Introdução
Quando, no período fértil do Renascimento, Bodin e Hobbes lançaram as bases conceptuais para a autonomização da segurança enquanto fim da organização política, dificilmente imaginariam que cinco séculos depois o “príncipe” já não deteria o monopólio da violência - garante máximo da segurança da comunidade - e que o “estado natureza” se materializava agora numa configuração complexa, com “actores” de natureza diversa lutando pelas suas aspirações, mas, apesar de tudo, interligados pela teia da globalização, partilhando tantas vezes os mesmos “ways” e “means” para “ends” distintos e, tantas vezes, antagónicos.
É já um lugar-comum referir que o actual paradigma político internacional (quadro de referência para análise teorética de questões políticas mundiais) é manifestamente diferente do anterior - maxime no que concerne ao número e tipo de actores - assistindo-se à transformação de um paradigma «estatocêntrico», com contornos relativamente estáveis, num outro em que abundam diversos tipos de actores, com interesses diversos, agindo num quadro de referência global, em processo de rápida transformação. Realmente, após a queda do muro de Berlim inaugurou-se uma nova época de esperança quase eufórica em que as preocupações com a segurança económica definitivamente se sobrepuseram às preocupações com a segurança militar, almejando o ideal de progresso contínuo, este herdado da crença optimista do século XVIII. Só que em 11 de Setembro de 2001 (doravante apenas referido como 11/9) fomos confrontados com um mundo que julgávamos que já não existia - uma espécie de apocalipse virtual - e entrámos numa zona de tempestades onde nos confrontamos com novas crises, que há dez ou vinte anos julgaríamos impossíveis de acontecerem (Lourenço, 2008, p. 7). O 11/9 foi o tal “cisne negro” de que fala Karl Popper ou Nasim Taleb 1 que, sustentando-se nas entranhas da globalização, deu origem a um sentimento generalizado de insegurança, constituindo-se mesmo como exemplo paradigmático da ordem “securitária” actual. A globalização, a tal “espessa rede de interdependências ou densa malha de interacções” (Moita, 2008, p. 22), transformou ameaças e contribuiu decisivamente para novos riscos e perigos, como os impactos do terrorismo internacional, os falhanços do sistema monetário global, a degradação ambiental, os perigos decorrentes de acidentes humanos catastróficos, etc.
Neste ensaio, analisam-se as perspectivas de diversos actores do sistema político internacional em relação às “novas” ameaças e riscos para a segurança, num contexto em que esta é redefinida e alargada, com a finalidade de esclarecer diferentes abordagens, sejam nacionais, regionais ou globais, e geograficamente representativas de diferentes realidades (África, Europa, América, Ásia). Dada a vastidão de assuntos que, directa ou indirectamente, podem ser envolvidos no âmbito do tema, delimita-se o objecto de estudo, centrando a análise, fundamentalmente, na enumeração e breve caracterização das ameaças e riscos considerados e não nas respostas a esses desafios.
A estrutura deste estudo articula-se em três partes distintas mas complementares. Numa primeira parte, para uma melhor compreensão do objecto em análise, enquadra-se a temática em duas vertentes: a paradigmática, onde se contextualiza a problemática em análise no quadro da globalização, em particular, as implicações da globalização da violência organizada; e a conceptual, onde se analisa de forma necessariamente sucinta os conceitos em questão - segurança, risco e ameaça - à luz das premissas que se julgam mais válidas.
Numa segunda parte, aborda-se a questão da redefinição do conceito de segurança, analisando as “novas” dimensões - humana, societal, ambiental, cooperativa e colectiva - que mais contribuem para o alargamento da abordagem tradicional e que parecem ser as mais relevantes para caracterizar o actual paradigma “securitário”.
Numa terceira parte, faz-se um breve caracterização dos “novos” riscos e ameaças bem como a análise das diferentes perspectivas - nacional, regional e global e geograficamente representativas de diferentes realidades (África, Europa, América, Ásia)
- no sentido de perceber as diferenças e semelhanças em questão.
Enfim, nas conclusões, identificam-se os aspectos mais relevantes resultantes da investigação, permitindo encontrar as deduções entendidas mais adequadas e, dessa forma, cumprir os objectivos propostos.
1. Enquadramento
1.1. A globalização e o actual paradigma de segurança
Tal como já referido, o 11/9 constitui-se como exemplo paradigmático da ordem “securitária” actual, sustentando-se esta asserção nos seguintes factos, entre outros: O 11/9 aconteceu em Nova Iorque, mas foi imediatamente observado em todo o mundo tornando-o um acontecimento verdadeiramente mundial2; Os ataques foram operacionalizados por 19 indivíduos pertencentes à Al-Qaeda, uma organização composta por células distribuídas por 50 países, portanto, uma organização globalizada; os ataques foram coordenados utilizando as tecnologias mais poderosas do mundo globalizado, nomeadamente, os telemóveis, contas bancárias internacionais e a internet, além da aviação comercial; as reacções em todo mundo foram intensas, instantâneas e diversas: houve júbilo em determinadas regiões e um profundo choque noutras; os ataques foram contra símbolos do poder militar e capitalismo americano e não contra quaisquer edifícios; aliás se fossem contra uma central nuclear ou uma barragem a tragédia seria seguramente maior; apesar de os ataques serem nos Estados Unidos da América (EUA), houve vítimas de cerca de 90 países; por último, apesar destes ataques terem decorrido em solo norte-americano, julga-se que as principais razões que os causaram, são acontecimentos ocorridos noutras partes do mundo, nomeadamente na Palestina, Arábia Saudita, etc. (Baylis et al., 2007, p. 2).
Estas constatações associadas ao 11/9 traduzem muito da realidade em que vivemos - num mundo globalizado, em que os acontecimentos políticos, económicos, culturais e sociais estão cada vez mais inter-relacionados e têm um maior impacto nas diferentes sociedades, transmitindo-nos uma sensação de que “o mundo está a encolher”! Exemplos do impacto da globalização fazem-se sentir nos mais diversos sectores: económico - com a criação de mercados globais surge uma economia capitalista global em que empresas multinacionais organizam a produção e o marketing numa base global, enquanto a operação dos mercados financeiros globais determinam que países obtêm crédito e em que condições; militar - o comércio global de armas, a proliferação das armas de destruição maciça (ADM), o crescimento do terrorismo transnacional, o aumento da cooperação militar transnacional e o discurso de uma insegurança global indiciam uma ordem militar global; jurídico - a difusão e desenvolvimento de leis transnacionais e internacionais desde o comércio aos direitos humanos, juntamente com a criação de instituições judiciais mundiais tais como o Tribunal Penal Internacional (TPI), são indicadores de uma emergente ordem jurídica global; ecológico - uma ecologia partilhada envolve problemas ambientais partilhados, desde o aquecimento global à protecção de espécies, juntamente com a criação de respostas multilaterais e regimes de governação ambiental global; cultural - com uma mistura complexa de homogeneização e maior heterogeneidade dada a difusão global da cultura popular, empresas de comunicação globais, redes de comunicação, etc., simultaneamente com a reafirmação de nacionalismos, etnicidade, e diferenças, sendo certo que poucas (ou nenhumas) culturas estão hermeticamente seladas à interacção cultural; social - mudanças nos padrões migratórios de Sul para Norte e de Leste para Oeste tornaram as migrações num alarmante assunto global (Baylis et al., 2007, p. 21).
Por outro lado parece indiscutível que este processo de globalização favoreceu a interdependência, diminuiu a independência, dificultou a coesão nacional e acelerou aquilo a que muitos analistas chamam de “crise do Estado”. À primeira vista, as funções estatais, mesmo no plano da segurança, ter-se-iam progressivamente pulverizado e seriam agora monopolizadas por novos actores, quer supranacionais (tais como as Organizações Internacionais - OI) quer infranacionais (caso das etnias ou das máfias) (David, 2001, p. 45). No entanto, podemos constatar que há tendências que confirmam o Estado como principal unidade de referência no sistema político internacional: nunca em toda a história se contaram tantos Estados como actualmente - dos 51 Estados membros da ONU em 1945, passou-se para os actuais 1923 - demonstrando que, aparentemente, o Estado continua a ser a forma de organização política preferida; o quase4 desaparecimento das guerras interestaduais indica que o território é cada vez menos uma fonte de tensões e objecto de conquista entre Estados, havendo uma estabilização notória das fronteiras e a existência de uma sociedade internacional «de direito» assente nesse princípio; no sector militar o Estado ainda é o actor mais importante e embora as ameaças e os inimigos tenham mudado consideravelmente os governos e os seus aparelhos militares continuam a ser proprietários dos instrumentos que, em última análise, decidem a sobrevivência dos Estados (pelo menos no que toca a uma grande maioria deles) apesar da privatização de alguns sectores da segurança (David, 2001, p. 50).
Este processo de globalização apresenta, pois, desafios fundamentais aos pilares da ordem mundial de matriz “vestefaliana”, baseada na territorialidade, soberania e autonomia. Por um lado, apesar da importância das fronteiras e do território, até por questões administrativas, parece emergir uma nova geografia de organização e poder político transcendendo territórios e fronteiras. O poder soberano e a autoridade dos Estados transforma-se, entendendo-se cada vez mais a soberania como o exercício partilhado de poder e autoridade entre autoridades nacionais, regionais e globais. Num mundo cada vez mais interdependente, para que os Governos possam simplesmente atingir determinados objectivos nacionais e responder eficazmente às necessidades das populações são forçados a envolverem-se em colaborações e cooperações multilaterais comprometendo ou diminuindo a sua capacidade de auto-governação. (Baylis et al., 2007, p. 24) Em boa verdade estes e outros desafios permitem questionar se realmente há um enfraquecimento do Estado ou é apenas a necessária adaptação dos seus “ends-ways-means” aos impactos da globalização.
Por último, também a violência organizada se globalizou contribuindo para o surgimento de “novas guerras”5, principalmente de natureza intra-estatal ou transnacional, localizando-se sobretudo em Estados frágeis e envolvendo combates irregulares complexos entre militares, paramilitares, criminosos e forças privadas, próximo e/ou através de fronteiras estatais não discriminando entre civis e combatentes. O epíteto de modernidade advém-lhe, em grande parte, da capacidade de exploração de redes globais para obter financiamento, armas ou apoio, bem como para facilitar a especulação, extorsão e economias-sombra, tais como o tráfico de diamantes ou de drogas. Num quadro de crescimento da violência organizada informal6 assiste-se uma maior separação entre a distribuição do poder militar formal e a distribuição do poder coercivo efectivo, até porque os Estados deixaram de “possuir o monopólio dos meios de destruição maciça” (Keohane apud Baylis et al., 2007, p. 27).
1.2. Enquadramento conceptual
As definições no âmbito das ciências sociais suscitam um debate frequente; sendo os conceitos portadores de significado, convém nesta fase efectuar uma abordagem conceptual aos objectos da investigação - segurança, ameaças e riscos - no sentido de os clarificar e melhor determinar as dimensões que os constituem.
1.2.1. Segurança
A palavra “segurança” tem origem no latim, língua na qual significa “sem preocupações”, e cuja etimologia sugere o sentido “ocupar-se de si mesmo” (se+cura) (Matos, 2005?).
O debate sobre este conceito não é novo. Aliás, “este é um conceito que não consegue consenso internacional, sendo definido de diversas formas, de acordo com a escola interpretativa, com a região geográfica, país, etc. No fundo, é um conceito contestado, ambíguo, complexo, com fortes implicações políticas e ideológicas” (Garcia, 2006: 341). Parece, no entanto, haver consenso em que a segurança implica a libertação de ameaças em relação a valores centrais, sendo também comum associar ao conceito uma certa ausência de risco e previsibilidade e certeza quanto ao futuro.
Em toda a tentativa séria de definição da segurança é aceitável a existência de um mínimo de três parâmetros: a segurança implica para toda a comunidade a preservação dos seus valores centrais; a ausência de ameaças contra a comunidade; e formulação de objectivos políticos pela comunidade. Pode assim compreender-se como “a ausência de ameaças militares e não militares que pudessem pôr em causa os valores centrais que uma pessoa ou uma comunidade querem promover, e que implicassem um risco de utilização da força” (David, 2000: 27).
Esta definição exclui definições de segurança que tenham mais afinidades com outros domínios de estudos como a economia política, o desenvolvimento, ou ainda a protecção do meio ambiente do que com o campo dos estudos estratégicos. Permite, no entanto, diversas questões (vd. Quadro 1 - Questões acerca do conceito de segurança), o que lhe vale amiúde o epíteto de conceito “mais ambíguo e perturbador relativamente ao edifício político-estratégico” (Nogueira, 2005, p. 77):
Quadro 1 - Questões relativas ao conceito de segurança
Quanto ao sujeito? | - Estados? - Actores não estatais (ONG, OIG, etc.) | - Possuem ainda o monopólio exclusivo do uso da força? É o próprio Estado a raiz do problema da segurança e não a sua solução? - Rivalizam com o Estado na gestão da força e, sobretudo, na prevenção da sua utilização? |
Quanto à natureza? | - Objectiva? - Subjectiva? | - Ameaças reais provocando perdas em vidas humanas, independentemente do autor? - Percepção de ameaças que, se ausentes, contribuem para o desaparecimento do medo? |
Quanto aos objectivos? | - Típicos do modelo vestefaliano? - Modelo pós-vestefaliano? | - Os que afectam a soberania, a sobrevivência, o território e as instituições do Estado? - Os que exigem soluções regionais e internacionais? |
Quanto às abordagens? | - Restrita? - Alargada? | - Centrar-se essencialmente no estudo da «ameaça, da utilização e do controlo da força militar»? - Deverá ser uma visão mais alargada com acrescento de novos actores e de novas dimensões de análise não militares - económicas, societais, ambientais, legais e humana? |
Quanto ao nível de análise? | - Âmbito nacional, regional ou internacional? - Âmbito transnacional e multilateral? | - O Estado mantém-se como o senhor das questões de segurança (âmbito essencialmente interestadual)? - Os novos desafios deverão ser enfrentados colectivamente por actores estatais e não estatais (Estados, OI, ONG) enfrentem colectivamente os novos desafios? “Segurança comum” e “segurança global” comprovam o declínio da influência dos Estado? Ou será o conceito da “segurança humana” o mais apropriado? |
(Fonte: adaptado de David, 2001, p. 29)
Como se pode verificar, o conceito de segurança é hoje objecto de uma renovação conceptual, sendo que as escolas de pensamento, com as suas diversas perspectivas, disputam entre si a compreensão do fenómeno. De qualquer forma, ignorar a importância deste conceito na manutenção e desenvolvimento de qualquer comunidade política é como “as pessoas que esquecem a importância do oxigénio que respiram. A segurança é como o oxigénio - tendemos a esquecê-la até ao momento em que a começamos a perder” (Nye apud Ribeiro, 2008, p. 290).
1.2.2. Ameaças
Tradicionalmente - em ambiente agónico - ameaça é qualquer acontecimento ou acção (em curso ou previsível), de variada natureza (militar, económica, ambiental, etc.) que contraria a consecução de um objectivo e que, normalmente, é causador de danos, materiais ou morais, sendo que no âmbito da estratégia consideram-se principalmente as ameaças provenientes de uma vontade consciente, analisando o produto das possibilidades pelas intenções (Couto, 1988; p. 329). Assim, dizemos que determinada situação é geradora de uma ameaça se o seu agente tiver possibilidades ou capacidades para a sua concretização e se também tiver intenções de a provocar7.
De acordo com o proposto por um painel8 das Nações Unidas, em 2004, a ameaça é hoje entendida como “qualquer acontecimento ou processo que cause mortes em grande escala ou uma redução maciça das expectativas de vida e que enfraqueça o papel do Estado como unidade básica do sistema internacional”. Este conceito permite a inclusão das ameaças consideradas não tradicionais à segurança, com implicações graves, como é o caso do flagelo da SIDA ou de catástrofes naturais e reafirma a centralidade da organização política “Estado” - com as suas características e responsabilidades - no âmbito do sistema internacional.
1.2.3. Riscos9
O conceito de risco é inseparável das ideias de probabilidade e incerteza; na sociedade contemporânea, o conceito caracteriza-se por assinalável polissemia (surgindo por vezes a propósito do que se designa por perigos, catástrofes, acidentes ou ameaças) e refere-se normalmente a um vasto leque de situações de incerteza, associadas a qualquer coisa negativa que poderá ocorrer. O risco é actualmente muito estudado em diversos campos científicos, desde o empresarial ao social, tendo-se atingido um estado relativamente avançado no que concerne a ferramentas que permitem reduzir incertezas e, dessa forma, ponderar de outra forma as decisões.
Tradicionalmente, no campo dos estudos estratégicos, o risco tem relação directa com o planeamento, ao assumirem-se aquelas situações que potencialmente provocam um menor (ou negligenciável) dano, em relação a outras entendidas como ameaças e merecendo, por isso, outro tratamento. A análise e gestão do risco são então ponderadas tendo em consideração os ingredientes tradicionais da estratégia: objectivos, meios e ameaças; em ambiente estratégico (conflitual), como os meios para atingir os objectivos mais importantes raramente são os ideais, é necessário fazer escolhas e correr riscos, planeando-se para a hipótese mais provável…assumem-se, então, os riscos estratégicos.
No âmbito da ONU (Estratégia Internacional para a Redução de Desastres), risco é definido como a “probabilidade de consequências prejudiciais, ou perdas esperadas (…) resultante de interacções entre perigos 10 naturais ou humanamente induzidos e condições vulneráveis”, sendo convencionalmente representado pela expressão:
Risco = Perigos (ou ameaças) x Vulnerabilidades.
Podemos, enfim, considerar que risco é “uma acção não directamente intencional e eventualmente sem carácter intrinsecamente hostil (contrariamente aos termos que caracteriza a ameaça na estratégia), provinda de um actor interno ou externo não necessariamente estratégico (Duarte et al., 1999, p. 107).
1.2.4. Ameaças e riscos
Assim, em jeito de sistematização genérica, e no quadro dos estudos estratégicos e de segurança, podemos referir que a grande distinção entre risco e ameaça é que a ameaça pressupõe uma intenção, portanto um agente racional, enquanto o risco subentende também o acaso ou o fenómeno natural.
É possível entretanto constatar tendências, que derivam em grande parte do campo dos Estudos da Paz, em que analistas de segurança, comentadores e políticos empregam cada vez mais a linguagem e o conceito de “risco”, em vez do mais tradicional, e mais restrito, conceito de “ameaça”. Considera-se que risco abrange um mais vasto leque de problemas para a segurança humana e sobrevivência e, por isso, políticas públicas que tenham em conta todo o espectro de risco - ameaças naturais, vulnerabilidades sociais e económicas, conflito e terrorismo - têm mais hipóteses de avaliar correctamente as prioridades. Concomitantemente, a análise com base no risco permite sublinhar o facto de que os riscos resultam em parte das próprias escolhas de um país ou de um indivíduo (SIPRI, 2007).
2. Redefinição do Conceito de Segurança
Como já referido anteriormente, o conceito de segurança é um conceito contestado, sendo que as controvérsias se situam, principalmente, ao nível do referente a considerar quando se estudam as questões de segurança.
Assiste-se a um alargamento do conceito para fora dos limites “paroquiais” da segurança nacional, incluindo outras considerações para além das de ordem militar, como a política, económica, societal e ambiental, numa perspectiva mais internacional, exigindo aos Estados que pensem e actuem em termos internacionais e globais mais cooperativos. Por outro lado, há correntes que defendem que a prioridade deve ser dada aos seres humanos pois sem eles a “segurança não faz sentido” (Booth apud William, 2008, p. 7).
2.1. A abordagem tradicional
Já desde os Tratados de Vestefália que os Estados são considerados os actores mais poderosos das relações internacionais e que, sem uma autoridade superior que regule as relações entre si, é seu dever garantir a sua própria segurança. Na arena brutal que é o sistema internacional os Estados procuram alcançar a sua segurança à custa de outros vizinhos, sendo as relações inter-estaduais vistas como uma luta pelo poder. De acordo com esta abordagem a paz permanente era utópica e tudo o que os Estados poderiam fazer era tentar balancear 11 o poder de outros Estados para prevenir qualquer hegemonia global.
Durante o período da guerra-fria o debate em torno das questões da segurança foram principalmente de âmbito nacional (a “segurança nacional”12), confinada às dimensões política (luta pelo poder) e militar (em particular, com as capacidades militares que os Estados teriam de desenvolver) e ao uso da força como principal instrumento de resposta para lidar com as ameaças. Com o fim da guerra-fria o conceito de fronteira entrou em revisão, surgiram novos actores na cena internacional, novas ameaças, riscos, perigos e desafios de natureza global e transnacional e assistiu-se, inicialmente, a uma era de maior cooperação entre as superpotências. Mas esta fase mais harmoniosa foi apenas temporária pois com a Guerra do Golfo, os ataques do 11/9 e a invasão da Geórgia pela Rússia, ficou claro que a força é ainda uma maneira efectiva de atingir os objectivos politicamente definidos.
Segurança num sentido tradicional refere-se, então, à situação em que um Estado declara uma condição de emergência, e dessa forma reclama o direito de usar quaisquer meios necessários (legitimando o uso da força) para travar o desenvolvimento de uma ameaça (Buzan et al., 1998, p. 21).
2.2. Novas abordagens ao conceito de segurança13
2.2.1. A segurança humana
É comum envolver no alargamento do conceito de segurança a chamada “segurança humana”. Este termo foi oficialmente utilizado pela primeira vez em 1994, num relatório preparado pelo Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) das Nações Unidas sobre o desenvolvimento humano, que recomendava uma transição conceptual profunda da “segurança nuclear”, logo militar, para a “segurança humana”. De acordo com uma definição popular, segurança humana é um assunto de dignidade humana e não de armas. Em última análise é uma criança que não morreu, uma doença que não se espalhou, uma tensão étnica que não eclodiu, um dissidente que não foi silenciado, um espírito humano que não foi esmagado (Haq apud Williams, 2008, p.7).
Este conceito diminui a ênfase sobre os territórios e acentua a atenção dada às populações; abandona a abordagem da segurança (realista) militar para lhe opor a (liberal) do desenvolvimento sustentável e da intervenção humanitária. Num sentido lato, caracteriza-se por três elementos diferenciadores: foca-se no indivíduo/pessoa como referente da segurança; tem uma natureza multidimensional; tem um âmbito universal, aplicando-se tanto a Estados e sociedades do Norte como do Sul. É influenciado por quatro desenvolvimentos: a rejeição do desenvolvimento económico como principal indicador do desenvolvimento bem como a noção de que “desenvolvimento humano” é factor de maior capacitação (empowerment) das pessoas; o aumento de conflitos internos; o impacto da globalização no alastramento de perigos transnacionais como o terrorismo e pandemias; a ênfase pós guerra-fria colocada na defesa dos direitos humanos e na intervenção humanitária (Baylis et al., 2007, p. 495).
A segurança humana inclui a segurança económica, alimentar, da saúde, ambiental, pessoal, da comunidade e política. A segurança económica envolve um rendimento básico garantido para indivíduos, normalmente em resultado de trabalho produtivo e remunerativo ou, em último recurso, de algum sistema de segurança social financiado com fundos públicos; a segurança alimentar significa que todos, em qualquer momento, tenham acesso físico e económico aos alimentos básicos; a segurança da saúde traduz-se na garantia mínima de protecção contra doenças e estilos de vida não salutares; a segurança ambiental é a protecção das pessoas contra devastações naturais a curto e longo prazo, ameaças humanas contra a natureza e deterioração do ambiente natural; a segurança pessoal implica a protecção de pessoas da violência física, quer seja do Estado (tortura física), de Estados externos (guerra), de outros grupos da população (tensões étnicas) de indivíduos ou grupos contra outros indivíduos ou grupos (criminalidade), ameaças dirigidas contra as mulheres (violações e violência doméstica), ameaças contra as crianças e ameaças contra a própria pessoa (suicídio, uso de estupefacientes); a segurança da comunidade é a protecção das pessoas da perda de valores e relações tradicionais14 bem como de violência sectária e étnica; a segurança política assegura que as pessoas vivam numa sociedade que honre os seus direitos humanos básicos e assegure a liberdade dos indivíduos e grupos de tentativas governamentais para exercer o controlo sobre ideias e informação (PNUD, 1994).
O aparecimento deste conceito traz-nos duas questões importantes: a segurança humana concretiza uma vontade internacional de ingerência, a despeito ou contra a soberania estatal, quando populações estão com dificuldades ou em perigo devido ou não a um problema militar de segurança, sendo a ingerência humanitária, desde o começo dos anos 90 elevada ao estatuto de direito ou dever de ingerência; a segurança humana marca a separação entre a segurança do indivíduo e a do Estado, quebrando um dos postulados da concepção vestefaliana do sistema internacional, pois é suposto que o Estado cuide dos seus cidadãos e se tal não puder ou não quiser cumprir falta ao seu dever (David, 2001, p. 82-83).
2.2.2. A segurança societal (ou identitária)
Uma outra abordagem de segurança tem-se focado no conceito de “sociedade” considerando-a o mais importante referente no que concerne aos estudos de segurança, pois ser completamente humano é fazer parte de um grupo social específico (Williams, 2008, p. 7).
Este domínio da segurança, relativamente inovador, foi inicialmente avançado por Barry Buzan, e, posteriormente, desenvolvido por um grupo de investigação do Centre for Peace and Conflict Research, no sentido de diferenciar segurança do Estado (soberania) e segurança da sociedade (identidade). O Estado é baseado num território fixo e numa associação formal, enquanto a integração societal é um fenómeno muito mais variado - podendo ocorrer simultaneamente em escalas maiores e mais pequenas, transcendendo até a dimensão espacial (Buzan et al., 1998, p. 119).
No âmbito da análise da segurança internacional interessa a ideia que sociedade é acerca da identidade, a auto-concepção de comunidades e indivíduos identificando-se enquanto membros de uma comunidade. Está relacionada sobretudo com a salvaguarda da identidade societal (refere-se ao “nós” que se reproduz e se distingue dos outros), a capacidade de a colectividade manter o seu carácter essencial, os seus modelos tradicionais de linguagem, de cultura, de associação, de costume, de identidade religiosa e nacional, em contexto de mudança e perante ameaças possíveis ou actuais.
Segurança societal difere de segurança social pois enquanto este último é acerca de indivíduos e tem um carácter sobretudo económico, o primeiro trata de colectividades e da sua identidade. Uma outra confusão está associada ao conceito de sociedade, sendo este termo normalmente utilizado para designar a população de um Estado; pode acontecer que um determinado “grupo estatal” não tenha uma identidade (a sociedade sudanesa, por exemplo, é a população do Estado sudanês mas que é composta por diversas unidades societais) (Buzan et al., 1998, p. 120).
Esta perspectiva construtivista15 da segurança é sem dúvida pertinente para compreender os novos conflitos intra-estatais que proliferam desde o fim da guerra-fria, pois tudo o que constitui uma ameaça existencial à sobrevivência do “nós” - seja de tribos, clãs, nações, civilizações, religiões ou raças - torna-se uma questão de segurança. Dois aspectos dominam a segurança societal conciliando-se plenamente com as preocupações actuais sobre segurança humana: a concorrência entre actores pela apropriação, defesa e promoção da identidade - quando não há correspondência entre o Estado e a nação, existe um potencial enorme de desestabilização; a difusão e a exportação para fora das fronteiras estatais dos problemas de segurança societal implicam o envolvimento de um grande número de actores que contribuem para regionalizar e internacionalizar essas questões (David. 2001, p. 95).
2.2.3. A segurança ambiental
Uma outra perspectiva tem ganho relevo apelando para uma maior atenção ao planeta Terra, em vez deste ou daquele grupo de seres humanos que acontece viverem lá. Esta perspectiva argumenta que num nível básico, as políticas de segurança devem fazer sentido ecológico. Em particular, devem reconhecer que os seres humanos são parte da natureza e dependentes de ecossistemas e do ambiente (Hughes, apud Williams, 2008, p. 8). Afinal, o ambiente é o sistema de suporte básico de que dependem todos os outros empreendimentos humanos.
As alterações climáticas têm crescentemente sido consideradas multiplicadores de ameaças. Ao nível da UE este aspecto só recentemente mereceu uma maior atenção com o Documento do Alto Representante e da Comissão Europeia para o Conselho Europeu sobre “alterações climáticas e segurança internacional”16, de 14Mar2008. Aí se refere que as alterações climáticas são um multiplicador de ameaças, pois agravam tensões e dificuldades dentro de cada país e entre países e ameaçam sobrecarregar as regiões frágeis e propensas a conflitos, importando reconhecer que os riscos não são apenas de carácter humanitário, mas também políticos e de segurança. “O impacto das alterações climáticas na segurança internacional não é um problema do futuro, mas já dos nossos dias, e continuará a acompanhar-nos” (Concelho da União Europeia, 2008).
Aliás, tal como refere Robert Kaplan “é tempo de entender o ambiente por aquilo que ele é; o assunto de segurança nacional do início do século XXI. O impacto político e estratégico do aumento de populações, doenças contagiosas, desflorestação e erosão do solo, falta de água, poluição do ar e, possivelmente aumento dos níveis do mar em regiões sobrepopuladas, como o Delta do Nilo e o Bangladesh - desenvolvimentos que irão originar migrações em massa e, consequentemente, incitar a conflitos grupais - será o desafio nuclear da política externa e do qual derivarão muitos outros” (Kaplan apud Williams, 2008, p. 262).
2.2.4. A segurança cooperativa e a colectiva
A redefinição do conceito de segurança passa também pela conceptualização da segurança num quadro de participação activo dos actores principais, submetendo-os a formas de colaboração voluntária, permitindo assim que a paz se construa, principalmente, através de vantagens colectivas (ou, pelo menos, da percepção de).
Ambos os conceitos - segurança cooperativa e segurança colectiva - se relacionam com a estruturação de um sistema de segurança comunitária, partindo de um compromisso associativo entre Estados, e tendo como meta a segurança entre os membros da comunidade. A diferença principal está no momento em que se neutralizam os conflitos. Enquanto na segurança cooperativa se actua anteriormente, prevenindo o surgimento de conflitos que possam alterar a status-quo de segurança entre os Estados membros, (ênfase na prevenção) a segurança colectiva actua neutralizando o conflito, após este ter surgido (ênfase na resolução) (Hardy, 2003).
Assim, pode entender-se por segurança cooperativa a vontade de cooperar entre adversários potenciais a fim de atenuar os riscos postos pelo dilema de segurança17. Essa cooperação encoraja a adopção de medidas que permitam prevenir, reduzir, conter ou resolver ameaças militares susceptíveis de levar a uma guerra. Estas medidas incluem, entre outros factores: o enunciado de doutrinas e de políticas tranquilizadoras, uma maior transparência entre forças militares, a impossibilidade de tentar um ataque de surpresa, limites observáveis ou verificáveis ao desenvolvimento e colocação das armas, mecanismos de consulta facilitando a recolha de dados e informações sobre o estado das armas (David, 2001, p. 256). Apesar de se pretender reforçar a estabilidade e diminuir as incertezas militares, não se limita à militarização do conflito, sendo empregues outras agências e organizações que não só as de defesa, na esteira de uma “comprehensive approach”.
A segurança colectiva 18 assenta numa associação de potências que organiza a paz comum, sendo indispensável nesse sistema uma “liga de nações” (ou autoridade supra-estatal) como instrumento de segurança geral (Viana, 2002, p. 71), e que, idealmente, centralize o uso da força, eventualmente, com a criação de uma força militar a ela adstrita (Saraiva, 2001; p. 53). A ONU constitui actualmente o sistema de segurança colectiva por excelência.
Um modelo baseado nestes conceitos de segurança apresenta algumas limitações, pois ao tratar principalmente conflitos entre Estados secundariza ameaças e riscos de natureza infra-estatal ou transnacional. De qualquer forma parece inevitável que, perante estas ameaças e riscos, os Estados só serão capazes de superar efectivamente as suas vulnerabilidades em contextos de segurança colectiva ou cooperativa transparentes e credíveis.
3. Os “Novos” Riscos e Ameaças
3.1. Breve caracterização
Porque cada vez mais os conceitos de risco e ameaça são utilizados para expressar objectos de análise análogos, doravante referiremos apenas a expressão “ameaças”, englobando nela os conceitos atrás descritos.
Neste mundo cada vez mais globalizado e imprevisível do pós-guerra fria surgiram novos actores que procuram constantemente iludir ou evadir-se às autoridades formais, estatais e internacionais. As ameaças deixam também de ser claras e definidas transformando-se em difusas e polimorfas com natureza anónima, desterritorializada, disseminada e individualizada pela tendência de não se manifestarem num simples evento ou período de tempo e, por vezes, não têm um ponto focal, onde os políticos e governantes possam concentrar as suas atenções e energias. Podem não ser de natureza militar e, na grande maioria, não provêm dos Estados (Garcia, 2006). São ameaças transnacionais e simultaneamente infra-estatais (como o narcotráfico, terrorismo, migrações, riscos ecológicos e ambientais).
As ameaças não militares ganham importância, resultando de condições políticas, económicas sociais ou ambientais que põem em causa o funcionamento e a sobrevivência do Estado e, chegada a ocasião, provocam conflitos e uma violência civil que perturbam as condições de existência das populações. Essas condições modificam, multiplicam e diversificam as ameaças, obrigando assim ao alargamento dos estudos de segurança. Estas ameaças não-militares podem ser associadas a quatro sectores da segurança: segurança política (v.g. terrorismo), económica (v.g. crime transnacional e o tráfico de droga) societal (v.g. fluxos de refugiados) e ambiental (recursos em água).
No paradigma das ameaças anteriores os jogadores e as regras do jogo conheciam-se perfeitamente, pois os “inimigos” tinham forças convencionais e nucleares associadas a um governo, com uma ordem de batalha (dispositivo) relativamente conhecida e linear no desenvolvimento e projecção ao longo do tempo. Por outro lado, o paradigma das novas ameaças é genericamente não-governamental, não-convencional, dinâmico, não-linear, com regras de empenhamento desconhecidas, pelo menos de um dos lados, com um modo de actuação e doutrina assimétrica e imprevisível (Steele apud Garcia, 2006).
De qualquer forma, tal como refere o General Loureiro dos Santos, “grande parte das «novas ameaças» são, na realidade formas de actuação que já foram muito usadas, e relativamente às quais existe adequada doutrina”. Só que a era da informação e a globalização potenciou as suas capacidades e tornou-as bem mais perigosas para as populações e Estados (Santos, 2001, p. 41).
3.2. As diferentes perspectivas
Caracterizam-se em seguida as perspectivas de diversos actores do sistema político internacional - de natureza nacional, regional ou global e geograficamente representativas de diferentes realidades (África, Europa, América, Ásia) - em relação às “novas” ameaças e riscos.
Quadro 2 - Perspectivas consideradas na análise
CONTINENTE | NACIONAL | REGIONAL | GLOBAL |
ÁFRICA | — | § União Africana (UA) | § Organização das Nações Unidas (ONU) |
AMÉRICA | § Estados Unidos da América (EUA) | § Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) § Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) |
ÁSIA | — | § Organização de Cooperação de Xangai (OCX) § OSCE |
EUROPA | § Portugal § Espanha | § União Europeia (UE) § OTAN § OSCE |
3.2.1. Perspectivas nacionais
3.2.1.1. Portugal
É no conceito estratégico de defesa nacional (Resolução do Conselho de Ministros n.º 6/2003) que vêm definidas e caracterizadas as “ameaças relevantes” para a segurança do país. Qualifica as ameaças e riscos de “concretização imprevisível e de carácter multifacetado e transnacional”, num contexto que atenuou as ameaças tradicionais de cariz militar, mas fez surgir factores de instabilidade traduzidos em novos riscos e potenciais ameaças, de que os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 são o paradigma:
- Qualquer agressão armada ao seu território, à sua população, às suas Forças Armadas ou ao seu património, seja no quadro de um conflito generalizado seja no quadro de um ataque localizado;
- O terrorismo, nas suas variadas formas;
- O desenvolvimento e a proliferação não regulados de armas de destruição maciça, de natureza nuclear, radiológica, biológica ou química, bem como dos respectivos meios de lançamento, sua detenção por grupos não estaduais, e ainda a proliferação de meios convencionais, especialmente destrutivos, de médio e longo raios de acção;
- O crime organizado transnacional, sendo que entre as formas com maior grau de violação dos direitos humanos e poder de destruição, encontram-se o tráfico de droga e as redes de promoção e exploração da imigração ilegal e do tráfico de pessoas.
- Atentados ao ecossistema, incluindo a poluição marítima, a utilização abusiva dos recursos marinhos nas águas sob responsabilidade nacional e a destruição florestal.
3.2.1.2. Espanha
Na “Revisión Estratégica de la Defensa”19, de 2002, é feita uma análise de possíveis riscos no sentido de evitar que se convertam em ameaças à segurança espanhola. São riscos não apenas militares, incluindo também todos os factores e situações que podem pôr em causa a segurança, a estabilidade, a liberdade e o progresso:
- Principais:
§ Agressão armada em grande escala contra o território nacional (apesar de improvável);
§ Terrorismo externo;
§ Proliferação de armas de destruição maciça nucleares, biológicas, químicas ou radiológicas (NBQR), e seus sistemas de lançamento, particularmente mísseis balísticos e de cruzeiro;
§ Configuração do território nacional de Espanha, que inclui as cidades espanholas de Ceuta e Melilla, e suas ilhas e penhascos no Norte de África;
§ Interrupção das rotas comerciais (devido à concentração no estreito de Gibraltar) por onde fluem os recursos básicos, sobretudo energéticos;
§ Limitação ao exercício de soberania devido à presença colonial britânica em Gibraltar.
- Outros riscos:
§ Efeitos negativos da globalização, enquanto multiplicadora de riscos, ao permitir que os seus efeitos se propaguem com grande rapidez;
§ Ataques e agressões ao meio ambiente, particularmente instalações nucleares e veículos militares a propulsão ou transportando armas nucleares;
§ Movimentos migratórios extraordinários e não controlados, provocados fundamentalmente pelo deslocamento de grupos populacionais afectados por carências, conflitos ou catástrofes, e favorecidos pela actuação de organizações transnacionais dedicadas ao tráfico de seres humanos.
§ Ataques cibernéticos;
§ Falta de percepção ameaças.
3.2.1.3. Estados Unidos da América (EUA)
As ameaças consideradas pelos EUA encontram-se dispersas por três documentos de natureza estratégica (estratégia de segurança nacional, 2006; estratégia de defesa nacional, 2008; estratégia de segurança interna20, 2007), podendo agrupar-se em quatro grupos de desafios:
- Tradicionais: Estados que empreguem exércitos, marinhas e forças aéreas convencionais em quadros de competição militar (v.g. China);
- Irregulares: Estados e actores não estatais (v.g. movimentos extremistas violentos, Estados falhados, como o Irão) que empreguem métodos como o terrorismo e insurreição para contrariar as vantagens militares tradicionais americanas, ou o envolvimento em actividades criminosas, como a pirataria e tráfico de drogas, que ameacem a segurança regional.
- Catastróficos: Aquisição, posse e utilização de armas de destruição maciça por Estados e actores não-estatais; pandemias mortais e outras catástrofes naturais (e humanas) que produzam efeitos semelhantes a ADM.
- Disruptivos: Estado e actores não estatais que empreguem tecnologias e capacidades (como biotecnologia, operações cibernéticas e espaciais, ou armas de energia dirigida), em novas formas de contrariar as actuais vantagens militares americanas.
- Relacionados com o contexto futuro de segurança: Combinação de pressões físicas - população (v.g. aumento), recursos (v.g. competição), energia, climáticas e ambientais - com mudanças sociais, culturais, tecnológicas e geopolíticas rápidas, criando uma grande incerteza e propiciando novos riscos para a segurança.
3.2.2. Perspectivas regionais
3.2.2.1. União Europeia (UE)
As principais ameaças e desafios em matéria de segurança consideradas pela UE encontram-se, principalmente, descritas em três documentos: “Uma Europa segura num mundo melhor: estratégia Europeia em matéria de segurança”, de Dezembro de 2003; no Documento do Alto Representante e da Comissão Europeia para o Conselho Europeu, de Março de 2008, subordinado ao tema “Alterações climáticas e segurança internacional”; e no “Relatório sobre a Execução da Estratégia Europeia de Segurança: Garantir a Segurança num Mundo em Mudança”, de Dezembro de 2008.
- Estratégia europeia em matéria de segurança:
§ Terrorismo, pois põe vidas em risco, implica custos avultados, procura abalar a abertura e a tolerância das nossas sociedades e representa uma crescente ameaça estratégica para toda a Europa;
§ Proliferação de armas de destruição maciça, sendo considerada, potencialmente, a maior ameaça à segurança europeia;
§ Conflitos regionais, pois têm impacto directo e indirecto nos interesses europeus (v.g. Caxemira, Grandes Lagos, Península da Coreia, Médio Oriente e os que persistem nas fronteiras europeias);
§ Fracasso dos Estados, pois mina a governação à escala global e contribui para a instabilidade regional (v.g. má governação, guerras civis, Somália, Libéria);
§ Criminalidade organizada, pois está muitas vezes associadas a Estados fracos ou enfraquecidos (v.g. tráfico transfronteiriço de droga, mulheres, migrantes clandestinos e armas).
O conjunto de todos estes elementos - terrorismo determinado a fazer uso da máxima violência, disponibilidade de armas de destruição maciça, criminalidade organizada, enfraquecimento do sistema estatal e privatização da força - é considerado uma ameaça verdadeiramente radical.
- Documento “Alterações climáticas e segurança internacional”:
§ Conflito em torno do acesso aos recursos (v.g. escassez de água, especialmente em zonas sujeitas a forte pressão demográfica);
§ Prejuízos e riscos económicos para as cidades costeiras e as infra-estruturas críticas.
§ Perda de território e litígios fronteiriços (v.g. caso de pequenos Estados insulares);
§ Migração por motivos ambientais;
§ Situações de fragilidade e radicalização (v.g. incapacidade dos governos perante as adversidades das alterações climáticas poderá conduzir a tensões entre diferentes grupos étnicos e religiosos no interior dos países);
§ Tensões causadas pelo abastecimento energético (v.g. insegurança energética; aumento da utilização da energia nuclear para efeitos de produção de electricidade e consequentes preocupações com proliferação nuclear);
§ Pressão sobre a governação internacional, pois os impactos das alterações climáticas alimentarão as políticas de ressentimento entre os países que mais responsabilidades têm pelas alterações climáticas e os que mais sofrem com elas.
- Documento “Relatório sobre a Execução da Estratégia Europeia de Segurança: Garantir a Segurança num Mundo em Mudança”:
§ Proliferação de Armas de Destruição Maciça;
§ Terrorismo e Criminalidade Organizada;
§ Ciber-segurança, em que os atentados contra sistemas informáticos tanto privados como governamentais que ocorreram nos Estados-Membros, vieram conferir a este tipo de criminalidade uma nova dimensão, revelando o seu potencial como nova arma económica, política e militar;
§ Segurança energética, com o aumento da dependência energética, é cada vez mais necessário importar petróleo e gás de um reduzido número de países, cuja estabilidade, em numerosos casos, se encontra ameaçada, colocando a UE perante uma série de desafios ao nível da segurança.
3.2.2.2. União Africana (UA)
As principais ameaças consideradas por esta organização regional africana estão elencadas no documento “Declaração solene sobre uma política africana de defesa e segurança”, de Fevereiro de 2004:
- Ameaças comuns internas ao continente africano:
§ Conflitos e tensões inter-estaduais;
§ Conflitos e tensões intra-estaduais;
§ Situações pós conflito instáveis;
§ Situações humanitárias graves;
§ Outras (refugiados e deslocados; minas e outros engenhos explosivos; tráfico de armas ligeiras, pandemias, degradação do meio ambiente; criminalidade violenta e outra incluindo a organizada e transfronteiriça; tráfico humano; tráfico de drogas; branqueamento de capitais).
- Ameaças comuns externas ao continente africano
§ Agressão externa, incluindo a invasão de um país Africano;
§ Conflitos e crises com efeitos adversos sobre a segurança regional africana;
§ Mercenarismo;
§ Terrorismo internacional e actividades terroristas;
§ Efeito negativo da globalização e políticas, práticas e regimes internacionais injustos;
§ Acumulação, armazenamento, produção e proliferação de ADM, particularmente armas nucleares, químicas e biológicas, mísseis balísticos não convencionais e de longo alcance;
§ Crimes transfronteiriços como o tráfego humano e de droga (o que pode constituir uma ameaça a nível regional e nacional);
§ Políticas unilaterais destinadas a isolar países africanos;
§ Despejo de resíduos químicos e nucleares em África.
3.2.2.3. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)
Apesar de muitas das premissas estabelecidas no “Conceito estratégico da Aliança” de 1999 se manterem válidas, o principal documento que considerámos nesta análise é a “Comprehensive Political Guidance” aprovada na cimeira de Riga, em Novembro de 2006, por, previsivelmente, ser a antecâmara do próximo conceito estratégico a aprovar, provavelmente, em 2010/11, desejavelmente em Portugal:
- Ameaças:
§ Terrorismo, cada vez mais global no âmbito e letal nos resultados.
§ Proliferação de armas de destruição maciça.
- Riscos:
§ Instabilidade devido ao fracasso de Estados;
§ Crises e conflitos regionais e suas causas e efeitos;
§ O crescimento de armamento convencional sofisticado;
§ Utilização errada de tecnologias emergentes;
§ Interrupção no fluxo de recursos vitais.
3.2.2.4. Organização de Cooperação de Xangai21 (OCX)
Os documentos onde se caracterizam os principais desafios e ameaças são diversos, realçando-se a “Convenção de Xangai no combate ao terrorismo, separatismo e extremismo”, de Junho de 2001, a “Declaração dos Chefes de Estado membros da OCX”, de Julho de 2005 (Astana), “Declaração no 5º aniversário da OCX), em Junho de 2006 (Xangai), “Declaração dos Chefes de Estado membros da OCX sobre segurança internacional da informação”, de Junho de 2006 (Xangai), e a “Declaração de Bishkek” de 16 de Agosto de 2007.
- Terrorismo (associação com tráfico ilícito de armas, munições, explosivos e drogas; crime organizado transnacional; migração ilegal; actividade mercenária; e, em especial com armas destruição maciça);
- Separatismo;
- Extremismo;
- Tráfico de droga;
- Utilização errada de tecnologias de comunicação da informação22;
- Diversos (pobreza, desastres naturais e tecnológicos, e outros relacionados com a segurança económica, ambiental, energética e informacional).
3.2.2.5. Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)
A “Estratégia da OSCE contra as ameaças à estabilidade e segurança no século XXI”, aprovada em Maastricht, em 2003, é um dos principais contributos da OSCE para a criação de um sistema internacional melhor integrado, permitindo responder com maior eficácia às ameaças e desafios de âmbito mundial:
- Conflitos inter e intra-estatais;
- Terrorismo;
- Criminalidade organizada;
- Discriminação ou intolerância (fruto de tensões étnicas e religiosas, xenofobia, racismo, extremismos violentos, fracasso na integração social, falta de respeito, etc).
- Factores económicos como a inexistência de um Estado de direito, má gestão do sector público e sector empresarial privado, corrupção, pobreza generalizada, elevadas taxas de desemprego, etc.
- Deterioração do meio ambiente, exploração insustentável dos recursos naturais, má gestão dos desperdícios, contaminação, etc.
- Ameaças de índole político-militar, como a acumulação desestabilizadora de armamento convencional, transferência ilícita de armas e a proliferação de armas de destruição maciça.
3.2.3. Perspectiva de carácter global
3.2.3.1. Organização das Nações Unidas (ONU)
De acordo com o relatório do Painel de alto nível sobre ameaças, desafios e mudança “Um mundo mais seguro: a nossa responsabilidade partilhada” 23, de 2004, as ameaças principais à segurança humana e segurança do Estado poderão ser provenientes de actores estatais e não-estatais, não respeitam fronteiras nacionais, estão relacionadas entre si, e devem combater-se nos planos mundial, regional e nacional:
- Ameaças económicas e sociais, como a pobreza, doenças infecciosas e a degradação ambiental;
- Conflitos entre Estados;
- Conflitos internos, como a guerra civil, genocídio e outras atrocidades em grande escala;
- Armas nucleares, radiológicas, químicas e biológicas;
- Terrorismo;
- Criminalidade organizada transnacional.
3.2.4. Síntese das Ameaças/Riscos
Quadro 3 - Síntese das Ameaças/Riscos consideradas mais relevantes
AMEAÇAS/RISCOS DIRECTAMENTE RELACIONADAS COM: | Portugal | Espanha | EUA | UE | UA | OTAN | OCX | OSCE | ONU |
Terrorismo Variadas formas; exterior; extremismo religioso de carácter violento | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ |
Armas de destruição maciça Proliferação não regulada; desenvolvimento não regulado; nuclear; radiológica; biológica e/ou química; meios de lançamento; meios convencionais, especialmente destrutivos, de médio e longo raio de acção | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ |
Conflitos interestatais e/ou regionais Agressão armada ao território, população, forças armadas e património; Caxemira; Grandes Lagos; península da Coreia; conflitos violentos ou latentes na Europa | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ |
Atentados ao ecossistema Poluição marítima; utilização abusiva dos recursos marinhos; destruição florestal; instalações nucleares; veículos a propulsão ou transportando armas nucleares; resíduos nucleares; instalações químicas | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | — | ˜ | ˜ | ˜ |
AMEAÇAS/RISCOS DIRECTAMENTE RELACIONADAS COM: | Portugal | Espanha | EUA | UE | UA | OTAN | OCX | OSCE | ONU |
Crime organizado transnacional Tráfico de droga; redes de promoção e exploração da imigração ilegal e do tráfico de pessoas; tráfico de armas | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | — | ˜ | ˜ | ˜ |
Falhanço dos Estados Má governação; Tirania; separatismo; guerra civil; genocídio; discriminação ou intolerância; agravamento das disparidades económicas e sociais; inexistência de um Estado de direito; má gestão do sector público e sector empresarial privado; corrupção; pobreza generalizada; elevadas taxas de desemprego; branqueamento de capitais; fracasso na integração social e migratória | — | — | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ | ˜ |
Utilização errada de tecnologias emergentes Ameaças cibernéticas e espaciais emergentes; ataques cibernéticos | — | ˜ | ˜ | — | — | ˜ | ˜ | — | — |
Desastres catastróficos naturais Perigos meteorológicos e geológicos; doenças infecciosas; pandemias. | — | — | ˜ | — | ˜ | — | ˜ | — | ˜ |
Interrupção/competição por recursos | — | ˜ | ˜ | — | — | ˜ | | — | — |
Limitação do exercício da soberania | — | ˜ | — | — | ˜ | — | — | — | — |
Movimentos migratórios extraordinários e não controlados Refugiados e deslocados | — | ˜ | ˜ | — | ˜ | — | — | — | — |
Armamento convencional Acumulação desestabilizadora; crescente disponibilidade | — | — | — | — | — | ˜ | — | ˜ | — |
Outras situações geradoras de insegurança Situações pós conflitos instáveis; minas e outros engenhos explosivos; Políticas unilaterais destinadas a isolar países africanos | — | — | — | — | ˜ | — | — | — | — |
3.3. Análise das diferentes perspectivas
Da análise do conjunto, pode-se inferir o seguinte:
- Ao nível nacional há naturais preocupações com as ameaças ao território e população fruto da sua condição de “Estado” (v.g. ameaças tradicionais, como agressão ao território). Há ameaças que são comummente consideradas - como o terrorismo, a proliferação de ADM e os atentados ao meio ambiente - e outras diferentes, que derivam de conceitos de segurança e políticas distintas ou de particularidades geográficas, culturais, políticas, de estatuto, etc;
- Ao nível regional existem também ameaças consideradas igualmente por todos os actores, como é o caso das ameaças relacionadas com o terrorismo, com as ADM, com o falhanço dos Estados e com os conflitos inter-estatais; Notam-se particularidades em resultado da diferente natureza de cada uma das OI e da sua localização geográfica; Ao nível da União Africana (UA)., é interessante constatar que há uma integração das ameaças aos níveis nacional, regional e continental pois é considerado que a defesa de cada país africano está intimamente ligada à de outros países africanos, bem como o de outras regiões e, por essa mesma razão, ao continente Africano como um todo; A União Europeia (UE) só recentemente (2008) considerou explicitamente as alterações ambientais como ameaças à segurança internacional. A Organização de Cooperação de Xangai (OCX) considera como principais ameaças o terrorismo, o separatismo e o extremismo tendo, entretanto, aditado outras relacionadas com o tráfico de drogas e com a segurança económica, ambiental, energética e informacional; A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não considera, pelo menos explicitamente, na “Comprehensive Political Guidance” de 2005, ameaças ou riscos directamente relacionadas com o ambiente, apesar de diversas declarações públicas, dos seus responsáveis, nesse sentido.
- Ao nível global, constata-se uma perspectiva baseada num sistema de segurança colectivo, que se pretende eficaz, eficiente e equitativo, em que os Estados continuam a ser os principais protagonistas na luta contra as “novas” e antigas ameaças, ameaças essas que poderão ser provenientes de actores estatais e não-estatais, não respeitam fronteiras nacionais, estão relacionadas entre si, e devem combater-se nos planos mundial, regional e nacional.
Podemos então notar algumas tendências ao nível da análise do conjunto: parece que as principais ameaças consideradas pelos diferentes actores estão cada vez mais globalizadas, característica que lhe advém essencialmente da sua dimensão de transnacionalidade, ampliada no contexto homogeneizador da globalização; as principais ameaças são consideradas pelos diferentes actores o que indicia uma consciencialização global de segurança e uma harmonização conceptual do conceito; é já notória uma preocupação elevada com as ameaças não exclusivamente militares (v.g. ambientais) considerando-se que, além de constituírem poderosos multiplicadores de outras ameaças, põem em risco o de todos os empreendimentos humanos; são também perceptíveis crescentes preocupações com ameaças relacionadas com a utilização errada das novas tecnologias e, identicamente, com a utilização do espaço; é possível constatar que a grande maioria das ameaças é de natureza não-estatal, sendo possível identificar diversos actores e situações como protagonistas o que, afinal, corrobora a plena regência de um novo paradigma.
Conclusão
Resta-nos, enfim, concluir. Miguel Torga referiu em tempos que “universal é o local menos os muros”24. Em resultado do incontrolado e complexo processo globalizante os acontecimentos políticos, económicos, culturais e sociais estão cada vez mais inter-relacionados e têm um maior impacto nas diferentes sociedades e sectores, favorecendo a interdependência, diminuindo a independência, dificultando a coesão nacional e acelerando aquilo a que muitos analistas chamam de “crise do Estado”. Contudo, é possível constatar que o Estado continua a ser a forma de organização política preferida, o território é cada vez menos fonte de tensões e objecto de conquista entre Estados e, no sector militar o Estado ainda é o actor mais importante, pois os governos e os seus aparelhos militares continuam a ser proprietários dos instrumentos que, em última análise, decidem a sua sobrevivência e contribuem para a sobrevivência de outros. Por outro lado, há desafios fundamentais aos pilares da ordem mundial de matriz “vestefaliana”, baseada na territorialidade, soberania e autonomia, com o emergir de uma nova geografia de organização e poder político transcendendo territórios e fronteiras, com a soberania a ser entendida como o exercício partilhado de poder e autoridade entre autoridades nacionais, regionais e globais e com a imperatividade de os Governos se envolverem em colaborações e cooperações multilaterais comprometendo ou diminuindo a sua capacidade de auto-governação, sendo certo que estes e outros desafios permitem-nos questionar se realmente há um enfraquecimento do Estado ou é apenas a necessária adaptação dos seus “ends-ways-means” aos impactos da globalização. Também a violência organizada se globalizou contribuindo para o surgimento de “novas guerras”, principalmente de natureza intra-estatal ou transnacional, localizando-se sobretudo em Estados frágeis e envolvendo combates irregulares complexos entre militares, paramilitares, criminosos e forças privadas, próximo e/ou através de fronteiras estatais não discriminando entre civis e combatentes. Assiste-se, ainda, a uma maior separação entre a distribuição do poder militar formal e a distribuição do poder coercivo efectivo, até porque os Estados deixaram de possuir o monopólio dos meios de destruição maciça. O conjunto destas razões permite inferir que a globalização contribuiu decisivamente para a redefinição do paradigma “securitário”.
Em resultado da contestação do conceito de segurança, assiste-se a um alargamento do seu conceito para fora dos limites “paroquiais” da segurança nacional, incluindo outras considerações além das de ordem militar, como a política, económica, societal e ambiental, numa perspectiva mais internacional, exigindo aos Estados que pensem e actuem em termos internacionais e globais mais cooperativos, salvaguardando a prioridade que deve ser dada aos seres humanos pelo facto de sem eles a segurança não fazer sentido. E assim, o debate em torno das questões da segurança - confinada tradicionalmente ao âmbito nacional, às dimensões política e militar e ao uso da força como principal instrumento de resposta contra ameaças - alargou-se para outras dimensões. A dimensão humana, em que se diminui a ênfase sobre os territórios e se acentua a atenção dada às populações, abandonando a abordagem da segurança militar para lhe opor a do desenvolvimento sustentável e da intervenção humanitária, dimensão esta que, contudo, legitima o estatuto dever de ingerência e marca a separação entre a segurança do indivíduo e a do Estado. A dimensão societal, centrada no conceito de “sociedade”, relacionada sobretudo com a salvaguarda da identidade societal (refere-se ao “nós” que se reproduz e se distingue dos outros), a capacidade de a colectividade manter o seu carácter essencial, os seus modelos tradicionais de linguagem, de cultura, de associação, de costume, de identidade religiosa e nacional, em contexto de mudança e perante ameaças possíveis ou actuais, tornando-a pertinente para compreender os novos conflitos intra-estatais que proliferam desde o fim da guerra-fria, possibilitando, no entanto, a constatação que quando não há correspondência entre o Estado e a nação, existe um potencial enorme de desestabilização. Uma outra dimensão que tem ganho relevo é a ambiental, não só por se reconhecer que as alterações climáticas são um multiplicador de ameaças - ao agravarem tensões e dificuldades dentro de cada país e entre países - mas, sobretudo, pelo facto de que o ambiente é o sistema de suporte básico (a “basezinha”, como diria o Eça) de que dependem todos os outros empreendimentos humanos. Por último, a dimensão colaborativa - cooperativa e colectiva - considerando-se que só actuando num contexto colectivo e cooperativo os Estados serão capazes de superar as suas vulnerabilidades face à diversidade de novas ameaças que se colocam à sua segurança e dessa forma impedir o enfraquecimento do papel do Estado como unidade básica do sistema internacional.
Neste mundo cada vez mais globalizado e imprevisível do pós-guerra fria as ameaças deixaram de ser claras e definidas transformando-se em difusas e polimorfas com natureza anónima, desterritorializada, disseminada e individualizada pela tendência de não se manifestarem num simples evento ou período de tempo e, por vezes, não terem um ponto focal, onde os políticos e governantes possam concentrar as suas atenções e energias. As ameaças não militares ganham importância sendo, principalmente, de carácter transnacional e simultaneamente infra-estatal (como o narcotráfico, terrorismo, migrações, riscos ecológicos e ambientais). As tendências ao nível das perspectivas nacional, regional e global permitem-nos constatar que as principais ameaças consideradas pelos diferentes actores estão cada vez mais globalizadas, e são comummente consideradas pelos diferentes actores, indiciando uma consciencialização global de segurança e uma harmonização conceptual do conceito; é também notória uma preocupação elevada com ameaças não exclusivamente militares e não estatais (v.g. ambientais e sociais) por constituírem poderosos multiplicadores de outras ameaças.
Enfim, em resultado das constatações anteriores parece-nos lícito considerar a natureza paradoxal do processo da globalização o principal factor responsável pelo actual paradigma de segurança, e onde gravitam as questões conflituais, dos riscos, ameaças, perigos e desafios: se por um lado agravou as injustiças e as desigualdades incentivando a adesão humana a projectos reivindicativos, ou de mero ódio e irracionais, e contribuiu para o enfraquecimento dos Estados, por outro lado, tem contribuído para uma colectivização e maior consciencialização dos valores humanos. É neste paradoxo da globalização, cada vez mais global e homogeneizador, antigo e original, que constatamos que as perspectivas nacionais, regionais e globais, em relação às “novas ameaças”, são cada vez mais análogas e complementares.
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* Major de Infantaria, professor de Estratégia do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM); pós-graduado em Estudos da Paz e da Guerra, pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) e mestrando em Estratégia, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).
1 Taleb caracteriza o “cisne negro” como um “acontecimento altamente improvável que reúne três características principais: é imprevisível; produz um enorme impacto; e, após a sua ocorrência, é arquitectada uma explicação que o faz parecer menos aleatório e mais previsível do que aquilo que é na realidade” (Taleb, 2008).
2 As imagens do embate do segundo avião contra o World Trade Center (WTC) são mesmo as imagens mais vistas da história da televisão (Baylis et al., 2007, p. 2).
3 Desde a queda do muro de Berlim foram admitidos na ONU 35 novos Estados (média de 2 novos Estados/ano).
4 Os acontecimentos no Cáucaso (invasão da Geórgia pela Rússia em 8/8/08) são exemplo de um conflito internacional, demonstrando que o paradigma conflitual ainda mantém uma forte componente de “interestadualidade”; a este respeito é interessante constatar que há já analistas que consideram que a longo prazo estes acontecimentos serão um ponto de viragem com abrangência superior ao 11/9 (cfr. Evans, 2008).
5 De acordo com Mary Kaldor, estas “novas guerras” surgem com a erosão da autonomia do Estado e a perda da legitimidade, caracterizando-se pela violência organizada e violação dos direitos humanos, sem perder, apesar disso, o seu carácter declarado de guerra. Estende esta noção para denominar as guerras virtuais e do ciberespaço, aspecto integrante daquilo que denomina “revolução nas relações sociais da guerra”, induzida pelos desenvolvimentos tecnológicos.
6 De que são exemplos a Al-Qaeda, as tríades, as companhias militares privadas, os cartéis de droga, o narco-terrorismo, o comércio ilegal de armas, etc.
7 Por exemplo, o potencial relativo de combate entre o Reino Unido e o nosso país pende manifestamente para o lado do Reino Unido, no entanto este não tem qualquer intenção de o utilizar contra nós. Assim, não podemos considerar que constitua uma ameaça apesar de ter possibilidades.
8 A more secure world: Our shared responsibility. Report of the High-level Panel on Threats, Challenges and Change (2004).
9 Segundo nos refere Giddens, a palavra “risco” foi inventada por marinheiros portugueses, para caracterizar a navegação em mares desconhecidos e significava “ousar”.
10 Perigo: Acontecimento potencialmente danoso fisicamente, actividade humana ou fenómeno que pode causar a perda de vidas humanas (…), rupturas económicas e sociais ou a degradação ambiental. Estratégia Internacional para a Redução de Desastres/ONU.
11 A balança de poderes é um mecanismo de prevenção contra a formação de potenciais Estados hegemónicos, assistindo-se a uma distribuição de poder entre os Estados de forma a garantir que nenhum Estado ou aliança tenha preponderância em relação aos restantes (Zinnes apud Saraiva, 2001, p. 44).
12 No âmbito dos estudos de segurança, a segurança nacional fundia-se no conceito de “interesse nacional”, ou segundo concepções mais liberais, o que era estudado (e protegido) era realmente a “segurança do Estado”, pois muitos Estados eram hostis para determinadas nacionalidades dentro das suas próprias fronteiras (Williams et al., 2008, p. 7).
13 Tal como já referido, estas dimensões são as que mais têm contribuído para o alargamento da abordagem tradicional. Há, no entanto, outras dimensões a merecerem crescente atenção como é o caso da segurança energética, da informacional, etc. A segurança energética, inclusive, é já das principais preocupações de organizações como a UE a OTAN, ou de países como os EUA, preocupação essa expressa em importantes documentos ou declarações dos mais altos responsáveis.
14 No próprio relatório do PNUD também se alerta que as comunidades tradicionais podem também, por outro lado, perpetuar práticas opressivas, como é o caso de certas comunidades africanas em relação à mulher (mutilação genital, etc.).
15 O construtivismo é uma abordagem teórica às Relações Internacionais (primeiramente utilizada por Nicholas Onuf em 1989), em que, apesar de várias versões (das quais releva a “escola de Copenhaga”), se manifesta uma preocupação comum de como as ideias definem a estrutura internacional (ideias enquanto factores estruturantes); em como esta estrutura molda as identidades, os interesses e as políticas externas dos Estados; e como os actores estatais e não-estatais reproduzem essa estrutura e a transformam (Baylis et al. 2008, p.162)
16 Na estratégia europeia em matéria de segurança constante do documento “Uma Europa segura num mundo melhor”, de Dezembro de 2003, não constam referências explícitas a este aspecto (enquanto ameaças à segurança), apesar de se reconhecer a ligação entre o aquecimento global e a concorrência em matéria de acesso aos recursos naturais.
17 O dilema de segurança é produto das relações de poder entre Estados. Perante ameaças e insegurança os Estados optam por reforçar a sua segurança e diminuir as suas vulnerabilidades. Este acréscimo de capacidade cria desconfiança nos outros Estados levando-os a proceder de igual forma, numa lógica de acção-reacção, contribuindo para uma escalada na aquisição de capacidades militares (v.g. corrida aos armamentos) e consequente aumento da insegurança.
18 Não se devem confundir estes termos - segurança colectiva e segurança cooperativa - com a defesa colectiva. Nos sistemas cooperativo e colectivo previne-se, mantém-se ou recupera-se a segurança entre os membros da organização, ou seja, no interior do sistema (v.g. ONU). Na defesa colectiva, a principal preocupação é com o exterior da organização/sistema (v.g. OTAN).
19 Estava previsto para final de 2008 um novo documento, que incluiria as questões da segurança energética e as alterações climáticas. Cfr. em http://www.ecoticias.com/20081015-zapatero-incluira-el-cambio-climatico-y-la-seguridad-energetica-en-el-documento-sobre-la-futura-estrategia-de-las-fuerzas-armadas‑.html 20 National Strategy for Homeland Security.
21 A OCX é uma organização intergovernamental criada em 15 de Junho de 2001, em Xangai, pela República do Cazaquistão, Republica Popular da China, República do Quirguistão, Federação Russa, República do Tajiquistão e República do Uzbequistão, derivando do mecanismo “Xangai 5”. Tem uma população de 1,5 mil milhões, o que corresponde a um quarto da população do planeta, o que só por si é indiciador da importância no sistema mundial. Índia, Irão, Mongólia e Paquistão têm o estatuto de observador.
22 Information communication technology.
23 Report of the High-level Panel on Threats, Challenges and Change - A more secure world: Our shared responsibility (2004).
24 Afirmação esta plena de actualidade, até pela desordem criada pela queda do muro de Berlim, em 1989.