Nº 2491/2192 - Agosto/Setembro de 2009
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Centro de Análise Estratégica para Assuntos de Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Outras Perspectivas, Novos Rumos…
Coronel
Luís Manuel Brás Bernardino

Nota Introdutória

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) constitui-se actualmente um património geocultural de quatro continentes, sendo um instrumento de primeira importância para a cooperação lusófona e para o desenvolvimento sustentado dos seus Estados-membros. No plano interno, trata-se para os países, de um elemento fundamental da sua identidade específica, valor cada vez mais relevante num contexto de intensos intercâmbios económicos, linguísticos e culturais, como é o mundo globalizado de hoje. Nesse intuito, a Comunidade constitui-se como um factor de união entre países, organizações, continentes e oceanos, representando uma sinergia comum de mais de 500 anos, que se constitui estrategicamente vital para cada um dos Estados-membros. Aspecto que importa fazer evoluir de forma a reafirmar uma identidade que nos uniu novamente em 1996. No plano externo, é ao mesmo tempo uma plataforma de comunicação global por via da Língua Portuguesa, fórum de concertação político-diplomática, encontro de culturas e mais recentemente, partilha de segurança e defesa. Estes factores, imprescindíveis para a participação plena na vida internacional dos nossos tempos, constituem um importante contributo para o reforço da afirmação conjuntural dos países lusófonos nos contextos regionais em que se inserem, bem como no plano mundial.
 
A Língua Portuguesa constitui o vector estratégico que faz de oito países do mundo, povos irmãos e que permite aproveitar, mais e melhor, o enorme potencial geopolítico que detém, projectando-a globalmente e exponenciando as suas vastas potencialidades no futuro, no intuito de reforçar uma relação de irmandade e posicionamento geoestrategico único no mundo contemporâneo. Esta visão estratégica, sintetiza a vivência histórico-cultural, multi-secular, de experiências partilhadas, de relações complexas e de interacções assimétricas, que o tempo, as circunstâncias, as vontades e as capacidades dos homens determinaram. Neste âmbito, nasceu em Portugal, cresceu e expandiu-se pelo mundo fora, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que tendo naturalmente a língua, a história e a cultura como base conceptual de partida, ultrapassou já largamente estes dignos propósitos.
 
Actualmente, se quisermos apresentar uma rápida e sintética caracterização da Comunidade, podemos dizer que esta projecta-se estrategicamente em quatro continentes, unidos por três oceanos, em que os povos que a integram constituem uma “família” de oito países onde a língua oficial é o Português, ligando cerca de 240 milhões de pessoas, num espaço de 10,7 milhões de km2 de terra e 7,6 milhões de km2 de mar. Representa cinco séculos de história conjunta, de trocas comerciais, culturais e políticas e um sem número de vivências em comum, apesar da enorme distância física entre os povos que a compõem. Ao longo da sua ainda curta existência, a CPLP vem assumindo uma postura crescentemente global, em que o seu campo de intervenção é cada vez mais abrangente e a relevância e pertinência da sua acção muito maior. Assume especial relevo a área da defesa e da segurança, que assentando numa cooperação sólida, dinâmica e estratégica, contribui para a afirmação regional dos Estados-membros, nos espaços de inserção conjuntural e regional, e por essa via, da afirmação da organização ao serviço da Lusofonia no mundo.
 

A componente de Defesa e Segurança da CPLP

O cenário internacional no período da Guerra-Fria pronunciou que, se por um lado, diminuíram significativamente os conflitos entre os Estados, por outro, aumentaram os conflitos dentro dos Estados. Esta característica inovadora da multiplicação dos conflitos intraestatais e regionalizados, induziu as organizações a consolidarem a cooperação no domínio da defesa e da segurança. Conceitos como “segurança colectiva” ou “segurança cooperativa”, apontavam para uma partilha de responsabilidades entre os Estados e as Organizações no âmbito da segurança e da defesa. Este aspecto transportou para o Sistema Político Internacional e para as Organizações (Internacionais ou Regionais), novos desafios e inovadoras formas de encarar esta geoestratégica interdependência. Actualmente, constata-se que as ameaças e os riscos globais que afectam os Estados e a Comunidade (em geral) carecem, devido ao grau de complexidade crescente, de respostas múltiplas, melhor articuladas e de dimensão maior. Neste contexto, os Estados e as Organizações, mesmo as que não tiveram como propósito inicial o domínio da cooperação nas vertentes da segurança e da defesa (como foi o caso da CPLP), foram “obrigadas” a incluí-las nas suas agendas para a cooperação estruturada, reformulando os objectivos, as suas estratégias e criando órgãos específicos que passaram a ocupar-se desta área específica. Nesse intuito, constata-se que a componente de defesa da CPLP constituiu uma área de preocupação praticamente desde a sua criação, embora não estivesse formalizada nos Estatutos e na Declaração Constitutiva de 1996.
 
A vertente da cooperação da “nova” dimensão de defesa surge ao âmbito das políticas externas dos (na altura) sete Estados-membros da organização, representando uma tentativa de concertar posições e de alinhar estratégias e dando corpo a um dos seus principais objectivos - o reforço da cooperação e da concertação político-diplomática inter-Estados. O vínculo à cooperação na área da Defesa ficou mais forte após 1998, quando em Portugal se realizou (por sua iniciativa), a 1ª Reunião de Ministros da Defesa, em que Portugal, os PALOP e o Brasil1, estabelecem as primeiras linhas orientadoras da futura vertente de cooperação na área da Defesa da CPLP. Após a 4ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Brasília em 2002, a cooperação na área da Defesa e da Segurança Interna, passou a constar nos Estatutos da Comunidade e as reuniões de Ministros da Defesa passaram a realizar-se no quadro das outras reuniões ministeriais sectoriais estatutariamente consignadas. Ao longo de mais de uma década de existência, foram sendo dados passos seguros no sentido de consolidar e aprofundar a relação entre os Estados signatários, com vista a fortalecer a Comunidade e consequentemente cada um dos seus Estados-membros nesta vertente específica. Este processo institucional, que ocorreu transversalmente em todas as áreas da cooperação, teve uma expressão ímpar na vertente da Defesa, que sendo uma das áreas mais recentes da cooperação, apresentou um crescimento sustentado, participativo e considerado por muitos como exemplar. Importa pois no âmbito desta abordagem, fazer esse caminho, percorrendo sumariamente a evolução dos Instrumentos de Defesa da CPLP ao longo da sua curta existência2, com particular ênfase, neste caso, para o Centro de Análise Estratégica para Assuntos de Defesa da CPLP, abreviadamente designado e conhecido por CAE.
 

Os Instrumentos de Defesa e Segurança da CPLP

O início formal da vertente de Defesa na CPLP ocorreu com a realização da 1ª Reunião dos Ministros da Defesa da CPLP em 1998, constatando-se que dois anos depois da assinatura do Acto Constitutivo, o pilar da Defesa dava (ainda fora do âmbito restrito e estatutário da organização) os primeiros tímidos passos. A dinâmica da organização em crescendo, integrada num mundo em convulsão permanente, em que o factor “segurança” assumia especial relevância, foi o aspecto primordial que levou os Estados-membros, a abrir as portas para a cooperação institucional numa área de preocupação transversal - a Defesa. Em Oeiras, deram-se os primeiros passos, abriram-se as primeiras portas da globalização da Cooperação Técnico Militar, assistindo-se à sua formalização em Protocolo, cerca de oito anos depois, em 15 de Setembro de 2006. Neste lapso de tempo, avanços e recuos pairaram sobre a mesa das negociações, em especial os aspectos relacionados com a implementação e evolução dos diversos pilares da cooperação na área da defesa e em particular de um dos seus órgãos mais controverso e menos conhecido - o Centro de Análise Estratégica para Assuntos de Defesa da CPLP.
 
Os mecanismos de cooperação na área da defesa são constituídos pelo conjunto das estruturas e órgãos que conferem operacionalidade a esta vertente da cooperação, ou seja, que constituem os pilares do diálogo no âmbito da ligação entre os Estados-membros para as dinâmicas da segurança e da defesa. Na interligação entre estes domínios estratégicos, entre a Comunidade e os países membros, jogam-se na área da Defesa, os actuais interesses da CPLP, sendo de referir nomeadamente a implementação dos seguintes vectores na Arquitectura de Segurança e Defesa da Comunidade: Conferências de Chefe de Estado e de Governo; Reunião dos Ministros de Defesa e de Chefes de Estado-Maior General das Forças Armadas; Fórum de Defesa; Secretariado Permanente para os Assuntos de Defesa; Centro de Análise Estratégicas para Assuntos de Defesa; os Exercícios Militares da Série ”Felino” e o Protocolo de Cooperação no Domínio da Defesa, integrando mais recentemente, as Reuniões dos Directores Gerais de Armamento e Equipamentos de Defesa e de Directores dos Serviços de Informações Militares. Neste contexto, analisa-se em seguida numa perspectiva integrada e sectorial, uma dessas componentes mais específicas - O Centro de Análise Estratégica para Assuntos de Defesa, procurando-se trazer para a reflexão outras áreas potenciais de intervenção e inovadoras formas de pensar este organismo ao serviço dos Estados-membros, da Comunidade, de África e do Mundo.
 

O Centro de Análise Estratégica para os Assuntos de Defesa da CPLP

Face às constantes mudanças na conjuntura internacional com reflexos directos sobre a segurança e defesa, impostas pelas dinâmicas da globalização das ameaças e dos riscos, a CPLP sentiu a necessidade de acompanhar os desenvolvimentos nesta matéria e simultaneamente de reforçar os laços de cooperação entre Estados-membros sobre estas temáticas. Estas preocupações ditaram no contexto da cooperação na área da Defesa, a criação pelos Ministros de Defesa da CPLP, do Centro de Análise Estratégica, durante a 6ª Reunião Ordinária de Ministros da CPLP, ocorrida em 31 de Julho de 2001 (em São Tomé e Príncipe), onde foram aprovadas as alterações efectuadas aos Estatutos da Comunidade, passando a incorporar no Artigo 3º alínea b) (objectivos), entre outras áreas da cooperação, a vertente da cooperação na Defesa e na Segurança Interna. Tendo como base a emenda efectuada aos Estatutos da Comunidade e movidos pela vontade colectiva de ver reforçados os laços de cooperação nestes domínios, principalmente em face das mudanças impostas pela envolvente internacional, os Ministros de Defesa dos Países de Língua Portuguesa, decidiram criar o Centro de Análise Estratégica, acto que ocorreu formalmente no decorrer da 5ª Reunião deste Fórum, realizada em Lisboa, em 28 de Maio de 20023.
 
O Centro de Análise Estratégica para Assuntos de Defesa é um órgão que visa a pesquisa, o estudo e a difusão de conhecimentos no domínio da estratégia, com interesse para os objectivos da Comunidade, tendo como objectivo primordial “…promover o estudo de questões estratégicas de interesse comum que habilitem à tomada de posições concertadas nos diversos foros internacionais e acompanhar os desenvolvimentos na Comunidade Internacional...”4. Os objectivos gerais do Centro de Análise Estratégica são, entre outros, o de promover a pesquisa, reflexão e intercâmbio de conhecimentos, tendo em vista a interpretação, actualização e aplicação de doutrinas e procedimentos estratégicos na área da defesa; Impulsionar o estudo de questões estratégicas de interesse comum que habilitem à tomada de posições concertadas nos diversos fora internacionais; Elaborar estudos e projectos de investigação sobre Estratégia na área da Defesa, tendo em consideração as necessidades dos Estados Membros; Promover o intercâmbio com Centros de Estudos de interesse para o CAE dentro e fora da Comunidade e ainda o de accionar o arquivo e a divulgação de estudos e documentos, no âmbito das suas actividades.
 
Numa óbvia tentativa de descentralização da componente de Defesa, constituiu-se a sede do CAE, em Maputo, inaugurada em 28 de Novembro de 2003, com uma Direcção encabeçada pelo Coronel Domingos Salazar Manuel, assumindo o papel de Director do Centro5. Actualmente, o Director do Centro é ainda o Coronel Domingos Salazar, estando a ser pensado no seio da Comunidade, a criação da figura de um Sub-Director, aspecto que poderá servir para dinamizar e conferir outras sinergias, bem como, contribuir para o reforço da organização interna e da prestabilidade externa. Complementarmente, constitui-se uma rede de Núcleos Nacionais Permanentes (NNP) nos Estados-membros, como forma encontrada para operacionalizar este mecanismo de análise estratégica, em que a constituição dos Núcleos, constitui uma responsabilidade dos Ministros da Defesa de cada um dos Estados-membros, competindo-lhe contribuir para o desenvolvimento dos estudos e análises de projectos de investigação no âmbito dos objectivos do CAE. Pretendia-se assim dinamizar e agitar a reflexão estratégica sobre os assuntos da Defesa e da Segurança no seio da Comunidade. Para cada ano é definido uma temática de análise, que abrange as principais preocupações da Comunidade nestas áreas específicas, comprometendo-se a ser discutida em conjunto e apresentada em reunião ou em seminário internacional. Aspectos que nem sempre têm sido positivamente conseguidos. Até ao momento, foram analisadas e parcialmente editadas publicações (no Instituto de Estudos Superiores Militares - IESM) sobre as seguintes temáticas: “O Papel da CPLP na Prevenção de Conflitos e Gestão de Crises Regionais”; “O carácter multidisciplinar da luta contra o terrorismo” e a “A Profissionalização das Forças Armadas, a Ética e a Profissão Militar”.
 
Com sede, desde a sua criação, em Moçambique, na perspectiva de agregar as componentes de Defesa da Comunidade com os Estados membros, constata-se que em Portugal, este Núcleo está associado à Secção de Ensino de Estratégia do IESM. Este Instituto, no intuito de conferir relevo e dar corpo a esta incumbência, tem levado a efeito algumas iniciativas para apresentação de trabalhos e publicado as conclusões dos temas estudados. Contudo, constata-se que as dinâmicas internas e os processos de troca de informação e de experiências, nem sempre têm funcionado, não permitindo o aproveitamento cabal das suas capacidades face às enormes expectativas criadas. Cremos que muito mais há a fazer, que na nossa opinião, passa, entre outros aspectos, pela iniciativa conjunta de conseguir descentralizar o conhecimento, ligando-se aos meios universitários e científicos, nacionais e internacionais. O que implica, em múltiplos aspectos, “dar-se a conhecer, para ser nacional e internacionalmente mais conhecido…”.
 

Uma perspectiva africana da CPLP. Novas perspectivas para o Centro

É preciso entender que actualmente a “união linguística geográfica” que é muitas vezes o epíteto poético da CPLP, é uma caracterização algo redutora e muito desajustada da realidade conjuntural. Na realidade, constatamos que a Comunidade representa muito mais do que uma simples questão de tradição, gosto poético ou uma dinâmica de cultura e história comum. A Comunidade configura um espaço de interesse geoestratégico relevante, dinâmico, extrovertido e concorrente na projecção espacial, não só da língua e da cultura, mas de muitos outros factores do potencial estratégico que encerra. Nomeadamente a economia, espaço de soberania, projecção de segurança, controlo de espaços geoestratégicos vitais, acesso a recursos e garantia de influência na tomada de decisão, não só ao nível regional, mas também no contexto mundial. Nesse sentido, considera-se que a intervenção no espaço africano encerra para a Comunidade, não só um direito, mas principalmente um dever. Um dever para com os países “luso falantes” de África, um dever para com os Africanos e para com o Mundo. Neste contexto, constata-se que actualmente a cooperação entre as Organizações Internacionais e as Organizações Regionais Africanas poderá constituir uma das principais bases da estrutura de segurança continental africana, pois são estas últimas que se encontram mais perto dos problemas, o que significa que são também aquelas a quem naturalmente mais interessa resolvê-los. Contudo, não é só por este aspecto que as Organizações Regionais são fundamentais no contexto da segurança africana. Constatamos também que a Reforma do Sector da Segurança e da Defesa necessita tanto de um envolvimento de curto prazo, com medidas essencialmente político-militares, bem como de um envolvimento a longo prazo, abarcando medidas político-económicas, relacionadas essencialmente com o apoio ao Estado, às Organizações Regionais e assenta numa estratégia de complementaridade com o apoio ao desenvolvimento sustentado e à “good governance”. Por esse motivo, as Organizações Regionais Africanas devem ser vistas como os principais actores capazes de cumprir esta missão a tempo inteiro, devendo ser por esse motivo, os eixos privilegiados de acção das estratégias da CPLP para África. Segundo este desiderato, o Centro de Análise Estratégica pode e deve desempenhar um preponderante papel na ligação entre a Comunidade e as Instituições Regionais, estabelecendo parcerias em vários níveis (universidades, Centros de análises estratégicas congéneres, órgãos de informação, etc.). Desta forma, possibilita-se a utilização do Centro de Análise como um mecanismo útil de troca de informações estratégicas e de análise das dinâmicas nacionais e regionais, num continente onde pode e deve ter intervenção privilegiada, ou seja, em África.
 
A CPLP tendo neste continente cinco dos seus oito Estados-membros, está institucionalmente interessada em garantir-lhes segurança e condições para uma boa e decente governabilidade, um desenvolvimento sustentado, participado e acima de tudo, mais eficaz e eficiente. Nas dinâmicas das Relações Internacionais, estes objectivos conseguem-se, internamente, através de um reforço na cooperação estratégica entre os Estados-membros e, externamente, colaborando conjunturalmente com as Organizações Regionais Africanas e com a sociedade internacional, contribuindo assim para um ambiente de paz e para o desenvolvimento da região. O que no caso da Comunidade em África, implica um reforço na cooperação interna e a adopção de políticas mais activas de cooperação na vertente externa, pois ao nível multilateral, organizações como a UE, ONU, UA, CPLP e OIF6, entre outros, têm responsabilidades na implementação da segurança e na estabilidade em África. Esta cooperação pode ser desenvolvida em nome da partilha de conhecimentos científicos e da troca de informações estratégicas, ou seja, pela assumpção das valências e das capacidades para a qual o Centro foi criado (mas que presentemente não tem), implicando um “dar-se a conhecer” e participando nos fóruns regionais de debate sobre as temáticas da Reforma do Sector da Segurança e da Reforma do Sector da Defesa no seio dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e respectivos envolvimentos regionais.
 
O desenvolvimento do continente africano e a capacidade de garantir uma, auto-sustentabilidade em termos de segurança, levou os africanos a estabelecerem uma Arquitectura de Paz e Segurança Africana que assenta nas Organizações Regionais Africanas, estando a UA (desde 2002), apostada em mostrar que é capaz de assumir a responsabilidade e de liderar a cooperação sobre as questões da paz e da segurança em África. Contudo, a divisão geográfica do continente africano em cinco regiões, estando associado a cada uma delas, uma Organização Sub-regional própria, criou uma dinâmica diferenciada dentro do continente africano. Um continente diferenciador a diferentes velocidades...
 
Os PALOP apresentando-se geográfica e estrategicamente descontinuados, fazem parte de diferentes organizações regionais, com diferentes níveis e tipologias de problemas, de desenvolvimento e de interesses estratégicos, o que obriga a uma maior necessidade de coordenação nas acções e nas políticas externas dos países africanos da Comunidade, bem como de comportamentos cooperativos desta, com as diferentes Organizações Regionais que dominam o espaço Africano. Como exemplo, refira-se o facto de a CPLP ter estabelecido em 1998, um diálogo com a Organização de Unidade Africana (OUA) e com a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), durante a crise na Guiné-Bissau, tendo sido recentemente estabelecido (Maio de 2006), um acordo formal mais atraente com a União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) e restabelecido noutro formato com a CEDEAO. Neste contexto, a CPLP e a CEDEAO integram o Grupo de Contacto Internacional para a Guiné-Bissau7, à semelhança do que foi constituído com outras parcerias regionais por intermédio da CEDEAO, nomeadamente, para a Libéria, Serra Leoa e Costa do Marfim. Estas acções ocasionais e esporádicas parecem pouco, notando-se no entanto uma necessidade institucional de intervenção regional em África. Este facto reflecte a apetência que a Comunidade tem de se “abrir para África”, onde o CAE pode, mais uma vez, servir de elemento de ligação e de mais-valia entre organizações. Esta intenção encontra-se bem patente na Declaração emitida pelos Chefes de Estado durante a “Cimeira de Bissau” (2006), também designada por “Cimeira da Década”, em que se refere que a modalidade de acção estratégica privilegiada com vista a contribuir para se alcançar os “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio” 8 é o estabelecimento de parcerias com as Organizações Regionais Africanas “…numa perspectiva de interacção com os diversos níveis de integração e de cooperação regional em que os seus Estados-membros se inserem…” (CPLP 2006).
 
Na área da segurança e da defesa regional, a interligação com a Arquitectura de Paz e Segurança Africana (APSA), pode-se fazer por via do reforço das capacidades individuais dos Estados-membros africanos da CPLP, conferindo-lhes capacidades para intervirem, com os seus pares, nas suas áreas de interesse conjuntural. Regiões onde existe uma componente militar estruturada, a quem competirá conjunturalmente restabelecer a paz regional em superior concordância com os pareceres da União Africana (UA) e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Nesta modalidade de acção estratégica e especialmente de vontades, existe espaço geoestratégico para os PALOP intervirem, quer individualmente, quer transportando a bandeira da Comunidade, principalmente se esses conflitos forem dentro das suas próprias fronteiras.
 
O diálogo com as Organizações Regionais Africanas, obrigará a CPLP a adoptar uma postura mais interactiva e interventora, levando ao estabelecimento de protocolos de cooperação em diversos domínios e à partilha de informação estratégica entre organizações, podendo daí advir um especial destaque para o papel do CAE neste processo. Com especial interesse e visibilidade, destacamos a possibilidade de ser a CPLP, por via do Centro, a colaborar no estabelecimento de mecanismos de alerta precoce (integrando o “Continental Early Warning System” da União Africana) nos seus Estados-membros em África, enquadrando-se nas pretensões manifestadas em Bissau. Esta cooperação poderia permitir realizar um acompanhamento regular da situação interna dos PALOP, visando identificar problemas conjunturais e reforçar as capacidades da Comunidade Lusófona no âmbito da prevenção de conflitos, na Ajuda Humanitária e no apoio à consolidação das Instituições em apoio à Reforma do Sector da Segurança (RSS) e à Reforma do Sector da Defesa (RSD). Aspectos que poderiam ser estrategicamente conseguido pela correcta operacionalização dos Núcleos Nacionais Permanentes e do Centro de Análise Estratégica, em proveito de cada um dos Estados-membros, de toda a Comunidade e de África.
 

A CPLP no contexto Regional Africano

É possível supor que actualmente a CPLP, pode desempenhar um papel relevante (no contexto das Organizações Regionais Africanas), uma vez que o desenvolvimento económico é indissociável da consolidação dos aspectos da segurança e da defesa. Facto que motiva nestas organizações, a necessidade de ampliar o seu espectro de actuação, dando ênfase a parcerias estratégicas e criando perspectivas comuns, como ponto de partida para a consecução destes objectivos comuns. Neste quadro, a CPLP pode apoiar politicamente e participar estrategicamente, na definição e resolução do quadro das ameaças e dos riscos que actualmente se colocam à segurança dos Estados em África. Nomeadamente, no que se refere à «despolitização» das Forças Armadas e à sua subordinação ao poder político, aspecto onde o Centro de Análise Estratégica pode realizar mais-valias, apostando numa dinâmica diferenciada da actual, constituindo-se como elemento de doutrina e de assessoria partilhada na vertente da Reforma do Sector da Segurança e da Defesa para a CPLP. Nesta perspectiva, a criação das “African Standby Forces” é um passo a apoiar e a acompanhar decisivamente também por via da intervenção do CAE, onde existe um espaço para a colaboração da Comunidade Lusófona com as Organizações Sub-Regionais Africanas, aspecto que deverá empenhar outros meios e levar à adopção de linhas de intervenção estratégica mais ambiciosas e melhor consolidadas.
 
É também conhecido o facto de existir uma vontade expressa de alguns países membros das Organizações Regionais Africanas em estreitar a colaboração com a CPLP nos domínios da segurança e da defesa. Conferindo desta forma uma maior legitimidade para as intervenções regionais sob a égide das NU e constituindo um importante salto qualitativo nas relações entre Estados nesta região do globo. Esta vontade advém do relativo sucesso que a Comunidade tem demonstrado em matéria de cooperação entre Estados, especialmente em África, como aconteceu recentemente nas eleições em Angola e na crise na Guiné-Bissau. Em paralelo e em termos multilaterais destacam-se as acções a desenvolver no âmbito da CPLP, vocacionadas para a edificação e consolidação das Forças Armadas dos seus Estados-membros, especialmente as Forças Armadas dos PALOP e concretamente no domínio das capacidades relacionadas com as Operações de Manutenção da Paz, a realizar sob a égide das Nações Unidas, ou das Organizações Regionais e Sub-Regionais Africanas.
 
Ainda no contexto da cooperação para o desenvolvimento, é sabido o reconhecimento que a UNHCR9 tem pelo capital de experiência lusa adquirida através da Cooperação Militar bilateral entre os PALOP, Portugal e o Brasil (com reflexos directos na Comunidade) e da sua continuada participação em Operações de Apoio à Paz e de Resposta a Crises, quer seja no âmbito da OTAN, da UE e da ONU, respectivamente. Sendo contudo desejável um maior ênfase da cooperação e da assessoria militar com países africanos no domínio da formação de quadros, vocacionada para o desenvolvimento de capacidades especifica no apoio à execução de operações de resposta à crise, dando relevo ao crescente papel das operações civis-militares, particularmente na resolução da problemática dos refugiados e deslocados, apontando, no futuro, para uma crescente importância estratégica da CPLP no contexto regional africano. Apesar do referido, a prática permite constatar que continuam a existir alguns entraves à construção da desejável coesão Lusófona, que se devem fundamentalmente aos interesses presentes nesta parte do globo, onde os países da Comunidade, por se encontrarem “afiliados” a organizações implantadas em continentes diferenciados (UE, MERCOSUL e UA), apresentam políticas e estratégias diferenciadas e não perfeitamente convergentes para o desenvolvimento de África. Este facto, apresenta aparentemente algum risco de desalinhamento de interesses e divergência nas prioridades no seio da Comunidade, até porque aquelas organizações funcionam, formal e politicamente, como pólos de atracção e de convergência regional, por oposição àquele que enforma a CPLP, podendo dar-se o caso de existir dispersão de esforços e dissonância de objectivos. Nesta partilha e simbiose entre estas organizações, que estão na esfera de influência dos países da CPLP, o Centro pode contribuir para agregar dinâmicas e constituir-se como plataforma de partilha de conhecimento na vertente da segurança, dentro dos interesses conjunturais e das áreas de responsabilidade partilhadas, aspecto que daria porventura outra dinâmica e outro sentido ao Centro de Análise Estratégica para os Assuntos de Defesa.
 
No caso dos PALOP, em face dos interesses conjunturais presentes na área, que já se faziam sentir antes dos processos de independência, especialmente por parte do Reino Unido e da França e mais recentemente a China e os EUA, entre outros. Não só porque actuam de uma forma dinâmica, parcialmente conjugada e eficiente, traduzindo uma política de cooperação pro-africana activa, mas também porque geográfica e demograficamente, a Anglofonia e a Francofonia “cercam” a Lusofonia, tratando-se como se sabe de duas formas de comunicação relevantes a nível regional, continental e internacional. Contudo, pensamos que o capital de experiência da Lusofonia neste continente, permitirá manter um estatuto de língua de trabalho nas principais Organizações Regionais Africanas, verificando-se contudo que os conteúdos nas páginas da Internet destas organizações (apesar de existir espaço para o Português) estão ainda sem conteúdos “activos”, praticamente inertes e inoperantes. Aspecto que a CPLP poderia e deveria dar mais atenção, quer por intermédio dos países da Comunidade Lusófona que integram essas organizações, o que seria o mais desejável, ou concertadamente, via CPLP, fazendo evoluir esses conteúdos e assim dar outra imagem e projecção da Lusofonia nos espaços regionais, e por essa via em África e no Mundo.
 
A inserção do “Português” nas Organizações Regionais Africanas é um factor estratégico para a Comunidade Lusófona e deveria merecer um redobrado esforço dos seus dirigentes, com especial atenção para o papel do CAE, pode permitir um “realinhamento” das políticas para África, através da dinamização concertada dos conteúdos apresentados nas páginas das diversas Organizações Regionais Africanas. Pensar no futuro da Lusofonia e da Comunidade implica colocar todos os seus instrumentos ao seu serviço e assumir, no presente, as responsabilidades e estratégias que, no futuro, serão um valor acrescentado à Lusofonia, à CPLP e concretamente ao Centro de Análise Estratégica. A inserção regional da Comunidade, concertadamente, pode fazer-se através de acções estratégicas e de políticas concretas, em que a língua, a cultura, a assessoria militar, o apoio ao desenvolvimento, a partilha de informações (via CAE), têm um aspecto fundamental, mas também através da concertação político-diplomática, actuando activamente nos sistemas de decisão destas organizações, o que permitirá um capital acrescido de investimento e de responsabilidade à Comunidade, colocando a organização no mesmo patamar, em África, das suas congéneres Francófona e Anglófona.
 
No âmbito da prevenção de conflitos, a organização tem desenvolvido um trabalho muito meritório, tendo actuado essencialmente ao nível da diplomacia preventiva, constituindo «Grupos de Contacto» e «Missões de Observação», ao mais alto nível, não só na perspectiva de acompanhar os conflitos internos nos seus Estados-membros (Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe e Timor-Leste), como de intervir activamente na sua resolução10. Na prevenção de conflitos, a acção diplomática é vital e a Comunidade tem dado provas de ser capaz de desempenhar cabalmente este tipo de missões, não só no espaço dos seus Estados-membros, como vem acontecendo, mas também noutras regiões, nomeadamente em África. Neste prisma, os Núcleos Nacionais Permanentes do Centro de Análise Estratégica, podem contribuir activamente para assessorar estes grupos de missão, fornecendo elementos de análise e providenciando pareceres técnicos e assessores no intuito de contribuir para uma tomada de decisão mais proficiente e efectiva neste âmbito. Só que, constata-se que os Núcleos Nacionais não existem em muitos destes países e naqueles onde existem, estão praticamente inoperativos…
 
A cooperação entre a Comunidade e os Estados Africanos (extra-PALOP), bem como o estabelecimento de parcerias com as Organizações Regionais Africanas, parecem ser as duas modalidades de acção estratégica prováveis para uma intervenção em África. No entanto, na perspectiva de intervenção na Arquitectura de Paz e Segurança Africana, segundo as orientações estratégicas saídas da “Cimeira de Bissau”, privilegia-se, como vimos, a cooperação com as Organizações Regionais Africanas em detrimento dos Estados Africanos. Neste quadro, cremos que o papel da Comunidade em África se encontra numa fase de afirmação, não só no seio dos seus Estados-membros, o que é estrategicamente fundamental, como das Organizações Internacionais e Regionais presentes neste espaço geográfico. Neste intuito, a Comunidade pode e deve desenvolver estratégias de cooperação em múltiplos domínios (mormente na vertente da troca de informações estratégicas e do conhecimento militar, onde o Centro de Análise Estratégica poderia desempenhar um papel de charneira), tendo no entanto uma especial incidência na vertente da segurança, como complemento do desenvolvimento sustentado e em concordância com a adopção dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, assumindo-o como objectivo primordial, de acordo com o afirmado na “Cimeira da Década da CPLP”, em Bissau.
 
A Comunidade poderá vir a estar, no futuro, especialmente vocacionada para intervir na prevenção de conflitos regionais e intra-estatais pela via diplomática, em particular no seio dos seus Estados-membros, reforçando e aperfeiçoando o que vem fazendo neste âmbito. No entanto, ao nível da resolução de conflitos, necessitando de uma componente militar normalmente mais robusta, essa intervenção, embora mais complexa, será também possível e até desejável, no princípio de serem os Africanos a resolver os problemas em África (African Ownership). Carece contudo de múltiplos apoios e orientações (assessoria) da vertente “não africana” da Comunidade, especialmente de Portugal e do Brasil. Países como Angola e Moçambique, com maior expressão, mas também, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, têm participado em missões e exercícios no quadro da ONU, da UA e de outras Organizações Sub-Regionais Africanas, dando mostras de poderem contribuir para as “African Standby Forces”, ou outras Forças que venham a ser constituídas no quadro das Organizações Regionais onde se inserem, ou ainda para missões no âmbito das Nações Unidas no quadro da prevenção e resolução de conflitos africanos.
 
No futuro, a CPLP poderá e deverá tendencialmente “caminhar” para África, nomeadamente através do reforço da cooperação estratégica (em vários domínios) com as Organizações Regionais Africanas, podendo afirmar-se pela cooperação “útil” com estas Organizações, considerados como actores fundamentais na garantia da segurança e do desenvolvimento sustentado no continente africano. Esta cooperação realiza-se por vários motivos. Em primeiro lugar, porque existe um processo de incremento da confiança nas organizações, de automatização de mecanismos de trabalho estratégico interno conjunto e sobretudo de acumulação de experiência na área da segurança entre as Organizações Regionais Africanas e a Comunidade, que vão tornando o funcionamento destas organizações progressivamente mais sólido. Em segundo, devido a alguma falta de interesse que a sociedade internacional parece ter por África, fazendo com que os problemas africanos tenham cada vez mais de passar por soluções africanas e em que a Organização pode contribuir para essas soluções. Em terceiro lugar, atendendo a que os Estados Africanos vão continuar a não garantir as suas funções primordiais, sendo necessário encontrar alternativas viáveis para garantir a segurança humana e a melhoria das condições de vida necessárias a um desenvolvimento sustentado, assumindo previsivelmente as Organizações Regionais Africanas esse ónus. Por último, porque mesmo num contexto de maturidade institucional dos Estados Africanos, as Organizações Africanas serão considerados actores preponderantes nas dinâmicas de segurança regional, pois estas estão numa fase de consolidação das suas capacidades e os próprios Estados delegam nelas a sua própria segurança regional e continental.
 

Outra perspectiva, uma nova dinâmica para o CAE

O Centro de Análise Estratégica para os Assuntos de Defesa, tal como está estruturado e pela reduzida dinâmica que tem vindo a apresentar, encontra-se praticamente inoperacional e carece de uma revitalização das suas missões, das suas possibilidades e eventualmente da sua Direcção e dos seus quadros. No entanto a modalidade de Núcleos Nacionais Permanentes, parece constituir uma aposta certa, sendo contudo fulcral apostar nas novas tecnologias da informação, na realização de fóruns de discussão e seminários em rede, vocacionado estrategicamente o CAE para uma aproximação aos meios académicos e organismos civis que estudam os fenómenos da paz e da guerra, permitindo uma troca de informações e de experiências neste âmbito, e contribuindo para reforçar a utilidade nacional e internacional do Centro de Análise Estratégica, contribuindo para o prestígio da Comunidade e dos seus Estados-membros.
 
Numa perspectiva futura e muito mais proactiva, cremos que o Centro de Análise Estratégica, poderia ser (ambiciosamente) o fórum por excelência da análise estratégica para toda a CPLP, saindo da alçada restrita da vertente da Defesa da Comunidade, mas trabalhando transversal e intimamente com esta. O seu trabalho e na sua missão, deveria estar focalizado para o acompanhamento e análise dos problemas securitários e de apoio ao desenvolvimento em África, operando em estreita parceria com as suas congéneres africanas e mundiais. Mas, contudo, estrategicamente mais próxima do Secretariado Executivo e em apoio aos outros vectores da cooperação dentro da Comunidade. Cremos assim que pelas valências que deveria possuir (permitir uma maior abrangência, profundidade e transversalidade dos assuntos e da difusão dos ensinamentos recolhidos), deveria ser multidisciplinar, transnacional e acima de tudo, muito mais proactivo e interveniente na dinâmica da Comunidade, mesmo indo ousadamente para além da vertente da Defesa que lhe está estatutariamente confinada. No âmbito do continente africano, poderia e seria pertinente, desempenhar um papel de maior intervenção e visibilidade se estivesse associado aos mecanismos de alerta das Organizações Sub-Regionais Africanas (CEWS), partilhando análises, informações estratégicas e acompanhando o evoluir da situação interna em cada um dos Estados-membros da CPLP, possibilitando-lhe uma outra presença e dinâmica em prol da segurança em África.
 

Síntese conclusiva

A CPLP foi criada oficialmente a 17 de Julho de 1996, na presença dos Presidentes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, com início formalizado em Portugal, no intuito de unir estes povos num “transatlântismo linguístico comum, tendo Timor-Leste completado o ciclo dos oito países da Lusofonia em 31 de Julho de 2003, na Cimeira de Brasília. Actualmente, temos a noção de que a Comunidade tem progredido no sentido de aperfeiçoar este mecanismo de cooperação lusófona, de permitir a sua projecção como vector estratégico da realidade lusófona geopolítica actual e de afirmação crescente no contexto regional mundial.
 
Nesse âmbito, temos vindo a assistir a uma intrínseca vontade de crescer, de se projectar estrategicamente e de reforçar a cooperação inter-Estados, não só no âmago dos cinco denominadores comuns da sua constituição, mas para os actuais doze, entre os quais as componentes de Defesa e de Segurança Interna. A CPLP é identificada como a organização que congrega os povos lusófonos e que tem a língua e a cultura como base, tendo contudo ultrapassado já largamente este âmbito, ampliando os seus domínios de cooperação, nomeadamente criando a partir de 2002, a componente de Defesa (contudo, já em 1998, se havia realizado no Forte de S. Julião da Barra (em Oeiras), a 1ª Reunião de Ministros da Defesa, que consubstanciou o início “informal” da vertente de Defesa no quadro da Comunidade). Quatro anos depois, resolveu-se alterando os estatutos iniciais, introduzindo a componente da cooperação na Defesa e da Segurança Interna na área dos seus objectivos estatutários de cooperação (Artº 3º, b.).
 
A Comunidade criou durante os dez anos de existência da sua dimensão de Defesa, alguns mecanismos específicos que têm contribuído para consolidar e fazer caminhar com passos seguros, esta vertente de cooperação. Nomeadamente, através das Reuniões de Ministros da Defesa e de CEMGFA, da criação do Secretariado para os Assuntos de Defesa, da realização anual dos Exercícios Militares da série “Felino”, com a assinatura do “Protocolo de Cooperação no Domínio da Defesa”, contemplando uma abertura de intercâmbios, onde se inclui as reuniões de Directores Gerais de Política de Defesa Nacional e dos Directores dos Serviços de Informações Militares e ainda o Centro de Análise Estratégica para os Assuntos de Defesa. A cooperação na área da defesa visa permitir estabelecer os princípios gerais de cooperação entre os Estados-membros e tem como objectivo principal promover uma política comum de cooperação na esfera da defesa, criando uma base para a partilha de conhecimentos e assim contribuir para o reforço das capacidades internas das Forças Armadas dos países da Comunidade. Aspecto que no futuro e com um maior dinamismo e participação no Centro de Análise Estratégica, permitirá à organização almejar outras responsabilidades e assumir outra intervenção no quadro da prevenção e resolução de conflitos regionais, especialmente na África Subsariana. Pois que o Centro, tal como está estruturado e em face da sua reduzida dinâmica, carece de uma revitalização das suas missões internas e um reforço das suas externas possibilidades externas.
 
Na área da cooperação com as Organizações Regionais Africanas e em prol da Arquitectura de Paz e Segurança Africana, pode ser feita pela via bilateral e multilateral. Bilateralmente, reforçando as capacidades individuais dos Estados-membros, garantindo-lhes uma melhor intervenção nos teatros onde desejem intervir e uma participação mais activa nas Organizações Africanas onde estão regionalmente inseridos. Multilateralmente, estabelecendo-se parcerias estratégicas entre a Comunidade e as Organizações Regionais Africanas, cooperando com estas em múltiplas vertentes da segurança e do apoio ao desenvolvimento. Ao assumir tal desafio, a CPLP prepara-se para se envolver na maior luta do início do Século XXI, contribuir para o desenvolvimento sustentado e para a segurança colectiva dos Africanos em África. Esta contribuição pode ser feita à custa de alterações estratégicas e da adequação dos seus instrumentos de acção, nomeadamente revitalizando e redireccionando o Centro de Análise Estratégica, atribuindo-lhe outras tarefas, garantindo outro nível de intervenção e de representatividade no seu espaço de intervenção privilegiado, que é África.
 
 Neste contexto, o Centro de Análise Estratégica poderia constituir-se o fórum por excelência de análise estratégica para toda a Comunidade Lusófona, nomeadamente sobre os problemas da segurança em África, operando em estreita parceria com as suas congéneres africanas e mundiais. Nesse sentido, a modalidade de Núcleos Nacionais Permanentes parece constituir uma aposta certa, sendo contudo fulcral apostar nas novas tecnologias da informação, na realização de fóruns de discussão e seminários em rede, vocacionado estrategicamente o Centro para uma aproximação aos meios académicos e organismos civis que estudam os fenómenos da paz e da guerra, permitindo uma troca de informações e de experiências neste âmbito, contribuindo para reforçar o prestígio internacional do Centro, dos Estados-membros e da CPLP.
 
O futuro trará para África outras dinâmicas na vertente da segurança, bem como do apoio ao desenvolvimento sustentado, e as Organizações irão desempenhar um papel de valor acrescentado nesta “revolução”. A CPLP terá a oportunidade de assumir alguns desafios que encerra esta viragem para África, pelo que deve saber aproveitar esta oportunidade minimizando as suas fragilidades internas, onde se destaca o Centro de Análise Estratégica, tendo em vista preparar-se internamente para intervir externamente, pois só uma organização de excelência tem possibilidades de se afirmar no mundo globalizado. Actualmente, a mensagem da existência desta Comunidade, que congrega Países, Continente e Oceanos, sob a mesma língua, é também o garante da afirmação da CPLP no mundo, que por distinta “obrigação”, tem no espaço conjuntural africano, a sua área privilegiada de intervenção e onde se espera venha a assumir, muito pelo dinamismo que se impõem ao Centro de Análise Estratégica outro protagonismo e preponderância em prol do desenvolvimento e da segurança de África.
 
 
*      Major de Infantaria com o Curso de Estado-Maior. Pós-Graduado em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Mestre em Estratégia pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), onde frequenta o Doutoramento em Relações Internacionais. Desempenha actualmente as funções de Assessor Militar de sua Excelência o General Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas.
 1 O Brasil participou na reunião com o estatuto de observador, representado pelo Embaixador do Brasil em Portugal, aderindo como membro permanente em 23 de Maio de 2000, na 3ª Reunião dos Ministros da Defesa da CPLP.
 2 Para uma análise mais aprofundada desta temática sugere-se a leitura do artigo “A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Uma Década de Segurança e Defesa, do autor, publicado na Revista Militar (Janeiro de 2008) e disponível em http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=260.
 3 Nesta data começou a ser projectada a elaboração do Regulamento do Centro de Análise Estratégica para Assuntos de Defesa da CPLP, que já aprovado, sintetiza a sua constituição, atribuições, missão, organização externa, e onde está definido a constituição dos Núcleos Nacionais Permanentes em cada um dos Estados Membros da CPLP.
 4 www.caecplp.org
 5 A Direcção do Centro de Análise Estratégica é assegurada por um Director, nomeado por Despacho do Ministro da Defesa Nacional da República de Moçambique nº 183/MDN/2004 de 22 de Julho e homologado pelos Ministros da Defesa dos Países da CPLP, em 28 de Outubro de 2005. Ao Director compete-lhe, entre outros aspectos, dirigir as actividades do Centro, elaborar o projecto do plano anual de actividades e respectivo orçamento de suporte, a serem aprovados em sede de Reunião Ministerial, apresentar o relatório anual de actividades e respectivo relatório de contas em sede de Reunião Ministerial, gerir o orçamento e o património do centro, constituir grupos de reflexão estratégica, em articulação com os Núcleos Nacionais Permanentes, com a finalidade de produzir estudos especializados de interesse para a Comunidade, coordenar os trabalhos dos Grupos de Reflexão (criados por despacho próprio) e projectos de investigação e ainda o de assegurar a articulação permanente entre a Sede (Maputo) e os Núcleos Nacionais do Centro de Análise Estratégica para assuntos de Defesa.
 6 Organization International de la Francophonie - http://www.francophonie.org/
 7 O Grupo de Contacto Internacional para a Guiné-Bissau é constituído por nove países (Portugal, Angola, Guiné-Conacri, Senegal, Gâmbia, França Nigéria, Gana e Níger) e sete organizações (nomeadamente a ONU, UE, CPLP e a CEDEAO), constituindo-se Portugal como potência ex-colonizador e por esse motivo nação líder no processo de pacificação, muito à semelhança do que fez os EUA na Libéria, o Reino Unido na Serra-Leoa e a França na Costa do Marfim.
 8 A designada “Declaração do Milénio”, adoptada em 2000, por todos os 189 Estados Membros da Assembleia Geral das Nações Unidas, veio lançar um processo decisivo da cooperação global no século XXI. Nela foi dado um enorme impulso às questões do Desenvolvimento, com a identificação dos desafios centrais enfrentados pela Humanidade no limiar do novo milénio, e com a aprovação dos denominados Objectivos de Desenvolvimento do Milénio pela Comunidade Internacional, a serem atingidos num prazo de 25 anos, nomeadamente: Erradicar a pobreza extrema e a fome; Alcançar a educação primária universal; Promover a igualdade do género e capacitar as mulheres; Reduzir a mortalidade infantil; Melhorar a saúde materna; Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças; Assegurar a sustentabilidade ambiental Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento. Foram ainda aí estabelecidas metas quantitativas para a maioria dos objectivos, com vista a possibilitar a medição acompanhamento dos progressos efectuados na sua concretização, ao nível global e nacional. [www.ipad.mne.gov.pt]
 9 Tendo sido assinado um acordo de consultadoria entre a CPLP e a UNHCR, em 9 de Novembro de 2006 (CPLP, 2006).
10 De referir que em 1999, face às convulsões internas na Guiné-Bissau, os Chefes de Estado e de Governo da CPLP, resolveram lançar iniciativas diplomáticas para a resolução do conflito, criando-se um “Grupo de Contacto” ao nível dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e Relações Exteriores, com a finalidade de pôr termo ao conflito. Esta “troika” era liderada por Cabo Verde e composta por membros de todos os países da organização. Aspecto que se repetiu na recente “Crise de Março de 2009”, na Guiné-Bissau.
 
 
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2010-02-19
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Coronel

Luís Manuel Brás Bernardino

Diretor-gerente e Sócio efetivo da Revista Militar.

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