistema visual impressionante era adicionado um sistema de som com sete canais direccionais, o que aumentava significativamente o impacto psicológico das imagens (Rheingold, 1997; Ijsselsteijn, 2003). Ainda assim, mesmo considerando as potencialidades, a indústria do cinema manteve-se reticente já que este sistema era dispendioso, exigia bastante mão-de-obra para o operar e ocupava muito espaço (Grau, 2004).
 
Em 1962, Heiling criou um simulador multi-sensorial ao qual foi dada a patente #3,050,870 (Burdea & Coiffet, 1994). A sua invenção intitulou-se Senso­­rama Simulator, e simulava um motociclo a viajar por Manhattan. O simulador tinha som binaural e não só gerava a vibração do veículo, como também vento e aromas típicos de cidade (Gigante, 1993; Pimentel & Teixeira, 1993). Esta invenção é vista como um importante percursor dos sistemas RV, mas apesar do sistema possuir muitas das características de um sistema virtual actual, a sua rota era fixa, não permitindo uma experiência interactiva.
 
Ao contrário do que pode parecer, os passos desde os primeiros compu­tadores para a RV não foram evidentes e intuitivos. O progresso dos computadores desde a Segunda Guerra Mundial com fins militares servia essencialmente para poupar o tempo necessário à resolução de equações. Já nos anos de 1940, o primeiro computador, denominado ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Computer) estava a ser construído na Universidade da Pensilvânia, por John Mauchly e Presper Eckert. Mas na mesma altura Vannevar Bush pensava noutras finalidades além das numéricas, ao desenvolver o Memex, o qual tinha já os princípios multimédia, armazenando os dados num microfilme acedido por computador (Frischer, Niccolucci, Ryan & Barceló, 2002).
 
Apesar da indústria do cinema não ter dado demasiada importância a estas inovações, já os departamentos de defesa Americanos não a descuraram. O interesse dos militares pelas sucessivas patentes registadas remonta desde a Segunda Guerra e manteve-se até a actualidade: “Imagine a dificuldade em aprender a pilotar um F-15. Tem nove botões diferentes no stick de controlo, e mais sete na base. No stress e confusão de batalha, os pilotos têm de escolher correctamente.” (Pimentel & Teixeira, 1993, p.39). A complexidade da tarefa, aliada ao stress de guerra e ao stress físico, como o das forças gravíticas geradas pelas manobras, justificava bem o investimento em simuladores que permitissem treinos realistas antes dos sus pilotos partirem para os combates reais. Note-se ainda que já se sabia, desde a segunda Grande Guerra, que as possibilidades de um piloto regressar de uma missão subia para 95% após a quinta missão bem sucedida (Pimentel & Teixeira, 1993).
 
E a partir dos anos de 1950 também Hollywood teve de pensar de forma competitiva e séria sobre as potencialidades dos sistemas anteriormente descurados. Isto deu-se aquando do incremento da popularidade da televisão, um competidor sério ao cinema. Assim, adicionalmente aos filmes estereoscópicos e de ecrã gigante, outras tecnologias foram introduzidas nos cinemas durante os anos de 1950 e início da década seguinte, de forma a cativar audiências. Entre estes o Percepto, usado no filme The Tingler de 1959, que empregava engenhos vibratórios nas cadeiras. Já o Smel-O-Vision e o Aromarama introduziam aromas adicionando-os ao som e visão, porém havia dificuldades em sincronizar os cheiros com as apresentações, bem como em eliminá-los da sala após a sua libertação (Ijsselsteijn, 2003). As dificuldades aliadas aos custos inviabilizaram estas iniciativas, que voltaram mais recentemente a ser alvo de estudo, já na comunidade RV (Barfield & Danas, 1996).
 
Posteriormente ao Sensorama e já mais perto dos sistemas RV actuais, em 1960 Morton Heiling regista a patente #2,955,156, para uma televisão acoplada à cabeça: uma máscara com slides 3D, controlo de focagem e ópticas, som estereofónico e a capacidade de incluir cheiros. Esta invenção não foi contudo financiada e o trabalho inicial de Heiling nos capacetes de realidade virtual (head-mounted displays - HMD3) foi continuado por Ivan Sutherland, pioneiro da Computer Graphics. Sutherland tem a distinção de ser considerado o criador da RV. Actualmente, na maioria das suas apresentações, os sistemas RV apresentam-se ao utilizador através do HMD no qual a informação visual estereoscópica é apresentada através de CRT4 ou LCD5, sendo a informação auditiva apresentada através de headphones acoplados ao capacete.
 
Ivan Sutherland, em estudos para o seu doutoramento, desenvolveu em 1963 o Sketchpad, o primeiro programa que permitiu ao utilizador desenhar no ecrã (Frischer et al., 2002) e mais tarde, em 1966, adaptou um sistema de vídeo à cabeça do utilizador, o HMD, permitindo a total imersão do utilizador num ambiente visual virtual. Sutherland usou dois tubos catódicos, suportados por um braço mecânico, que permitiam medir a deslocação da cabeça do observador.
 
Este aparelho permitia actualizar correctamente uma imagem visual estéreo, de acordo com o posicionamento e orientação da cabeça do utilizador (Mazuryk & Gervautz, 1996). Sutherland criou assim o Tracker 6, significando seguidor ou localizador, que serve ao rastreamento da posição do utilizador. Também ele se apercebeu que podia usar cenas geradas por computador, em vez de imagens de vídeo e principiou o desenho desse “gerador de cenas”. Este foi o percursor das modernas placas gráficas, uma chave do actual hardware virtual (Burdea & Coiffet, 1994). Em 1968, Sutherland propôs o uso dos stereographic HMD e iniciou técnicas para a utilização de computadores que representassem imagens a duas e três dimensões (Littman, 1996). Através deste sistema a pessoa está fisicamente num ambiente real, mas o seu ambiente mental é ilusório, construído para enganar os sentidos, providenciando estimulação sensorial oferecendo a sensação de que os objectos estão presentes no mesmo ambiente que o sujeito (Sutherland, 1970). Se Hollywood percebeu a narrativa e o realismo, os informáticos compreenderam a interactividade (Pimentel & Teixeira, 1993).
 
Douglas Engelbart quebrou no contexto dos computadores as mesmas barreiras que o Sensorama e o Cinerama quebraram no cinema (Pimentel & Teixeira, 1993). Em 1963, Engelbart fundou o Augmentation Research Center (ARC) com financiamento militar na universidade de Stanford na Califórnia, partilhando dos objectivos do Memex de Vannevar Bush no sentido de potenciar as capacidades de trabalho e inteligência humanas tornando as interfaces mais ergonómicas (Frischer et al., 2002). Surge então o famoso e actualmente imprescindível “rato”, bem como sistemas de software mais acessíveis e intuitivos para o utilizador.
 
No livro “Realidade Virtual”, Rheingold (1997) escreve acerca de uma entrevista entre ele e Douglas Engelbart e conclui: "Não é necessário nenhum conhecimento de informática para compreender a mais importante noção nuclear da ideia de Engelbart: se for possível encontrar formas de usar modelos audiovisuais para combinar as capacidades perceptivas e cognitivas do ser humano com as capacidades representacionais e computacionais dos computadores, conseguir-se-á aumentar a potência das nossas mais importantes ferramentas inatas para enfrentar o mundo - a nossa capacidade de observar, pensar, analisar, raciocinar e comunicar (Rheingold, 1997, p. 82). O autor refere ainda que o uso do “rato” como dispositivo indicador (inventado na década de 60 e disponível na de 80) marcou um sólido avanço no interface homem-computador, que conduziu directamente ao âmago da RV: o uso de input gestual e tridimensional como linguagem de comando (Rheingold, 1997).
 
Podemos pois ver o “rato” como um outro percursor dos mais actuais sistemas RV. O facto do rato permitir o input gestual como uma linguagem de comando computacional foi o primeiro passo da interactividade, que não existia anteriormente, nem no mais imersivo dos sistemas cinematográficos desenvolvidos previamente. Se o uso do circulação da imagem, película ou filme foram a forma de criação de movimento, e assim do cinema, o uso do “rato” foi o início da interactividade e, como tal, da RV.
 
Investigação paralela era desenvolvida na Carolina do Norte por Frederick Brooks, que fundou um departamento de ciências da computação em 1965 e desenvolveu igualmente o conceito de “amplificação da inteligência”. A Universidade da Carolina do Norte tornou-se um centro de investigação em RV, sendo as suas principais diligências desenvolvidas no âmbito da química, medicina e arquitectura (Macpherson & Keppell, 1998). Em 1971, esta universidade apresentou um protótipo de um sistema de Force Feedback, que direccionava a força física para um interface computorizado, permitindo ao utilizador sentir pressão (Mazuryk & Gervautz, 1996; North, North & Coble, 1996). Este desenvolvimento permite a Brooks criar o GROPE II em 1971, melhorado em 1986 (GROPE III). Esta ferramenta servia para que os químicos e estudantes de química pudessem sentir a interacção entre moléculas. A potencialidade de criar feedback táctil permite ao utilizador sentir as forças de atracção e repulsa entre moléculas, tornando a manipulação de dados químicos numa expe­riência física e intuitiva e assim também uma experiência vívida. Esta mesma equipa aplicou os seus conhecimentos à arquitectura, simulando estruturas físicas e posicionando o utilizador no ponto de vista que desejasse, dentro destas (Pimentel & Teixeira, 1993).
 
Thomas Furness III apresenta em 1982 o VCASS (Visually Coupled Airborne Systems Simulator). O VCASS é um capacete de RV no qual os pilotos podem ver imagens sintéticas simbólicas do mundo exterior, de uma forma semelhante a um mapa, através de CRT. Esta simplificação reduz a complexidade do mundo real permitindo uma maior concentração na navegação. O Tracker do VCASS era electromagnético, tinha seis graus de liberdade e foi criado pela Polhemus. Quando o VCASS foi melhorado criou-se o chamado Super Cockpit, aplicado também ao F-16SC. As informações relativas ao tempo, navegação, radar e armas podiam ser representadas e simplificar as operações de voo (Pimentel & Teixeira, 1993).
 
Posteriormente, entre 1981 e 1985 a aplicação de tecnologia de LCD nos HMD por Michael McGreevy e Stephen Ellis, no NASA Ames, tornou-os muito mais acessíveis que o anterior VCASS de Furness. Apesar da sua resolução ser muito menor, era o início da possibilidade de comercialização. A este capacete McGreevy apelidou de VIVED (Virtual Visual Environment Display) (Pimentel & Teixeira, 1993). A ARC (Atari Research Center), fundada por Nolan Bushnel, também colaborou muito na evolução da tecnologia RV com Scott Fisher, Thomas Zimmerman e Jaron Lanier, os quais se aliaram a McGreevy e à NASA no sentido de manter os financiamentos para a sua nova intenção inventiva, as luvas para interacção virtual táctil.
 
Este grupo foi responsável pela criação da DataGlove7 e em 1985 Zimmerman e Lanier fundam a VPL Research. Esta companhia manufactura as populares DataGlove em 1985 e o Eyephone HMD em 1988, com a colaboração do Ames Research Center, na NASA, (Mazuryk & Gervautz, 1996; Rheingold, 1997). Jaron Lanier cunhou o termo “virtual reality” e a sua companhia foi a primeira a comercializar os produtos RV no final dos anos de 1980, desenvolvendo luvas, HMDs e Datasuits, bem como sistemas RV para aplicações cirúrgicas, design de aviação, visualização de sistemas financeiros e entretenimento (Macpherson & Keppell, 1998).
 
Entertanto, em 1986, na NASA e já com financiamentos elevados, Warren Robinett criava simulações do Space Shuttle. Com a introdução de som 3D que se seguiu, o mundo virtual tinha já praticamente tudo para poder imergir totalmente um utilizador num mundo sintético. Com todas estas inovações tecnológicas, apenas os limites da imaginação começaram a contar como barreiras. Em 1992, Max North e seus colaboradores, ao testar um utensílio RV que simulava um tapete voador, notaram que este era capaz de provocar nos utilizadores sintomas fóbicos (North, North & Coble, 1996). Surge assim a primeira aplicação dos sistemas RV à psicologia (ver Rothbaum, Hodges, Kooper, Opdyke, Williford, & North 1995) e é a partir daqui que estes se dedicam a aplicações clínicas. É no entanto importante ressalvar que os psicólogos já estavam no mundo virtual há muito mais tempo, contribuindo para o seu desenvolvimento ergonómico.
 
 
O uso de ambientes virtuais em contexto clínico, de treino e de investigação
 
Os desenvolvimentos tecnológicos descritos anteriormente neste artigo contribuíram para um incremento na quantidade de trabalho a ser desenvolvido em ambientes RV. A semelhança entre os mundos, real e virtual, parece estar relacionada com a sua forma concreta de apresentação. A interacção com estes mundos não é feita de uma forma simbólica de linguagem textual. O utilizador experimenta a RV através dos mesmos processos perceptivos com que interage no mundo real. O realismo, o isolamento do ambiente físico, a inclusão na situação virtual, as estimulações de alta resolução e a alta qualidade e consistência entre estímulos, são os principais responsáveis pela sensação de “estar lá”, a sensação de presença. É interessante notar que o uso de terapias com auxílio de RV estão em terceiro lugar no ranking das terapias mais usadas de entre 38 distintas formas (Norcross, Hedges, & Prochaska, 2002). Este entusiasmo deve-se precisamente ao facto da RV permitir a criação de ambientes que simulam experiências reais com grande realismo. Como tal, o utilizador pode experimentar muitas das mesmas emoções que seriam produzidas por uma experiência real semelhante.
 
Actualmente a realidade virtual é utilizada de forma crescente pelos governos, indústrias, academias e investigadores individuais, possibilitando uma enorme diversidade de produtos e aplicações em diversas áreas. Vários estudos documentam a eficácia da exposição providenciada pela RV a uma variedade grande de situações clínicas. Estes estudos incluem a avaliação e reabilitação neurológica (Andreae, 1996), bem como o tratamento e/ou investigação em perturbações, tais como a acrofobia (medo de alturas), medo de voar, medo de conduzir, desordem de stress pós-traumático, desordens alimentares, disfunção sexual, desordem de atenção por hiperactividade, esquizofrenia, comportamentos adictivos, distração e alívio da dor (e.g., queimaduras), desordem de pánico e agoraphobia e fobia social (ver Glantz & Rizzo, 2003). É difícil estimar quantas clinicas estão actualmente a usar ambientes RV, mas uma companhia chamada Virtually Better possui sistemas em cerca de 40 locais, em 6 países (Estados Unidos, Canadá, Australia, Israel, Argentina e Irlanda) em hospitais, universidades e serviços de prática privada (Glantz & Rizzo, 2003).
 
Os estudos realizados usando terapia de exposição em ambientes RV têm apresentado consideráveis vantagens em relação à exposição tradicional, que recorre à exposição ao estímulo fóbico como principal agente terapêutico. Uma das vantagens é o facto de o terapeuta não necessitar de abandonar o consultório, o que constitui uma significativa poupança de tempo e dinheiro (Botella et al., 1998; Emmelkamp, Bruynzeel, Drost, van der Mast, 2001). Não abandonando o consultório, evita-se igualmente a possível quebra da confidencialidade (Rothbaum et al., 1995). Para além destas razões, muitas vezes a situação temida pode não ser facilmente acessível: um avião, um túnel, um momento de trovoada ou uma situaçao traumática por exemplo, são situações nas quais um simulador pode tornar acessível uma situação de outra forma complexa e dispendiosa para proporcionar ao cliente um momento terapeutico de exposição.
 
A exposição a ambientes RV pode também ser muito útil a pessoas com dificuldade em utilizar a imaginação como forma de terapia (Hodges, Kooper, Meyer). A melhor forma de potenciar a obtenção de controlo e informação parece ser através da exposição, e as pistas de medo estão frequentemente ausentes quando são avaliadas apenas de uma forma lógica, relativamente aos erros de julgamento, no gabinete do terapeuta (Craske & Deborah, 2001).
 
Rothbaum, Hodges, Ready, Graap, & Alarcon (2001) estudaram e apoiaram combatentes veteranos da Guerra do Vietnam (n=10) com desordem de stress pós traumatico (DSPT) com a ajuda de sistemas RV. Um dos ambientes virtuais consistia numa viagem de helicóptero sobre um panorama de Guerra e outro consistia na reprodução de uma área de clareira rodeada de selva. O terapeuta podia controlar efeitos visuais e auditivos (e.g., explosões, dia-noite, gritos), expondo os participantes a memórias de situações progressivamente mais traumáticas, enquanto expostos nestes cenários. Após uma média de tempo de tratamento de 13 sessões notou-se uma redução significativa nos sintomas relacionados com DSPT. Os resultados deste estudo foram promissores e outros investigadores estão de momento a realizar investigação em situações similares como por exemplo situações de terrorismo (Josman et al., 2005) ou no caso particular de situações relacionadas com os recentes conflitos no Iraque (Rizzo et al., 2005). O uso de ambientes RV para o tratamento da DSPT faz todo o sentido, na medida em que é inviável a exposição de militares ou ex-militares a situações reais de conflito. Contudo, a forma como as situações traumáticas sao expostas permite aumentar o efeito terapêutico, dada a “presença” do estímulo ameaçador.
 
Por outro lado, os simuladores e ambientes virtuais podem também apresentar efeitos secundários, semelhantes ao enjoo frequentemente sentido em muitas formas de viajar. O enjoo de movimento que surge nos simuladores (e.g., simuladores de voo, automóveis ou tanques) é semelhante ao que surge em ambientes virtuais e meios de transporte. É um acontecimento desadaptativo e desagradável, manifestando-se através de sensação de desmaio, náusea e vertigem, suores frios e mal-estar geral, frequentemente acompanhado por vómito (Coelho, Santos & Silva 2007; Coelho, Silva, Santos, Tichon & Wallis, 2008). Os avanços tecnológicos têm contudo reduzido significativamente o enjoo e o realismo dos ambientes virtuais faz com que o treino seja cada vez mais adaptável às circunstâncias reais (Coelho, Tichon, Hine, Wallis & Riva 2006).
 
Em 1987, bem antes do surgimento das aplicações RV à psicologia, Marks referiu: “existe um consenso de que os fóbicos e obsessivo compulsivos não melhoram se as suas experiências de exposição não parecerem reais … não sentindo estar de facto lá, ou se a sua mente continuamente foge da tarefa em mãos” (Marks, 1987a, p. 477). Tanto nas apresentações reais como nas exposições RV parece-nos importante que o sujeito não evite, mas antes que lide com o estímulo de forma a permitir que a habituação ocorra com estimulação continuada. A emoção será processada até que ocorra habituação, sendo necessário para isso que o participante se sinta presente no ambiente virtual.
 
 
Conclusão
 
Neste artigo descrevemos o desenvolvimento de sistemas da realidade virtual e as suas raízes históricas. O estudo da história da realidade virtual permite-nos perceber com maior facilidade as razões do seu forte vínculo com a psicologia, devido ao desenvolvimento dos simuladores de voo iniciado durante o período da Segunda Grande Guerra. O desenvolvimento destes sistemas culminou na descoberta de que estes simuladores poderiam ajudar pessoas com medos, tais como o medo de voar e o medo de alturas. O posterior crescimento desta tecnologia fez com que os os actuais sistemas RV sejam actualmente um utensílio de investigação e tratamento usual nos laboratórios e clínicas em todo o mundo, em particular na área relativa a desordens de ansiedade. As principais áreas de interface entre a RV, a psicologia e o exército estão associadas a investigação relativa ao tratamento do distúrbio de stress pós traumático (Josman et al., 2005; Rizzo et al., 2005; Rothbaum et al., 2001); medo de voar (North, North, Coble, 1997; Rothbaum, Hodges, Watson, Kessler, & Opdyke, 1996) e o medo de alturas (Rothbaum et al., 2001; Coelho, Santos, Silva, Tichoon, Hine, & Wallis, 2008).
 
Concluímos por fim que a razão principal do sucesso destes sistemas se prende com o facto de permitirem ao utilizador uma grande semelhança entre os mundos, real e virtual. A interacção com estes mundos é feita através dos mesmos processos perceptivos com que interage no mundo real. O realismo, o isolamento do ambiente físico externo ao da apresentação, a inclusão de quase todos os sentidos (visão, tacto e e audição) na situação virtual, a alta resolução, e a consistência entre estímulos e a resposta do sistema aos movimentos do utilizador, são os principais responsáveis pela sensação de “estar lá”, a sensação de presença. Esta sensação de presença é por sua vez o principal agente activo do processo terapeutico.
 
 
Referências
 
Andreae, M.H. (1996). Virtual reality in rehabilitation - Potential benefits for people with disability or phobias. British Medical Journal, 312, 4-5.
Barfield, W., Danas, E. (1996). Coments on the use of olfactory diplays for virtual environments, Presence: Teleoperators and Virtual Environments, 5, 109-121.
Bouchlaghem, N.M., Thorpe, A., & Liyanage, I.G. (1996). Virtual reality application in the UK’s Construction Industry, (pp 89-94). Construction on the information highway, Turk, Z., CIB W78 Working Commission on Information Technology in Construction, Bled, Slovenia.
Botella, C., Baños, R.M., Perpiña, C., Villa, H., Alcañiz, M., & Rey, A. (1998). Virtual reality treatment of claustrophobia: A case report. Behaviour Research and Therapy, 36, 239-246.
Burdea, G., & Coiffet, P. (1994). Virtual reality technology. New York: John Wiley & Sons.
Coelho, C.M., Santos, J.A., & Silva, C.F. (2007). Enjoo de movimento etiologia, factores predisponentes e adaptação. Psicologia, Saúde e Doenças, 8, 33-48.
Coelho, C.M., Santos, J.A., Silva, C.F., Tichoon, J., Hine, T.J., & Wallis, G. (2008). The role of self-motion in acrophobia treatment. Cyberpsychology & Behavior, 11(6).
Coelho, C.M., Santos, J.A., Silvério, J.M.A., & Silva, C.F. (2006). Virtual reality and acrophobia: one year follow up and Case study. Cyberpsychology & Behavior. 9, 336-341.
Coelho, C.M., Silva, C.F., Santos, J.A., Tichon, J. & Wallis, G. (2008). Contrasting the Effectiveness and Efficiency of Virtual Reality and Real Environments in the Treatment of Acrophobia. Psychnology Journal, 6, 203-216.
Coelho, C.M., Tichon, J., Hine, T.J., Wallis, G., & Riva, G. (2006) Media presence and inner presence: The sense of presence in virtual reality technologies. In G. Riva, M.T. Anguera, Wiederhold, B.K., & Mantovani, F. (Eds) From Communication to Presence. Cognition, Emotions and Culture towards the Ultimate Communicative Experience. IOS Press: Amsterdam.
Craske, M. G., Deborah, C. P (2001). Cognitive biases in anxiety disorders and their effect on cognitive-behavioral treatment. Bulletin of the Menninger Clinic. 65, 58-77.
Emmelkamp, P.M.G., Bruynzeel, M., Drost, L., & van der Mast C.A.P.G. (2001). Virtual Reality Treatment in Acrophobia: A Comparison with exposure in vivo. Cyberpsychology & Behavior, 4, 335-339.
Frischer, B. et al., 2002. "From CVR to CVRO. The Past, Present, and Future of Cultural Virtual Reality," by B. Frischer, F. Niccolucci, N. Ryan, J. Barcelò, Proceedings of VAST 2000, ed. F. Niccolucci, British Archaeological Reports 834 (ArcheoPresss, Oxford) 7-18.
Gigante, M.A. (1993). Virtual reality: definitions, history and applications. In R.A.Earnshaw; M.A.Gigante & H. Jones (Eds.), Virtual reality systems, (pp. 3-14). London: Academic Press.
Gibson, J.J. (1950). The perception of the visual world. Greenwood Press: Connecticut.
Glantz, K., Rizzo, A.S. (2003). Virtual reality for psychotherapy: current reality and future possibilities. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, 40, 1/2, 55–67.
Grau, O. (2004). Virtual Art. From Illusion to Immersion. Boston: MIT Press.
Hodges, L.F., Kooper, R., Meyer, T.C., Rothbaum, B.O., Opdyke, D., Graaff, J.J., Williford, J.S., & North, M.M. (1995). Virtual environments for treating the fear of heights. IEEE Computer, 28, 27-34.
Ijsselsteijn, W. (2003). Presence in the past: what can we learn from media history? In: G.Riva, F. Davide, W.A Ijsselsteijn (Eds.). Being there: Concepts, effects and measurement of user presence in synthetic environments. IOS Press, Amsterdam, Netherlands.
Josman, N., Reisberg, A., Somer, E., Hoffman, H., Palacios, A. G., Hollander, A., et al. (2005). Virtual reality: Innovative technology for the treatment for victims of terrorist bus bombing with post-traumatic stress disorder. Cyberpsychology & Behavior, 8(4), 329-330.
Littman, M.K. (1996). Alternative Meanings through the world of virtual reality. In Kay Vandergrift (Ed.), Mosaics of meaning: ehnancing the intellectual life of young adults through story, (pp.425-455). Lanham: Scarecrow Press.
Macpherson, C., Keppell, M. (1998) "Virtual Reality: What is the state of play in education?" Australian Journal of Educational Technology, 14, 60-74.
Marks, I.M. (1987a). Fears, fobias and rituals. panic, anxiety and their disorders. Oxford: Oxford University Press.
Mazuryk, T., & Gervautz, M. (1996). Virtual reality. History, applications, technology and future. Technical Report. TR-186-2-96-06. Institute of Computer Graphics. Technical University of Vienna.
Norcross, J., Hedges, M., & Prochaska, J. (2002). The face of 2010: A Delphi poll on the future of psychotherapy. Professional Psychology: Research and Practice, 33, 316–322.
North, M.M., North, S.M., & Coble, J.R. (1996). Virtual reality therapy. An innovative paradigm. IPI Press. Colorado.
North, M.M., North, S.M., Coble, J.R. (1997). Virtual environments psychotherapy: a case study of fear of flying disorder. Presence: Teleoperators and Virtual Environments, 6, 127-132.
Pimentel, K., & Teixeira, K. (1993). Virtual Reality. Through the New Looking Glass. New York: Windcrest/McGraw-Hill.
Rheingold, H. (1997). Realidade virtual. Veja. Lisboa.
Rizzo, A., Pair, J., McNerney, P. J., Eastlund, E., Manson, B., Gratch, J., et al. (2005). From training to toy to treatment: Preliminary results from virtual reality therapy: Application for Iraq war military personnel with combat-related post-traumatic stress disorder. Cyberpsychology & Behavior, 8(4), 352-353.
Rothbaum, B. O., Hodges, L. F., Kooper, R., Opdyke, D., Williford, J. S., & North, M. (1995). Effectiveness of computer-generated (virtual-reality) graded exposure in the treatment of acrophobia. American Journal of Psychiatry, 152, 626-628.
Rothbaum, B., Hodges, L., Watson, B., Kessler, G., & Opdyke, D. (1996). Virtual reality exposure therapy in the treatment of fear of flying: a case report. Behaviour Research and Therapy, 34, 477-481.
Rothbaum, B. O., Hodges, L. F., Ready, D., Graap, K., & Alarcon, R. D. (2001). Virtual reality exposure therapy for Vietnam veterans with posttraumatic stress disorder. Journal of Clinical Psychiatry, 62(8), 617-622.
Sutherland, I.E., (1970). Computer Displays. Scientific American, 57-81.
 
__________
 
* Nota: Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a tecnologia (ref. SFRH/BPD/21977/2005) atribuída ao primeiro autor.
**     Doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho. A frequentar pós-Doutoramento na School of Human Movement Studies, University of Queensland, Brisbane, Australia.
***    Professor Associado com Agregação, de nomeação definitiva, Departamento de Psicologia, Insti-tuto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.
 
__________
 
 1 Consideramos a referência de Carr (1995), acerca da diferença entre os simuladores e os ambientes RV. Os primeiros tentam imitar a realidade e os segundos não o fazem necessariamente. Os simuladores criam um ambiente sintético, que é uma realidade simulada, sendo um tipo possível de realidade virtual.
 2 Mazuryk e Gervautz (1996) consideram os sistemas imersivos RV, aqueles que colocam o utilizador totalmente dentro do mundo gerado por computador. Quanto mais estimulação RV e menos estimulação “real” ou externa, mais imersivo é o sistema.
 3 O Acrónimo HMD será usado no texto sempre com o significado de Capacete de Realidade Virtual.
 4 CRT (Cathodic Ray Tubes) são tubos de raios catódicos. Estes geram uma imagem disparando um feixe de electrões contra um ecrã fosforescente, o que activa partículas emissoras de fotões.
 5 Os LCD (Liquid Cristal Display) são feitos de um material que altera a sua aparência quando activado por uma corrente eléctrica fraca.
 6 No HMD, além dos pequenos ecrãs e sistemas de som, tem acoplado a si um tracker. O tracker, pode ser traduzido como seguidor ou localizador. A sua função de providenciar a informação necessária ao computador para calcular e criar as perspectivas visuais e auditivas congruentes com os movimentos do corpo e cabeça do utilizador.
 7 Data Gloves.
 
 
 
Gerar artigo em pdf
2009-09-04
481-0
5072
127
REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia