O contexto estratégico contemporâneo é complexo e de evolução imprevisível, onde às ameaças transnacionais mais tradicionais se adicionam novos e velhos desafios à segurança, que apenas subiram na escala das preocupações dos Estados, ou na percepção da opinião pública, como a segurança energética, as alterações climáticas, o falhanço do Estado e mesmo a actual crise financeira e as suas consequências politicas e sócio-económicas.
Relembramos que o contexto estratégico tem repercussões significativas na vida de todas as populações. Hoje a paz, a segurança e o desenvolvimento estão cada vez mais interdependentes.
Neste pano de fundo vou aqui abordar um tema com o qual lido diariamente: A NATO. Não a NATO do passado, mas a do presente e como eu penso que será, ou deverá ser no futuro incerto que se avizinha.
Assim a minha apresentação, tendo por base o comunicado final da Cimeira da celebração dos seus sessenta anos, realizada a 3 e 4 de Abril em Strasbourg/Kehl, incidirá essencialmente em seis áreas: operações, nomeadamente Afeganistão, relações com a União Europeia (UE), alargamento, transformação e relações com a Rússia. No final dedicarei ainda algum tempo à Declaração da Segurança da Aliança e aos desafios com que a Organização se depara.
A NATO, apesar dos seus 60 anos, mantêm a coerência do propósito, a defesa colectiva para os seus membros, o institucionalizar o link transatlântico e ser o fórum onde a Europa pode debater os seus problemas de segurança e defesa.
A Organização nunca combateu durante a Guerra-Fria, porém está hoje envolvida em cinco operações de diversas tipologias: do combate/estabilização no Afeganistão, à manutenção da paz no Kosovo, passando pela assistência na Reforma do Sector de Segurança na Bósnia e Herzegovina, ao patrulhamento no Mediterrâneo numa missão marítima de anti-terrorismo, ao abrigo do artigo 5º do Tratado de Washington, findando no treino e mentoring, no Iraque através da NTMI.
A NATO participou também em operações humanitárias no Paquistão, apoiou os EUA aquando do furacão Katrina e os seus AWACS apoiaram a segurança no Euro 2004 e nos últimos jogos Olímpicos.
A base da Organização, que é a segurança colectiva foi invocada pela primeira vez em 2001, após os atentados do 11 de Setembro.
Operações
Se os EUA ao início recusaram envolvimento directo da NATO nas Operações no Afeganistão, nomeadamente por Washington não pretender Aliados metidos no meio da sua eficiente máquina de guerra, com o passar do tempo aperceberam-se que o envolvimento era necessário, sobretudo pelo empenhamento que tinham no Iraque e, em Agosto de 2003, a NATO assume a ISAF.
Esta missão, ao abrigo de uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU, e que é a primeira missão de combate terrestre da Aliança, constitui a sua prioridade estratégica, e é onde se joga a sua credibilidade. A ISAF visa a criação de um ambiente seguro, onde os afegãos, possuidores de umas Forças Armadas e de Segurança credíveis, possam exercer o seu próprio governo. O Afeganistão é tão central nos problemas da Aliança, que em Strasbourg/Kehl teve direito a uma Declaração em separado, em que os estados-membros concordaram, entre outras coisas: estabelecer uma NATO Training Mission - Afghanistan; fornecer Operational Mentoring and Liasion Teams em apoio do alargar da actuação territorial do Exército afegão; fornecer mais instrutores para a polícia civil e, apoiar as Forças de Segurança Nacionais do Afeganistão durante o período eleitoral.
Durante esse período também se vai proceder a um reforço das capacidades militares, tendo todos os aliados contribuído, de forma diferenciada e à medida das suas possibilidades, para o incremento do contingente da ISAF.
A solução para o probelema no Afeganistão não é militar; lembramos o velho adágio que as guerras de cariz subversivo, apesar de não se vencerem militarmente, perdem-se pela inacção militar. No Afeganistão, a Estratégia tem de ser total, obedecer ao que agora se designa por Comprehensive Approach, onde a NATO colabora não só com as Autoridades locais mas também com uma miríade de organizações e agências internacionais e não governamentais, e onde a Aliança desempenha o papel do instrumento militar. Porém, em ambientes não permissivos e complexos, como é o caso, outros actores terão relutância ou serão mesmo incapazes de actuar e desenvolver tarefas como a Governance, reconstrução e capacitação institucional, forçando a Organização a assumir a responsabilidade por essas áreas, ao mesmo tempo que garante a segurança.
Nas operações no Afeganistão, que não foram formalmente designadas como Art.º 5º, ficam também evidenciadas a distância entre a ambição política da mesma e o tipo de operações militares que os seus membros são capazes e estão preparados para fazer (Berdal e Ucko, 2009), mostrando as suas fragilidades e divergências internas. Devido aos Caveats e à falta de mobilidade de alguns contingentes, diversos aliados consideram que apenas alguns assumem o fardo das baixas em combate.
Mas não há uma ligação entre a dimensão e natureza dos desafios e a capacidade institucional e das ferramentas à sua disposição. Há a percepção que o envolvimento da Aliança no Afeganistão a põe numa situação de make-or-brake (Berdal e Ucko, 2009), percepção não assumida pelos governantes nem pela própria Aliança.
A importância da necessidade de se aumentarem as valências civis da operação é reconhecida na declaração feita em Strasboug/Kehl sobre o Afeganistão, exigindo um maior empenho da Comunidade Internacional e do Governo Afegão. Os esforços têm de ser levados a cabo aos diversos níveis da Administração, incluindo o nível distrital e provincial, permitindo que de uma forma mais célere o desenvolvimento sócio-económico e a justiça, onde são incluídas as medidas de protecção dos direitos da mulher e as medidas anti-corrupção. Neste processo, que será moroso, a transferência de responsabilidades e liderança da ISAF faz-se gradualmente, permitindo a afeganização da Autoridade em todo o território.
A Declaração enfatiza também a necessidade do diálogo e a reconciliação com aqueles que renunciem à violência, aceitem a Constituição e não tenham qualquer ligação à Al-Qaeda.
Mas a solução para o Afeganistão não é local, passa pelo incrementar da cooperação regional e envolver a Rússia, o Irão, a China, a Índia e nomeadamente o Paquistão, tendo sempre especial cuidado que o disseminar do conflito e das operações militares para o vale Swat aconselham.
O nosso país já teve neste teatro uma Quick Reaction Force de escalão companhia, praticamente sem limitações de emprego e, neste momento participa com dois Operational Mentoring and Liaison Team, uma equipa médica e, para ajuda ao processo eleitoral, será enviado ainda um avião de transporte C-130. Actualmente decorre processo de consultas interna de forma a definir o eventual reforço da participação militar portuguesa.
No Kosovo a Aliança continua a trabalhar com as autoridades, a colaborar com a ONU e a UE bem como com outros actores internacionais, de forma a apoiar o desenvolvimento de um Kosovo pacífico, desenvolvido e multi-étnico. Lembramos que Portugal participa na operação da NATO no Kosovo com uma unidade de escalão Batalhão, que é a reserva da KFOR.
Não podemos deixar também de falar na Operação Allied Protector, conduzida pela Standing NATO Maritime Group 1 sob comando de um Almirante português e com o empenhamento da Fragata Corte Real. Esta operação que agora decorre sobretudo no Golfo de Adem, colabora na contenção da pirataria em conjugação com outras operações, da qual destacamos a Atalanta, mais ao longo da costa somali do Índico, conduzida pela UE, e que são complementares na sua natureza.
Relações NATO - UE
No Conceito Estratégico (CE) de 1991 era já referida a necessidade de a NATO se articular com a Comunidade Europeia (artigo 21) acrescentando-se que a criação de uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa indicaria a preparação dos europeus para assumirem uma maior partilha de responsabilidades pela sua segurança (artigo 21º).
Dos 27 estados-membros da União Europeia (UE), 21 também o são da NATO, e estas duas organizações, que têm propósitos diferentes, partilham valores comuns e interesses estratégicos, possuem uma parceria estratégica na qual é fundamental serem aproveitadas as sinergias de ambas para actuarem de forma complementar em operações de gestão de crises e cooperarem na luta contra o terrorismo, no desenvolvimento coerente de capacidades militares bem como ao nível do planeamento civil de emergência. O relacionamento NATO-UE ao nível da gestão de crises tem por base o Acordo Berlim-plus.
Esta parceria estratégica, de arquitectura complexa, deve ser evolutiva, ser mais efectiva e ter uma maior integração e deve evitar duplicações de capacidades. Porém, para que se concretize e seja credível, as dificuldades com o Chipre, e que prejudicam esta cooperação, devem ser ultrapassadas, pois não podemos esquecer que por exemplo, no âmbito da Aliança, os estados-membros da UE participam em decisões que afectam a segurança europeia, decisões essas que em princípio não são concertadas ao nível da própria União.
O trabalho conjunto não se verifica só no terreno em operações como a Concórdia, Althea, no Afeganistão, no Darfur, e na luta contra a pirataria, mas estão-se a dar passos mais significativos para poder haver uma coordenação mais rápida na resposta a crises através da criação de um NATO - UE Crisis Management Center; do planeamento conjunto, nomeadamente na comprehensive approach, no processo de geração de forças, na gestão de consequências de um ataque com Armas de Destruição Massiva e no intensificar das relações com a Agência Europeia de Defesa, Agência que deve apoiar na definição de capacidades.
Na relação entre ambas, uma Estratégia comum para o Afeganistão é essencial, actuando cada uma na sua área de “conforto”: a NATO como instrumento militar e a UE na área da Governance e na cooperação para o desenvolvimento, contribuindo para uma verdadeira Comprehensive Approach da situação.
Alargamento
Strasbourg/Kehl marca também a entrada formal da Albânia e da Croácia como membros da Aliança. Foi após a queda do muro de Berlim que a Aliança começou a ver a Europa como um todo, encetando um processo de alargamento, levando consigo, entre outros, a democracia, a economia de mercado e o respeito pelos direitos fundamentais do Homem, do Báltico ao Mar Negro1.
O Comunicado refere ainda o alargamento, apesar de em diferentes estágios de integração, da FYROM, das aspirações da Bósnia e Herzegovina, do Montenegro, da Sérvia e da sua substancial colaboração e, reafirma o acordo feito em Bucareste para a integração da Geórgia e da Ucrânia; destes últimos sem eventual prejuízo da decisão quanto ao Membership Action Plan (MAP)2, serão desenvolvidos programas anuais que os ajudem a avançar nas suas reformas. No comunicado é salientado o valor da contribuição de todos estes países para as operações militares3.
Começa no entanto a haver uma certa fadiga neste processo, não sendo consensual. Por exemplo, Sarkozy (2009) pretende uma Aliança aberta ao espaço das nações euro-atlânticas, sendo que para ele a Aliança não é um albergue, a entrada implica a partilha de valores, de poder assumir as responsabilidades e de contribuir efectivamente para a segurança dos aliados e para a estabilidade do continente. Em Bucareste, a França em conjunto com a Alemanha, opuseram-se ao acelerar do processo de adesão da Ucrânia e da Geórgia, contrariando as intenções dos EUA.
Além do mais, alguns aliados receiam que com um alargamento excessivo, o Processo de Decisão por unanimidade acabe por ficar bloqueado e correr-se ainda o risco de diluir a coesão já periclitante, o que pode impedir a elaboração e aplicação de qualquer política comum minimamente coerente e operativa.
No fundo, devem-se consolidar o legado e os objectivos alcançados e, como é referido no Comunicado, ao abrigo do Art.º 10º do Tratado de Washington, apenas ir integrando parceiros que queiram ser aliados responsáveis e que, acrescentamos nós, cumpram as metas do MAP.
A França na NATO
A reentrada da França na Estrutura Militar Integrada é outra novidade da Cimeira. Se os franceses estão presentes querem ter papel activo e influente. Ao participarem na estrutura de comando podem participar no processo de decisão, na definição de objectivos e dos meios militares para as operações. A França passa agora a ter lugar no Defence Planning Committee e no processo de planeamento de forças. No entanto, à semelhança dos Britânicos, mantêm para si a force de frape, pois, segundo Sarkozy (2009) pode haver diálogo sobre a dissuasão, sobre o desarmamento, mas a decisão nuclear não se partilha.
Ainda segundo o seu Presidente, a França pretende:
• Uma Aliança adaptada às novas ameaças;
• Uma Aliança mais eficaz e reactiva;
• O assegurar da Defesa Colectiva bem como, ao abrigo da Carta das Nações Unidas, assegurar as missões que são conduzidas no mundo em nome da segurança e da paz;
• O reforço da parceria estratégica com a UE;
• A reconstrução de uma relação de parceria com a Rússia.
Sarkozy esqueceu-se foi de referir as ambições das suas poderosas indústrias de defesa.
Transformação
Para acolher os novos Membros e garantir a sua interoperabilidade, padronização de procedimentos, logística, conceitos e doutrina, bem como de equipamentos e, em particular, para apoiar a Reforma do Sector de Segurança que conduziu à subordinação dos militares ao poder político e à aceitação das regras da vivência democrática, surgiu o conceito de Transformação. Esta também surgiu no que se designa de Peacetime Establishment, sendo criado inclusive o Comando Estratégico para a Transformação (ACT), responsável pela contínua transformação das forças e capacidades da Aliança.
A transformação é um processo contínuo, dinâmico, com orientações muito específicas do ACT e cuja base hoje é a NATO Response Force (NRF), força conjunta e combinada de 25 mil homens, projectável, com capacidade de resposta muito curta, para cumprir qualquer missão da Aliança como força isolada, como força de entrada inicial ou como força de demonstração, quando e onde quer que seja necessário. Na sua génese está a intenção das suas tropas treinarem em conjunto e de se familiarizarem com novas e diferentes capacidades, assegurando as rotações entre Forças e contingentes o disseminar dos ensinamentos através das diversas Estruturas, Forças e Comandos.
À Força de reacção da NATO continua a faltar-lhe o propósito claro e até agora apenas foi utilizada em ambiente permissivo de ajuda humanitária (Berdal e Ucko, 2009). Há hoje um diálogo quanto ao seu emprego e que confronta duas posições: o emprego apenas em situações definidas aquando da sua criação em Praga em 2002, ou em qualquer situação em que a NATO se encontre sobre forte pressão, sendo o reforço das forças para o Afeganistão durante o período eleitoral um caso típico da divergência de posições entre os aliados. Há vozes que já a apelidaram como um braço da Cruz Vermelha Internacional (Berdal e Ucko, 2009).
Relações NATO-Rússia
A Rússia, desde o findar da Ordem dos Pactos Militares, tem tido, face à Aliança, uma política de desconfiança, pois esta passou a integrar países da sua antiga esfera de influência e mais recentemente, além das reacções às diversas formas de alargamento, tem reagido muito ao desenvolvimento do sistema de defesa anti-míssil.
Desde a liderança de Putin que a Rússia parece estar determinada a reemergir com status de grande potência. Durante a sua presidência apresentou um crescimento de quase 7% de média anual. Foram sobretudo as receitas do petróleo que permitiram este renascer, tendo em 2006 ultrapassado a produção da Arábia Saudita; cada dólar a mais por Barril implica um milhar de milhão de US dólares a mais de receitas. Nesse mesmo ano, cerca de 20% do seu PIB provinha da produção energética. Apesar destes números impressionantes, em 2007 o PIB era um milhão de milhões de US dólares, praticamente o da Holanda, sendo o da China perto dos 2,6 milhões de milhões e o dos EUA com 13,3 milhões de milhões (Sakwa, 2008).
Por outro lado, ao nível de orçamentos de defesa, os EUA apresentam uns impressionantes 538 milhares de milhão de dólares, mais de metade do PIB russo, que dedica apenas 20 milhares de milhão à Defesa. Estes números são expressivos da ambivalência entre ambição e capacidade, isto apesar de os Russos terem orçamentado 200 milhares de milhão para reequipamento até 2014 (Sakwa, 2008).
Pensamos também que futuro geopolítico da Rússia se joga no Ocidente, pois lembramos que a China cresce a Este e a Sul deparam-se com a instabilidade islâmica. Acreditamos que esta evidência é reconhecida e que a Rússia procura apoio ou uma ligação mais estreita com o Ocidente, só que não aceita negociar em inferioridade e pensa, em nosso entender, fazê-lo, mas à sua maneira.
A Aliança, por seu lado, precisa desta ligação e deve saber gerir as diferenças e não negociar em submissão mas sim em igualdade; a actual crise económica e financeira deve ser aproveitada para negociar sem que eles se apresentem com a tradicional soberba.
São diversos os assuntos de interesse mútuo, pelo que o diálogo estratégico deve ser global e construtivo. O Conselho NATO-Rússia permanece importante para o diálogo e cooperação e foi restabelecido a nível embaixadores dia 29 Abril. Este será, por agora, o fórum aconselhável para se dialogar sobre as ameaças e desafios comuns à segurança. Lembramos, sem ser exaustivo, assuntos como o Afeganistão, o terrorismo, a pirataria, a defesa anti-míssil, a segurança energética, o combate ao tráfico de droga, a busca e salvamento, as alterações climáticas, o High North, o desarmamento e controlo de armamento e os esforços para assegurar a ratificação do CFE alterado, bem como a necessidade de se garantir cooperação para a segurança de arsenal nuclear, biológico e químico.
Não podemos no entanto esquecer a Geórgia, que a nosso ver, juntamente com os cortes no reabastecimento energético que, no Inverno passado, conduziram a uma degradação do ambiente com o Ocidente e expôs divisões no seio da Aliança sobre a resposta possível e sobre prioridades.
Declaração de Segurança do Atlântico e Conceito Estratégico
Em Strasbourg/Kehl o primeiro parágrafo de um longo comunicado de 62 parágrafos remete logo para a adopção da Declaração sobre a Segurança da Aliança. Esta Declaração, que contempla dez parágrafos, reafirma os valores, os princípios e os propósitos da Aliança e, ao mesmo tempo, é a base de partida para a discussão do novo Conceito Estratégico, a ser aprovado na próxima Cimeira da NATO a realizar em Lisboa.
A Declaração salienta os principais assuntos e desafios que a Aliança enfrenta e, previsivelmente, enfrentará. Refere a centralidade da Defesa Colectiva e como elemento fundamental da sua estratégia, a dissuasão. Aborda o problema do desarmamento e do controlo de armamento e a sua política de porta aberta ao alargamento às democracias europeias. Destaca ainda as suas principais ameaças, onde inclui os ataques cibernéticos e, nos desafios destaca as alterações climáticas e a segurança energética.
Ao nível das respostas a crises refere a necessidade de capacidades flexíveis e projectáveis, capazes de permitir actuação no território, na sua vizinhança ou à distância estratégica; é ainda fundamental o estreitar da cooperação com outros actores internacionais, de forma a incrementar a Comprehensive Approach, combinando capacidades civis e militares de uma forma mais efectiva. Os três últimos parágrafos são dedicados à Parceria estratégica com a UE, às relações a desenvolver com os parceiros e, destacamos, uma forte parceria cooperativa com a Rússia.
O debate hoje também se centra muito no espaço geográfico de intervenção e na tipologia das operações que a Organização deve efectuar. Quanto à geografia as opiniões variam entre uma NATO como actor de segurança global, a conduzir operações onde necessário, ou uma Aliança regional, de Defesa Colectiva, preocupada com as ameaças junto à fronteira. Quanto à tipologia das operações, se a Aliança só deve actuar como instrumento militar e em todo o espectro do conflito ou só em parte do espectro e com valências civis, ou não.
Os defensores de uma NATO global (Daalder e Golgeier, 2006; Telo, 2009 e Shea 2009), enfatizam que só uma Aliança Global pode fazer face aos desafios globais do presente e que esta já tem parcerias para além da comunidade transatlântica, como a Euro Atlantic Partnership Council, o diálogo com o mediterrâneo, a iniciativa de Istambul, e já conta nas suas operações com a Austrália, o Japão e a Coreia do Sul. A nova arquitectura passaria assim pela criação de uma Global Partnership Council (Daalder e Golgeier, 2006), com países que partilhassem os mesmos valores e interesses. Esta situação implicaria a alteração do Art.º 10º do Tratado de Washington, que precisamente, limita o ser membro ao Continente europeu. Aqui, pensamos que é importante fazer-se uma destrinça entre parceiro e aliado.
Uma NATO global basearia a sua intervenção essencialmente fora dos territórios dos seus membros, tendo por base o princípio que a melhor defesa é atacar o mal nas suas origens. Durante anos predominou a expressão do Senador Richard Lugar´s: go out of area or go out of business. Para este tipo de actuação, a Aliança necessita de capacidade de projecção estratégica e de capacidade de sustentação da Força.
Por outro lado, entre os que advogam uma NATO regional, há os que se referem sobretudo ao ser regional nos membros que a constituem (Merckel, 2009; Sarkozy, 2009), ou seja, ao abrigo do Artº. 10º do Tratado, mas pretendem um envolvimento global da Aliança: em casa, na periferia e à distância estratégica, como acontece hoje; há ainda os que se referem ao ser regional sobretudo na sua área de intervenção geográfica, onde se deve privilegiar a Defesa Colectiva ao abrigo do Artº. 5º. As operações in area são essenciais para a dissuasão e defesa, para a resiliência societal transatlântica e contribuem para uma Europa de paz (Hamilton et al., 2009).
Esta visão impera sobretudo entre os novos membros vindo de Leste e que continuam a ver a ameaça no grande urso russo, a temer cyber-ataques, corte de abastecimentos energéticos, mas acima de tudo uma nova ocupação. Esta situação tornou-se mais óbvia desde os incidentes de Agosto do ano passado que conduziram à guerra na Geórgia.
Alertamos para o facto de o querer ser global e não haver consenso entre os seus Aliados poder levar a que o processo de decisão seja alterado e que se crie uma organização com vários ritmos (Daalder e Goldgeier, 2006; Telo, 2009)4.
A capacidade de projecção continua a ser hoje uma ambição, apresenta no entanto algumas dificuldades, o que a impede a NATO de ser actor de segurança global. Cerca de 70% das Forças não são projectáveis, o que as torna inúteis para cumprir missões. Com esta limitação o Art.º 5º sofre erosão pela incapacidade de, por exemplo, projectar forças pesadas do centro da Europa para zonas fronteiriças. A Europa têm cerca de 1,3 milhões de homens, mas apenas consegue colocar 80 mil em operações. Não sendo projectáveis não existem. Mesmo a NRF cuja capacidade operacional plena foi anunciada em Novembro de 2006, em Riga, em finais de 2008 estava apenas a 26% em forças terrestres. Estas falhas devem-se ao desgaste e aos requisitos para operações como a ISAF, mas também ao decréscimo nos investimentos nacionais. Por exemplo, segundo Berdal e Ucko (2009), entre 1996 e 2006, os orçamentos de defesa europeus combinados, diminuíram de 2,17% para 1,77%.
Esta falta de capacidade de projecção estratégica impede a mobilização da NRF sem o apoio significativo de meios norte-americanos. O facto de as forças serem projectáveis permite-lhes actuar quer in area quer out of área.
No entanto estas operações acabam por ter requisitos comuns. Todos eles exigem (Hamilton et al., 2009):
• intenso debate público e apoio parlamentar;
• reforço das capacidades que são projectáveis;
• melhor sinergia entre a OTAN e os parceiros;
• melhor cooperação entre autoridades civis e militares;
• meios para cumprir missões.
Mas na sociedade da informação de hoje as percepções contam muito, pelo que deve existir um equilíbrio entre intervenção no exterior e no interior. Deve haver a noção que as primeiras têm grande visibilidade, mas que se no interior se perder essa visibilidade junto da opinião pública, preocupada também com as ameaças próximas, se acaba por perder o seu apoio.
Face a estas diferentes opiniões hoje a NATO must also operate in area or is in trouble (Hamilton et al., 2009).
Quanto à tipologia das operações da NATO, e como já referi, as opiniões divergem entre uma NATO que apenas é utilizada como instrumento militar e em todo o espectro do conflito ou só em parte do espectro e com valências civis, ou não.
Este instrumento militar foi criado para ter capacidade de conduzir operações em todo o espectro, esse é o seu nível de ambição oficial; porém, uma vez que tem havido uma predominância das operações de estabilização e de state building, o debate surge. Há países que não têm a certeza que estas últimas sejam as operações para as forças da NATO, para quem o alargar da esfera de actuação arrisca o enfraquecimento da sua vocação primária, considerando-as mesmo uma demonstração de fraqueza e um contributo marginal para a Aliança.
Por outro lado, são muito poucas as Forças dos contingentes aliados que têm capacidade de conduzir operações em todo o espectro; há mesmo contingentes nacionais que praticamente se especializaram em operações de não guerra, pelo que resta saber se depois poderão participar em ambientes não permissivos ou se as suas forças se balcanizaram e já não podem fazer operações de combate em larga escala.
A política e a prática, hoje, na NATO assentam na Comprehensive Approach, e em ambientes permissivos colabora com outras organizações na partilha de trabalho estratégico. A NATO actua apenas como instrumento militar sendo as valências civis desempenhadas por essas outras organizações. Porém, como já referimos, colocam-se as questões: e se o ambiente não é permissivo? Deve ou não a NATO desenvolver capacidades civis?
Não é fácil obter consenso. Mas lembramos que as orientações para a security e safety são essencialmente político-diplomáticas e sócio-económicas, e que a solução pode passar por desenvolver e empregar a capacidade militar sobrante e, essencialmente, trabalhar em apoio de outros actores com estruturas de comando e controlo, na coordenação de transporte estratégico, no apoio logístico, no treino e Reforma do Sector de Segurança ou ainda como força de reacção para protecção de uma força de outra organização.
Estas divergências mostram uma clara diferença entre o que é a teoria e a prática política da NATO, a política oficial dos comunicados e a sua actuação no concreto.
Como militar, não posso deixar de expressar a minha preocupação com mais uma divergência entre a teoria e a prática. Há diversos aliados, sendo a face mais visível o Reino Unido, que pretendem retirar o papel de consulta desempenhado pelo Comité Militar, ou mesmo extingui-lo, com a argumentação de que as suas recomendações além de morosas, reflectem essencialmente uma posição política. Na prática oficial, podemos ver que no penúltimo parágrafo do Comunicado, vem a enfatizar, a propósito da reforma do Quartel-General, a salvaguarda do importante papel deste Comité. Este mesmo parágrafo, e no exemplo claro também do debate interno, vem reafirmar o processo de decisão por consenso.
A NATO sempre foi tida como uma organização político-militar, porém deve assumidamente ser só vista como política, mas possuidora de um instrumento militar muito útil. Nas democracias consolidadas dos seus estados-membros a utilidade da utilização do instrumento militar só faz sentido se for subordinado à política, relembrando aqui o avisado Clausewitz. A questão pode ser a que política, uma vez que na prática a teoria é outra, como diria o Marechal Castelo Branco.
O CE de 1999 já não se adapta na plenitude ao actual contexto estratégico uma vez que é anterior ao 11 de Setembro, ao Iraque, ao Afeganistão, aos cyber-ataques e à última vaga de alargamento. Isto apesar de podemos considerar que a Comprehensive Political Guidance (CPG), de 2006, procurou colmatar essas lacunas e passou a contemplar também a prática da Organização desde o início da intervenção no Afeganistão. No fundo a velha legitimidade pelo exercício iniciada no Kosovo; mas a CPG apesar de actualizar o CE, não o substituiu formalmente.
Entendemos que o próximo CE tem um legado importante a manter, pois a História continua a ter um peso acentuado. Assim, como Legado a manter pensamos que deve:
• Como expressão máxima da solidariedade deve manter a defesa colectiva;
• Representar no essencial o link transatlântico;
• Manter os valores comuns expressos desde 1991, no ceio dos seus membros, sem entrar em trajectórias de exportação de modos de vida;
• Face às incertezas do futuro, manter a dissuasão progressiva com um misto de convencional e nuclear;
• Manter a flexibilidade e agilidade para que com as suas diversas capacidades e valências seja capaz de continuar a responder aos imprevisíveis e complexos desafios com que se deparará;
• Desempenhar um papel activo no desarmamento e controlo de armamento;
• Manter uma estrutura de Comando permanente;
• Manter a necessária Interoperabilidade, em sentido lato;
• Manter a partilha de riscos equitativamente entre os aliados;
• Manter capacidade de ter forças projectáveis, para onde e quando for necessário.
O novo CE, deve compreender o que mudou no mundo e o que se prevê vá mudar. Assim, no mínimo, os desafios múltiplos expressos no documento Multiple Futures 5 do ACT devem ser tidos em conta; não pode deixar de ter espaço para integrar as novas ameaça mas também as preocupações dos novos membros e, para fortalecer a cooperação estratégica com a UE, importa que tenha em linha de conta os interesses expressos no documento Solana.
O documento, a ser aprovado em Lisboa, deve ainda ter espaço para contemplar os seguintes temas genéricos:
• Face às novas e diferentes ameaças o que se entende hoje por Segurança Colectiva;
• O desenvolvimento de uma network security, na expressão de Angela Merkel, de forma a incrementar a Comprehensive Approach;
• A Cyber-defesa;
• Qual o valor acrescentado que a Aliança traz face aos desafios à segurança colocados pelas alterações climáticas;
• Como contribuir, através do seu peso político e se necessário com as sua capacidades, para a segurança económica, onde incluímos o combate à pirataria e a garantia de acesso a recursos energéticos vitais;
• Acentuar a ligação à Rússia e aos Parceiros.
Possível conclusão
A NATO, que na semântica oficial é regional mas que actua com uma vocação global, é uma organização dinâmica, que se alargou e continua nesse caminho, com constante capacidade de adaptação, mostrando uma histórica capacidade de sobrevivência institucional, mas deve evitar ser percebida como uma coalition of the west against the rest.
Pensamos que se devem evitar tergiversações e centrar a sua actuação no amplo espectro das operações militares, da alta à baixa intensidade, no território, na periferia ou à distância estratégica, quando e como for decidida politicamente a sua intervenção.
Independentemente das opções, a NATO requer sempre estruturas de Comando e Controlo, forças adequadas, equipadas e treinadas. Esta situação só é alcançável com a constante vontade política dos seus membros em manterem a Aliança com capacidades militares, mesmo em tempos de crise, pois recordamos que a paz, a segurança e o desenvolvimento estão cada vez mais interdependentes.
A Aliança está viva, dinâmica, em constante adaptação e, recomenda-se.
Fontes diversas
Publicações periódicas
BERDAL, Mats; UCKO, David (2009) - NATO at 60´; In Survival, 51:2, p. 55-76.
DAALDE, Ivo; GOLDGERIER, James (2006) - Global NATO; In Foreign Affairs, Volume 85, n.º 5, September/October, p. 105-114.
HAMILTON, Daniel et all (2009) - Alliance reborn: An Atlantic compact for the 21st Century. The Washington NATO project. Atlantic Council of the United States; Center for Strategic and International Studies; Center for Technology and National Security Policy, NDU; Center for Transatlantic Relations, John Hopkins University SAIS.
SAKWA, Richard (2008) - New Cold War or Twenty years crisis? Russia and international politics; In International Affairs 84:2, p. 241-267.
TELO, António (2009) - Os Caminhos da NATO - O que foi, o que é, o que deve ser; In Relações Internacionais, Janeiro/Março.
Sítios na Internet
MERKEL, Angela (2009) - A new strategy for NATO; In http://www.bundes-kanzlerin.de/Content/EN/Artikel/2009/03/2009-03-26-merkel-regerkl-nato__en.html.
SARKOZY, Nicholas (2009) - Clôture du Colloque sur La France, La Défense Européenne et L’OTAN Au XXIème Siècle. Paris, 11 Mars; In http://www.renovationfranceotan.com/documents/?mode=details&id=67;
www.nato.int.
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* Conferência proferida na Academia Internacional da Cultura Portuguesa aquando da tomada de posse como Académico Correspondente a 11 de Maio de 2009.
** Tenente-Coronel de Infantaria. Conselheiro Militar na PODELNATO. Sócio Efectivo da Revista Militar.
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1 Desde o Conceito Estratégico de 1991 que foram redefinidos os valores da NATO, “values of democracy, human rights and the rule of law” (artigo 16).
2 Em Bucareste foram dados sinais claros à Geórgia e à Ucrânia de que um dia seriam membros, não sendo necessário o processo moroso do MAP, o que ameaçou a integridade do Plano e induzia erradamente a ideia de que as reformas não seriam necessárias. Esta situação foi corrigida em Dezembro de 2004, quando os MNE clarificaram a situação.
3 A Geórgia um Batalhão, a FYROM uma Equipa médica e a Ucrânia uma equipa de EOD.
4 O consenso sem se ter alcançado o acordo é possível. Um Aliado em vez de bloquear a decisão, pode acrescentar um pé de página explicativo da sua posição, ou abster-se de contribuir para qualquer operação a desencadear. Está prática pode ser adoptada profusamente à medida que a Organização cresce em número de membros e em ambição. Sobre este assunto podemos detalhar em (Daalder e Goldgeier, 2006; Telo, 2009).
5 Futuro 1 - Dark side of exclusivity, Futuro 2 - Deceptive Stability; Futuro 3 - Clash of Modernities; Futuro 4 - New Power Politics.