Introdução
“O que não está rodeado de incerteza não pode ser verdade” afirmou o grande físico Richard Feynman. A incerteza dominante no plano estratégico actual - incerteza que, paradoxalmente, parece constituir a única certeza - deriva de uma Ordem Mundial que se formou (ou tem vindo a formar) após o colapso do comunismo. Uma parte substantiva dos conflitos latentes, até aí aplacados pela norma do poder imposta pelas superpotências, eclodiu com uma violência inaudita, transportando quase em exclusivo, para o seio dos povos, o sofrimento dos exércitos regulares. Muitos destes conflitos, porque opõem o fraco ao forte, porque confrontam os domínios da geografia da fome com os de um Norte rico, tecnológico e, por isso, imbatível nos seus domínios, procuram a decisão através de propostas estratégicas assimétricas. Assim, o terrorismo, constituindo um método antigo, ganhou nos nossos dias dimensão diferente. E conseguiu-o graças à porosidade e abertura da sociedade ocidental, à valorização que a vida humana tem nos quadros de referência das suas opiniões públicas, e à globalização do impacto das suas manifestações, que o tornam cataclísmico.
O sistema internacional, com o Estado no centro dos poderes mundiais, parecia previsível e preditível, na linha do proposto pela física clássica. Uma vez estimado o posicionamento de um actor, a sua dinâmica e as forças que sobre ele actuavam, tornava-se simples projectá-lo num futuro próximo, calculando com alguma precisão a sua trajectória. A estratégia era assim, de algum modo, antecipadamente conhecida, não sendo particularmente difícil preparar os antídotos necessários. Porém, nos nossos dias, o desafio do fraco ao forte e, mais concretamente, o terrorismo internacional de base islâmica, colocaram em causa estas premissas e este determinismo do pensamento.
Parece-nos que o fenómeno actual extravasou largamente a lógica da física newtoniana, e se adequa mais a uma interpretação no domínio da física quântica, metaforicamente utilizada como instrumento de análise. A incerteza, a complexidade, o desconhecimento simultâneo da localização e do momento das células e das cliques terroristas, o seu funcionamento como corpúsculos mas também como fenómenos ondulatórios, levam-nos, ainda que de forma figurada1, a entrar no mundo das pequenas partículas, na procura de uma melhor explicação.
O erratismo do fenómeno
O terrorismo contemporâneo tem uma base islâmica, não querendo com esta afirmação rejeitar a potencial ameaça que pode surgir alicerçada em outras ideologias que entretanto, e com o avolumar eventual da crise que vivenciamos globalmente, se podem querer afirmar violentamente. O total da população muçulmana na Europa está estimado em cerca de 15 milhões (com as mais largas concentrações em França, na Alemanha e no Reino Unido), dos quais menos de 10 000 são considerados como potenciais elementos terroristas pelos serviços de segurança. Este valor representa menos de 0,07% do universo referido. Contudo, independentemente do número, o empenhamento e a motivação dos elementos extremistas, a par da carnificina eventual que pode ser causada, constitui uma séria ameaça à segurança das nossas sociedades (Azzam, 2007: 128). Este problema está potenciado pela dificuldade de integração económica, com a pobreza e com o desemprego sentidos por muitos elementos dessas comunidades (Spalek & Imtoual, 2007: 194, e Kirby, 2007: 422) que, acrescente-se, são étnica, nacional e linguisticamente distintas e com religiosidades também diferentes, seguindo variadas linhas do Islão como o sunismo, o xiismo e o sufismo (Spalek & Imtoual, 2007: 198). A equação complica-se, desde logo, pois não existe um único Islão. As suas linhas de fractura são por demais conhecidas.
Saliente-se ainda que as fracas condições socioeconómicas, o sentimento de não-pertença e a religiosidade entendida como catalisador ideológico poderão facilitar a emergência de condições favoráveis ao recrutamento e, mais perigoso ainda, pelo erratismo associado, ao aparecimento de células, ou melhor, cliques espontâneas (self starters), como aconteceu em Inglaterra. A alienação, o radicalismo sempre presente na juventude, a mensagem messiânica da Jihad e o uso extensivo da Internet levaram quatro britânicos (de segunda e terceira gerações de imigrantes, entre os quais dois considerados perfeitamente integrados) a rejeitarem os laços de identidade e as normas da sua sociedade em favor da Umma global, isto é, da ‘comunidade de crentes’ (Kirby, 2007: 420). O aparecimento destas cliques tem surgido de baixo para cima, não por recrutamento da “rede” ou por orientação directa de mentores, mas porque estes indivíduos se podem agrupar voluntária e espontaneamente para tal efeito, motivados pela descrença na sociedade em que vivem e pelas mensagens do jihadismo extremista que apregoa (com recurso extensivo à Internet) a reconstituição do Grande Califado, a reconquista do Al-Andalus, e a ‘justa libertação de territórios ocupados’ como a Palestina, a Chechénia, o Afeganistão, a Bósnia e o Iraque (Kirby, 2007: 422 e Ibáñez, 2007: 9). Consideram-se mujahideen auto-eleitos, movidos por um messianismo de origem escatológica, uma nova cruzada, e os seus grupos são franchisados da ‘rede global’, separados mas não separáveis daquela. Movem-se bem na Internet, que lhes oferece todos os meios, inclusive de fabricação de explosivos e modos tácticos, não gastam elevadas somas de dinheiro, afastam-se da criminalidade e isolam-se pouco a pouco do resto da sociedade. Isto levou até um polícia britânico a afirmar que “os ataques de Londres foram simples, modestos e baratos, cometidos por quatro homens normais utilizando a Internet” (Kirby, 2007: 421).
Mesmo a ‘rede’, em operações, é errática. A Al-Qaeda, ‘desterritorializada’, revela-se como um catalisador de pequenos grupos autónomos que se mantêm mesmo que um dos elos seja abatido. Não apregoa os objectivos estratégicos imediatos, não anuncia outras intenções que não sejam catastróficas para o mundo dos ‘descrentes’, procura matar sobretudo inocentes para quebrar a confiança da população nos governos, para implantar o medo na sociedade civil, para promover degradações securitárias de ordem jurídica, para enfraquecer as solidariedades dos Estados ocidentais e tornar mais severa as suas dependências energéticas e de matérias-primas (Moreira, 2006: 20). Explora a injustiça, desacredita a democracia e os valores e direitos elementares, propõe-se infiltrar a juventude e os mais fragilizados que aderem às suas mensagens messiânicas, e opera segundo estratégias de subversão e manobras de lassidão da vontade.
A sua mensagem, ainda que desviante por apelar à violência cataclísmica indiscriminada (sofrendo os inocentes pelas injustiças que são cometidas) transforma-se numa realidade para os jovens por ela aliciados, para muitos jovens islamizados e desesperados de tantas zonas deprimidas do nosso planeta que passam a estar “dispostos a lançar-se no amanhã que não têm numa explosão vingativa contra os poderosos que desprezam o seu infortúnio. É verdade: se num mundo mais justo pudéssemos todos viver mais tempo e em melhores condições, aumentaria a segurança global porque haveria menos ressentidos capazes de renunciar à sua vida com o desígnio de punir aqueles que desfrutam egoisticamente a sua de forma mais duradoura e privilegiada” (Savater, 2007: 76).
O extremismo que conduz à morte é um fenómeno sempre presente na História da Humanidade. Ortega Y Gasset afirma que “o homem não pode viver plenamente se não existir algo capaz de preencher o seu espírito até ao ponto de morrer por isso. Quem não descobre dentro de si a evidência deste paradoxo? O que não nos incita a morrer não nos incita a viver” (citado em Savater, 2007: 197).
Trata-se pois de analisar um fenómeno que motiva pessoas a morrer e fazer morrer (inocentes) por ele, sem base territorial fixa, que utiliza as tecnologias mais avançadas, sustentado em injustiças e contradições para as quais o resto do mundo ainda não encontrou respostas, que tenta envolver e aliciar as juventudes mais permeáveis às suas mensagens extremistas e cujo controlo se torna complexo. É neste âmbito que a física quântica pode dar uma ajuda, para compreender que o fenómeno não é determinístico, tem nuances que importa atender e que, sobretudo, se têm atacado os sintomas através, quase exclusivamente, do hardpower, sem compreender o seu carácter holístico e a natureza de outras armas que estão ao dispor dos povos para o seu combate.
O mundo dos quanta
A ameaça tem-se, pois, vindo a pulverizar em pequenas células autónomas, com regras de funcionamento simples mas difusas. O mundo macroscópico, visível, da ameaça do corpo de exército tradicional, deu abruptamente lugar ao mundo microscópico da ameaça distribuída, difusa e dormente, que apenas se torna visível e assume contornos definidos quando se manifesta.
Se olharmos para esta evolução de um ponto de vista abstracto, de teoria de sistemas, poderemos afirmar que esta é a segunda vez que a humanidade se confronta com uma passagem do macro para o microscópico que impõe uma ruptura conceptual e que, de forma mais pragmática, impõe uma completa revolução na forma de abordar e percepcionar o mundo. A primeira terá sido no início do séc. XX, com o surgimento da mecânica quântica.
Curiosamente, como veremos a seguir, há muitos aspectos onde podemos encontrar semelhanças entre os conceitos aplicáveis ao mundo quântico, e a realidade do terrorismo actual: funções de onda, inexistência de trajectórias, efeito de túnel e relações de incerteza.
Localização e omnipresença
A previsibilidade determinística da mecânica macroscópica (conhecidos os parâmetros do movimento e das forças em presença, consegue-se prever a posição futura dos corpos) desapareceu completamente quando diminuímos a escala de análise. No micromundo, não só não há determinismo, como não há sequer uma realidade definida. Não se trata de não conseguir determinar, a priori, a posição de uma partícula; trata-se, sim, de as partículas não terem sequer uma posição definida, que possa ser deterministicamente prevista antes da observação. No micromundo, por muito que isso choque com a nossa intuição, as partículas estão simultaneamente em todo o lado. É apenas quando a observamos, que uma partícula se concretiza e assume uma posição definida. Tudo o que conseguimos determinar a priori é a probabilidade (dada pela chamada função de onda) de que a partícula se manifeste em determinado lugar. Em termos de mecânica quântica, diz-se que a observação faz colapsar a função de onda, uma vez que, quando observamos uma partícula e ela assume, portanto, uma posição definida, a função de densidade probabilística que descreve a sua presença em todo o universo reduz-se à existência de probabilidade 1 de a partícula estar onde foi observada, e de probabilidade 0 de estar em qualquer outro ponto do universo.
Assim sucede, de algum modo, no mundo microscópico da ameaça actual. A ameaça terrorista é difusa, e não tem um lugar específico antes de a observarmos. Existe, na realidade, em todo o lado simultaneamente, até que se manifeste em determinado ponto do globo. Tudo se passa como se, também aqui, tudo o que existisse à partida fosse uma função de densidade probabilística de que a ameaça se manifeste neste ou naquele ponto do globo, com a existência de locais mais e menos prováveis. É quando a ameaça se manifesta, se concretiza, que a função de onda colapsa e se reduz a um único lugar. Depois, tudo volta ao reino das probabilidades e da não existência de locais concretos, à espera da próxima manifestação.
Barreiras e ameaças
Uma consequência importante desta natureza quântica do mundo macroscópico, é o facto de não ser possível criar uma barreira às partículas. Por mais altas (energéticas) que se ergam as barreiras, há sempre uma probabilidade de que a partícula se manifeste do lado oposto de uma barreira cuja dimensão, classicamente, a partícula deveria ser incapaz de superar. Não é possível confinar partículas, seja qual for o material com que construamos o recipiente2.
Também no mundo que abordamos, o do terrorismo ‘pulverizado’, não é possível levantar barreiras que não sejam transpostas. Nenhum controlo de fronteiras, nenhum nível de aculturação civilizacional, nenhum grau de difusão de bem-estar económico, nenhum reforço do espírito ecuménico, parece ser capaz de criar barreiras inultrapassáveis. Assim o tem demonstrado a realidade recente.
Torna-se, pois, necessário reconhecer que, também aqui, seja qual for a barreira que ergamos, existirá sempre uma probabilidade não nula de que surjam cliques terroristas do outro lado.
Determinismo e probabilidades
Esta mudança de escala, do macro para o micromundo da física quântica veio, pois, fazer substituir o primado da previsibilidade determinística pelo da previsibilidade probabilística. Já não se perde tempo ou esforço a tentar determinar a posição futura de partículas, ou a evolução futura de cenários de acordo com leis determinísticas. Concentra-se, sim o esforço, em tentar explicar o passado e prever o futuro em termos de probabilidades. O esforço é focado em tentar determinar a probabilidade de que este ou aquele acontecimento se concretize. Não se tentam determinar acontecimentos; tentam-se determinar probabilidades.
Esta visão probabilística do mundo parece ser, em grande medida, mutatis mutandis, adaptável à análise da ameaça terrorista. A partir do momento em que assumamos que não conseguimos prever acontecimentos, mas apenas probabilidades, e concentremos os esforços e recursos em melhorar e optimizar a estimativa dessas probabilidades; a partir do momento em que percebamos que a melhor forma de defesa é uma modelação estocástica de agentes autónomos, capaz de nos alimentar com previsões, e com análises fiáveis do efeito nas nossas acções nas probabilidades dos acontecimentos; a partir do momento em que percebamos que são as probabilidades altas os nossos inimigos, e as probabilidades baixas os nossos aliados; a partir do momento em que percebamos que, sem alterar o equilíbrio probabilístico da situação, não conseguimos suster a manifestação do fenómeno, nem canalizá-lo para áreas menos vitais; a partir desses momentos, talvez tenhamos começado a ganhar, em vez de continuar a perder.
Origens e trajectórias
No mundo quântico, não há percursos. As partículas deslocam-se por todos os caminhos possíveis. Assim, quando se dá o colapso da função de onda (provocado, ou não, por uma medição) e uma partícula é localizada em determinada posição, não conseguimos determinar qual a trajectória que a fez chegar lá. Mais uma vez, e em rigor, o estranho facto é que a partícula não chegou lá por trajectória específica alguma, mas sim por todos os caminhos simultaneamente3 (Grosche, 1993).
Esta explicação não é melhor nem pior do que qualquer outra para explicar a chegada do terrorismo extremista a determinado ponto do globo. Ele surge em diferentes locais, sem que seja possível traçar um percurso a partir de uma origem. Na realidade, ele tem origem em todo o lado, e é simultaneamente por todos os caminhos que se propaga, neste contexto de globalização e omnipresença de canais de comunicação e difusão de ideologias. Não há trajectórias mais definidas para este tipo de comportamento e ideologia do que há para as partículas elementares. Convém interiorizar o conceito de que também aqui não há trajectórias, nem origens. Só probabilidades e funções de onda.
Influenciando o futuro
Num aspecto, porém, a mecânica quântica segue os trâmites da racionalidade convencional: as coisas tendem a acontecer onde são mais prováveis. A angústia inerente à constatação da incapacidade de determinação da evolução dos acontecimentos é, pois, de algum modo, mitigada pelo facto de sabermos que, se conseguirmos mudar as funções de onda, influenciando as probabilidades que subjazem aos fenómenos, conseguiremos, estatisticamente, encaminhar o futuro para realidades mais favoráveis.
O mesmo se pode afirmar relativamente ao fenómeno terrorista. Mas as probabilidades subjacentes a este fenómeno são determinadas por todo um conjunto de factores distintos, que apenas têm um facto em comum: são causas, não consequências. Influenciar as probabilidades é combater causas; combater manifestações seria combater consequências. Mas é antes do colapso da função de onda, ainda no mundo das probabilidades, que se joga o jogo da mecânica quântica, e que deveremos jogar o jogo do terrorismo. Quando a função de onda colapsa, e a partícula (ou clique terrorista) se manifesta, essa jogada, em bom rigor, já terminou.
Se algo temos a retirar do paralelismo conceptual que tem vindo a ser feito, é esta conclusão: é no combate à função de onda probabilística que se joga o jogo; é no combate às causas que ele pode ser ganho.
Princípio da incerteza
Uma outra lição que a humanidade teve de aprender na física do séc. XX (e que deriva dos pontos anteriores) foi o facto de haver limites àquilo que conseguimos saber sobre a realidade. Há grandezas que, pela sua natureza e inter-relação, não podem ser simultaneamente conhecidas com precisão arbitrária. Mais exactamente, elas não existem sequer de forma simultaneamente precisa. A expressão matemática mais conhecida deste facto é o chamado Princípio da Incerteza de Heisenberg4 (Bohm, 1989:99):
onde Dx e Dp são as variâncias das funções de probabilidade da posição e do momento, respectivamente, e é a constante de Planck reduzida (constante de Planck a dividir por 2p).
Estas relações de Heisenberg são matematicamente muito simples, e limitam-se a traduzir o facto de que, quando dois domínios constituem um par de Fourier entre si (ex: posição - momento, tempo - frequência), há um valor mínimo para o produto das variâncias5 em cada um dos domínios de qualquer função. Fisicamente, isso quer dizer por exemplo que, se no domínio da posição uma partícula tiver uma função de onda muito estreita (ou seja, há uma grande probabilidade de que ela esteja numa posição bem definida, e probabilidade quase nula de que ela esteja noutro sítio qualquer), ela não pode ter simultaneamente uma função de onda muito estreita em termos de momento (ou seja, as probabilidades relativas ao momento estarão pouco concentradas, pelo que haverá poucas certezas sobre qual o momento da partícula).
Também esta lição parece directamente transponível para o mundo do micro terrorismo, ou terrorismo quântico, se o podemos chamar assim. Não há, aqui, claro, domínios que se possam relacionar por transformadas de Fourier, já que o mundo real é, infelizmente, bem mais complexo do que o mundo matemático. Mas há domínios que apresentam relações semelhantes entre si. Num contexto de recursos limitados, não podemos obter precisões arbitrárias simultaneamente sobre todos os vectores. Nomeadamente, a tentativa de aumentar o rigor de previsão sobre o “onde” irá ocorrer a próxima manifestação terrorista, obriga-nos a exercer um esforço de cobertura geográfica global que, devido à dispersão de recursos que implica, vai necessariamente fazer diminuir os níveis de atenção e profundidade em cada localização particular. Esta menor profundidade de análise local vai, por sua vez, fazer diminuir a qualidade da informação local, dificultando estimativas e previsões sobre o “quando” essas células se poderão manifestar. Assim, se designarmos por Dx e Dt as variâncias das funções de probabilidade da localização da ameaça terrorista ( ) e do momento em que se manifestarão ( ), respectivamente, podemos escrever a seguinte desigualdade sociológica:
onde é uma medida do patamar mínimo de insegurança abaixo do qual não conseguiremos trazer a ameaça terrorista (o factor 1/2 foi aqui mantido, apenas para manter a semelhança com a versão quântica destas relações) e dependerá dos recursos disponíveis. Este patamar mínimo dependerá também, naturalmente, de vários outros factores, relativos ao contexto existente. Como factores de natureza endógena e controlável, fundamentais para que seja possível reduzir Dx e Dt a níveis aceitáveis, realçamos os seguintes: o nível de coordenação permanente entre as forças e serviços de segurança e as forças armadas, o nível de capacidade e integração dos sistemas de informações existentes, e a ‘agilidade’ dos processos do estado, tanto na produção legislativa, como na aplicação da justiça.
Princípio da correspondência
O princípio da correspondência foi uma das condições para aceitação da teoria quântica da matéria. Sumariamente, este princípio estabelece que as leis quânticas se devem reduzir às leis clássicas, quando aplicadas a corpos macroscópicos. Este princípio correspondeu a uma necessidade lógica de garantir a consistência entre a realidade física conhecida, e as previsões que a nova teoria produziria quando aplicada ao mundo macroscópico. A mecânica quântica passou este teste com honra e distinção.
Será que também aqui haverá um paralelismo com o terrorismo “quântico”? Haverá um princípio da correspondência para este fenómeno? Será que, aumentando este tipo de terrorismo em frequência e intensidade, as leis que o regem tenderão para uma matriz clássica? Voltaremos a recuperar então o conceito de guerra de ‘massas’, Constituirá isto uma nova nuance da ‘guerra de civilizações’ prevista por Huntington (1998) embora em contexto diferente?
Perguntas que não tentaremos responder aqui.
Conclusões
O terrorismo de base islâmica tem que ser entendido como um fenómeno complexo e difícil de erradicar. Tentámos neste curto texto fazer uma apreciação da complexidade que o reveste comparando-o, num exercício de alguma forma discutível, com a teoria dos quanta. Fizemo-lo com o propósito de alertar para as dificuldades que se colocam quando, para o combater, apenas se utilizam os métodos clássicos do hardpower ao dispor da estratégia. Parece-nos que existem outros instrumentos essenciais que estarão a ser esquecidos. As políticas de integração e de inclusão das comunidades imigrantes que têm que ser mais activas, a criação de um ‘arco de justiça e de segurança’ que passa inevitavelmente pela resolução do conflito israelo-palestiniano que continuamente serve de combustível às mágoas e ressentimentos entre povos, o ecumenismo religioso que foi incentivado por João Paulo II e que coloca em comunhão as diferentes religiões, a promoção de encontros da sociedade civil e académica para encontrar, no pacífico confronto das ideias, soluções que sirvam todos, constituem propostas que, não sendo novas, não podem continuar no domínio da retórica. Persistir nas opções que temos tomado pode-nos trazer a vitória no combate imediato, mas perderemos a ‘guerra’ por perdermos ‘as mentes e os corações’ da opinião pública do Mundo Islâmico. Um inquérito efectuado em seis países do Médio Oriente, pela Universidade de Maryland, dos Estados Unidos da América, mostrou que uma larga maioria cita o petróleo (76%), a protecção de Israel (68%), o domínio da região (63%) e o enfraquecimento do Mundo Árabe (59%) como os principais objectivos políticos dos EUA para a região. Muitos consideram ainda que os ataques executados contra as forças ocidentais no Iraque não constituem actos terroristas e outros, em número também considerável, vêem o Hamas, a Jihad Islâmica e o Hezbollah como legítimas organizações de resistência. Mesmo 74% dos cristãos libaneses consideram o Hezbollah como uma força de resistência. Estas percepções têm que ser alteradas, não descurando a dimensão securitária, mas sabendo que as soluções estão para além dela. O combate deve centrar-se nas causas profundas, e não nas soluções imediatas exclusivamente do domínio da força. “Quando não há futuro, quando não há esperança, o que se pode esperar que um rapaz faça?” disse recentemente um pai de um jovem palestiniano que se fez explodir em Gaza. É necessário responder a estas perguntas, e fazê-lo de forma a que todos os intervenientes possam compreender a resposta.
Temos de alguma forma entendido esta questão como se de uma ‘roleta russa’ se tratasse, esperando que a câmara do revólver esteja vazia, mas esquecendo as outras que estão municiadas. O encontro entre o terrorismo pulverizado e os macrofenómenos que o sustentam ainda não está perfeitamente assimilado e compreendido. Tal como acontece com a física moderna, talvez nós, no mundo ocidental, ainda não tenhamos entendido toda a dimensão do fenómeno. Talvez Einstein tivesse razão: talvez Deus não jogue aos dados6. Mas, se queremos lutar contra o terrorismo, devemos nós aprender a fazê-lo.
Referências Bibliográficas
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BOHM, David (1989). Quantum Theory. New York: Dover Publications.
GROSCHE, Christian (1993). An Introduction into the Feynman path integral. International School for Advanced Studies. Miramare, Italy. [acessível na Internet em <http://arxiv.org/PS_cache/hep-th/pdf/9302/9302097v1.pdf]>.
HUNTINGTON, Samuel P. (1998). The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. New York: Simon & Schuster.
IBÁÑEZ, L. (2007). Actividad Yihadista en Ceuta: Antecedentes y Vulnerabilidades. Trabalho Inédito. Madrid: Universidad Autónoma.
ISAACSON, Walter (2008). Einstein, a sua vida e universo. Portugal, Alfragide: Casa das Letras.
KIRBY, A. (2007). The London Bombers as “Self-Starters”: A Case Study in Indigenous Radicalization and the Emergence of Autonomous Cliques. Studies in Conflict & Terrorism. Londres: Routledge - Taylor and Francis Group.
MOREIRA, A. (2006). As Guerras do Século XX. Separata da Revista Portuguesa de História, Tomo XXXVIII. Coimbra: Universidade de Letras.
SAVATER, F. (2008). A Vida Eterna. Lisboa: Dom Quixote.
SPAEK, B. & IMTOUAL, A. (2007). Muslim Communities and Counter-Terror Responses: “Hard” Approaches to Community Engagement in the UK and Australia. Journal of Muslim Affairs. Volume 27, n. º 2. Londres: Institute of Muslim Minority Affairs.a
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* EMT. Doutorado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, tem estado maioritariamente ligado à área do material eléctrico e electrónico e Sistemas de Informação e Comunicações, tendo prestado serviço em diversas Direcções Técnicas da Marinha Portuguesa. Frequenta actualmente o Curso de Promoção a Oficial General.
** Frequenta o Curso de Promoção a Oficial General no Instituto de Estudos Superiores Militares. Nos últimos seis anos esteve colocado no SHAPE J2/NATO em Mons, foi comandante da Escola Prática de Infantaria e, posteriormente, chefe de gabinete do Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar.
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1 Na linha do que a Estratégia fez com os conceitos oriundos das Teorias do Caos e da Complexidade.
2 Este efeito é referido por “efeito de túnel”, e deu já origem a aplicações tão concretas como, por exemplo, o microscópio por efeito de túnel (Scanning tunneling microscope), cujo desenvolvimento, em 1981, valeu o prémio Nobel aos seus inventores, cinco anos mais tarde.
3 A tradução matemática deste facto encontra a sua melhor expressão na formulação por integrais de percurso proposta por Richard Feynman, (Prémio Nobel da Física em 1965).
4 As relações de Heisenberg são um caso particular das relações de Richardson, relativas ao comportamento de operadores lineares não comutáveis.
5 Lembremo-nos de que a variância dá uma medida da dispersão em torno do valor médio.
6 A frequência com que Einstein, na segunda metade da sua vida, repetiu esta ideia de que “Deus não joga aos dados”, levou Niels Bohr (prémio Nobel da Física em 1922) a retorquir, já exasperado: “Einstein, pare de dizer a Deus o que fazer” (Isaacson, 2008:27).